Acessibilidade / Reportar erro

Aquisição de habilidades motoras até a marcha independente em prematuros de muito baixo peso

Resumos

OBJETIVO: Determinar as idades cronológica e corrigida de aquisição das habilidades motoras até a marcha independente em prematuros de muito baixo peso e avaliar até quando é necessário o uso da idade corrigida. MÉTODOS: Estudo longitudinal de prematuros < 1.500 g e com idade gestacional < 34 semanas, sem alterações neurossensoriais, selecionados no ambulatório de seguimento de recém-nascidos de alto risco do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista (UNESP), Botucatu (SP), no período de 1998 a 2003, e avaliados a cada 2 meses até a aquisição da marcha independente. RESULTADOS: Dos 155 prematuros incluídos, 9% foram excluídos, sendo estudados 143 pacientes. A idade gestacional média foi 30±2 semanas, o peso ao nascimento, 1.130±222 g, 59% foram do sexo feminino e 44%, pequenos para idade gestacional. Os prematuros controlaram a cabeça no 2º mês, sentaram sem apoio aos 7 meses e andaram com 12,8 meses de idade corrigida, correspondendo respectivamente ao 4o, ao 9o e ao 15o mês de idade cronológica. Para todas as habilidades motoras houve diferença significativa entre idade cronológica e corrigida. Prematuros pequenos para idade gestacional adquiriram suas habilidades mais tardiamente, porém dentro do limite esperado. CONCLUSÕES: Prematuros de muito baixo peso, sem alterações neurossensoriais, adquirem as habilidades motoras dentro do prazo previsto para a idade corrigida. A correção da idade deve ser feita até a aquisição da marcha independente.

Recém-nascido de muito baixo peso; atividade motora; desenvolvimento; idade gestacional


OBJECTIVE: To determine chronological and corrected ages at acquisition of motor abilities up to unaided walking in very low weight preterms and to determine up to what point it is necessary to use corrected age. METHODS: This was a longitudinal study of preterms with birth weight < 1,500 g and gestational age < 34 weeks, free from neurosensory sequelae, selected at the high-risk infants follow-up clinic at the Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista (UNESP) in Botucatu, Brazil, between 1998 to 2003, and assessed every 2 months until acquisition of unaided walking. RESULTS: Nine percent of the 155 preterms recruited were excluded from the study, leaving a total of 143 patients. The mean gestational age was 30±2 weeks, birth weight was 1,130±222 g, 59% were female and 44% were small for gestational age. Preterms achieved head control in their second month, could sit unaided at 7 months and walked at 12.8 months' corrected age, corresponding to the 4th, 9th and 15th months of chronological age. There were significant differences between chronological age and corrected age for all motor abilities. Preterms who were small for their gestational age acquired motor abilities later, but still within expected limits. CONCLUSIONS: Very low weight preterms, free from neurosensory disorders, acquired their motor abilities within the ranges expected for their corrected ages. Corrected age should be used until unaided walking is achieved.

Very low birth weight newborn; motor activity; development; gestational age


ARTIGO ORIGINAL

Aquisição de habilidades motoras até a marcha independente em prematuros de muito baixo peso

Sandra C. P. VolpiI;Lígia M. S. S. RugoloII;José C. PeraçoliIII;José Eduardo CorrenteIV

ITerapeuta ocupacional. Mestre, Obstetrícia. Supervisora, Unidade de Reabilitação, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina de Neonatologia, Departamento de Pediatria. Professora adjunta, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista (UNESP), Botucatu, SP

IINeonatologista. Chefe, Disciplina, Disciplina de Neona. Professora adjunta, Faculdade de Medicina de Botucatu, UNESP, Botucatu, SP

IIIGinecologista. Obstetra. Professor titular, Obstetrícia, Faculdade de Medicina de Botucatu, UNESP, Botucatu, SP

