Acessibilidade / Reportar erro

Comparação entre o método clássico de Gibson e Cooke e o teste da condutividade no suor em pacientes com e sem fibrose cística

Resumos

OBJETIVO: Comparar os valores de cloro no suor obtidos pelo teste quantitativo da iontoforese pela pilocarpina (teste clássico) com os valores de condutividade no suor obtidos pelo sistema de coleta por Macroduct® em pacientes com e sem fibrose cística (FC). O custo e tempo despendidos na execução de cada teste foram também analisados. MÉTODOS: O teste do suor pelas duas técnicas foi realizado simultaneamente, em pacientes com e sem FC. Os pontos de corte para a condutividade para excluir ou diagnosticar FC foram < 75 e > 90 mmol/L, respectivamente, e, para o teste clássico, cloro < 60 e > 60 mmol/L. RESULTADOS: Cinquenta e dois pacientes com FC (29 do sexo masculino e 23 do sexo feminino; de 1,5 a 18,2 anos) realizaram o teste do suor pelas duas técnicas, apresentando valores medianos de cloro e condutividade no suor de 114 e 122 mmol/L, respectivamente. Em todos eles, a condutividade foi > 95 mmol/L, o que conferiu ao teste 100% de sensibilidade (IC95% 93,1-100). Cinquenta pacientes sem FC (24 do sexo masculino e 26 do sexo feminino; de 0,5 a 12,5 anos) apresentaram valores medianos de cloro e condutividade no suor de 15,5 e 30 mmol/L, respectivamente. Em todos os casos, a condutividade foi < 70 mmol/L, o que conferiu ao teste 100% de especificidade (IC95% 92,9-100). O tempo despendido na execução dos testes foi significativamente menor com o teste da condutividade, e o seu custo também foi inferior. CONCLUSÕES: O teste da condutividade apresentou alta sensibilidade e especificidade, e houve boa correspondência entre os testes. O tempo de execução foi mais rápido e o custo inferior na aplicação do teste da condutividade em relação ao teste clássico.

Fibrose cística; teste do suor; condutividade; pilocarpina


OBJECTIVE: To compare sweat chloride values obtained by quantitative pilocarpine iontophoresis (classic test) with the sweat conductivity values obtained using Macroduct® collection system in patients with and without cystic fibrosis (CF). The cost and time spent to carry out each test were also analyzed. METHODS: The sweat test using both techniques was performed at the same time in patients with and without CF. Conductivity cutoff values to rule out or diagnose CF were < 75 and > 90 mmol/L, respectively, and for the classic test the chloride values were < 60 and > 60 mmol/L. RESULTS: Fifty-two patients with CF (29 males and 23 females; aged from 1.5 to 18.2 years) underwent the sweat test using both techniques, showing median sweat chloride and conductivity values of 114 and 122 mmol/L, respectively. In all of them, conductivity was > 95 mmol/L, which provided the test with 100% sensitivity (95%CI 93.1-100). Fifty patients without CF (24 males and 26 females; aged from 0.5 to 12.5 years) had median sweat chloride and conductivity values of 15.5 and 30 mmol/L, respectively. In all cases, conductivity was < 70 mmol/L, which provided the test with 100% specificity (95%CI 92.9-100). Time spent to perform the tests was significantly shorter for the conductivity test, and its cost was also lower. CONCLUSIONS: The conductivity test showed high sensitivity and specificity, and there was good correspondence between the tests. The time spent to carry out the conductivity test was shorter and the cost was lower in comparison with the classic test.

Cystic fibrosis; sweat test; conductivity; pilocarpine


ARTIGO ORIGINAL

Comparação entre o método clássico de Gibson e Cooke e o teste da condutividade no suor em pacientes com e sem fibrose cística

Ana C. V. MattarI;Eduardo N. GomesII;Fabíola V. AddeIII;Claudio LeoneIV;Joaquim C. RodriguesV

IMédica Pós-Graduanda, Unidade de Pneumologia, Instituto da Criança, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP

IIAcadêmico de Iniciação Científica, Faculdade de Medicina, USP, São Paulo, SP

IIIDoutora, Medicina, Faculdade de Medicina, USP, São Paulo, SP. Médica assistente, Unidade de Pneumologia, Instituto da Criança, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, USP, São Paulo, SP

IVProfessor titular, Departamento de Saúde Materno Infantil, Faculdade de Saúde Pública, USP, São Paulo, SP

VLivre-docente, Departamento de Pediatria, Faculdade de Medicina, USP, São Paulo, SP. Médico Chefe, Unidade de Pneumologia, Instituto da Criança, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, USP, São Paulo, SP

Correspondência Correspondência: Ana Claudia Veras Mattar Rua Tucuna, 270/91 CEP 05021-010, São Paulo, SP Tel.: (11) 3872.4958 Fax: (11) 3872.4958 E-mail: anacmattar@uol.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Comparar os valores de cloro no suor obtidos pelo teste quantitativo da iontoforese pela pilocarpina (teste clássico) com os valores de condutividade no suor obtidos pelo sistema de coleta por Macroduct® em pacientes com e sem fibrose cística (FC). O custo e tempo despendidos na execução de cada teste foram também analisados.

