Acessibilidade / Reportar erro

Capnografia volumétrica na identificação da não homogeneidade da ventilação em crianças e adolescentes com asma persistente controlada

Resumos

OBJETIVOS: Estudar alterações nas variáveis de capnografia volumétrica em crianças e adolescentes asmáticos comparados com grupo-controle e investigar suas mudanças com o uso do broncodilatador e do teste de broncoprovocação com metacolina. MÉTODOS: Cento e três pacientes com asma persistente controlada e 40 voluntários saudáveis participaram do estudo. Todos realizaram exames de capnografia volumétrica e espirometria. Todos os asmáticos repetiram os exames após uso do broncodilatador. Dos 103 asmáticos, 33 realizaram teste de broncoprovocação com metacolina, e foram registradas as medidas em três momentos: antes e após metacolina e após broncodilatador. RESULTADOS: Comparados ao grupo-controle, os asmáticos apresentaram aumento do slope da fase III normalizado pelo volume corrente e diminuição do volume corrente, do volume expiratório forçado no primeiro segundo, da capacidade vital forçada, do índice de obstrução e do fluxo expiratório forçado entre 25 a 75% da capacidade vital forçada. Após o broncodilatador, houve aumento das variáveis espirométricas, do volume espaço morto anatômico e diminuição do slope da fase II normalizado pelo volume corrente; porém não houve alteração do slope da fase III normalizado pelo volume corrente. Após a metacolina, houve aumento dessa variável, com diminuição após broncodilatador. CONCLUSÕES: O aumento do slope da fase III normalizado pelo volume corrente nos pacientes asmáticos sugere que eles apresentam uma não homogeneidade da ventilação nos espaços aéreos distais, podendo refletir tanto distúrbios estruturais crônicos de vias aéreas como alterações agudas reversíveis observadas no teste de broncoprovocação.

Capnografia; espirometria; pediatria; asma


OBJECTIVES: To study changes in the variables of volumetric capnography in children and adolescents with asthma compared with a control group and to investigate their changes with the use of bronchodilators and bronchial provocation test with methacholine. METHODS: One hundred and three patients with controlled persistent asthma and 40 healthy volunteers participated in the study. All of them underwent volumetric capnography and spirometry. All asthmatics repeated the tests after bronchodilator use. Among 103 asthma patients, 33 underwent methacholine challenge test, and measures were recorded on three occasions: before and after methacholine and after bronchodilator use. RESULTS: Compared with the control group, asthmatics had an increase in the slope of phase III normalized by tidal volume and decreases in tidal volume, forced expiratory volume in one second, forced vital capacity, rate of obstruction and forced expiratory flow between 25 to 75% of forced vital capacity. After bronchodilator use, there was an increase in spirometric variables, volume of anatomic dead space, and decrease in the slope of phase II normalized by tidal volume, but the slope of phase III normalized by tidal volume did not change. After methacholine, there was an increase in this variable, which decreased after bronchodilator use. CONCLUSIONS: The increase in the slope of phase III normalized by tidal volume in asthma patients suggests that these patients have ventilation inhomogeneity in the distal air spaces, which may reflect chronic structural disorders or reversible acute changes seen on the bronchial provocation test.

Capnography; spirometry; pediatrics; asthma


ARTIGO ORIGINAL

Capnografia volumétrica na identificação da não homogeneidade da ventilação em crianças e adolescentes com asma persistente controlada

Celize C. B. AlmeidaI; Armando A. Almeida-JúniorII; Maria Ângela G. O. RibeiroI; Marcos T. Nolasco-SilvaIII; José Dirceu RibeiroIV

IDoutora, Saúde da Criança e do Adolescente. Faculdade de Ciências Médicas (FCM), Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas, SP

IIMestre, Pediatria. FCM, UNICAMP, Campinas, SP

IIIDoutor. Professor, Departamento de Pediatria, FCM, UNICAMP, Campinas, SP

IVDoutor. Professor livre-docente, Departamento de Pediatria, FCM, UNICAMP, Campinas, SP