IVProfessor adjunto, Departamento de Bioestatística, Instituto de Biociências, UNESP, Botucatu, SP

Correspondência Correspondência: Sandra Cristina Pizzocaro Volpi Faculdade de Medicina Campus de Botucatu, Universidade Estadual Paulista Seção Técnica de Reabilitação Tel.: (14) 3811.6049, (14) 3815.1207, (14) 3815.2656 Fax: (14) 3814.0596 E-mail:sandravolpi@uol.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Determinar as idades cronológica e corrigida de aquisição das habilidades motoras até a marcha independente em prematuros de muito baixo peso e avaliar até quando é necessário o uso da idade corrigida.

MÉTODOS: Estudo longitudinal de prematuros < 1.500 g e com idade gestacional < 34 semanas, sem alterações neurossensoriais, selecionados no ambulatório de seguimento de recém-nascidos de alto risco do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista (UNESP), Botucatu (SP), no período de 1998 a 2003, e avaliados a cada 2 meses até a aquisição da marcha independente.

RESULTADOS: Dos 155 prematuros incluídos, 9% foram excluídos, sendo estudados 143 pacientes. A idade gestacional média foi 30±2 semanas, o peso ao nascimento, 1.130±222 g, 59% foram do sexo feminino e 44%, pequenos para idade gestacional. Os prematuros controlaram a cabeça no 2º mês, sentaram sem apoio aos 7 meses e andaram com 12,8 meses de idade corrigida, correspondendo respectivamente ao 4o, ao 9o e ao 15o mês de idade cronológica. Para todas as habilidades motoras houve diferença significativa entre idade cronológica e corrigida. Prematuros pequenos para idade gestacional adquiriram suas habilidades mais tardiamente, porém dentro do limite esperado.

CONCLUSÕES: Prematuros de muito baixo peso, sem alterações neurossensoriais, adquirem as habilidades motoras dentro do prazo previsto para a idade corrigida. A correção da idade deve ser feita até a aquisição da marcha independente.

Palavras-chave: Recém-nascido de muito baixo peso, atividade motora, desenvolvimento, idade gestacional.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To determine chronological and corrected ages at acquisition of motor abilities up to unaided walking in very low weight preterms and to determine up to what point it is necessary to use corrected age.

METHODS: This was a longitudinal study of preterms with birth weight < 1,500 g and gestational age < 34 weeks, free from neurosensory sequelae, selected at the high-risk infants follow-up clinic at the Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista (UNESP) in Botucatu, Brazil, between 1998 to 2003, and assessed every 2 months until acquisition of unaided walking.

RESULTS: Nine percent of the 155 preterms recruited were excluded from the study, leaving a total of 143 patients. The mean gestational age was 30±2 weeks, birth weight was 1,130±222 g, 59% were female and 44% were small for gestational age. Preterms achieved head control in their second month, could sit unaided at 7 months and walked at 12.8 months' corrected age, corresponding to the 4th, 9th and 15th months of chronological age. There were significant differences between chronological age and corrected age for all motor abilities. Preterms who were small for their gestational age acquired motor abilities later, but still within expected limits.

CONCLUSIONS: Very low weight preterms, free from neurosensory disorders, acquired their motor abilities within the ranges expected for their corrected ages. Corrected age should be used until unaided walking is achieved.

Keywords: Very low birth weight newborn, motor activity, development, gestational age.

Introdução

Entre os fatores perinatais determinantes do prognóstico neurológico, a prematuridade merece maior atenção, por sua elevada frequência e por ser o evento mais prevalente entre os fatores etiológicos da paralisia cerebral. Assim, justifica-se a preocupação em avaliar o desenvolvimento infantil de forma sistematizada, utilizando instrumentos validados, com ênfase no desenvolvimento motor nos primeiros anos de vida1,2.

