Acessibilidade / Reportar erro

Alternativas de tratamento para pacientes pediátricos em ventilação mecânica crônica

Resumos

OBJETIVO: Determinar o impacto da transferência de uma população pediátrica para unidades de dependentes de ventilação mecânica (UDVMs) ou para ventilação mecânica domiciliar (VMD) na disponibilidade de leitos na unidade de terapia intensiva (UTI) pediátrica. MÉTODOS: Estudo longitudinal retrospectivo de crianças hospitalizadas que necessitavam de VM prolongada na UDVM do Hospital Auxiliar de Suzano, um hospital público secundário do estado de São Paulo. Calculamos o número de dias que os pacientes passaram na UDVM e em VMD e analisamos sua sobrevida com o estimador Kaplan-Meier. RESULTADOS: Quarenta e um pacientes foram admitidos na UDVM em 7,3 anos. A mediana do tempo de internação na unidade foi de 239 dias (amplitude interquartil = 102-479). Desses pacientes, 22 vieram da UTI pediátrica, onde a transferência disponibilizou 8.643 leitos-dia (uma média de 14 novos pacientes por mês). A VMD de oito pacientes disponibilizou 4.022 leitos-dia no hospital em 4 anos (uma média de 12 novos pacientes por mês na UTI). A taxa de sobrevida dos pacientes em casa não foi significativamente diferente daquela verificada nos pacientes hospitalizados. CONCLUSÕES: Uma unidade hospitalar para dependentes de ventilação mecânica e a VMD podem melhorar a disponibilidade de leitos em UTIs. A taxa de sobrevida dos pacientes que recebem VMD não apresentou diferenças significativas em relação à dos pacientes que permanecem hospitalizados.

Respiração artificial; serviços de assistência domiciliar; doenças neuromusculares; tempo de internação; cuidados intensivos


OBJECTIVE: To determine the impact of transferring a pediatric population to mechanical ventilator dependency units (MVDUs) or to home mechanical ventilation (HMV) on bed availability in the pediatric intensive care unit (ICU). METHODS: This is a longitudinal, retrospective study of hospitalized children who required prolonged mechanical ventilation at the MVDU located at the Hospital Auxiliar de Suzano, a secondary public hospital in São Paulo, Brazil. We calculated the number of days patients spent at MVDU and on HMV, and analyzed their survival rates with Kaplan-Meier estimator. RESULTS: Forty-one patients were admitted to the MVDU in 7.3 years. Median length of stay in this unit was 239 days (interquartile range = 102-479). Of these patients, 22 came from the ICU, where their transfer made available 8,643 bed-days (a mean of 14 new patients per month). HMV of eight patients made 4,022 bed-days available in the hospital in 4 years (a mean of 12 new patients per month in the ICU). Survival rates of patients at home were not significantly different from those observed in hospitalized patients. CONCLUSIONS: A hospital unit for mechanical ventilator-dependent patients and HMV can improve bed availability in ICUs. Survival rates of patients who receive HMV are not significantly different from those of patients who remain hospitalized.

Artificial respiration; home care services; neuromuscular diseases; length of stay; intensive care


ARTIGO ORIGINAL

Alternativas de tratamento para pacientes pediátricos em ventilação mecânica crônica

Milton HanashiroI; Antonio O. C. FrancoII; Alexandre A. FerraroIII; Eduardo J. TrosterIV

IMédico assistente, Unidade de Pediatria, Hospital Auxiliar de Suzano (HAS), Hospital das Clínicas (HC), Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP

IIAssistente técnico de direção, HAS, HC, Faculdade de Medicina, USP, São Paulo, SP

IIIDoutor. Professor, Departamento de Pediatria, Faculdade de Medicina, USP, São Paulo, SP

IVProfessor livre-docente, Departamento de Pediatria, Faculdade de Medicina, USP, São Paulo, SP. Coordenador médico, CTI-Pediátrico, Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, SP

Correspondência Correspondência: Milton Hanashiro Hospital Auxiliar de Suzano Rua Prudente de Morais, 2200 CEP 08610-005 – Suzano, SP Tel.: (11) 4744.8200, Ramal 2220, (11) 9543.5206 Fax: (11) 4744.8253 E-mail: miltonhanashiro@uol.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Determinar o impacto da transferência de uma população pediátrica para unidades de dependentes de ventilação mecânica (UDVMs) ou para ventilação mecânica domiciliar (VMD) na disponibilidade de leitos na unidade de terapia intensiva (UTI) pediátrica.