MÉTODOS: O teste do suor pelas duas técnicas foi realizado simultaneamente, em pacientes com e sem FC. Os pontos de corte para a condutividade para excluir ou diagnosticar FC foram < 75 e > 90 mmol/L, respectivamente, e, para o teste clássico, cloro < 60 e > 60 mmol/L.

RESULTADOS: Cinquenta e dois pacientes com FC (29 do sexo masculino e 23 do sexo feminino; de 1,5 a 18,2 anos) realizaram o teste do suor pelas duas técnicas, apresentando valores medianos de cloro e condutividade no suor de 114 e 122 mmol/L, respectivamente. Em todos eles, a condutividade foi > 95 mmol/L, o que conferiu ao teste 100% de sensibilidade (IC95% 93,1-100). Cinquenta pacientes sem FC (24 do sexo masculino e 26 do sexo feminino; de 0,5 a 12,5 anos) apresentaram valores medianos de cloro e condutividade no suor de 15,5 e 30 mmol/L, respectivamente. Em todos os casos, a condutividade foi < 70 mmol/L, o que conferiu ao teste 100% de especificidade (IC95% 92,9-100). O tempo despendido na execução dos testes foi significativamente menor com o teste da condutividade, e o seu custo também foi inferior.

CONCLUSÕES: O teste da condutividade apresentou alta sensibilidade e especificidade, e houve boa correspondência entre os testes. O tempo de execução foi mais rápido e o custo inferior na aplicação do teste da condutividade em relação ao teste clássico.

Palavras-chave: Fibrose cística, teste do suor, condutividade, pilocarpina.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To compare sweat chloride values obtained by quantitative pilocarpine iontophoresis (classic test) with the sweat conductivity values obtained using Macroduct® collection system in patients with and without cystic fibrosis (CF). The cost and time spent to carry out each test were also analyzed.

METHODS: The sweat test using both techniques was performed at the same time in patients with and without CF. Conductivity cutoff values to rule out or diagnose CF were < 75 and > 90 mmol/L, respectively, and for the classic test the chloride values were < 60 and > 60 mmol/L.

RESULTS: Fifty-two patients with CF (29 males and 23 females; aged from 1.5 to 18.2 years) underwent the sweat test using both techniques, showing median sweat chloride and conductivity values of 114 and 122 mmol/L, respectively. In all of them, conductivity was > 95 mmol/L, which provided the test with 100% sensitivity (95%CI 93.1-100). Fifty patients without CF (24 males and 26 females; aged from 0.5 to 12.5 years) had median sweat chloride and conductivity values of 15.5 and 30 mmol/L, respectively. In all cases, conductivity was < 70 mmol/L, which provided the test with 100% specificity (95%CI 92.9-100). Time spent to perform the tests was significantly shorter for the conductivity test, and its cost was also lower.

CONCLUSIONS: The conductivity test showed high sensitivity and specificity, and there was good correspondence between the tests. The time spent to carry out the conductivity test was shorter and the cost was lower in comparison with the classic test.

Keywords: Cystic fibrosis, sweat test, conductivity, pilocarpine.

Introdução

A fibrose cística (FC) é uma doença genética autossômica recessiva causada por mutações em um único gene localizado no braço longo do cromossomo 7, que afeta as células epiteliais de vários órgãos, incluindo o trato respiratório, pâncreas exócrino, intestino, canais deferentes, sistema hepatobiliar e glândula sudorípara exócrina, resultando em alteração em vários órgãos. A FC caracteriza-se por doença pulmonar supurativa crônica, insuficiência pancreática, cirrose biliar multifocal, infertilidade masculina e grande perda eletrolítica no suor1-3.