Na avaliação do desenvolvimento de prematuros, recomenda-se o uso da idade corrigida nos primeiros anos de vida, para não subestimar a capacidade do prematuro. Entretanto, a idade cronológica deve também ser considerada, pois alguns prematuros podem ter seu desenvolvimento superestimado com a correção da idade1,3,4.

Na década atual, muitos estudos têm sido realizados sobre o desenvolvimento neuromotor e cognitivo de prematuros nos primeiros anos de vida, tendo como principais enfoques a predição de fatores de risco ao desenvolvimento e a comparação entre prematuros e recém-nascidos a termo, bem como entre subgrupos de prematuros de risco. Há diversidade na metodologia dos estudos, com resultados variáveis ao se comparar o desempenho de prematuros e recém-nascidos a termo e ênfase na avaliação do desenvolvimento do prematuro em um contexto de risco, visando à prevenção de deficiências e identificação de variáveis preditoras de inadequado desenvolvimento5. Um aspecto pouco destacado nos estudos sobre desenvolvimento é a idade de aquisição das habilidades motoras, especialmente do sentar e do andar, que pode apresentar grande variação em crianças sadias e atraso em prematuros6. Assim, esse estudo teve como objetivo determinar as idades, cronológica e corrigida, de aquisição das habilidades motoras em prematuros menores que 1.500 g, sem alterações neurossensoriais, e avaliar até quando é necessária a correção da idade.

Método

Estudo longitudinal de prematuros de muito baixo peso provenientes da unidade de terapia intensiva neonatal e acompanhados pela pesquisadora principal, na Unidade de Reabilitação do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista (UNESP), Botucatu (SP), no período de 1998 a 2003. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição, e o consentimento materno esclarecido foi obtido antes da inclusão da criança no estudo.

O serviço de neonatologia atende basicamente clientela do Sistema Único de Saúde e oferece seguimento ambulatorial e multiprofissional gratuito a todos os recém-nascidos de alto risco, até a idade escolar. O teste de Denver II é realizado pelo neonatologista em cada consulta da criança para triagem do desenvolvimento, e as escalas Bayley II são aplicadas aos 12 meses de idade corrigida pela psicóloga do setor. As crianças com atraso no teste de Denver ou nas escalas Bayley são avaliadas pelo neuropediatra. A terapeuta ocupacional participa do seguimento e realiza avaliação bimestral das crianças na Unidade de Reabilitação, orientando o cuidador quanto às posturas mais adequadas durante as atividades rotineiras, para a facilitação do desenvolvimento motor da criança. Nos casos de atraso motor é realizada intervenção neuromotora específica.

Devido ao interesse do estudo em conhecer as faixas etárias normais para aquisição das habilidades motoras em prematuros de muito baixo peso, foram selecionados os prematuros de menor risco neonatal para problemas no desenvolvimento motor, com base nos seguintes critérios de inclusão:

- Início do seguimento com menos de 4 meses de idade cronológica.

- Idade gestacional menor ou igual a 34 semanas e peso de nascimento menor que 1.500 g.

- Nascimento na maternidade do serviço.

- Apgar maior que 3 no 5º minuto de vida.

- Ausência de anormalidades neurológicas durante a internação, de hemorragia peri-intraventricular graus 3-4 e/ou leucomalácia periventricular, malformações congênitas maiores, síndromes genéticas e infecções congênitas; sem uso de oxigênio na alta; sem retinopatia da prematuridade; e com teste de triagem auditiva normal.

Os prematuros incluídos no estudo tiveram seguimento bimestral até a obtenção da marcha, apresentaram desenvolvimento normal, com base no teste de Denver II e nas escalas Bayley II e não receberam qualquer intervenção neuromotora específica. Para evitar viés de avaliação, todas as crianças foram avaliadas por um único examinador (terapeuta ocupacional) que conhecia o diagnóstico do desenvolvimento neuromotor, mas não teve acesso aos resultados dos diversos itens avaliados nos referidos testes até o final da pesquisa.

