Acessibilidade / Reportar erro

Influência do local de nascimento e do transporte sobre a morbimortalidade de recém-nascidos prematuros

Resumos

OBJETIVO: Verificar a influência do local de nascimento e do transporte sobre a morbimortalidade de recém-nascidos prematuros na Região Sul do Brasil. MÉTODOS: Estudo de coorte com recém-nascidos prematuros transferidos para a unidade de tratamento intensivo de referência (grupo transporte = 61), tendo sido acompanhados até a alta. Os dados sobre o atendimento no hospital de origem e transporte foram obtidos no momento da internação. Esse grupo foi comparado com neonatos da maternidade de referência, pareados por idade gestacional (grupo controle = 123), tendo como desfecho primário o óbito e desfechos secundários as alterações da glicemia, temperatura e saturação de oxigênio no momento da internação e a incidência de enterocolite necrosante, displasia broncopulmonar e sepses. Na associação entre as variáveis e o desfecho, foi utilizado o risco relativo. Foi adotado um nível de significância de α = 5% e β = 90%. RESULTADOS: A distância média percorrida foi de 91 km. A idade gestacional média foi de 34 semanas. Entre os recém-nascidos transferidos, 23% (n = 14) não tiveram atendimento pediátrico na sala de parto. No transporte, 33% dos recém-nascidos foram acompanhados por pediatra, e os equipamentos utilizados foram: incubadora (57%), bomba de infusão (13%), oxímetro (49%) e aparelho para aferição da glicemia (21%). O grupo transporte apresentou maior incidência de hiperglicemia, risco relativo (RR) = 3,2 (2,3-4,4), hipoglicemia, RR = 2,4 (1,4-4,0), hipertermia, RR = 2,5 (1,6-3,9), e hipoxemia, RR = 2,2 (1,6-3,0). Foram observados 18% de óbitos no grupo dos transferidos e 8,9% no grupo controle, RR = 2,0 (1,0-2,6). CONCLUSÕES: A pesquisa expõe deficiências no atendimento e transporte dos recém-nascidos, sendo necessária uma melhor organização do atendimento perinatal e do transporte na região nordeste do Rio Grande do Sul.

Recém-nascido; transporte de pacientes; unidade de terapia intensiva


OBJECTIVE: To evaluate the effect of place of birth and transport on morbidity and mortality of preterm newborns in the southern region of Brazil. METHODS: This cohort study included preterm newborns transported to a reference intensive care unit (transport group = 61) and followed up until discharge. Data about care in hospital of origin and transport were obtained at admission. This group was compared with infants born in the maternity ward of the reference hospital paired according to gestational age (control group = 123). Primary outcome was death, and secondary outcomes were changes in blood glucose, temperature and oxygen saturation at admission and the incidence of necrotizing enterocolitis, bronchopulmonary dysplasia and sepsis. Relative risk (RR) was used to evaluate the association between variables and outcome. The level of significance was set at α = 5% and β = 90%. RESULTS: Mean travel distance was 91 km. Mean gestational age was 34 weeks. Of the neonates in the transport group, 23% (n = 14) did not receive pediatric care in the delivery room. During transportation, 33% of newborns were accompanied by a pediatrician, and the equipment available was: incubator (57%), infusion pump (13%), oximeter (49%) and device for blood glucose test (21%). The transport group had a greater incidence of hyperglycemia (RR = 3.2; 2.3-4.4), hypoglycemia (RR = 2.4; 1.4-4.0), hyperthermia (RR = 2.5; 1.6-3.9), and hypoxemia (RR = 2.2; 1.6-3.0). The percentage of deaths was 18% in the transport group and 8.9% in the control group (RR = 2.0; 1.0-2.6). CONCLUSIONS: This study revealed deficiencies in neonatal care and transport. Perinatal care and transport should be better organized in the northeastern region of Rio Grande do Sul, Brazil.