Correspondência Correspondência: Celize C. B. Almeida Rua Jasmim, 750, torre 1, ap. 84 – Chácara Primavera CEP 13087-460 – Campinas, SP Tel.: (19) 3256.9501, (19) 9111.5874 E-mail: ccb.almeida@gmail.com

RESUMO

OBJETIVOS: Estudar alterações nas variáveis de capnografia volumétrica em crianças e adolescentes asmáticos comparados com grupo-controle e investigar suas mudanças com o uso do broncodilatador e do teste de broncoprovocação com metacolina.

MÉTODOS: Cento e três pacientes com asma persistente controlada e 40 voluntários saudáveis participaram do estudo. Todos realizaram exames de capnografia volumétrica e espirometria. Todos os asmáticos repetiram os exames após uso do broncodilatador. Dos 103 asmáticos, 33 realizaram teste de broncoprovocação com metacolina, e foram registradas as medidas em três momentos: antes e após metacolina e após broncodilatador.

RESULTADOS: Comparados ao grupo-controle, os asmáticos apresentaram aumento do slope da fase III normalizado pelo volume corrente e diminuição do volume corrente, do volume expiratório forçado no primeiro segundo, da capacidade vital forçada, do índice de obstrução e do fluxo expiratório forçado entre 25 a 75% da capacidade vital forçada. Após o broncodilatador, houve aumento das variáveis espirométricas, do volume espaço morto anatômico e diminuição do slope da fase II normalizado pelo volume corrente; porém não houve alteração do slope da fase III normalizado pelo volume corrente. Após a metacolina, houve aumento dessa variável, com diminuição após broncodilatador.

CONCLUSÕES: O aumento do slope da fase III normalizado pelo volume corrente nos pacientes asmáticos sugere que eles apresentam uma não homogeneidade da ventilação nos espaços aéreos distais, podendo refletir tanto distúrbios estruturais crônicos de vias aéreas como alterações agudas reversíveis observadas no teste de broncoprovocação.

Palavras-chave: Capnografia, espirometria, pediatria, asma.

ABSTRACT

OBJECTIVES: To study changes in the variables of volumetric capnography in children and adolescents with asthma compared with a control group and to investigate their changes with the use of bronchodilators and bronchial provocation test with methacholine.

METHODS: One hundred and three patients with controlled persistent asthma and 40 healthy volunteers participated in the study. All of them underwent volumetric capnography and spirometry. All asthmatics repeated the tests after bronchodilator use. Among 103 asthma patients, 33 underwent methacholine challenge test, and measures were recorded on three occasions: before and after methacholine and after bronchodilator use.

RESULTS: Compared with the control group, asthmatics had an increase in the slope of phase III normalized by tidal volume and decreases in tidal volume, forced expiratory volume in one second, forced vital capacity, rate of obstruction and forced expiratory flow between 25 to 75% of forced vital capacity. After bronchodilator use, there was an increase in spirometric variables, volume of anatomic dead space, and decrease in the slope of phase II normalized by tidal volume, but the slope of phase III normalized by tidal volume did not change. After methacholine, there was an increase in this variable, which decreased after bronchodilator use.

CONCLUSIONS: The increase in the slope of phase III normalized by tidal volume in asthma patients suggests that these patients have ventilation inhomogeneity in the distal air spaces, which may reflect chronic structural disorders or reversible acute changes seen on the bronchial provocation test.

Keywords: Capnography, spirometry, pediatrics, asthma.

Introdução

A presença e a intensidade da obstrução na asma são convencionalmente avaliadas pelo volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1), medido pela espirometria. Porém, a utilização desse exame para avaliar as pequenas vias aéreas tem sido questionada. Além disso, é necessária a colaboração do indivíduo para a execução das manobras de espirometria, pois elas são altamente dependentes de esforço e, portanto, difíceis de ser realizadas por crianças1,2.