Em cada consulta a terapeuta avaliava o desempenho motor da criança, focalizando as habilidades que deveriam estar presentes naquela idade, conforme as faixas de normalidade definidas no serviço com base nos dados de Bobath, Ministério da Saúde e Flehmig7-9, propostos para recém-nascidos a termo. Em caso de falta na consulta agendada, era realizado contato telefônico com a família para saber se a habilidade motora prevista para aquela idade havia sido alcançada e também para agendar a próxima consulta.

Os dados referentes às idades de aquisição das habilidades motoras foram obtidos com base na informação materna e avaliação da criança pela terapeuta ocupacional, valorizando-se esta última em caso de discordância entre a informação materna e o desempenho da criança na consulta.

Foram critérios de exclusão as seguintes situações:

- Menos que quatro consultas no primeiro ano de vida ou abandono do acompanhamento antes da aquisição da marcha.

- Falta em duas consultas consecutivas.

- Necessidade de intervenção neuromotora ou evolução com deficiência sensorial, convulsões ou outras intercorrências que pudessem comprometer o desenvolvimento neuromotor, como meningite, fraturas e/ou cirurgias com internação por 30 dias ou mais.

Para os prematuros com atraso isolado na aquisição de uma habilidade motora e que não apresentavam distonias ou qualquer outro indício de atraso no desenvolvimento era reforçada a orientação ao cuidador quanto aos cuidados posturais e condutas durante as atividades rotineiras para a estimulação do desenvolvimento. O paciente era reavaliado em 2 meses e, havendo necessidade de intervenção neuromotora, era excluído do estudo.

Variáveis de estudo: idade gestacional, calculada pela melhor estimativa, na seguinte sequencia: data precisa da última menstruação; ultrassonografia obstétrica antes de 20 semanas gestacionais; método New Ballard Score10; antropometria ao nascimento; adequação do peso ao nascer para a idade gestacional, conforme critério de Alexander et al.11, considerando-se adequado o peso situado entre os percentis 10 e 90 para a idade gestacional e pequeno quando abaixo do percentil 10; sexo; boletim de Apgar no 5º minuto de vida; e morbidade neonatal.

Os desfechos de interesse foram as idades de obtenção das habilidades motoras, sendo consideradas as faixas de normalidade adotadas no setor de reabilitação da instituição7-9:

- Controle de cabeça = 1-3 meses.

- Preensão palmar = 4-6 meses.

- Rolar = 4-7 meses.

- Apoio plantar = 5-6 meses.

- Rastejar = 6-7 meses.

- Sentar sem apoio = 7-9 meses.

- Engatinhar = 8-10 meses.

- Andar = 12-15 meses.

Os prematuros foram avaliados conforme sua idade cronológica e também pela idade corrigida, calculada pela formula:

Idade corrigida (semanas) = Idade cronológica (semanas) – [40 - idade gestacional (semanas)].

As idades de aquisição das habilidades motoras foram comparadas conforme o sexo e a adequação do peso ao nascimento para a idade gestacional.

Na análise descritiva dos dados as variáveis contínuas foram apresentadas com cálculo de média e desvio padrão, mínimo e máximo, e as categóricas expressas pela frequência e pela proporção de eventos. Para testar as diferenças de médias entre grupos, utilizou-se o teste t de Student e, para a comparação entre proporções, foi empregado o qui-quadrado. Em todas as análises, adotou-se o nível de significância de 5%.

Resultados

No período de estudo, 155 prematuros de muito baixo peso preencheram os critérios de inclusão, e, destes, 9% foram excluídos (12 prematuros, quatro por necessidade de intervenção neuromotora, e oito devido a intercorrências graves que poderiam comprometer o desenvolvimento). Foram estudados 143 prematuros, dos quais se obteve as idades de todas as habilidades motoras até a marcha independente.