MÉTODOS: Estudo longitudinal retrospectivo de crianças hospitalizadas que necessitavam de VM prolongada na UDVM do Hospital Auxiliar de Suzano, um hospital público secundário do estado de São Paulo. Calculamos o número de dias que os pacientes passaram na UDVM e em VMD e analisamos sua sobrevida com o estimador Kaplan-Meier.

RESULTADOS: Quarenta e um pacientes foram admitidos na UDVM em 7,3 anos. A mediana do tempo de internação na unidade foi de 239 dias (amplitude interquartil = 102-479). Desses pacientes, 22 vieram da UTI pediátrica, onde a transferência disponibilizou 8.643 leitos-dia (uma média de 14 novos pacientes por mês). A VMD de oito pacientes disponibilizou 4.022 leitos-dia no hospital em 4 anos (uma média de 12 novos pacientes por mês na UTI). A taxa de sobrevida dos pacientes em casa não foi significativamente diferente daquela verificada nos pacientes hospitalizados.

CONCLUSÕES: Uma unidade hospitalar para dependentes de ventilação mecânica e a VMD podem melhorar a disponibilidade de leitos em UTIs. A taxa de sobrevida dos pacientes que recebem VMD não apresentou diferenças significativas em relação à dos pacientes que permanecem hospitalizados.

Palavras-chave: Respiração artificial, serviços de assistência domiciliar, doenças neuromusculares, tempo de internação, cuidados intensivos.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To determine the impact of transferring a pediatric population to mechanical ventilator dependency units (MVDUs) or to home mechanical ventilation (HMV) on bed availability in the pediatric intensive care unit (ICU).

METHODS: This is a longitudinal, retrospective study of hospitalized children who required prolonged mechanical ventilation at the MVDU located at the Hospital Auxiliar de Suzano, a secondary public hospital in São Paulo, Brazil. We calculated the number of days patients spent at MVDU and on HMV, and analyzed their survival rates with Kaplan-Meier estimator.

RESULTS: Forty-one patients were admitted to the MVDU in 7.3 years. Median length of stay in this unit was 239 days (interquartile range = 102-479). Of these patients, 22 came from the ICU, where their transfer made available 8,643 bed-days (a mean of 14 new patients per month). HMV of eight patients made 4,022 bed-days available in the hospital in 4 years (a mean of 12 new patients per month in the ICU). Survival rates of patients at home were not significantly different from those observed in hospitalized patients.

CONCLUSIONS: A hospital unit for mechanical ventilator-dependent patients and HMV can improve bed availability in ICUs. Survival rates of patients who receive HMV are not significantly different from those of patients who remain hospitalized.

Keywords: Artificial respiration, home care services, neuromuscular diseases, length of stay, intensive care.

Introdução

As crianças dependentes de ventilação mecânica são um grupo de pacientes pediátricos com necessidades complexas de tratamento, devido ao uso contínuo de aparelhos para fornecer ventilação mecânica e às hospitalizações prolongadas. Essa população vem crescendo nos últimos anos1, como resultado dos avanços tecnológicos no tratamento de pacientes crônicos graves, e também do aumento do acesso público aos recursos médicos.

Mesmo quando os pacientes estão clinicamente estáveis, muitos permanecem hospitalizados em unidades de terapia intensiva (UTI) por períodos que variam de poucos meses a anos2. Essa situação expõe os pacientes e seus familiares a problemas associados a internações prolongadas, tais como infecções hospitalares e distúrbios psicológicos3,4 e de relacionamento na família. Para o hospital, a ocupação prolongada de leitos por pacientes estáveis compromete a capacidade de receber novos pacientes com condições severas5, além de aumentar os gastos6.

