Acessibilidade / Reportar erro

Normalização da estatura e excesso de adiposidade corporal em crianças com a forma perdedora de sal da deficiência da 21-hidroxilase

Resumos

OBJETIVO: Avaliar crescimento e composição corporal de portadores da forma clássica perdedora de sal da hiperplasia adrenal congênita por deficiência da 21-hidroxilase, comparando-os com crianças saudáveis. MÉTODOS: Foram incluídos 21 pacientes (oito meninos e 13 meninas), entre 2,1 e 10,2 anos, e 67 controles pré-púberes (36 meninos e 31 meninas), entre 1,2 e 11,7 anos. Avaliou-se peso, estatura, perímetro braquial, dobras cutâneas, composição corporal por bioimpedância e idade óssea. Foram obtidas dos prontuários dos pacientes as seguintes informações: estatura dos pais, valores de 17-OH progesterona e Δ4-androstenediona, dose de hidrocortisona prescrita, dados de peso e estatura ao nascimento, no início do tratamento e aos 2 anos de idade. RESULTADOS: Os pacientes apresentaram menor escore z de peso e de altura na primeira consulta em relação à situação de nascimento, com posterior recuperação após o início do tratamento, sem apresentar avanço da idade óssea. A média do escore z da altura dos controles (0,28±0,86) foi maior que a dos casos (-0,61±0,99, p < 0,001). Essa diferença desaparece quando se ajusta a altura dos pacientes para a idade óssea (0,33±1,68, p = 0,912). Os pacientes apresentaram maiores índices de massa corporal (p < 0,001), massa gorda (p < 0,001) e índice de massa gorda (p < 0,001) do que os controles. Não houve diferença entre as dobras cutâneas dos 2 grupos (p = 0,157). CONCLUSÕES: Os pacientes apresentaram recuperação do crescimento com média de estatura semelhante à da população geral, porém com maior adiposidade corporal, que parece ser visceral, já que não houve diferença entre as dobras cutâneas.

Hiperplasia supra-renal congênita; glândulas adrenais; composição corporal; crescimento; criança


OBJECTIVE: To evaluate growth and body composition of patients with the salt wasting form of classical congenital adrenal hyperplasia due to 21-hydroxylase deficiency and to compare them with healthy children. METHODS: Twenty-one prepubertal patients (eight boys and 13 girls) between 2.1 and 10.2 years and 67 prepubertal healthy controls (36 boys and 31 girls) between 1.2 and 11.7 years were included. Weight, height, upper-arm circumference, skinfolds, body composition determined by bioimpedance, and bone age were measured. The following data were obtained from the medical records: parents' height, serum levels of 17-hydroxyprogesterone and Δ4-androstenedione, prescribed hydrocortisone doses, weight and length at birth, in the beginning of the treatment, and at 2 years. RESULTS: Patients had lower weight and length z scores at the first appointment compared with the same data at birth, showing recovery after the beginning of the treatment without advanced bone age. Mean height z score was higher in controls (0.28±0.86) than in patients (-0.61±0.99, p < 0.001); this difference disappeared when the patients' height was adjusted to their bone age (0.33±1.68, p = 0.912). Patients had higher body mass index (p < 0.001), fat mass (p < 0.001), and fat mass index (p < 0.001) than controls. There was no difference in the skinfolds between the two groups (p = 0.157). CONCLUSIONS: Patients had growth recovery with mean height similar to the general population; however, they had higher body fat, which seems to be visceral, since there was no difference between the skinfolds of both groups.

Congenital adrenal hyperplasia; adrenal; body composition; growth; child


ARTIGO ORIGINAL

Normalização da estatura e excesso de adiposidade corporal em crianças com a forma perdedora de sal da deficiência da 21-hidroxilase

Carolina T. Mendes-dos-SantosI; Sofia H. V. de Lemos-MariniII; Maria Tereza M. BaptistaIII; Gil Guerra-JuniorIV; Maricilda P. De-MelloV; Maria Fernanda V. M. PaulinoI; André M. MorcilloVI

IMestre, Saúde da Criança e do Adolescente, Faculdade de Ciências Médicas (FCM), Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas, SP

IIDoutora, Pediatria, Unidade de Endocrinologia Pediátrica, Departamento de Pediatria, FCM, UNICAMP, Campinas, SP

IIIDoutora, Ciências Médicas, Disciplina de Endocrinologia, Departamento de Clínica Médica, FCM, UNICAMP, Campinas, SP

IVLivre-Docente, Pediatria, Unidade de Endocrinologia Pediátrica, Departamento de Pediatria, FCM, UNICAMP, Campinas, SP

VLivre-Docente, Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMeG), UNICAMP, Campinas, SP

VIProfessor associado, Pediatria, Unidade de Endocrinologia Pediátrica, Departamento de Pediatria, FCM, UNICAMP, Campinas, SP

Correspondência Correspondência: Sofia Helena Valente de Lemos-Marini Unidade de Endocrinologia Pediátrica, Departamento de Pediatria, UNICAMP CEP 13083-100 - Campinas, SP Tel.: (19) 3521.7193 Fax: (19) 3252.5885 E-mail: sofia@hc.unicamp.br, sofia.hvlemos@gmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar crescimento e composição corporal de portadores da forma clássica perdedora de sal da hiperplasia adrenal congênita por deficiência da 21-hidroxilase, comparando-os com crianças saudáveis.