As limitações da espirometria têm motivado a busca por marcadores capazes de detectar precocemente as alterações das vias aéreas, bem como detalhar disfunções de vias aéreas de pequeno calibre. Estudos que avaliam a heterogeneidade da ventilação utilizando gases inertes nos pulmões mostram que eles parecem ser mais sensíveis que o VEF1 na identificação de alterações de pequenas vias aéreas na asma, tanto em adultos, quanto em crianças1,3,4.

O padrão de eliminação do gás carbônico (CO2) por volume corrente expirado, obtido por meio da capnografia volumétrica (CV), permite o cálculo de índices que refletem distúrbios na relação ventilação/perfusão (V/Q). Esse método não necessita de manobras forçadas para sua realização. A CV tem mostrado-se uma alternativa na avaliação de alterações funcionais dos pulmões e sua aplicação em pesquisas clínicas tem tornado-se mais acessível com o desenvolvimento de novas tecnologias. Na população pediátrica, as medidas de espaço morto pela CV vêm sendo estudadas há duas décadas em pacientes entubados e ventilados5-10. Em indivíduos respirando espontaneamente, a CV pode ser utilizada na avaliação de muitas doenças, especialmente quando se tratam de pequenas vias aéreas11. Estudos recentes mostraram uma correlação de medidas da CV com a espirometria em adultos com ou sem doença pulmonar12-15. No entanto, poucos trabalhos avaliaram essa ferramenta em crianças16,17, principalmente com asma18.

O objetivo do presente estudo foi avaliar medidas obtidas com a CV em crianças e adolescentes asmáticos persistentes e compará-las com as de indivíduos saudáveis, além de investigar as mudanças de variáveis da CV na resposta ao broncodilatador e ao teste de broncoprovocação (TBP) nos asmáticos.

Métodos

Foi realizado um estudo prospectivo, observacional e de corte transversal, no período de abril de 2007 a março de 2010, no Laboratório de Fisiologia Pulmonar (LAFIP) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), com 103 asmáticos persistentes, acompanhados no Hospital de Clínicas da mesma instituição, e grupo-controle de 40 voluntários, de 6 a 15 anos, de ambos os sexos. O diagnóstico e a classificação da asma em persistente leve, moderada ou grave foram feitos com base nos critérios da Global Initiative for Asthma (GINA)19. Todos os pacientes apresentavam teste cutâneo de hipersensibilidade imediata positivo para pelo menos um antígeno testado e dosagem sérica de imunoglobulina E total acima do percentil 97,5 para a idade em pelo menos uma amostra de sangue. Foram excluídos os asmáticos com doença cardiopulmonar crônica ou aguda concomitante, história de lobectomia ou segmentectomia pulmonar, outra doença crônica em uso de corticoide sistêmico, cardiopatia congênita ou desnutrição proteico-calórica.

Todos os asmáticos faziam uso de corticoide inalatório (budesonida) na forma de pó seco e dose de 400 a 800 mcg/dia, e formoterol 12 mcg duas vezes ao dia, por um período de pelo menos 30 dias. Nenhum paciente apresentava história de crise asmática com necessidade de internação em terapia intensiva no último ano nem qualquer exacerbação ou piora dos sintomas com necessidade de aumento no uso de broncodilatadores inalatórios ou corticoides sistêmicos 4 semanas antes dos testes. Nem os asmáticos nem o grupo-controle apresentaram sintomas ou infecções respiratórias nos últimos 15 dias da data dos exames. Todos realizaram primeiramente a CV, seguida da espirometria, sendo que os asmáticos repetiram os dois exames após o uso do broncodilatador (salbutamol, em quatro jatos de 100 mcg cada). Dos 103 asmáticos, 33 realizaram o TBP com metacolina em uma segunda visita.