Como uma alternativa para as longas internações na UTI, muitos pacientes têm sido transferidos para serviços de menor complexidade, tais como as unidades de dependentes de ventilação mecânica (UDVM)7-10. Pacientes que apresentam condições clínicas e socioeconômicas favoráveis podem ser indicados para receber ventilação mecânica domiciliar (VMD)7,11-18.

Não existem dados disponíveis sobre a ocupação de leitos ou tempo de internação associados a pacientes que necessitam de internação na UDVM ou de tratamento com VMD nos países em desenvolvimento. No Brasil, poucas instituições oferecem o serviço de ventilação mecânica prolongada para pacientes pediátricos.

Em nosso estudo, buscamos avaliar o impacto da transferência dessa população para uma UDVM ou para VMD na disponibilidade de leitos de uma UTI pediátrica.

Materiais e métodos

Este é um estudo longitudinal retrospectivo que incluiu crianças hospitalizadas que necessitavam de ventilação mecânica prolongada fornecida pelo Hospital Auxiliar de Suzano (SP) na UDVM. Esse hospital recebe pacientes pediátricos dependentes de ventilação mecânica do Instituto da Criança, provenientes de três setores: UTI, berçário e unidade semi-intensiva. As duas instituições são hospitais públicos estaduais ligados ao Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Desde 2001, a assistência a pacientes pediátricos clinicamente estáveis, mas que ainda necessitam de ventilação mecânica prolongada, é fornecida pela UDVM. A unidade possui 14 leitos, com uma taxa de ocupação média mensal de 100%. Três médicos atendem durante os dias de semana (cada um por um período de 4 horas durante o dia), enquanto um médico fica encarregado dos turnos da noite e dos fins de semana. O critério para uma criança ser considerada dependente de ventilação mecânica, e consequentemente indicada para a transferência da UTI para a UDVM, é o adotado pelo United Kingdom Working Party on Paediatric Long Term Ventilation: "qualquer criança que, quando clinicamente estável, ainda necessite de auxílio mecânico para respirar, após falha confirmada no desmame, ou desmame lento, 3 meses depois do início da ventilação"19.

Em maio de 2005, o Hospital Auxiliar de Suzano iniciou um programa com o objetivo de dar alta a esses pacientes que estavam hospitalizados na UVDM, mas tinham condições de receber tratamento em casa. Os critérios para elegibilidade do paciente foram: 1) estabilidade clínica; 2) condições familiares adequadas (educação, habitação, situação socioeconômica); e 3) existência de um serviço de saúde local para prestar auxílio (assistência profissional, material médico, transporte). O paciente recebe alta somente se ele mesmo (quando intelectualmente capaz) ou sua família expressam o desejo de voltar para casa, e após receber todas as informações necessárias e relevantes sobre a VMD. Nesses casos, o hospital cede aos pacientes uma aparelhagem composta por um respirador que fornece dois níveis de pressão (BiPAP®), um gestor de energia e um conjunto de baterias. O aparelho é fornecido por uma empresa privada, que também oferece manutenção e suporte técnico tanto de forma periódica quanto em situações de emergência. As despesas do hospital com o aparelho são posteriormente reembolsadas pelo sistema público de saúde brasileiro, o Sistema Único de Saúde (SUS). Esse reembolso é devido a uma legislação específica20. Antes de o paciente ter alta, sua família recebe um treinamento específico sobre os cuidados com o paciente, tanto com as tarefas diárias quanto com procedimentos básicos de emergência. O SUS, por meio da secretaria de saúde da cidade do paciente, fornece uma equipe para supervisionar o tratamento. O sistema público de saúde também fica responsável por prestar auxílio em casos de emergência.

Os pacientes foram incluídos no estudo de acordo com os seguintes critérios: 1) estar hospitalizado na unidade pediátrica do Hospital Auxiliar de Suzano durante o período entre 5 de fevereiro de 2001 e 10 de junho de 2008; e 2) satisfazer a definição de ventilação prolongada do United Kingdom Working Party on Paediatric Long Term Ventilation, citada acima19.