O diagnóstico da FC é confirmado quando os níveis de cloro no suor, medidos em duas dosagens independentes, revelam-se acima de 60 mmol/L, ou quando são detectadas duas mutações para FC em estudo genético, ou quando existe alteração da medida da diferença de potencial nasal (teste realizado em poucos serviços) associada a quadro clínico compatível com a doença4,5. Recentemente, os critérios diagnósticos de FC foram revistos, considerando-se em lactentes menores de 6 meses valores normais abaixo de 30 mmol/L e limítrofes entre 30 e 59 mmol/L, uma vez que se tem observado que em lactentes jovens normais os valores de cloro no suor se situam em torno dos 10 mmol/L6-8. O teste do suor é positivo em 98 a 99% dos pacientes com FC, sendo usado como teste de rotina para o diagnóstico dessa doença. O estudo genético das mutações é um método de custo mais elevado e que, mesmo apresentando um resultado normal, não descarta o diagnóstico de FC, pois podemos nos deparar com mutações mais raras que não são rotineiramente pesquisadas nos kits comerciais que estudam as mutações para FC.

Embora várias técnicas tenham sido introduzidas para a coleta e dosagem dos eletrólitos no suor, o teste mais confiável é o baseado na técnica de iontoforese por pilocarpina, descrito por Gibson & Cooke9 em 1959 e considerado ainda hoje o teste padrão-ouro para o diagnóstico de FC. Entretanto, é uma técnica trabalhosa que requer a determinação do peso exato do suor através de balança analítica e o cuidado para evitar a evaporação do mesmo durante a coleta, além de a amostra de suor necessitar ser submetida à análise bioquímica dos eletrólitos, técnica também relativamente complexa. Por esse método, deve-se colher um mínimo de 50 mg de suor10,11 (idealmente > 75 mg) para se obter um resultado acurado, o que pode ser difícil em lactentes menores de 1 a 2 meses. O procedimento torna-se suscetível a erros, podendo levar a resultados falso-positivos e falso-negativos caso não seja realizado por pessoal experiente e com treinamento especializado na coleta e análise do suor. Não é bem estabelecido o número mínimo de testes que um laboratório deve fazer para ser qualificado como proficiente na realização do teste do suor11. Algumas diretrizes internacionais recomendam que os laboratórios realizem um mínimo de 50 a 100 testes por ano, devendo fazer cada técnico, no mínimo, 10 testes ao ano12,13. Além disso, amostras inadequadas de suor não devem ultrapassar 5% do total de amostras coletadas12,13. Presume-se que a taxa de subdiagnóstico de FC no Brasil seja alta, e isso decorre, em parte, da complexidade que envolve a realização do teste do suor, da pouca quantidade de profissionais gabaritados para tal realização no nosso meio e também da ausência de equipamentos para a realização adequada do teste.

Para simplificar o teste, muitos laboratórios têm adotado métodos alternativos14-21. Um deles é o sistema de coleta do suor por Macroduct®22, por meio do qual o suor é coletado para dentro de uma espiral de plástico após a estimulação pela iontoforese por pilocarpina. A pesagem e o risco de evaporação são então eliminados. O suor pode ser captado da espiral, e sua composição iônica analisada posteriormente por técnicas bioquímicas habituais, ou pode imediatamente ser colocado em analisador de condutividade – Sweat-Chek – Wescor®22, que fornecerá rapidamente os valores de equivalente de cloreto de sódio (NaCl) no suor em mmol/L.

O objetivo do presente estudo foi comparar os valores de cloro no suor obtidos pelo teste quantitativo da iontoforese pela pilocarpina (teste clássico) com os valores de condutividade do suor coletado pelo sistema de Macroduct® em pacientes com diagnóstico já estabelecido de FC e em pacientes em cujos casos o diagnóstico da doença havia sido afastado, avaliando-se, então, as propriedades diagnósticas do teste em estudo. O custo e tempo despendidos na execução da coleta da amostra de suor e nas dosagens dos eletrólitos com cada teste também foram avaliados.

Métodos

Em uma primeira etapa da pesquisa foram convidados a participar pacientes com diagnóstico confirmado de FC, regularmente matriculados e em seguimento no ambulatório de Pneumologia do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), São Paulo (SP). Quando concluiu essa fase, foram convidados a realizar o teste pacientes, também em seguimento nesse ambulatório, com outros diagnósticos (asma, lactente chiador, etc.) e em cujos casos já havia sido excluído o diagnóstico de FC com base em dois testes do suor normais, realizados pela técnica clássica no laboratório do Instituto da Criança e registrados no prontuário dos pacientes.

Após explicação, leitura e assinatura do termo de consentimento pelo paciente ou responsável legal, os testes foram iniciados. A pesquisa foi aprovada pela Comissão de Pesquisa e Ética do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.