Teste de broncoprovocação

O TBP foi realizado segundo as recomendações da European Respiratory Society (ERS) e da American Thoracic Society (ATS)20. Foi utilizada a Acetyl-beta-methylcoline (Methacoline Chloride) código A2251 do laboratório Sigma, diluída em concentrações de 0,125, 0,250, 0,5, 1, 2, 4, 8, 16 e 40 mg/mL. Um minuto após o término de cada concentração inalada, eram realizadas as medidas de VEF1, sendo a prova interrompida quando se verificava queda de 20% ou mais no VEF1 em relação ao basal. A espirometria e a CV foram analisadas antes e após o TBP e após reversão do teste com o broncodilatador. Nesses três momentos, verificamos também a saturação de oxigênio por oximetria de pulso (SpO2).

Capnografia volumétrica

Foi utilizado o monitor de perfil respiratório CO2SMO-Plus® modelo DX-8100 (Novametrix, Wallingford, EUA) e o software Analysis Plus!® For Windows 2000 para registro das medidas e curvas da CV. Os traçados gráficos foram obtidos a partir do CO2 exalado contra o volume expirado, caracterizados por três fases. Fase 1: eliminação do ar proveniente da boca, traqueia e brônquios, correspondente ao volume do espaço morto anatômico e, portanto, livre de CO2. Fase 2: com rápido aumento na concentração de CO2, representa a transição do gás exalado entre a via aérea e o alvéolo. Fase 3: também chamada de fase do platô alveolar, na qual acontece a eliminação do gás contido na grande massa de alvéolos. Pode-se, então, identificar, no traçado, duas inclinações distintas: a primeira, correspondente à fase II do espirograma, é denominada de slope da fase II; a segunda, correspondente à fase III do espirograma, é denominada de slope da fase III. Foi solicitado que o sujeito ficasse sentado, de costas para o monitor, utilizando clipe nasal, e realizasse respirações tranquilas, através de um bocal. Após observação de normalização do padrão respiratório, iniciou-se o registro das variáveis capnográficas por 5 minutos. Ao final da coleta, foi selecionada uma sequência off-line dos ciclos respiratórios dos pacientes, de forma que foram excluídos os ciclos no primeiro minuto, considerando um período ainda de adaptação do paciente ao aparelho. Eram, então, excluídos os ciclos respiratórios em que a curva da CV mostrava um formato irregular, como ausência do platô por escape de ar ou depressão do platô por tosse12. Em seguida, foram eliminados os ciclos cujo coeficiente de variação para o volume corrente expirado fosse maior ou menor que 25% e para o CO2 exalado maior ou menor que 5%14,18. As médias das variáveis nos ciclos restantes foram então calculadas e consideradas como resultado final. As variáveis analisadas foram: a frequência respiratória (FR), o volume corrente expirado (VT) e o alveolar (VTalv), o volume espaço morto anatômico (VDanat), o VDanat/VT, o slope da fase II (slope2) e o slope da fase III (slope3) do espirograma. Como os volumes expirados em crianças são variáveis, recomenda-se a normalização dos slope2 e slope3 pelo volume corrente (slope2/VT e slope3/VT), para compensar variações no tamanho dos indivíduos18.

Espirometria

Foram utilizados o espirômetro modelo CPFS/D e o software BREEZE PF® Versão 3.8 B para Windows 95/98/NT (MedGraphics, Saint Paul, Minnesota, EUA). O exame foi realizado segundo as recomendações da ERS/ATS20. Todos os asmáticos foram orientados a não utilizar broncodilatadores de curta ou longa duração 12 horas antes do exame. Selecionaram-se os valores da capacidade vital forçada (CVF), do VEF1, do índice de obstrução (VEF1/CVF) e do fluxo expiratório entre 25 a 75% da CVF (FEF25-75).