A média de idade gestacional foi de 30±2 semanas (variação de 24-34 semanas), o peso de nascimento foi de 1.130±222 g (variação de 560-1.490 g), com comprimento de 37±2,7 cm e perímetro cefálico de 27±2,0 cm. A maioria da amostra (86%) teve Apgar maior que 7 no 5º minuto de vida e 59% foram do sexo feminino. Houve elevado percentual de prematuros pequenos para a idade gestacional (44%). A síndrome do desconforto respiratório foi a principal doença neonatal, acometendo 55% da amostra. As idades de aquisição das habilidades motoras não diferiram conforme o sexo do recém-nascido.

Em média, todas as habilidades motoras foram alcançadas no prazo previsto para a idade corrigida, e, mesmo na idade cronológica, várias habilidades estiveram presentes no limite esperado, sendo que o controle de cabeça, o rastejar e o engatinhar foram obtidos mais tardiamente (Tabela 1).

A Figura 1 mostra que a grande maioria dos prematuros adquiriu as habilidades no prazo previsto para a idade corrigida, com diferença significativa em relação à idade cronológica, na qual o percentual de aquisição de todas as habilidades foi menor.


Na idade corrigida os prematuros pequenos para a idade gestacional adquiriram mais tardiamente todas as habilidades, exceto o apoio plantar, comparados aos adequados para a idade gestacional. Ao considerar a idade cronológica não se detectou essa diferença (Tabela 2).

Discussão

O desenvolvimento neuromotor de prematuros tem sido foco de grande interesse na literatura e investigado por meio de diversos instrumentos padronizados de avaliação. Entretanto, o desempenho de lactentes varia em função de fatores socioeconômicos e culturais, o que pode influenciar nos resultados obtidos com instrumentos validados em população culturalmente diferente e reforça a necessidade de conhecimento dos padrões de normalidade para crianças brasileiras, o que motivou a realização deste estudo1,2,4,12.

Vários estudos têm mostrado a importância da correção da idade gestacional, a existência de vários fatores de risco para desenvolvimento inadequado e as diferenças no desempenho dos prematuros em relação aos recém-nascidos a termo. Restiffe & Gherpelli1 estudaram o desenvolvimento motor de prematuros sem comprometimento neurológico, por meio da escala Alberta, e obtiveram maiores escores na idade corrigida do que na idade cronológica nos primeiros 12 meses de vida, recomendando a correção da idade no primeiro ano de vida. Entretanto, não há consenso neste tópico. Alguns autores corrigem no primeiro ou no segundo semestre, a maioria utiliza a idade corrigida nos primeiros 2 anos; outros realizam a correção parcial, ou seja, consideram a metade da diferença entre idade cronológica e corrigida; e alguns autores questionam a correção da idade4,13-15. Os dados do presente estudo mostram a importância da correção da idade até a aquisição da marcha independente, pois 90% dos prematuros andaram no prazo normal para a idade corrigida, enquanto que, na idade cronológica, apenas 67%, o que significa que, sem a correção da idade, elevado percentual de prematuros teria seu desenvolvimento subestimado na aquisição da marcha (Figura 1).

Os prematuros deste estudo tiveram evolução motora satisfatória, pois mesmo ao considerar a idade cronológica, várias habilidades foram alcançadas dentro do limite máximo previsto. Resultados semelhantes foram obtidos no estudo de Allen & Alexander16 com 100 prematuros de idade gestacional igual ou menor que 32 semanas, destacando os autores a importância da correção da idade, pois na idade cronológica as habilidades motoras foram obtidas 2 a 3 meses mais tardiamente.

O maior impacto da correção da idade foi evidenciado no controle de cabeça. É esperado que prematuros de muito baixo peso, mantidos por períodos prolongados em incubadoras e privados das interações sociais e ambientais demorem mais para adquirir o controle de cabeça17.