As duas coletas foram realizadas simultaneamente, cada uma em um antebraço do paciente, conforme descrição abaixo:

a) Teste clássico: técnica quantitativa pela iontoforese por pilocarpina9

Inicia-se o procedimento com a limpeza da pele do antebraço com água destilada e secagem com gaze. A seguir, são fixados eletrodos de cobre de 2,5 x 2,5 cm à pele, por meio de presilhas, sobre gaze embebida em solução de nitrato de pilocarpina (eletrodo positivo) e ácido sulfúrico 0,004 N (eletrodo negativo). Aplica-se uma corrente de 2 a 5 mA durante 5 minutos, após a qual a pele é novamente limpa com água destilada e seca com gaze para colocação de um papel de filtro de cerca de 4 cm de diâmetro coberto com plástico e atadura de crepe. Aguarda-se de 30 a 60 minutos, e o papel é retirado com pinça e pesado em balança analítica para averiguação da massa do suor. Em seguida, o papel é colocado em um vidro e vedado com plástico para ser encaminhado para a análise laboratorial do sódio e do cloro. A concentração de cloro é medida através de cloridrômetro digital, e a concentração de sódio é determinada pelo fotômetro de chama (resultados em mmol/L). O sódio no suor serve principalmente como controle de qualidade, uma vez que valores discordantes entre os dois íons indicam problemas com a coleta ou análise, não devendo então ser interpretados isoladamente23,34. O técnico que realizou a dosagem do sódio e do cloro desconhecia o resultado do teste da condutividade.

b) Teste da condutividade no suor: sistema de coleta do suor por Macroduct® com análise dos eletrólitos por condutividade22

Inicia-se com a limpeza da pele do antebraço com água destilada e secagem com gaze. A seguir é realizada a estimulação da sudorese por meio da colocação de eletrodos com discos de gel de pilocarpina (Pilogel®) na pele e passagem de uma corrente elétrica durante um período de 5 minutos com amperagem de 1,5 mA. Após a iontoforese, a área é limpa e seca, e o coletor Macroduct® é fixado através de presilhas. O coletor consiste em um disco côncavo de material plástico com um orifício central. Este orifício está conectado a um cateter de plástico que se dispõe dentro do disco em círculos concêntricos. O suor produzido será recolhido por meio do orifício e ficará armazenado no cateter. Uma pequena quantidade de corante presente na superfície coletora permite que o suor armazenado seja facilmente visualizado, podendo ser quantificado em microlitros. O tempo de coleta do suor é de 30 minutos e, após a coleta, o cateter é separado do disco e uma seringa é acoplada a uma extremidade. A outra extremidade é acoplada ao aparelho analisador Sweat-Chek®, que irá medir a condutividad25 da amostra coletada e convertê-la no equivalente de osmolaridade de NaCl.

Análise estatística

Este foi um estudo de teste diagnóstico transversal de questões chamadas de Fase II26,27, isto é, o teste em estudo é realizado numa população cujo diagnóstico é previamente conhecido, no caso em apreço, em pacientes com e sem FC. Avalia-se então se os resultados obtidos no teste diagnóstico seriam capazes de diferenciar doentes de normais e se o teste apresentaria potencial diagnóstico (alta sensibilidade e especificidade) em condições ideais, ou seja, no caso deste estudo, quando se sabe antecipadamente quem apresenta ou não FC.

Para verificação da sensibilidade28 do teste da condutividade, o padrão-ouro foi o diagnóstico de FC já estabelecido anteriormente e registrado em prontuário médico do paciente, acompanhado de testes clássicos do suor com resultados alterados na ocasião do diagnóstico. Para verificação da especificidade28 do teste da condutividade, o padrão-ouro foi a exclusão do diagnóstico de FC baseada em dois testes clássicos do suor realizados anteriormente com resultados normais e a presença de outro diagnóstico registrado em prontuário. Foi estabelecida uma amostra de conveniência de aproximadamente 50 pacientes para cada grupo.

Para os cálculos de sensibilidade e especificidade, os pontos de corte considerados foram: para o teste clássico, valores normais de cloro < 60 mmol/L e diagnósticos de FC > 60 mmol/L e, para o teste da condutividade, valores normais < 90 mmol/L e diagnósticos de FC > 90 mmol/L.

Por meio das tabelas de contingência foram calculadas as seguintes propriedades diagnósticas: sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo (VPP) e valor preditivo negativo (VPN) e os respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%), tanto do teste da condutividade quanto do teste clássico. Foi aplicado o teste exato de Fisher para avaliar a associação entre os testes empregados e a presença ou não de FC.

Através da curva ROC (receiver operator characteristic)28, calculou-se a área sob a curva entre os dois testes para avaliação da acurácia do teste em estudo.