Estatística

Para análise das variáveis estudadas na comparação entre os grupos, utilizou-se o teste não paramétrico de Mann-Whitney. Para análise de comparação entre as variáveis em dois momentos (antes e após broncodilatador) utilizou-se o teste não paramétrico de Wilcoxon. Para análise de comparação em três momentos (antes e após metacolina e após broncodilatador) utilizou-se a análise de variância (ANOVA) para medidas repetidas. No processamento dos dados, empregou-se o software SPSS versão 17.0. Foram considerados estatisticamente significantes valores de p < 0,05.

O estudo foi realizado após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição, nº 419-2005. Todos os pais ou responsáveis pelas crianças e adolescentes participantes do estudo assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

Resultados

Dos 103 asmáticos, 59 (57,3%) eram do sexo masculino e 44 (42,7%) do feminino. Dezesseis (15,5%) possuíam classificação de asma leve, 62 (60,2%) de asma moderada e 25 (24,3%) de asma grave. Do grupo-controle, 17 (42,5%) eram do sexo masculino e 23 (57,5%) do feminino.

As variáveis antropométricas, capnográficas e espirométricas do grupo de asma e do grupo-controle encontram-se na Tabela 1. Comparados ao grupo-controle, os asmáticos apresentaram menores valores espirométricos de VEF1, VEF1/CVF% e FEF25-75 (p < 0,001) e CVF (p = 0,007) e, em relação à CV, apresentaram maiores slope3/VT (p < 0,001) e slope2/VT (p = 0,044) e menor VT (p = 0,035).

A avaliação dos 103 asmáticos após o uso do broncodilatador mostrou aumento significante das variáveis espirométricas, do VDanat e do VDanat/VT e diminuição do slope2 e slope2/VT (p < 0,001), porém não houve diferenças no slope3 e no slope3/VT (Tabela 2).

Realizaram o TBP com metacolina, 33 voluntários do grupo de 103 asmáticos, sendo 21 (63,6%) do sexo masculino e 12 (36,4%) do feminino. Após metacolina, encontrou-se diminuição estatisticamente significante do VEF1, CVF, VEF1/CVF, FEF25-75 e SpO2 (p < 0,001) e aumento do slope3/VT (p = 0,003). Após reversão com broncodilatador, houve aumento de todas as variáveis espirométricas e da SpO2 (p < 0,001) e diminuição do slope3/VT (p < 0,001) (Tabela 3). Na Figura 1, observamos as alterações de VEF1 e slope3/VT nos três momentos do TBP.


Discussão

Segundo o nosso conhecimento, este é o primeiro trabalho a avaliar as variáveis obtidas pela curva de capnografia volumétrica em crianças e adolescentes asmáticos comparados com um grupo-controle, bem como os efeitos farmacológicos do broncodilatador e da broncoprovocação nas vias aéreas desses pacientes.

No presente estudo, observamos aumento do slope3/VT nos pacientes asmáticos em comparação ao grupo-controle, o que sugere uma não homogeneidade da ventilação nos espaços aéreos distais. Bourdin et al.3 também encontraram aumento no slope da fase III da curva de nitrogênio em asmáticos adultos comparados ao grupo-controle. Assim como em nosso estudo, eles também encontraram diferenças no VEF1 entre os grupos. Já Macleod et al.2 não encontraram alterações em índices derivados do slope da fase III obtidos com hexafluoreto de enxofre (SF6) nem no VEF1, na comparação de crianças com asma controlada e grupo-controle.

Após o uso do broncodilatador, foi encontrado um aumento do VDanat, o que coincide com os achados de Steiss et al.17, que também observaram aumento dessa variável em crianças com asma persistente moderada após o broncodilatador. O aumento do diâmetro brônquico poderia justificar esses achados.