Neonates; patient transport; intensive care unit


ARTIGO ORIGINAL

Influência do local de nascimento e do transporte sobre a morbimortalidade de recém-nascidos prematuros

Breno F. AraújoI; Helen ZattiII; Petrônio F. Oliveira FilhoIII; Márcio B. CoelhoIV; Fabriola B. OlmiIV; Tatiana B. GuaresiV; José M. MadiVI

IDoutor, Saúde Pública, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP

IIMestre, Pediatria, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Porto Alegre, RS

IIIMestre, Saúde Pública, USP, São Paulo, SP

IVEstudante, Medicina, Universidade de Caxias do Sul (UCS), Caxias do Sul, RS

VNeonatologista, Hospital Geral de Caxias do Sul, UCS, Caxias do Sul, RS

VIDoutor, Obstetrícia, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ

Correspondência Correspondência: Breno Fauth de Araújo Rua Orestes Baldisserotto, 931 - Colina Sorriso CEP 95032-260 - Caxias do Sul, RS Tel.: (54) 3221.4691, (54) 9112.2955 Fax: (54) 3221.4691 E-mail: bfaraujo@terra.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Verificar a influência do local de nascimento e do transporte sobre a morbimortalidade de recém-nascidos prematuros na Região Sul do Brasil.

MÉTODOS: Estudo de coorte com recém-nascidos prematuros transferidos para a unidade de tratamento intensivo de referência (grupo transporte = 61), tendo sido acompanhados até a alta. Os dados sobre o atendimento no hospital de origem e transporte foram obtidos no momento da internação. Esse grupo foi comparado com neonatos da maternidade de referência, pareados por idade gestacional (grupo controle = 123), tendo como desfecho primário o óbito e desfechos secundários as alterações da glicemia, temperatura e saturação de oxigênio no momento da internação e a incidência de enterocolite necrosante, displasia broncopulmonar e sepses. Na associação entre as variáveis e o desfecho, foi utilizado o risco relativo. Foi adotado um nível de significância de α = 5% e β = 90%.

RESULTADOS: A distância média percorrida foi de 91 km. A idade gestacional média foi de 34 semanas. Entre os recém-nascidos transferidos, 23% (n = 14) não tiveram atendimento pediátrico na sala de parto. No transporte, 33% dos recém-nascidos foram acompanhados por pediatra, e os equipamentos utilizados foram: incubadora (57%), bomba de infusão (13%), oxímetro (49%) e aparelho para aferição da glicemia (21%). O grupo transporte apresentou maior incidência de hiperglicemia, risco relativo (RR) = 3,2 (2,3-4,4), hipoglicemia, RR = 2,4 (1,4-4,0), hipertermia, RR = 2,5 (1,6-3,9), e hipoxemia, RR = 2,2 (1,6-3,0). Foram observados 18% de óbitos no grupo dos transferidos e 8,9% no grupo controle, RR = 2,0 (1,0-2,6).

CONCLUSÕES: A pesquisa expõe deficiências no atendimento e transporte dos recém-nascidos, sendo necessária uma melhor organização do atendimento perinatal e do transporte na região nordeste do Rio Grande do Sul.

Palavras-chave: Recém-nascido, transporte de pacientes, unidade de terapia intensiva.

Introdução

Em países desenvolvidos, 15 a 20% dos recém-nascidos (RNs) nascem em locais sem infra-estrutura adequada e precisam ser transferidos para centros mais desenvolvidos1. No Brasil, esses dados não são conhecidos, mas estima-se que o número desses RNs seja maior. A maioria dos estudos que analisam resultados relacionados ao nível de cuidados perinatais indica que a morbimortalidade de RN muito prematuros ou doentes aumenta quando os partos ocorrem em centros sem a especialização adequada para o atendimento2,3.

Estudo realizado no Canadá2 analisou 3.769 crianças nascidas com menos de 32 semanas de gestação e admitidas em 17 unidades de tratamento intensivo neonatal (UTINs) de 1996 a 1997. Os RNs que nasceram fora de um serviço terciário e precisaram ser transferidos tiveram um risco de morte por hemorragia ventricular grave, doença da membrana hialina, persistência do canal arterial e infecção hospitalar significantemente maior quando comparados com crianças nascidas em centros terciários. Entre os fatores que contribuíram para esse aumento da mortalidade, destacam-se a estrutura inadequada do hospital de origem e o efeito negativo do transporte.