Foi utilizado o teste de Wilcoxon para se comparar os tempos na execução de cada teste, considerando-se diferenças significativas quando p < 0,05.

Resultados

As duas técnicas de coleta de suor foram realizadas em 141 pacientes selecionados do ambulatório de Pneumologia do Instituto da Criança no período de fevereiro de 2006 a fevereiro de 2007, sendo 75 com FC e 66 sem a doença.

Dos 75 pacientes com FC, 23 (31%) não obtiveram amostra de suor suficiente pelo teste clássico, enquanto apenas quatro (5%) não a obtiveram pelo teste da condutividade. Nos 66 pacientes sem FC, 16 (24%) não obtiveram massa de suor suficiente pelo teste clássico e apenas dois (3%) não a obtiveram pelo da condutividade. Esses casos foram excluídos da análise comparativa.

Em 52 pacientes com FC, de idades entre 1,5 e 18,2 anos, sendo 29 do sexo masculino e 23 do sexo feminino, foi possível realizar as duas técnicas de teste do suor, obtendo-se mediana de cloro e condutividade no suor de 114 e 122 mmol/L, respectivamente, o que evidenciou uma excelente correspondência entre os testes (Tabela 1). Todos os pacientes com FC apresentaram valores de condutividade do suor maiores que 90 mmol/L, conferindo 100% de sensibilidade ao teste. Em três pacientes com diagnóstico prévio de FC, o resultado do teste clássico foi de abaixo de 60 mmol/L (normal em dois e limítrofe em um caso).

Foi possível realizar as duas técnicas de teste do suor em 50 pacientes sem FC, com idades de 6 meses a 12,5 anos, sendo 24 do sexo masculino e 26 do sexo feminino, encontrando-se mediana de cloro e condutividade no suor de 15,5 e 30 mmol/L, respectivamente (Tabela 1). Todos os pacientes sem FC apresentaram valores de condutividade do suor abaixo de 75 mmol/L, conferindo 100% de especificidade ao teste. Em um paciente, o valor de cloro obtido pelo teste clássico foi de acima de 60 mmol/l, mas ao ser repetido, mostrou-se normal, e a condutividade, nesse caso, foi de abaixo de 75 mmol/L.

Neste estudo houve forte associação entre FC e positividade no teste da condutividade do suor e entre não ter a doença e o teste da condutividade ter resultado negativo (p < 0,0001).

As propriedades diagnósticas de ambos os testes estão descritas nas Tabelas 2 e 3.

Comparando os dois testes pela curva ROC, o teste da condutividade abrangeu 100% da área sob a curva (IC95% 96,4 -100), enquanto o teste clássico abrangeu 99,9% da área sob a curva (IC95% 96,1-100), sendo as curvas superponíveis (Figura 1).


O custo estimado do teste clássico, calculado pelo setor de administração do Laboratório de Análises Clínicas do Instituto da Criança foi de aproximadamente R$ 39,00 (US$ 22,00). Nessa análise foram computados os materiais utilizados – soluções, gazes, papel filtro, luvas, etc. – além da mão-de-obra utilizada na coleta do suor. O teste da condutividade no suor, incluindo a coleta e a análise da condutividade, apresentou um custo aproximado de R$ 36,00 (US$ 20,00), sendo computados os kits utilizados para a execução do teste, soluções calibradoras, gazes e luvas e o mesmo valor da mão-de-obra computado na coleta do teste clássico.

O tempo despendido na execução total do teste da condutividade (coleta e análise) variou de 38 a 71 minutos, com mediana de 45 minutos. Já no teste clássico, somente a coleta do suor levou de 38 a 95 minutos, com mediana de 50 minutos. Aplicando-se o teste de Wilcoxon, a diferença de tempo entre os dois testes, considerando-se apenas o tempo de coleta, foi significativa (p < 0,0001). Considerando ainda que a dosagem dos eletrólitos, realizada pelo método clássico no laboratório do Instituto da Criança, leva aproximadamente 180 minutos, a diferença de tempo na execução total deste teste foi ainda muito maior.

Discussão

Neste estudo, o teste da condutividade no suor mostrou-se altamente sensível e específico para o diagnóstico de FC. Pela comparação dos testes pela curva ROC, observou-se que o teste da condutividade, na população estudada, foi equivalente ao teste clássico, mostrando apresentar grande acurácia.

Observou-se uma excelente correspondência entre os testes clássico e da condutividade nos pacientes com FC, com mediana de cloro e condutividade no suor de 114 e 122 mmol/L, respectivamente. Em três pacientes com diagnóstico prévio de FC, o resultado do teste clássico foi de abaixo de 60 mmol/L, por provável erro laboratorial, com valores de condutividade do suor de acima de 90 mmol/L em todos, demonstrando que não ocorreu nenhum resultado falso-negativo pela técnica da condutividade.