Em relação ao slope2/VT, encontramos valor maior nos asmáticos em relação aos controles, e diminuição dessa variável nos asmáticos após broncodilatador. Kars et al.21 também encontraram diferenças em índices obtidos na fase II da CV quando compararam pacientes com enfisema e adultos saudáveis. Diferente do slope3, o slope2 é influenciado pelo volume espaço morto anatômico, pois representa a mistura do ar das vias aéreas de condução e do ar que participou de trocas gasosas11. Nossos resultados mostram um slope2/VT menor quando o VT está aumentando, pois ocorre uma subida mais lenta do CO2 na fase II devido ao maior volume de ar que foi eliminado nesses pacientes, principalmente de volume de ar que não participou das trocas gasosas.

Na análise do TBP, encontramos aumento do slope3/VT após a inalação da metacolina e diminuição após broncodilatador. Esse achado pode ocorrer devido à assincronia do esvaziamento de unidades alveolares pela ação constritora da metacolina em vias aéreas periféricas. O FEF25-75, que é a medida da espirometria que mais bem reflete as pequenas vias aéreas, apresentou queda após broncoprovocação, o que reforça essa hipótese. Verbanck et al.22 já haviam encontrado aumento do slope da fase III derivada da curva de nitrogênio em 20 adultos saudáveis após o TBP com metacolina. Olsson et al.12 também encontraram aumento do slope da fase III na CV, após broncoprovocação com metacolina em 19 adultos saudáveis. Esses estudos sugerem que ocorrem alterações nas áreas de trocas gasosas pelo efeito broncoconstritor. No presente estudo, houve queda da SpO2 após metacolina. Essa variável apresentou aumento após reversão com broncodilatador, retornando ao valor inicial. Esses resultados reforçam o fato de que a broncoprovocação afeta a relação V/Q.

Analisando conjuntamente nossos resultados, encontramos alterações do slope3/VT nos asmáticos em comparação com indivíduos saudáveis, porém sem mudanças após o broncodilatador. Já no TBP, o slope3/VT sofreu mudanças após a metacolina compatíveis com aumento da resistência das vias aéreas e reversão significante após o uso do broncodilatador. Esses resultados sugerem que existem alterações fixas de vias aéreas em asmáticos e que não são reversíveis ao broncodilatador. Em contrapartida, existem alterações reversíveis quando o uso do broncodilatador ocorre após o episódio agudo de broncoconstrição induzido pela metacolina.

A asma no adulto caracteriza-se por alterações estruturais e inflamatórias23,24, bem como pelo remodelamento de vias aéreas25, tanto centrais, quanto periféricas. Em biópsias pulmonares, a presença de maior concentração de eosinófilos ativos em pequenas vias aéreas (bronquíolos com diâmetros menores que 2 mm) sugere que a periferia é o local de maior obstrução na asma26. Achados de tomografia computadorizada de alta resolução em adultos asmáticos também evidenciaram obstrução de grandes e pequenas vias aéreas, além de atelectasias subsegmentares e air trapping, ambas relacionadas à periferia dos espaços aéreos27. Em crianças, foram encontradas alterações inflamatórias de vias aéreas periféricas em tecidos de autópsias, particularmente na asma grave28. Esses dados de literatura reforçam nossa hipótese de que crianças com asma controlada e assintomáticas mostram alterações do slope3, o que pode ser devido às alterações estruturais e inflamatórias de vias aéreas que ocorrem na doença.

Comparada à espirometria, a CV não necessita de manobras dependentes de esforço para sua realização, podendo ser facilmente executada por crianças pequenas. Também é um equipamento de pequeno porte, podendo ser utilizado em pacientes hospitalizados, em ambulatórios ou consultórios médicos.

Novos métodos que utilizam gases inertes em múltiplas respirações ou em única respiração trazem informações sobre a heterogeneidade da ventilação29. Em contrapartida, o equipamento de capnografia tem menor preço que os equipamentos utilizados nas técnicas de washout de gases e de índice de clearance pulmonar, pois utiliza um gás endógeno, fazendo com que o exame seja mais rápido, sem ajustes de volumes de gás para diferentes idades, como acontece nos exames de washout de gases.