Em outro estudo3, realizado entre os anos de 1993 e 1995, os autores analisaram as taxas de mortalidade de 2.375 RNs de muito baixo peso, de acordo com o nível dos serviços perinatais do hospital onde nasceram. As taxas de mortalidade ajustadas pelo peso de nascimento (PN) e raça foram significantemente maiores nos hospitais de nível I e II em comparação com os hospitais de nível III. Mesmo as transferências entre dois centros de nível terciário podem aumentar a mortalidade, comprovando o risco do transporte para a morbimortalidade neonatal4.

A partir desse conhecimento, surgiu o conceito de regionalização dos cuidados perinatais. O primeiro estudo sobre a regionalização foi publicado em 19761. Esse estudo incluiu critérios que estratificavam os cuidados maternos e neonatais em três níveis de complexidade e recomendou a transferência de pacientes de risco para centros com pessoal e recursos necessários e compatíveis com o grau de risco e severidade da doença.

O sucesso da transferência depende da qualidade do atendimento na sala de parto, do contínuo e adequado atendimento do RN na unidade neonatal enquanto a transferência não ocorre, da escolha do tipo de transporte, da equipe que fará a transferência e da qualidade do transporte até a unidade de referência. Qualquer etapa com uma assistência inadequada pode produzir danos irreparáveis ao neonato.

Assim, o presente estudo tem como objetivo verificar as condições de atendimento prestado ao RN que necessita de cuidados especiais nos municípios da região nordeste do Rio Grande do Sul e a qualidade do transporte destes RN até a unidade de referência.

Métodos

Estudo de coorte realizado no período de agosto de 2008 a julho de 2010, envolvendo RNs prematuros transferidos para a UTIN do Hospital Geral (HG) de Caxias do Sul nos primeiros 3 dias de vida e que foram acompanhados até a alta hospitalar ou óbito. O HG é o hospital de referência para a região nordeste do estado do Rio Grande do Sul, atende exclusivamente pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) e possui uma unidade neonatal de nível terciário. Foram incluídos no estudo todos os conceptos prematuros nascidos em um dos 52 municípios da região e transferidos para o HG com até 72 horas de vida. Os critérios de exclusão foram os RNs transferidos após 72 horas de vida e os nascidos em municípios que não fazem parte da região nordeste do estado do Rio Grande do Sul.

No momento da internação do RN na UTIN, um formulário foi preenchido pelo pesquisador ou pelo intensivista neonatal com as informações necessárias sobre o atendimento realizado no local de origem e sobre o transporte do RN. Essas informações foram obtidas do médico ou enfermeira que acompanharam o paciente. Em casos específicos, quando faltavam algumas informações, os pesquisadores obtinham os dados necessários por meio de contato telefônico com o médico assistente do RN no hospital de origem. Para se verificar a influência do local de nascimento e do transporte sobre os índices de morbimortalidade dos RNs transferidos, foram criados dois grupos: o grupo 1 (grupo transporte) foi formado pelos 61 RNs prematuros transferidos para o HG, e o grupo 2 (grupo controle) foi constituído por 123 RNs nascidos na maternidade do hospital e recrutados logo após a inclusão de um caso, pareados por idade gestacional (IG), permitindo-se uma variação de mais ou menos 1 semana.

As variáveis maternas utilizadas foram a idade, o número de consultas na gestação, a idade gestacional, o uso do corticoide antenatal e o tipo de parto. As variáveis do recém-nascido foram o sexo, PN, Apgar no 1º e 5º minuto e tempo de permanência na UTIN. Para avaliar as condições de atendimento na maternidade de origem e durante o transporte, foram verificados os equipamentos e medicamentos utilizados no atendimento do RN e no transporte, a distância percorrida, a duração do transporte e o tipo de profissional que participou do atendimento e do transporte.