Também houve uma excelente correspondência entre os testes clássico e da condutividade nos pacientes sem FC, com mediana de cloro e condutividade no suor de 15,5 e 30 mmol/L, respectivamente. Em um paciente, o valor de cloro obtido pelo teste clássico foi de acima de 60 mmol/L. Nesse caso, o valor da condutividade no suor foi de abaixo de 75 mmol/L, demonstrando que não ocorreu nenhum resultado falso-positivo pela técnica da condutividade.

Avaliando-se as propriedades diagnósticas dos dois testes, observa-se que o IC95% foi mais estreito com o teste da condutividade quando comparado ao clássico, mostrando melhor precisão da condutividade na amostra estudada.

Escolhemos como ponto de corte para o diagnóstico de FC o valor de 90 mmol/L ou mais, com base em estudo de Lezana et al.20. Esses autores compararam as duas técnicas de teste do suor (clássico e por condutividade) em 3.834 pacientes, encontrando alta correlação entre os métodos tanto para se firmar quanto para se afastar o diagnóstico de FC (r = 0,6; p < 10-6). Em 3.540 pacientes sem FC obteve-se mediana de condutividade de 36 mmol/L (variando de 12 a 89 mmol/L), e em 294 com FC a mediana foi de 111 mmol/L (variando de 82 a 148 mmol/L). Observou-se que pelo método da condutividade o melhor valor de corte da condutividade no suor para um diagnóstico de FC foi de 90 mmol/L ou mais, com 99,66% de sensibilidade, 100% de especificidade, 100% de VPP, 99,97% de VPN e um valor kappa de 0,998.

Diversos estudos têm demonstrado uma excelente correspondência entre os dois métodos. Hammond et al.17, comparando as duas técnicas em pacientes sem e com FC, obtiveram valores médios de condutividade de 33,4 mmol/L (variando de 13 a 87 mmol/L) e de cloro no suor de 16,4 mmol/L (variando de 5 a 60 mmol/L) em 471 pacientes sem FC, e em 43 com FC, a média da condutividade foi de 113,1 mmol/L (variando de 90 a 136 mmol/L) e a do cloro foi de 98,8 mmol/L (variando de 77 a 117 mmol/L).

Mastella et al.18 também encontraram alta correlação entre as duas técnicas, aplicando os testes em 287 indivíduos: 184 pacientes sem FC tiveram valor médio de cloro de 16,3 mmol/L (variando de 4 a 60 mmol/L) e de condutividade de 39,8 mmol/L (variando de 19 a 87 mmol/L), enquanto 103 pacientes com FC apresentaram valores médios de cloro de 95,7 mmol/L (variando de 32 a 121 mmol/L) e de condutividade de 112 mmol/L (variando de 45 a 173 mmol/L). O teste da condutividade demonstrou capacidade semelhante para distinguir normais de fibrocísticos.

No nosso meio, Riedi et al.21 realizaram coletas de suor pelo Macroduct®, com análise na mesma amostra da condutividade e dos níveis de sódio, observando alta correlação entre os métodos. Encontraram valores médios de sódio e de condutividade, respectivamente, de 36,3 mmol/L (variando de 12 a 75 mmol/L) e de 40,9 mmol/L (variando de 16 a 75 mmol/L) em 175 pacientes sem FC e de 113,2 mmol/L (variando de 80 a 146 mmol/L) e de 118,5 mmol/L (variando de 84 a 155 mmol/L) em 31 fibrocísticos. No entanto, a literatura preconiza para o diagnóstico de FC a mensuração dos níveis de cloro e não do sódio isoladamente.

A diferença média entre os valores da condutividade comparados aos valores de cloro, que é de aproximadamente 15 mmol/L a mais para a condutividade, ocorre pela presença de lactato, bicarbonato e outros ânions não medidos e que são mensurados quando se utiliza a técnica da condutividade. Por isso, o ponto de corte da condutividade do suor, para o diagnóstico de FC, é maior quando comparado ao do cloro.

Neste estudo, com a técnica da condutividade, foi possível analisar os eletrólitos no suor mesmo com pequenas quantidades de suor, o que não ocorreu na metodologia clássica. Dos 141 testes realizados, somente seis tiveram um volume inadequado para a análise de condutividade, enquanto 39 testes foram inadequados em termos de massa de suor para análise do cloro. A causa do alto índice de sudorese inadequada obtido pelo teste clássico no nosso serviço, que é um centro de referência para teste do suor e realiza em média 75 testes ao mês, precisa ainda ser esclarecida.