Conclusão

Os resultados mostram que o slope3/VT aumentado nos pacientes asmáticos pode refletir a não homogeneidade da ventilação nos espaços aéreos distais, sugerindo a presença tanto de distúrbios estruturais crônicos de vias aéreas quanto de alterações agudas reversíveis observadas no teste de broncoprovocação. Esse índice pode ser uma ferramenta na avaliação e no estudo da disfunção de pequenas vias aéreas em crianças e adolescentes asmáticos.

Artigo submetido em 19.10.10, aceito em 22.12.10.

Apoio financeiro: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), nº 00/04046-5.

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.

Como citar este artigo: Almeida CC, Almeida-Júnior AA, Ribeiro MA, Nolasco-Silva MT, Ribeiro JD. Volumetric capnography to detect ventilation inhomogeneity in children and adolescents with controlled persistent asthma. J Pediatr (Rio J). 2011;87(2):163-168.

  • 1. Ljungberg HK, Gustafsson PM. Peripheral airway function in childhood asthma, assessed by single-breath He and SF6 washout. Pediatr Pulmonol. 2003;36:339-47.
  • 2. Macleod KA, Horsley AR, Bell NJ, Greening AP, Innes JA, Cunningham S. Ventilation heterogeneity in children with well controlled asthma with normal spirometry indicates residual airways disease. Thorax. 2009;64:33-7.
  • 3. Bourdin A, Paganin F, Préfaut C, Kieseler D, Godard P, Chanez P. Nitrogen washout slope in poorly controlled asthma. Allergy. 2006;61:85-9.
  • 4. Verbanck S, Schuermans D, Paiva M, Vincken W. Nonreversible conductive airway ventilation heterogeneity in mild asthma. J Appl Physiol. 2003;94:1380-6.
  • 5. Fletcher R. Relationship between alveolar deadspace and arterial oxygenation in children with congenital cardiac disease. Br J Anaesth. 1989;62:168-76.
  • 6. Arnold JH, Thompson JE, Benjamin PK. Respiratory deadspace measurements in neonates during extracorporeal membrane oxygenation. Crit Care Med. 1993;21:1895-900.
  • 7. Arnold JH, Bower LK, Thompson JE. Respiratory deadspace measurements in neonates with congenital diaphragmatic hernia. Crit Care Med. 1995;23:371-5.
  • 8. Hubble CL, Gentile MA, Tripp DS, Craig DM, Meliones JN, Cheifetz IM. Deadspace to tidal volume ratio predicts successful extubation in infants and children. Crit Care Med. 2000;28:2034-40.
  • 9. Coss-Bu JÁ, Walding DL, David YB, Jefferson LS. Dead space ventilation in critically ill children with lung injury. Chest. 2003;123:2050-6.
  • 10. Almeida-Júnior AA, da Silva MT, Almeida CC, Ribeiro JD. Relationship between physiologic deadspace/tidal volume ratio and gas exchange in infants with acute bronchiolitis on invasive mechanical ventilation. Pediatr Crit Care Med. 2007;8:372-7.
  • 11. Lucangelo U, Gullo A, Bernabè F, Blanch L. Capnographic measures. In: Gravenstein JS, Jaffe MB, Paulus DA (editors). Capnography: clinical aspects. Carbon dioxide over time and volume. Cambridge: Cambridge University Press. 2004; p. 309-320.
  • 12. Olsson K, Greiff L, Karlefors F, Johansson S, Wollmer P. Changes in airway dead space in response to methacholine provocation in normal subjects. Clin Physiol. 1999;19:426-32.
  • 13. Koulouris NG, Latsi P, Stavrou E, Chroneou A, Gaga M, Jornanoglou J. Unevenness of ventilation assessed by the expired CO(2) gas volume versus V(T) curve in asthmatic patients. Respir Physiol Neurobiol. 2004;140:293-300.