Ao considerar a idade corrigida, os prematuros adquiriram suas habilidades motoras dentro do prazo normal, mas houve grande variabilidade entre as idades mínimas e máximas, o que sugere que para alguns prematuros a correção da idade superestima o desenvolvimento, enquanto que outros, mesmo com a correção da idade, adquirem mais tardiamente suas habilidades motoras. No presente estudo, foi evidente a aquisição mais tardia do rastejar, entretanto, esse fato não repercutiu no desenvolvimento motor, uma vez que a maioria dos prematuros sentou e andou no prazo previsto. Assim, esse achado pode ser uma variação nos padrões do desenvolvimento neuromotor do prematuro18.

Um resultado importante neste estudo foi o pior desempenho dos prematuros pequenos para a idade gestacional em comparação aos adequados, com diferença significativa na idade corrigida da maioria das habilidades motoras investigadas, destacando-se que os pequenos para a idade gestacional engatinharam e andaram, em média, 1 mês após os prematuros adequados para a idade gestacional. Esses dados mostram o efeito deletério do inadequado crescimento fetal no prognóstico de desenvolvimento do prematuro, evidenciado com a correção da idade. Essa é uma preocupação destacada na literatura, embora os resultados até então obtidos não sejam uniformes19-21.

Em 36 pares de gêmeos monozigóticos, dos quais 58% eram prematuros, não foi detectada influência da restrição do crescimento intrauterino no desenvolvimento motor e mental, avaliado pelas escalas Bayley entre 12 e 42 meses de idade corrigida22. Entretanto, vários estudos mostram associação entre o crescimento fetal e pós-natal e o desenvolvimento neurocognitivo. Estudo recente mostrou que ser pequeno para a idade gestacional é fator independente de risco para o neurodesenvolvimento de prematuros menores que 30 semanas, aumentando em 4,5 vezes a chance de atraso no desenvolvimento23. Em prematuros de muito baixo peso, avaliados na idade escolar, documentou-se efeito do inadequado crescimento intrauterino no desenvolvimento cognitivo, mas não no desenvolvimento motor24.

Essa variabilidade nos resultados dos estudos provavelmente se deve a diferenças na casuística, nos métodos e no tempo de avaliação, mas no geral os dados alertam para pior prognóstico de desenvolvimento dos prematuros pequenos para a idade gestacional, que foram submetidos a dupla situação de risco: menor tempo de gestação e restrição do crescimento intrauterino.

A marcha independente é o resultado final do desenvolvimento motor grosso bem sucedido. Para atingir essa habilidade, a criança deve ter exercitado sua motricidade corporal global, ter tido experiência na posição de joelhos e no andar com apoio25,26. Nesse aspecto, os resultados deste estudo foram bastante satisfatórios, mostrando que prematuros de muito baixo peso sem sequelas neurossensoriais andaram no limite previsto, ou seja, aos 12,8 meses de idade corrigida, enquanto que nos estudos de Gabriel et al.6 e de Jeng et al.26 os prematuros de muito baixo peso andaram com 13,6 e 14 meses, respectivamente. Entretanto, nesses estudos foram incluídos prematuros com maior morbidade neonatal e sequelas neurossensoriais6,26.

O presente estudo tem algumas limitações por ser um estudo descritivo no qual não foram investigados os fatores perinatais e neonatais associados às idades das habilidades motoras e por não ter um grupo controle de recém-nascidos a termo. Entretanto, a seleção de uma amostra grande e homogênea de prematuros de baixo risco para problemas no desenvolvimento motor, que foi avaliada em curtos intervalos de tempo, possibilitou obter dados que podem ser considerados como "a expectativa de aquisição das habilidades motoras em prematuros de muito baixo peso". Assim, a pesquisa permitiu responder a questão em foco: quais são as idades, cronológica e corrigida, das principais habilidades motoras em prematuros de muito baixo peso, e mostrou a importância da correção da idade até a aquisição da marcha, fornecendo informações úteis para a prática diária dos profissionais envolvidos na assistência infantil.