O tempo total despendido na execução do teste foi significativamente menor no teste da condutividade comparado ao clássico (mediana de 45 versus 50 minutos, respectivamente), isso sem considerar o tempo gasto para a realização da dosagem do cloro no suor no teste clássico. No nosso serviço, a dosagem do cloro no suor é feita apenas uma vez por semana; desta maneira, a liberação do resultado ao paciente pode levar de 1 a 7 dias após a coleta do suor, enquanto pelo método da condutividade ela é imediata.

Em relação ao custo, o valor gasto no teste da condutividade foi até um pouco inferior ao do clássico, representando isso mais uma vantagem desse método, podendo em longo prazo minimizar os custos para o sistema de saúde público e privado.

Pela facilidade na execução do teste da condutividade, que dispensa um profissional altamente treinado apenas para esse fim, bem como pela precisão e acurácia do teste, rapidez do resultado e custos, no mínimo, equivalentes às da técnica de Gibson & Cooke, recomendamos a adoção deste teste por serviços que não dispõem de profissional e laboratório capacitados para a realização do teste clássico.

Conclusões

O sistema de coleta do suor por Macroduct

®, com análise da condutividade do suor, mostrou ser um método de fácil execução, acurado e com possibilidade de análise dos eletrólitos no suor mesmo em amostras pequenas. Na população estudada, ele apresentou excelente sensibilidade e especificidade quando comparado ao teste clássico, tempo de execução mais rápido e custo inferior.

Agradecimentos

À empresa Wescor

® (Inc. Biomedical Utah, USA), pela doação dos equipamentos (sistema de coleta do suor Macroduct

® e analisador da condutividade – Sweat-Chek

®) ao Instituto da Criança - Hospital das Clínicas, e à empresa United Medical e ao Laboratório Roche pelo auxílio financeiro na compra dos kits para os testes da condutividade.

Artigo submetido em 25.11.09, aceito em 23.12.09.

Este estudo foi realizado na Unidade de Pneumologia, Instituto da Criança, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, USP, São Paulo, SP.

Fonte fornecedora de equipamentos e materiais: Wescor® (Inc. Biomedical Utah, USA), Empresa United Medical e Laboratório Roche.

Conflito de interesse: O material utilizado na pesquisa foi doado pelas empresas Wescor® (Inc. Biomedical Utah, USA) (sistema de coleta do suor Macroduct® e analisador do suor Sweat Chek®), United Medical e Laboratório Roche (compra dos kits para o teste da condutividade do suor). Essas empresas não tiveram nenhuma ingerência no delineamento do projeto, na realização do estudo e na análise dos resultados.

Como citar este artigo: Mattar AC, Gomes EN, Adde FV, Leone C, Rodrigues JC. Comparison between classic Gibson and Cooke technique and sweat conductivity test in patients with and without cystic fibrosis. J Pediatr (Rio J). 2010;86(2):109-114.