Para fins de comparação entre os dois grupos, durante a internação hospitalar, foi utilizado como desfecho primário o óbito e como desfechos secundários as seguintes variáveis: hiperglicemia (hemoglicoteste > 160), hipoglicemia (hemoglicoteste < 40), hipotermia (temperatura < 36 °C) ou hipertermia (temperatura > 37,5 °C) e saturação de oxigênio < 90%, variáveis estas coletadas nos primeiros 30 minutos da internação; enterocolite necrosante (classificação de Bell)5, displasia broncopulmonar (dependência de oxigênio aos 28 dias de vida), sepse precoce (até 3 dias de vida) e tardia (após 3 dias de vida), definida pela presença de hemocultura positiva. As informações foram digitadas em um banco de dados do programa Epi-Info 6.04, sendo a análise realizada no programa SPSS (Statistical Package for the Social Sciences), versão 18.0. Para verificar a presença ou não de associação entre as variáveis independentes e o desfecho estudado, foi utilizado o risco relativo. Na análise univariada, foram aplicados o teste t de Student e o teste de Mann-Whitney para as variáveis contínuas e o teste qui-quadrado ou o teste exato de Fisher para variáveis qualitativas dicotômicas. Foi adotado um nível de significância de α = 5% e β = 90%. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Caxias do Sul.

Resultados

Durante o período do estudo, foram transferidos para a UTIN do HG 61 RNs prematuros, sendo 54% (n = 33) do sexo masculino. A distância média percorrida por esses RNs foi de 91 km, sendo a menor distância percorrida de 12 km, e a maior, de 240 km. A duração média do transporte foi de 79 minutos.

Esses RNs apresentaram um PN médio de 2.045 g e uma idade gestacional média de 34 semanas, permanecendo 9 horas, em média, na maternidade de origem, antes da transferência.

A Tabela 1 apresenta a comparação entre os dois grupos em relação às variáveis maternas e do RN. O grupo de RNs transferidos apresentou menor número de consultas na gestação, menor utilização de corticoide antenatal em gestantes com menos de 34 semanas e menor índice de operação cesariana.

Em relação ao atendimento da gestante durante o parto no local de origem, verificou-se que 95% delas foram atendidas por obstetra. No grupo de RNs transferidos, o atendimento dos neonatos na sala de parto foi realizado por pediatra em 77% dos casos (n = 47). Entre os RNs transferidos, 73% (n = 44) necessitaram algum tipo de reanimação na sala de parto. Os medicamentos utilizados no berçário para o atendimento desses RNs foram: oxigênio (93,4%; n = 57), hidratação venosa (62,3%; n = 38), antibióticos (21,3%; n = 13) e drogas vasoativas (1,6%; n = 1).

A Tabela 2 apresenta os equipamentos utilizados no berçário para o tratamento dos RNs antes da transferência e durante o transporte. No atendimento do neonato no berçário, a utilização da bomba de infusão foi de 16,4% (n = 10). O controle da glicemia foi realizado em 41% (n = 25) dos casos. A campânula foi usada em metade dos casos de RNs que utilizaram oxigênio. A utilização do oxímetro, para controle do oxigênio administrado, ocorreu em 49% dos RNs (n = 30). Durante o transporte, merece destaque o baixo emprego da incubadora de transporte, da bomba de infusão, do controle da glicemia e da oximetria.

No transporte, os RNs foram acompanhados por pediatra em 33% dos casos (n = 20), médico não pediatra em 43% (n = 26), enfermeira em 20% (n = 12), e em 2% dos casos (n = 1) o RN foi acompanhado apenas por um familiar. Durante o transporte, os RNs receberam hidratação venosa (59%; n = 36) e oxigênio (88,5%; n = 54).

A Tabela 3 apresenta a distribuição dos nascidos vivos segundo as variáveis de desfecho. Nesta tabela, no grupo de neonatos transferidos, pode-se observar o maior número de casos de hiperglicemia ou hipoglicemia, hipertermia e saturação de oxigênio menor do que 90%. Não houve diferença entre os dois grupos em relação ao número de RNs com displasia broncopulmonar, enterocolite necrosante, sepse precoce ou tardia.

Em relação à média de dias de permanência na UTIN, não houve diferença estatística entre o grupo de RNs transferidos (16 dias) e o de nascidos no HG (20 dias) (p = 0,13).

Verificou-se 18% (n = 11) de óbitos no grupo de RNs transferidos e 8,9% (n = 11) no grupo controle, resultado com significância limítrofe (p = 0,07).

Discussão

A pesquisa expõe inúmeras deficiências no atendimento e transporte dos RNs, resultando em uma tendência de aumento no número de óbitos entre os RNs transferidos (18%), quando comparados aos nascidos na maternidade do hospital de referência (8,9%).