  • 14. Romero PV, Rodrigues B, de Oliveira D, Blanch L, Manresa F. Volumetric capnography and chronic obstructive pulmonary disease staging. Int J Chron Obstruct Pulmon Dis. 2007;2:381-91.
  • 15. Veronez L, Moreira MM, Soares ST, Pereira MC, Ribeiro MA, Ribeiro JD, et al. Volumetric capnography for the evaluation of pulmonary disease in adult patients with cystic fibrosis and noncystic fibrosis bronchiectasis. Lung. 2010;188:263-8.
  • 16. Ream RS, Schreiner MS, Neff JD, McRae KM, Jawad AF, Scherer PW, et al. Volumetric capnography in children. Influence of growth on the alveolar plateau slope. Anesthesiology. 1995;82:64-73.
  • 17. Steiss JO, Rudloff S, Landmann E, Zimmer KP, Lindemann H. Capnovolumetry: a new tool for lung function testing in children with asthma. Clin Physiol Funct Imaging. 2008;28:332-6.
  • 18. Ribeiro MA. Uso da capnografia volumétrica associada à espirometria na identificação da disfunção pulmonar na fibrose cística [tese]. Campinas (SP): Universidade Estadual de Campinas; 2010.
  • 19. National Heart, Lung and Blood Institute/World Health Organization Workshop. Global initiative for asthma (GINA). USA, 1995.
  • 20. Miller MR, Hankinson J, Brusasco V, Burgos F, Casaburi R, Coates A, et al. Standardisation of spirometry. Eur Respir J. 2005;26:319-38.
  • 21. Kars AH, Goorden G, Stijnen T, Bogaard JM, Verbraak AF, Hilvering C. Does phase 2 of the expiratory PCO2 versus volume curve have diagnostic value in emphysema patients? Eur Respir J. 1995;8:86-92.
  • 22. Verbanck S, Schuermans D, Van Muylem A, Paiva M, Noppen M, Vincken W. Ventilation distribution during histamine provocation. J Appl Physiol. 1997;83:1907-16.
  • 23. Macklem PT. The physiology of small airways. Am J Respir Crit Care Med. 1998;157:S181-3.
  • 24. Jeffery PK. Comparison of the structural and inflammatory features of COPD and asthma. Giles F. Filley Lecture. Chest. 2000;117:251S-60S.
  • 25. Chetta A, Foresi A, Del Donno M, Bertorelli G, Pesci A, Olivieri D. Airways remodeling is a distinctive feature of asthma and is related to severity of disease. Chest. 1997;111:852-7.
  • 26. Hamid Q, Song Y, Kotsimbos TC, Minshall E, Bai TR, Hegele RG, et al. Inflammation of small airways in asthma. J Allergy Clin Immunol. 1997;100:44-51.
  • 27. Teel GS, Engeler CE, Tashijian JH, duCret RP. Imaging of small airways disease. Radiographics. 1996;16:27-41.
  • 28. Haley KJ, Sunday ME, Wiggs BR, Kozakewich HP, Reilly JJ, Mentzer SJ, et al. Inflammatory cell distribution within and along asthmatic airways. Am J Respir Crit Care Med. 1998;158:565-72.
  • 29. Horsley A. Lung clearance index in the assessment of airways disease. Respir Med. 2009;103:793-9.
  • Correspondência:

    Celize C. B. Almeida
    Rua Jasmim, 750, torre 1, ap. 84 – Chácara Primavera
    CEP 13087-460 – Campinas, SP
    Tel.: (19) 3256.9501, (19) 9111.5874
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Maio 2011
    • Data do Fascículo
      Abr 2011

    Histórico

    • Recebido
      19 Out 2010
    • Aceito
      22 Dez 2010
    Sociedade Brasileira de Pediatria Av. Carlos Gomes, 328 cj. 304, 90480-000 Porto Alegre RS Brazil, Tel.: +55 51 3328-9520 - Porto Alegre - RS - Brazil
    E-mail: jped@jped.com.br