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Pneumonia por micoplasma, pneumonia bacteriana e pneumonia viral

EDITORIAL

Pneumonia por micoplasma, pneumonia bacteriana e pneumonia viral

Kyung-Yil LeeI; You-Sook YounII; Jae-Wook LeeII; Jin-Han KangI

IMD. PhD. Departments of Pediatrics, College of Medicine, The Catholic University of Korea, Seoul, República da Coreia

IIMD. Departments of Pediatrics, College of Medicine, The Catholic University of Korea, Seoul, República da Coreia

Correspondência Correspondência: Kyung-Yil Lee 520-2 Daeheung2-dong, Jung-gu Daejeon 301-723 – República da Coreia Tel.: +82 (42) 220.9541 Fax: +82 (42) 221.2925 E-mail: leekyungyil@catholic.ac.kr

A pneumonia é uma das doenças mais frequentes tratadas por pediatras. A maioria dos pacientes com pneumonia recupera-se sem complicações, como ocorre com as doenças autolimitadas. Porém, alguns pacientes progridem para evolução clínica grave e até mesmo óbito. A diferença na evolução clínica está associada à virulência dos agentes etiológicos e/ou ao estado de imunidade do hospedeiro. Antibióticos contra patógenos bacterianos e drogas antivirais, se possível, contra patógenos virais, podem ajudar a induzir uma recuperação precoce da pneumonia ao reduzirem o número de patógenos e a resposta imunitária do hospedeiro aos agentes etiológicos. As células imunitárias circulantes, incluindo neutrófilos, linfócitos e monócitos, podem estar envolvidas na patogênese da pneumonia. Portanto, a alteração desses parâmetros pode refletir a gravidade das lesões pulmonares. A patogênese da pneumonia pode ser diferente em cada agente etiológico; em geral, os pacientes com pneumonia bacteriana típica apresentam sintomas clínicos mais tóxicos com leucócitos, neutrofilia com neutrófilos bastonados e bacteremia. Nas lesões iniciais causadas pela pneumonia, os neutrófilos ativados e os fagócitos mononucleares predominam. Já os mediadores, tais como as enzimas proteolíticas, os radicais de oxigênio e as citocinas dessas células podem estar associados com lesões pulmonares do hospedeiro1. Na pneumonia por micoplasma (Mycoplasma pneumoniae - MP) e nas pneumonias virais que aparecem juntamente com o sarampo, a síndrome respiratória aguda grave (SRAG) e a influenza, os pacientes apresentam leucopenia com linfopenia. A infiltração de células imunitárias, especialmente numerosas células T, é significativa em lesões pulmonares iniciais, e os mediadores, como as citocinas pró-inflamatórias dessas células, podem estar associados a lesão pulmonar do hospedeiro. Para se ter conhecimento sobre essas diferenças entre as pneumonias, pode ser útil entender a patogênese da pneumonia por micoplasma, embora o MP seja considerado uma bactéria pequena2.

O MP é um dos agentes mais comuns da pneumonia adquirida na comunidade em crianças e jovens adultos em todo o mundo. A pneumonia por micoplasma foi relatada em 10 a 40% dos casos de pneumonia adquirida na comunidade e apresenta uma incidência ainda maior durante as epidemias. Embora existam algumas variações geográficas e de época, a infecção por MP é endêmica nas maiores comunidades mundiais, com epidemias cíclicas de 3 a 7 anos, que duram de vários meses até anos2,3. Em um estudo realizado por Vervloet et al.4, mais da metade dos sujeitos eram serologicamente positivos para MP, indicando que o MP também é um dos patógenos mais comuns da pneumonia no Brasil. A patogênese da lesão pulmonar (pneumonia) na infecção por MP não é conhecida, mas evidências clínicas e experimentais apoiam a noção de que ela está associada à resposta imunitária excessiva do hospedeiro, incluindo resposta imune mediada por célula2.

Quanto ao diagnóstico da pneumonia, existem algumas dificuldades para se detectarem os agentes etiológicos das infecções do trato respiratório inferior em crianças (especialmente crianças menores) devido à inconsistência de amostras adequadas dos materiais respiratórios para cultura do patógeno e para reação em cadeia da polimerase (PCR) e à necessidade de amostras sanguíneas pareadas para os testes serológicos. Além disso, as taxas mais altas de carga nasofaríngea de patógenos bacterianos, incluindo o S. pneumoniae em crianças saudáveis (10 a 50%), tornam o diagnóstico mais difícil5. Vervloet et al. usaram uma análise por imunossorvente ligado a enzima (ELISA, IgM e IgG) para o diagnóstico da pneumonia por micoplasma em seu estudo4. Embora seja possível considerar um IgM positivo como sendo uma infecção por micoplasma, esse exame pode ser incompleto para o diagnóstico final da infecção por MP, especialmente durante epidemias. Já que em alguns pacientes os anticorpos IgM diagnósticos não são detectados no estágio inicial da pneumonia por micoplasma (30 a 45% em nossa série)2,3,6 e o anticorpo IgM MP pode permanecer por um longo período após a infecção primária, um teste sorológico pareado (IgM e IgG) é mais desejável para um diagnóstico definitivo. Além disso, o MP também pode permanecer no trato respiratório por um longo período nas crianças, especialmente em crianças menores (< 5 anos) após a infecção primária, e um teste PCR isolado também pode ser incompleto para um diagnóstico definitivo da infecção por micoplasma2,3.