Uma das limitações do estudo foi o pequeno tamanho da amostra, diminuindo o poder da análise em relação ao óbito. É possível que, com uma quantidade maior de casos selecionados, houvesse uma diferença estatisticamente significante no número de óbitos entre os dois grupos.

Da mesma forma, o tamanho da amostra não foi suficiente para se verificar a influência do transporte sobre a incidência de displasia broncopulmonar, enterocolite necrosante e sepse, que se mostrou igual nos dois grupos.

Muitas informações desta pesquisa foram obtidas através de entrevista com o médico ou enfermeira que participaram do transporte neonatal, podendo, dessa forma, ocasionar viés de informação. Em muitos casos, para que se completasse a coleta dos dados, houve necessidade de contato telefônico com o médico assistente do RN na cidade de origem; nesse momento, foi obtida uma segunda coleta completa de informações com o objetivo de se checar a confiabilidade dos dados conseguidos, não se encontrando discrepância de informações.

Em relação ao atendimento das gestantes durante a gravidez, verificou-se que o número de consultas de pré-natal foi menor entre as mães dos RNs transferidos, bem como o número de gestantes em trabalho de parto prematuro que receberam corticoide antenatal. Diversos estudos6-8 têm mostrado que maior número de consultas de pré-natal associa-se à diminuição da mortalidade neonatal. Da mesma forma, o uso do corticoide em gestantes em trabalho de parto prematuro é uma das estratégias de maior impacto sobre a mortalidade neonatal, sendo, junto com a utilização do surfactante, um dos responsáveis pelo extraordinário avanço da neonatologia nas últimas décadas9,10. Esses fatores, portanto, podem ter influenciado negativamente na pior taxa de mortalidade dos RNs transferidos.

Em relação à via de parto, pode-se observar 50% a mais de cesarianas no grupo de neonatos do HG. Alguns estudos têm descrito que o nascimento pela via alta de RN com extremo baixo peso é fator protetor para o óbito do RN11-13. Contudo, ainda não há consenso na literatura sobre a melhor via de parto para os prematuros extremos11.

Outro aspecto importante a ser salientado é que, embora a pesquisa tenha sido realizada somente com RNs prematuros, 23% dos RNs transferidos não tiveram atendimento pediátrico na sala de parto. A reanimação de um RN em sala de parto é vital para o bom prognóstico do neonato e deve ser realizada por pediatra treinado para esse tipo de procedimento. A ausência de profissional capacitado para o atendimento na sala de parto tem reflexo direto sobre a chance desse RN sobreviver com uma boa qualidade de vida.

Os RNs do estudo permaneceram, em média, 9 horas na maternidade de origem enquanto aguardavam a transferência. Nesse período, a maioria deles recebeu oxigênio e hidratação venosa. O oxigênio foi administrado em 93,4% dos RNs, sendo a administração monitorada por oxímetro em somente metade dos casos. Em relação à utilização da bomba de infusão, equipamento essencial no controle adequado da infusão venosa, principalmente em RNs prematuros, pode-se comprovar utilização reduzida. No estudo, observou-se que, embora a hidratação venosa tenha sido utilizada em 62% dos RNs, a bomba infusão foi utilizada apenas em 16% dos casos.

O controle da glicose, recomendado para todos os RNs prematuros, com vistas à detecção das variações glicêmicas, foi usado em somente 41% dos casos. Houve, portanto, uma subutilização de equipamentos essenciais ao atendimento de RN de risco nas maternidades de origem.

Em outra pesquisa sobre os equipamentos existentes nas maternidades da região, verificou-se que existem deficiências graves de equipamentos básicos para o atendimento dos RNs na grande maioria dos municípios da região nordeste do estado do Rio Grande do Sul14. Assim, nove hospitais (40,9%) não possuem bomba de infusão no berçário, cinco (22,7%) não possuem campânula ou oxímetro, e um (4,5%) não possui balão/máscara e aparelho para controle da glicemia14.