Os dados sobre a hospitalização e o diagnóstico principal de cada paciente foram obtidos por meio dos prontuários dos pacientes, fornecidos pelo hospital. Os pacientes foram classificados de acordo com a unidade de origem (UTI, berçário e unidade semi-intensiva) e então por grupo de doenças (neuromusculares, metabólicas, encefalopatia hipóxico-isquêmica, malformações neurológicas, síndromes genéticas, tumores do sistema nervoso central e outras). Calculamos o tempo de internação de cada paciente na UDVM. A seguir, calculamos o número de leitos-dia para os grupos de pacientes segundo a unidade de origem e o grupo de doenças. A re-hospitalização foi definida como qualquer episódio em que o paciente precisou de uma internação curta durante o período em que esteve recebendo tratamento em casa. Pacientes que precisaram ser re-hospitalizados e não puderam voltar para casa logo depois não foram mais considerados pacientes que estavam recebendo tratamento em casa.

Prosseguimos com a análise de sobrevida dos grupos de pacientes que permaneceram na UDVM (grupo 1) e dos que receberam alta e estavam sendo tratados com VMD (grupo 2). Foi utilizado o programa Stata 11 para calcular o estimador Kaplan-Meier e outros dados estatísticos. Consideramos duas situações: na primeira, comparamos a taxa de sobrevida do grupo 1 à do grupo 2. A fim de controlar os grupos de doenças como um possível fator de confusão, em uma segunda situação modificamos o grupo 1: mantivemos nele somente os pacientes que pertenciam aos mesmos grupos de doenças dos pacientes do grupo 2, e excluímos aqueles que não preenchiam esse critério. Esse grupo de pacientes foi chamado de grupo 1A. Presumimos que há grupos de doenças cujos pacientes tendem a ser clinicamente mais estáveis do que os pacientes de outros grupos, uma situação que aumentaria sua chance de sobrevida, e também a chance de receber alta para serem tratados com VMD.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).

Resultados

Características dos pacientes

O período total de estudo dos pacientes internados na UDVM foi de 2.682 dias, o que corresponde a 7,3 anos. Para os pacientes que estavam recebendo VMD, o período de estudo foi de 1.476 dias, o que corresponde a 4,0 anos.

Identificamos 41 pacientes que preenchiam nossos critérios de inclusão. Todos eles foram incluídos no estudo. Vinte pacientes eram do sexo masculino e 21 do sexo feminino. A idade média era de 5,4±5,0 anos. Entre os pacientes incluídos neste estudo, identificamos 24 doenças de diferentes etiologias. A Tabela 1 mostra o número de casos por grupo de doenças.

Oito pacientes receberam alta para serem tratados em casa. Dos 33 pacientes que permaneceram hospitalizados, 10 faleceram antes do programa de VMD ter sido estabelecido, 14 não apresentavam estabilidade clínica para receber alta e continuar o tratamento em casa com segurança (12 deles faleceram), uma paciente foi transferida para um hospital mais próximo de casa (e ainda estava viva no final da coleta de dados), seis apresentavam condições familiares inadequadas (um faleceu), e em dois casos a secretaria de saúde da cidade do paciente não pôde se responsabilizar pelo tratamento do paciente em casa.

Dados sobre a hospitalização

A Tabela 1 mostra os dados sobre a hospitalização.

A mediana do tempo de internação na UDVM foi de 239 dias (amplitude interquartil = 102-479).

Quanto aos pacientes em VMD, oito crianças representaram 4,022 leitos-dia. A mediana do tempo de internação dos pacientes em VMD foi de 330 dias (amplitude interquartil = 160-760).

O tempo total estimado de re-hospitalização foi de 88 leitos-dia, o que corresponde a 2,2% do total de leitos-dia em que os pacientes permaneceram em casa. Um dos pacientes foi re-hospitalizado e não voltou para casa devido a instabilidade clínica.