Para os pacientes com pneumonia, a identificação precoce do agente etiológico é importante para o tratamento, inclusive para a seleção dos antibióticos adequados. Contudo, como o diagnóstico precoce de patógenos etiológicos tem sido pouco satisfatório e algumas pneumonias podem evoluir para um desfecho fatal, os médicos têm usado antibióticos empíricos para os pacientes com pneumonia, especialmente aqueles com disfunção respiratória grave e/ou infiltração segmentar/lobular. Há controvérsia sobre o fato de ser possível distinguir se as pneumonias têm origem viral ou bacteriana através de achados laboratoriais e de radiografias torácicas no momento da internação. Alguns estudos, inclusive o de Vervloet et al., indicaram que o sistema de escore que utiliza contagens de leucócitos e neutrófilos, os achados de radiografias torácicas e outros fatores poderiam ser uma ferramenta útil para a diferenciação da etiologia da pneumonia7. Vervloet et al. demonstraram que a pneumonia por micoplasma é mais propensa a apresentar características de pneumonia bacteriana no sistema de escore4. Contudo, estudos recentes relataram que os achados clínicos, laboratoriais e radiológicos entre as pneumonias atípicas, incluindo a pneumonia por micoplasma, e as pneumonias bacterianas são similares em crianças e adultos8. O sistema de escore baseado em achados clínicos, laboratoriais e radiológicos pode apresentar alguns fatores confundidores. Não é possível detectar os agentes etiológicos para todos os pacientes com pneumonia através das ferramentas diagnósticas atuais, e alguns pacientes apresentam infecções mistas. A contagem total e diferencial de leucócitos em pacientes com pneumonia pode ser afetada pelo estágio da doença, pela idade do paciente e possivelmente pelo estado imune do hospedeiro. Por exemplo, as crianças menores têm uma contagem diferencial de leucócitos e linfócitos mais alta se comparadas a crianças mais velhas. Em estudos anteriores, demonstramos que os pacientes com pneumonia por micoplasma mais grave apresentavam febre prolongada, nível de proteína C reativa mais alto e contagem de leucócitos mais baixa com contagem de linfócitos mais baixa6. Além disso, os pacientes mais gravemente afetados pela pneumonia durante a gripe pandêmica de 2009 apresentaram contagem de leucócitos mais alta com contagem diferencial de linfócitos mais baixa (média 11.800/mm3 e 8,8%) comparados aos pacientes sem pneumonia (6.500/mm3 e 30%) ou com pneumonia leve (8.800/mm3 e 21%, respectivamente) no estágio agudo dessa infecção viral (observação não publicada). Conforme descrito anteriormente, como os neutrófilos podem ser os maiores causadores de lesão bacteriana típica e os linfócitos podem ser os principais causadores de lesões virais ou por micoplasma, as alterações na contagem de leucócitos com diferenciais requerem reavaliações periódicas no caso de pneumonia progressiva. Em geral, a maioria das pneumonias bacterianas em crianças saudáveis responde ao tratamento com antibióticos dentro de 48 a 72 horas após o início do tratamento. O pediatra pode ficar confuso quando os pacientes têm uma pneumonia progressiva apesar do tratamento com antibióticos. Nesse momento, o acompanhamento e a contagem diferencial de leucócitos podem ser úteis na diferenciação do agente causador. Se o paciente com pneumonia apresentar uma contagem de leucócitos diminuída com uma contagem de linfócitos mais baixa, poderá ter uma possibilidade maior de apresentar pneumonia viral ou por micoplasma. O paciente com pneumonia que apresentar contagem de leucócitos aumentada ou não alterada e contagem de neutrófilos com mais formas em bastão pode ter infecção bacteriana resistente a antibióticos. Contudo, na prática clínica, a pneumonia bacteriana resistente a antibióticos em crianças saudáveis é muito rara e a maioria dos pacientes que não responde ao tratamento com antibióticos pode ter uma pneumonia atípica (por micoplasma, viral ou por outros patógenos atípicos) ou um estado hiperimune contra lesões bacterianas. Já que a pneumonia por micoplasma e algumas pneumonias virais surgem durante epidemias, é muito importante ter conhecimento sobre a epidemiologia infecciosa para o levantamento de hipóteses sobre os patógenos da pneumonia.