A avaliação do transporte neonatal expõe também sérias deficiências. Todos os RNs foram transferidos por ambulâncias e equipe da própria cidade. Entretanto, somente 33% desses RNs foram acompanhados durante o transporte por um pediatra, sendo que 22% foram transferidos sem a presença de um médico, apesar do envolvimento ético e legal do profissional que atendeu o paciente. Além disso, quase metade desses neonatos prematuros foi transferida sem incubadora de transporte, mesmo tendo nascido em uma das regiões mais frias do país, com temperaturas frequentemente negativas durante o inverno. Esse fato trouxe reflexos sobre a temperatura corporal dos RNs transferidos, posto que quase 50% deles chegaram hipotérmicos ao hospital de referência. É de se salientar a relação entre a hipotermia e o aumento da mortalidade, sendo a manutenção da temperatura do RN uma medida bastante efetiva para que se possa diminuir a morbimortalidade neonatal15.

Merece destaque, também, o grande número de RNs hipotérmicos nascidos na maternidade do HG, onde são utilizados recursos adequados para a manutenção da temperatura na sala de parto, tais como o aquecimento do ambiente, berço aquecido, uso da touca e saco plástico, quando de nascimentos prematuros. Provavelmente, a causa dessa hipotermia possa estar associada à não utilização da incubadora de transporte para a transferência desses RNs para a unidade neonatal, o que comprova a importância do aquecimento adequado mesmo durante o transporte intra-hospitalar.

Durante o transporte, foi observada, ainda, a baixa utilização da bomba de infusão, do oxímetro e do controle da glicemia, equipamentos imprescindíveis para o adequado monitoramento clínico do paciente. Devido a isso, 47% dos RNs transportados apresentaram alterações da glicemia, e 32% chegaram hipoxêmicos.

Maternidades de nível primário necessitam de recursos materiais e humanos mínimos para que possam se habilitar ao atendimento de gestantes e RNs. É sabido que 15% dos nascimentos são de risco e, portanto, todas as maternidades precisam ter recursos humanos e os equipamentos necessários para tratar esses RNs adequadamente no momento do nascimento, durante a sua permanência no berçário e no transporte até uma unidade de referência. Qualquer uma dessas etapas marcada por um atendimento inadequado traz repercussões negativas sobre a morbimortalidade neonatal6.

Na organização do atendimento perinatal, em um sistema hierarquizado de cuidados neonatais, o transporte exerce uma função fundamental, transferindo gestantes e RNs de maternidades de nível primário para serviços de referência16. Esse serviço precisa ser regional, com sede nas cidades que são centros de referência, funcionando 24 horas por dia, com veículos e equipamentos adequados para o transporte neonatal e com uma equipe especializada em transporte de RN17,18.

Em um número significativo de municípios da região, a pesquisa demonstrou a carência no atendimento pediátrico e a falta de equipamentos básicos para o atendimento dos RNs e seu eventual transporte. Existe, portanto, a necessidade de se estabelecer e fazer cumprir as normas que regulamentam o funcionamento das maternidades, bem como fiscalizar a qualidade do atendimento prestado16.

Agradecimentos

À equipe de plantonistas e enfermeiras da UTIN do HG pela colaboração na obtenção dos dados.

Artigo submetido em 21.11.10, aceito em 13.01.11.

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.

Como citar este artigo: Araújo BF, Zatti H, Oliveira Filho PF, Coelho MB, Olmi FB, Guaresi TB, et al. Effect of place of birth and transport on morbidity and mortality of preterm newborns. J Pediatr (Rio J). 2011;87(3):257-262.