Análise de sobrevida

Para a primeira parte da análise de sobrevida, incluímos 33 pacientes que permaneceram na UDVM no grupo 1, e oito pacientes que recebiam VMD no grupo 2 (Figura 1A). A taxa de sobrevida no grupo 1, depois de 6 anos, foi de 0,106±0,076, enquanto que no grupo 2 foi de 0,552±0,195 (p = 0,040). Na segunda parte da análise, incluímos 14 pacientes no grupo 1A, e o grupo 2 continuou o mesmo, com oito pacientes (Figura 1B). Os grupos de doenças encontrados tanto no grupo 1A quanto no grupo 2 foram: doenças neuromusculares (cinco pacientes no grupo 1A e 5 no grupo 2), doenças metabólicas (cinco pacientes no grupo 1A e 2 no grupo 2) e malformações (quatro pacientes no grupo 1A e 1 no grupo 2). A taxa de sobrevida no grupo 1A, depois de 6 anos, foi de 0,264±0,146, e o grupo 2 manteve a mesma taxa de sobrevivência de 0,552±0,195 (p = 0,224). Não havia pacientes de outros grupos de doenças devido aos seguintes motivos: pouca estabilidade clínica, falta de condições familiares adequadas e falta de apoio por parte do serviço de saúde local.



Discussão

A Tabela 1 demonstra que a UTI foi a unidade que mais enviou pacientes para a UDVM. A transferência de 22 pacientes da UTI para a UDVM disponibilizou 8.643 leitos-dia para novas hospitalizações na UTI pediátrica. Isso corresponde a 98 leitos-dia por mês. Se considerarmos o tempo médio de internação na UTI como sendo de 6,66±8,86 dias21, esses 8.643 leitos-dia representam a hospitalização de 1.298 pacientes em 7,3 anos na UTI, ou 14 novos paciente por mês.

Da mesma forma, os pacientes transferidos para a VMD disponibilizaram 4.022 leitos-dia na UDVM, durante 4 anos. Como a mediana do tempo de internação dos pacientes nessa unidade é de 239 dias, essa transferência de pacientes possibilitou a hospitalização de 17 novos pacientes na UDVM. Indiretamente, isso poderia representar 604 hospitalizações na UTI em 4 anos, ou 12 novos pacientes por mês.

A taxa de sobrevida dos pacientes em VMD (grupo 2) foi significativamente maior se comparada à de todos os que permaneceram no hospital (grupo 1). Esse resultado era esperado, visto que pacientes capazes de receber tratamento em casa eram mais estáveis do que aqueles permaneceram hospitalizados. Ao considerarmos no grupo 1A somente os pacientes que pertenciam ao mesmo grupo de doenças do grupo 2, a diferença entre as taxas de sobrevida não foi significativa. Os grupos 1A e 2 apresentam algumas diferenças na proporção dos grupos de doenças na sua composição, um fator que poderia prejudicar a comparação. No entanto, a ausência de diferença significativa nas taxas de sobrevida pode ser devida a semelhanças clínicas entre os pacientes.

É interessante destacar um dado revelado pelo estimador Kaplan-Meier: a VMD não diminuiu a taxa de sobrevida dos pacientes que recebiam tratamento em casa. Acreditamos que isso pode ser explicado não apenas pela estabilidade clínica do paciente, mas também pela capacidade dos cuidadores. Observamos que os cuidadores familiares se tornam grandes conhecedores da condição clínica do paciente e podem realizar com sucesso todas as tarefas necessárias para o cuidado do paciente sem maiores dificuldades.

Quanto ao grupo de doenças, os pacientes com doenças neuromusculares constituíram o grupo que ocupou mais leitos por dia na UDVM, com 7.258 leitos-dia (41,2%), seguido pela encefalopatia hipóxico-isquemica (25,8%) e malformações (12,5%).