A valorização das informações maternas e a avaliação do desempenho motor da criança na consulta médica devem ser estimuladas entre os pediatras e toda a equipe de saúde, pois fornecem dados fundamentais sobre o desenvolvimento motor e permitem balizar as expectativas quanto ao desempenho motor do prematuro nos primeiros anos de vida.

Assim, conclui-se que prematuros de muito baixo peso, sem sequelas neurossensoriais, adquirem as habilidades motoras dentro do prazo normal para a idade corrigida. A idade corrigida deve ser usada até a obtenção da marcha independente.

Agradecimentos

À equipe multiprofissional que cuidou dos prematuros e às mães que se empenharam para garantir o adequado seguimento de seus filhos e concordaram em participar deste estudo.

Lígia M. S. S. Rugolo

Departamento de Pediatria/Neonatologia

Tel.: (14) 3811.6274

E-mail:ligiasr@fmb.unesp.br

Artigo submetido em 11.08.09, aceito em 20.01.10.

Este estudo foi realizado na Universidade Estadual Paulista (UNESP), Botucatu, SP.

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.

Como citar este artigo: Volpi SC, Rugolo LM, Peraçoli JC, Corrente JE. Acquisition of motor abilities up to independent walking in very low birth weight preterm infants. J Pediatr (Rio J). 2010;86(2):143-148.