Sabe-se que os achados radiológicos torácicos da pneumonia por micoplasma são variados, conforme demonstrado no estudo de Vervloet et al.4 Padrões intersticiais e/ou broncopneumônicos similares à pneumonia viral são mais comuns, mas os padrões de pneumonia segmentar e/ou lobular com derrame pleural similar à pneumonia bacteriana típica (S. pneumoniae) também são evidentes. Na nossa experiência com 191 pacientes com pneumonia por micoplasma, metade dos pacientes (96 casos) apresentou um padrão leve (intersticial/broncopneumônico) e a outra metade teve um padrão de pneumonia segmentar/lobular (consolidação alveolar) na apresentação da doença, com 14 pacientes evoluindo para pneumonia grave apesar do tratamento com antibióticos6. Recentemente, durante a gripe pandêmica de 2009, também descobrimos que 61% dos pacientes (49/80) tinham um padrão leve (intersticial/broncopneumonia) na apresentação, com cinco pacientes evoluindo para uma forma mais grave apesar do tratamento antiviral precoce (observação não publicada). Como o padrão da pneumonia pode refletir o grau de resposta imunitária do hospedeiro nessas infecções, os achados torácicos iniciais podem ser determinados pelo estágio da doença (a intensidade da resposta imunitária do hospedeiro), e, em alguns pacientes, infiltrações pneumônicas leves (intersticial/brônquicas) podem evoluir rapidamente para pneumonia mais grave (padrão segmentar/lobular) apesar do tratamento com antibióticos ou antivirais9.

As manifestações clínicas da pneumonia também podem ser diferentes de acordo com a idade do paciente (o estado da maturação imunitária). Demonstramos que, nas epidemias por micoplasma e na gripe pandêmica de 2009, as crianças menores (< 5 anos) tinham uma evolução clínica relativamente leve com um padrão de pneumonia do tipo menos grave (isto é, consolidação alveolar rara) comparadas a crianças mais velhas (> 6 anos). Por outro lado, os pacientes mais jovens com pneumonia bacteriana, como pneumonia pneumocócica ou pneumonia estafilocócica, são mais prevalentes e podem experimentar uma evolução clínica mais grave quando comparados a crianças mais velhas.

Recentemente, cepas de micoplasma resistentes aos macrolídios foram detectadas em países orientais, incluindo Japão, China e possivelmente Coreia2,3. Essas cepas podem se espalhar pelo mundo e podem afetar o tratamento com macrolídios. Apesar de os pacientes afetados por micoplasma resistente aos macrolídios terem tido duração prolongada de febre e tosse, felizmente houve poucos relatos de falha aparente do tratamento, como uma evolução da pneumonia para síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA), apesar do tratamento com macrolídios10. Embora o efeito dos antibióticos sobre a pneumonia por micoplasma em crianças ainda seja controverso11, os antibióticos candidatos para crianças com infecção por micoplasma resistente aos macrolídios são as quinolonas e as tetraciclinas, que não são mais utilizadas em crianças, enfatizando a necessidade de mais estudos clínicos controlados.

Relatamos anteriormente que o uso de imunomoduladores (prednisolona) para pacientes com pneumonia por micoplasma resistente a antibióticos foi muito efetivo na melhora de achados clínicos e radiográficos12. Outros estudos revelaram que o tratamento com corticosteroides é benéfico em pneumonias por micoplasma intratáveis2. É interessante notar que, durante a recente gripe pandêmica de 2009, descobrimos que a gravidade da pneumonia estava associada à contagem diferencial de linfócitos na apresentação e que o tratamento precoce com corticosteroides teve um efeito significativo em pacientes com pneumonia grave infectados pelo vírus da influenza pandêmica de 20099. Além disso, os padrões de pneumonia tanto nas infecções por micoplasma quanto pelo vírus influenza foram similares, embora as infiltrações pneumônicas surjam mais rapidamente nas primeiras após início do quadro febril (observação não publicada). A lesão do tecido pulmonar causada por bactéria ou vírus (possivelmente por lesão bacteriana) pode ser responsável pelo agravamento da lesão pulmonar pelas células imunitárias, predispondo a outras infecções bacterianas. Portanto, para os pacientes com pneumonia com resposta hiperimune do hospedeiro, imunomoduladores precoces podem ser úteis na redução das respostas imunitárias do hospedeiro que poderiam induzir o agravamento da lesão pulmonar9. Para a pneumonia viral, o tratamento profilático com antibióticos contra infecções bacterianas secundárias também seria necessário quando a pneumonia do paciente evolui para uma forma grave e para SDRA. O uso empírico de imunomoduladores (corticosteroides) em dose adequada por um período curto (até uma semana) e de forma precoce após o estabelecimento do diagnóstico pode ser útil para reduzir a morbimortalidade da pneumonia por micoplasma resistente a antibióticos e de algumas pneumonias virais.

Conflitos de interesse: Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste editorial.

Como citar este artigo: Lee KY, Youn YS, Lee JW, Kang JH. Mycoplasma pneumoniae pneumonia, bacterial pneumonia and viral pneumonia. J Pediatr (Rio J). 2010;86(6):448-450.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Jan 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010
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