A disponibilidade de leitos nas UTIs pediátricas é um importante problema no sistema público de saúde brasileiro. Duas das maiores cidades brasileiras (São Paulo e Rio de Janeiro) apresentam falta de leitos na UTI pediátrica dos hospitais públicos, com uma distribuição desigual22,23. Cerca de 80% da população brasileira depende dos serviços públicos de saúde24, então esse recurso escasso e caro deve ser utilizado com sensatez. Embora o número de pacientes que dependiam de ventilação mecânica no nosso estudo tenha sido pequeno, suas longas internações representam um fardo para as UTIs, reduzindo a disponibilidade de leitos. A implementação dos serviços de UDVM e VMD para pacientes que dependem de VM pode ser uma medida útil para otimizar a ocupação de leitos das UTIs dos hospitais públicos, sem prejudicar a sobrevida dos pacientes.

É importante mencionar que a transferência de um paciente para a UDVM, e mais tarde para a VMD, apresenta outros aspectos importantes para o hospital e também para a família dos pacientes25,26. Para o hospital, essa transferência pode representar uma grande redução nos custos econômicos, uma vez que muitos recursos caros disponíveis na UTI não são necessários na UDVM. Para a família, as atividades de cuidado trazem não somente um aumento na quantidade de trabalho para os cuidadores, mas também fardos sociais, econômicos e com relação à saúde. No entanto, existem também aspectos positivos importantes: o paciente é liberado do ambiente estressante do hospital e do isolamento afetivo, e também recupera suas ligações sociais. O genitor que o/a acompanha (frequentemente a mãe) também pode retornar para casa, restaurando o grupo familiar. Esses aspectos devem ser considerados e discutidos com a família antes da alta hospitalar.

Este estudo relata a experiência de um único hospital universitário e foi realizado considerando-se um pequeno número de pacientes. Demonstramos neste artigo que a transferência de pacientes estáveis sob ventilação mecânica para uma UDVM ou para a VMD leva a uma maior disponibilidade de leitos nas UTI. Essa maior disponibilidade possibilita que o hospital forneça um serviço mais qualificado para a comunidade.

Artigo submetido em 25.08.10, aceito em 01.12.10.

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.

Como citar este artigo: Hanashiro M, Franco AO, Ferraro AA, Troster EJ. Care alternatives for pediatric chronic mechanical ventilation. J Pediatr (Rio J). 2011;87(2):145-149.