  • 1. Committee on Perinatal Health. Toward Improving the outcome of pregnancy: recommendations for the regional Development of maternal and perinatal health services. White Plains, NY: March of Dimes National Foundation; 1976.
  • 2. Chien LY, Whyte R, Aziz K, Thiessen P, Matthew D, Lee SK; Canadian Neonatal Network. Improved outcome of preterm infants when delivered in tertiary care centers. Obstet Gynecol. 2001;98:247-52.
  • 3. Menard MK, Liu Q, Holgren EA, Sappenfield WM. Neonatal mortality for very low birth weight deliveries in South Carolina by level of hospital perinatal service. Am J Obstet Gynecol. 1998;179:374-81.
  • 4. Bowman E, Doyle LW, Murton LJ, Roy RN, Kitchen WH. Increased mortality of preterm infants transferred between tertiary perinatal centres. BMJ. 1988;297:1098-100.
  • 5. Bell MJ, Ternberg JL, Feigin RD, Keating JP, Marshall R, Barton L, et al. Neonatal necrotizing enterocolitis. Therapeutic decisions based upon clinical staging. Ann Surg. 1978;187:1-7.
  • 6. Drazancic A. Antenatal care in developing countries. What should be done? J Perinat Med.  2001;29:188-98.
  • 7. Kilsztajn S, Rossbach A, do Carmo MS, Sugahara GT. Assistência pré-natal, baixo peso e prematuridade no Estado de São Paulo, 2000. Rev Saude Publica. 2003;37:303-10.
  • 8. Menezes AM, Barros FC, Victora CG, Tomasi E, Halpern R, Oliveira AL. Fatores de risco para mortalidade perinatal em Pelotas, RS, 1993. Rev Saude Publica. 1998;32:209-16.
  • 9. Althabe F, Bergel E, Cafferata ML, Gibbons L, Ciapponi A, Aleman A, et al. Strategies for improving the quality of health care in maternal and child health in low- and middle-income countries: an overview of systematic reviews. Paediatr Perinat Epidemiol. 2008;22 Suppl 1:42-60.
  • 10. Effect of corticosteroids for fetal maturation on perinatal outcomes. NIH Consensus Development Panel on the Effect of Corticosteroids for Fetal Maturation on Perinatal Outcomes. JAMA. 1995;273:413-8.
  • 11. Zeitlin J, Di Lallo D, Blondel B, Weber T, Schmidt S, Kunzel W, et al. Variability in caesarean section rates for very preterm births at 28-31 weeks of gestation in 10 European regions: results of the MOSAIC project. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 2010;149:147-52.
  • 12. Malloy MH, Doshi S. Cesarean section and the outcome of very preterm and very low-birthweight infants. Clin Perinatol. 2008;35:421-35, viii.
  • 13. Ahmeti F, Azizi I, Hoxha S, Kulik-Rechberger B, Rechberger T. Mode of delivery and mortality among preterm newborns. Ginekol Pol. 2010;81:203-7.
  • 14. Araujo BF, Zatti H, Coelho MB, Olmi FB, Guaresi TB, Madi JM. Condições de atendimento perinatal na Região Nordeste do Estado do RS.  In: Anais do XX Congresso Brasileiro de Perinatologia - 21 a 24 novembro. Rio de Janeiro; 2010. p. 100.
  • 15. Barros FC, Bhutta ZA, Batra M, Hansen TN, Victora CG, Rubens CE; GAPPS Review Group. Global report on preterm birth and stillbirth (3 of 7): evidence for effectiveness of interventions. BMC Pregnancy Childbirth. 2010;10 Suppl 1:S3.
  • 16
    Sociedade Brasileira de Pediatria. Departamento de Neonatologia. Infra-estrutura para atendimento integral ao recém-nascido. Educação médica continuada. Documento Científico; 2004 [serial on the Internet].
  • 17. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas. Manual de orientações sobre o transporte neonatal. Série A. Normas e Manuais Técnicos. Brasília: Editora do Ministério da Saúde; 2010.
  • 18. Marba ST, Vieira AL. Transporte do recém-nascido. In: Artmed, editor. PRORN. Porto Alegre; 2004. p. 91-115.
  • Correspondência:

    Breno Fauth de Araújo
    Rua Orestes Baldisserotto, 931 - Colina Sorriso
    CEP 95032-260 - Caxias do Sul, RS
    Tel.: (54) 3221.4691, (54) 9112.2955
    Fax: (54) 3221.4691
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Set 2011
    • Data do Fascículo
      Jun 2011

    Histórico

    • Recebido
      21 Out 2010
    • Aceito
      13 Jan 2011
    Sociedade Brasileira de Pediatria Av. Carlos Gomes, 328 cj. 304, 90480-000 Porto Alegre RS Brazil, Tel.: +55 51 3328-9520 - Porto Alegre - RS - Brazil
    E-mail: jped@jped.com.br