  • 1. Accurso FJ. Update in cystic fibrosis 2006. Am J Respir Crit Care Med. 2007;175:754-7. Review.
  • 2. Davis PB. Cystic fibrosis since 1938. Am J Respir Crit Care Med. 2006;173:475-82.
  • 3. Ratjen F, Döring G. Cystic fibrosis. Lancet. 2003;361:681-9.
  • 4. Rosenstein BJ, Cutting GR. The diagnosis of cystic fibrosis: a consensus statement. Cystic Fibrosis Foundation Consensus Panel. J Pediatr. 1998;132:589-95.
  • 5. Flume PA, Stenbit A. Making the diagnosis of cystic fibrosis. Am J Med Sci. 2008;335:51-4.
  • 6. Farrell PM, Rosenstein BJ, White TB, Accurso FJ, Castellani C, Cutting GR, et al. Guidelines for diagnosis of cystic fibrosis in newborns through older adults: Cystic Fibrosis Foundation consensus report. J Pediatr. 2008;153:S4-14.
  • 7. Leigh MW. Diagnosis of CF despite normal or borderline sweat chloride. Paediatr Respir Rev. 2004; 5 Suppl A:S357-9. Review.
  • 8. Beauchamp M, Lands LC. Sweat-testing: a review of current technical requirements. Pediatr Pulmonol. 2005;39:507-11.
  • 9. Gibson LE, Cooke RE. A test for concentration of electrolytes in sweat in cystic fibrosis of the pancreas utilizing pilocarpine by iontophoresis. Pediatrics. 1959;23:545-9.
  • 10. LeGrys VA. Sweat testing for the diagnosis of cystic fibrosis: practical considerations. J Pediatr. 1996;129:892-7.
  • 11. LeGrys VA, Yankaskas JR, Quittell LM, Marshall BC, Mogayzel PJ Jr; Cystic Fibrosis Foundation. Diagnostic sweat testing: the Cystic Fibrosis Foundation guidelines. J Pediatr. 2007;151:85-9.
  • 12. Massie J. Sweat testing for cystic fibrosis: How good is your laboratory? J Paediatr Child Health. 2006;42:153-4.
  • 13. Green A, Kirk J; Guidelines Development Group. Guidelines for the performance of the sweat test for the diagnosis of cystic fibrosis. Ann Clin Biochem. 2007;44;25-34.
  • 14. Carter EP, Barrett AD, Heeley AF, Kuzemko JA. Improved sweat test method for the diagnosis of cystic fibrosis. Arch Dis Child. 1984;59:919-22.
  • 15. Denning CR, Huang NN, Cuasay LR, Shwachman H, Tocci P, Warwick WJ, et al. Cooperative study comparing three methods of performing sweat tests to diagnose cystic fibrosis. Pediatrics. 1980;66:752-7.
  • 16. Kabra SK, Kabra M, Gera S, Lodha R, Sreedevi KN, Chacko S, et al. An indigenously developed method for sweat collection and estimation of chloride for diagnosis of cystic fibrosis. Indian Pediatr. 2002;39:1039-43.
  • 17. Hammond KB, Turcios NL, Gibson LE. Clinical evaluation of the macroduct sweat collection system and conductivity analyzer in the diagnosis of cystic fibrosis. J Pediatr. 1994;124:255-60.
  • 18. Mastella G, Di Cesare G, Borruso A, Menin L, Zanolla L. Reliability of sweat-testing by the MacroductŽ collection method combined with conductivity analysis in comparison with the classic Gibson and Cooke technique. Acta Paediatr 2000;89:933-7.
  • 19. Heeley ME, Woolf DA, Heeley AF. Indirect measurements of sweat electrolyte concentration in the laboratory diagnosis of cystic fibrosis. Arch Dis Child. 2000;82:420-4.
  • 20. Lezana JL, Vargas MH, Bechara JK, Aldana RS, Furuya ME. Sweat conductivity and chloride titration for cystic fibrosis diagnosis in 3834 subjects. J Cyst Fibros. 2003;2:1-7.
  • 21. Riedi CA, Zavadniak AF, Silva DC, Franco A, Filho NA. Comparação da condutividade com a determinação de sódio na mesma amostra de suor. J Pediatr (Rio J). 2000;76:443-6.
  • 22
    Macroduct sweat collection system and sweat conductivity analyzer. Instruction/Service Manual. 1999. Wescor, Inc. Biomedical. Utah, USA.
  • 23. Rosenstein BJ. What is cystic fibrosis diagnosis? Clin Chest Med. 1998;19:423-41, v. Review.
  • 24. Baumer JH. Evidence based guidelines for the performance of the sweat test for the investigation of cystic fibrosis in UK. Arch Dis Child. 2003;88:1126-7.
  • 25. Licht TS, Stern M, Shwachman H. Measurement of the electrical conductivity of sweat; its application to the study of cystic fibrosis of the pancreas. Clin Chem. 1957;3:37-48.
  • 26. Sackett DL, Haynes RB. Evidence base of clinical diagnosis The architecture of diagnostic research. BMJ. 2002; 324:539-41.
  • 27. Newman TB, Browner WS, Cummings SR. Designing studies of medical tests. In: Hulley SB, Cummings SR, Browner WS, Grady D, Hearst N, Newman TB, editors. Designing clinical research: an epidemiologic approach. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2001. p. 175-91.
  • 28. Fletcher RH, Fletcher SW. Diagnóstico. In: Fletcher RH, Fletcher SW. Epidemiologia clínica: elementos essenciais. 4Ş ed. Porto Alegre: Artmed; 2006. p. 56-81.
  • Correspondência:

    Ana Claudia Veras Mattar
    Rua Tucuna, 270/91
    CEP 05021-010, São Paulo, SP
    Tel.: (11) 3872.4958
    Fax: (11) 3872.4958
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Abr 2010
    • Data do Fascículo
      Abr 2010

    Histórico

    • Aceito
      23 Dez 2009
    • Recebido
      25 Nov 2009
    Sociedade Brasileira de Pediatria Av. Carlos Gomes, 328 cj. 304, 90480-000 Porto Alegre RS Brazil, Tel.: +55 51 3328-9520 - Porto Alegre - RS - Brazil
    E-mail: jped@jped.com.br