  • 1. Graham RJ, Fleegler EW, Robinson WM. Chronic ventilator need in the community: a 2005 pediatric census of Massachusetts. Pediatrics. 2007;119:e1280-7.
  • 2. Noyes J. 'Ventilator-dependent' children who spend prolonged periods of time in intensive care units when they no longer have a medical need or want to be there. J Clin Nurs. 2000;9:774-83.
  • 3. Marcin JP, Slonim AD, Pollack MM, Ruttimann UE. Long-stay patients in the pediatric intensive care unit. Crit Care Med. 2001;29:652-7.
  • 4. Noyes J. Health and quality of life of ventilator-dependent children. J Adv Nurs. 2006;56:392-403.
  • 5. James I. Providing intensive care. Centralised paediatric intensive care beds are blocked. BMJ. 1996;312:1476.
  • 6. Fraser J, Mok Q, Tasker R. Survey of occupancy of paediatric intensive care units by children who are dependent on ventilators. BMJ. 1997;315:347-8.
  • 7. Wijkstra PJ, Avendaño MA, Goldstein RS. Inpatient chronic assisted ventilatory care: a 15-year experience. Chest. 2003;124:850-6.
  • 8. Corrado A, Roussos C, Ambrosino N, Confalonieri M, Cuvelier A, Elliott M, et al. Respiratory intermediate care units: a European survey. Eur Respir J. 2002;20:1343-50.
  • 9. Dasgupta A, Rice R, Mascha E, Litaker D, Stoller JK. Four-year experience with a unit for long-term ventilation (respiratory special care unit) at the Cleveland Clinic Foundation. Chest. 1999;116:447-55.
  • 10. Gracey DR, Hardy DC, Naessens JM, Silverstein MD, Hubmayr RD. The Mayo Ventilator-Dependent Rehabilitation Unit: a 5-year experience. Mayo Clin Proc. 1997;72:13-9.
  • 11. Oktem S, Ersu R, Uyan ZS, Cakir E, Karakoc F, Karadag B, et al. Home ventilation for children with chronic respiratory failure in Istanbul. Respiration. 2008;76:76-81.
  • 12. Ottonello G, Ferrari I, Pirroddi IM, Diana MC, Villa G, Nahum L, et al. Home mechanical ventilation in children: retrospective survey of a pediatric population. Pediatr Int. 2007;49:801-5.
  • 13. Edwards EA, Hsiao K, Nixon GM. Paediatric home ventilatory support: the Auckland experience. J Paediatr Child Health. 2005;41:652-8.
  • 14. Bertrand P, Fehlmann E, Lizama M, Holmgren N, Silva M, Sánchez I. Home ventilatory assistance in Chilean children: 12 years' experience. Arch  Broncopneum. 2006;42:165-70.
  • 15. Schweitzer C, Camoin-Schweitzer MC, Beltramo F, Polu E, Marchal F, Monin P. Domiciliary assisted ventilation in children. Rev Pneumol Clin. 2002;58:139-44.
  • 16. Minces PG, Schnitzler EJ, Pérez AC, Diaz SM, Llera J, Lasa M. Asistencia respiratória mecânica domiciliária em la edad pediátrica. Arch Argent Pediatr. 2002;100:210-5.
  • 17. Fauroux B, Boffa C, Desguerre I, Estournet B, Trang H. Long-term noninvasive mechanical ventilation for children at home: a national survey. Pediatr Pulmonol. 2003;35:119-25.
  • 18. Resener TD, Martinez FE, Reiter K, Nicolai T. Assistência ventilatória domiciliar em crianças descrição de um programa. J Pediatr (Rio J). 2001;77:84-8.
  • 19. Jardine E, Wallis C. Core guidelines for the discharge home of the child on long-term assisted ventilation in the United Kingdom. UK Working Party on Paediatric Long Term Ventilation. Thorax. 1998;53:762-7.
  • 20. Brasil, Ministério da Saúde. Portaria 370 de 4 de julho de 2008. Diário Oficial da União. 7 set 2008.
  • 21. Einloft PR, Garcia PC, Piva JP, Bruno F, Kipper DJ, Fiori RM. Perfil epidemiológico de uma unidade de terapia intensiva pediátrica. Rev Saude Publica. 2002;36:728-33.
  • 22. de Souza DC, Troster EJ, de Carvalho WB, Shin SH, Cordeiro AM. Disponibilidade de unidades de terapia intensiva pediátrica e neonatal no município de São Paulo. J Pediatr (Rio J). 2004;80: 453-60.
  • 23. Barbosa AP, da Cunha AJ, de Carvalho ER, Portella AF, de Andrade MP, Barbosa MC. Terapia intensiva neonatal e pediátrica no Rio de Janeiro: distribuição de leitos e análise de eqüidade. Rev Assoc Med Bras. 2002;48:303-11.
  • 24
    Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Especializada. Coordenação Geral de Atenção Hospitalar. Nota informativa 2010. Gerenciamento de Leitos de UTI. http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/nota_cghosp_uti_credenciamento.pdf Acesso: 17/05/2010
  • 25. Floriani CA. Home-based palliative care: challenges in the care of technology-dependent children. J Pediatr (Rio J). 2010;86:15-20.
  • 26. Wang KW, Barnard A. Caregivers' experience at home with a ventilator-dependent child. Qual Health Res. 2008;18:501-8.
  • Correspondência:

    Milton Hanashiro
    Hospital Auxiliar de Suzano
    Rua Prudente de Morais, 2200
    CEP 08610-005 – Suzano, SP
    Tel.: (11) 4744.8200, Ramal 2220, (11) 9543.5206
    Fax: (11) 4744.8253
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Maio 2011
    • Data do Fascículo
      Abr 2011

    Histórico

    • Recebido
      25 Ago 2010
    • Aceito
      01 Dez 2010
    Sociedade Brasileira de Pediatria Av. Carlos Gomes, 328 cj. 304, 90480-000 Porto Alegre RS Brazil, Tel.: +55 51 3328-9520 - Porto Alegre - RS - Brazil
    E-mail: jped@jped.com.br