  • 1. Restiffe AP, Gherpelli JL. Comparison of chronological and corrected ages in the gross motor assessment of low-risk preterm infants during the first year of life. Arq Neuropsiquiatr. 2006;64:418-25.
  • 2. Almeida KM, Dutra MV, Mello RR, Reis AB, Martiins PS. Concurrent validity and reability of the Alberta Infant Motor Scale in premature infants. J Pediatr (Rio J). 2008;84:442-8.
  • 3. Wilson SL, Cradock MM. Review: accounting for prematurity in developmental assessment and the use of age-adjusted scores. J Pediatr Psychol. 2004;29:641-9.
  • 4. Rugolo LM. Crescimento e desenvolvimento a longo prazo do prematuro extremo. J Pediatr (Rio J). 2005;81:S101-10.
  • 5. Formiga CK, Linhares MB. Avaliação do desenvolvimento inicial de crianças nascidas pré-termo. Rev Esc Enferm USP. 2009;43:472-80.
  • 6. Marín Gabriel MA, Pallás Alonso CR, De La Cruz Bértolo J, Caserío Carbonero S, López Maestro M, Moral Pumarega M, et al. Age of sitting unsupported and independent walking in very low birth weight preterm infants with normal motor development at 2 years. Acta Paediatr. 2009;98:1815-21.
  • 7. Bobath K. Uma base neurofisiologica para o tratamento da Paralisia Cerebral. 2nd ed. São Paulo: Manole; 1990.
  • 8
    Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Saúde da criança: acompanhamento do crescimento e desenvolvimento infantil. Normas e manuais técnicos, n173. Série cadernos de atenção básica, série A. Brasília; 2002.
  • 9. Flehmig I. Texto e atlas do desenvolvimento normal e seus desvios no lactente: diagnóstico e tratamento precoce do nascimento até o 18ş mês. São Paulo: Atheneu; 2005.
  • 10. Ballard JL, Khoury JC, Wedig K, Wang L, Eilers-Walsman BL, Lipp R. New Ballard Score, expanded to include extremely premature infants. J Pediatr. 1991;119:417-23.
  • 11. Alexander GR, Himes JH, Kaufman RB, Mor J, Kogan M. A United States national reference for fetal growth. Obstet Gynecol. 1996;87:163-8.
  • 12. Magalhães LM, Barbosa VM, Araújo RA, Paixão ML, Figueiredo EM, Gontijo AP. Análise do desempenho de crianças pré-termo no teste de desenvolvimento de Denver nas idades de 12, 18 e 24 meses. Rev Paul Pediatr. 1999;21:330-9.
  • 13. Siegel LS. Correction for prematurity and its consequences for the assessment of the very low birth weight infant. Child Dev. 1983;54:1176-88.
  • 14. Lems W, Hopkins B, Samson JF. Mental and motor development in preterm infants: the issue of corrected age. Early Hum Dev. 1993;34:113-23.
  • 15. Rugolo LM, Bentlin MR, Rugolo AJ, Dalben I, Trindade CE. Crescimento de prematuros de extremo baixo peso nos primeiros dois anos de vida. Rev Paul Pediatr. 2007;25:142-9.
  • 16. Allen MC, Alexander GR. Using motor milestone as a multistep process to screen preterm infants for cerebral palsy. Dev Med Child Neurol. 1997;39:12-6.
  • 17. Bonvicine C. Aquisição do controle de cabeça em lactentes nascidos pré-termo e a termo. Fisioterap Pesq. 2004;12:45-50.
  • 18. Rosenbaum P. Variation and "abnormality": recognizing the differences. J Pediatr. 2006;149:593-4.
  • 19. Gutbrod T, Wolke D, Soehne B, Ohrt B, Riegel K. Effects of gestation and birth weight on the growth and development of very low birthweight small for gestational age infants: a matched group comparision. Arch Dis Child Fetal Neonatal Ed. 2000;82:F208-14.
  • 20. Vohr BR, Wright LL, Dusick AM, Mele L, Verter J, Steichen JJ, et al. Neurodevelopmental and functional outcomes of extremely low birth weight infants in the National Institute of Child Health and Human Development Neonatal Research Network, 1993-1994. Pediatrics. 2000;105:1216-26.
  • 21. Walker DM, Marlow N. Neurocognitive outcome following fetal growth restriction. Arch Dis Child Fetal Neonatal Ed. 2008;93:F322-5.
  • 22. Reolon RK, Rotta NT, Agranonik M, Silva AA, Goldani MZ. Influence of intrauterine and extrauterine growth on neurodevelopmental outcome of monozygotic twins. Braz J Med Biol Res. 2008;41:694-9.
  • 23. Kiechl-Kohlendorfer U, Raiser E, Pupp Peglow U, Reiter G, Trawöger R. Adverse neurodevelopmental outcome in preterm infants: risk factor profiles for different gestational ages. Acta Paediatr. 2009;98:792-6.
  • 24. Franz AR, Pohlandt F, Bode H, Mihatsch WA, Sander S, Kron M, et al. Intrauterine, early neonatal, and postdischarge growth and neurodevelopmental outcome at 5.4 years in extremely preterm infants after intensive neonatal nutritional support. Pediatrics. 2009;123:e101-9.
  • 25. Béziers MM, Hunsinger Y. O bebê e a coordenação motora: os gestos apropriados para lidar com a criança. 2nd ed. São Paulo: Summus Editorial; 1994.
  • 26. Jeng SF, Yau KI, Liao HF, Chen LC, Chen PS. Prognostic factors for walking attainment in very low birthweight preterm infants. Early Hum Dev. 2000;59:159-73.
  • Correspondência:

    Sandra Cristina Pizzocaro Volpi
    Faculdade de Medicina Campus de Botucatu, Universidade Estadual Paulista
    Seção Técnica de Reabilitação
    Tel.: (14) 3811.6049, (14) 3815.1207, (14) 3815.2656
    Fax: (14) 3814.0596
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Abr 2010
    • Data do Fascículo
      Abr 2010

    Histórico

    • Aceito
      20 Jan 2010
    • Recebido
      11 Ago 2009
    Sociedade Brasileira de Pediatria Av. Carlos Gomes, 328 cj. 304, 90480-000 Porto Alegre RS Brazil, Tel.: +55 51 3328-9520 - Porto Alegre - RS - Brazil
    E-mail: jped@jped.com.br