MÉTODOS: Foram incluídos 21 pacientes (oito meninos e 13 meninas), entre 2,1 e 10,2 anos, e 67 controles pré-púberes (36 meninos e 31 meninas), entre 1,2 e 11,7 anos. Avaliou-se peso, estatura, perímetro braquial, dobras cutâneas, composição corporal por bioimpedância e idade óssea. Foram obtidas dos prontuários dos pacientes as seguintes informações: estatura dos pais, valores de 17-OH progesterona e Δ4-androstenediona, dose de hidrocortisona prescrita, dados de peso e estatura ao nascimento, no início do tratamento e aos 2 anos de idade.

RESULTADOS: Os pacientes apresentaram menor escore z de peso e de altura na primeira consulta em relação à situação de nascimento, com posterior recuperação após o início do tratamento, sem apresentar avanço da idade óssea. A média do escore z da altura dos controles (0,28±0,86) foi maior que a dos casos (-0,61±0,99, p < 0,001). Essa diferença desaparece quando se ajusta a altura dos pacientes para a idade óssea (0,33±1,68, p = 0,912). Os pacientes apresentaram maiores índices de massa corporal (p < 0,001), massa gorda (p < 0,001) e índice de massa gorda (p < 0,001) do que os controles. Não houve diferença entre as dobras cutâneas dos 2 grupos (p = 0,157).

CONCLUSÕES: Os pacientes apresentaram recuperação do crescimento com média de estatura semelhante à da população geral, porém com maior adiposidade corporal, que parece ser visceral, já que não houve diferença entre as dobras cutâneas.

Palavras-chave: Hiperplasia supra-renal congênita, glândulas adrenais, composição corporal, crescimento, criança.

Introdução

A hiperplasia adrenal congênita por deficiência da 21-hidroxilase (HAC-21) é uma doença autossômica recessiva, caracterizada por diminuição da síntese de glicocorticóides e aumento da produção de andrógenos. A incidência da forma clássica varia entre 1:12.000 e 1:15.000 nascimentos, sendo a variante clínica perdedora de sal1 responsável por 75% dos casos.

O tratamento consiste na reposição de glicocorticoide e, quando necessário, de mineralocorticoide1,2. A grande dificuldade consiste em se administrar doses fisiológicas que promovam crescimento adequado e permitam altura final mais próxima possível da normal3,4.

O uso de doses suprafisiológicas de glicocorticoide determina diminuição do crescimento, ao passo que o uso de doses insuficientes não bloqueia a produção excessiva de esteróides sexuais, resultando em avanço da idade óssea1,2. O excesso de andrógenos também pode modificar a composição corporal por aumento da massa muscular4, enquanto o uso de altas doses de glicocorticoides pode ocasionar obesidade e aumento do índice de massa corporal (IMC)5-9.

Diversos estudos avaliaram a estatura final de pacientes com HAC-21, a maioria mostrando perda de estatura, com altura final abaixo do alvo parental3,10-13.

Alguns estudos, além do crescimento e da estatura final, avaliaram a composição corporal, com base no IMC4,6,7 e na radioabsorciometria de feixe duplo (DEXA)4, encontrando aumento de massa gorda nesses pacientes4,6,7.

O objetivo deste trabalho foi estudar o crescimento e a composição corporal de pacientes pré-púberes com HAC-21 forma clássica perdedora de sal e compará-los a um grupo controle, bem como avaliar em que época da vida a recuperação da estatura se deu.

Casuística e método

Trata-se de um estudo transversal retrospectivo, descritivo e analítico realizado com pacientes pré-púberes (estágio I de Tanner) portadores da forma clássica perdedora de sal da HAC-21 em acompanhamento no Ambulatório de Endocrinologia Pediátrica do Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). O diagnóstico foi realizado pela determinação das concentrações séricas basais de 17-hidroxiprogesterona (17OH) por radioimunoensaio fase sólida, utilizando kit da Diagnostic System Laboratories INC/USA (DSL) e confirmado por estudo molecular14,15.

Visando tornar o grupo de pacientes mais homogêneo e ter tempo suficiente para avaliar o efeito do tratamento, foram definidos como critérios de inclusão o início de seguimento até a idade de 4 meses e o acompanhamento no serviço por, pelo menos, 18 meses. Preencheram esses critérios 21 dos 34 pacientes em acompanhamento, sendo excluídos seis pela idade de início de seguimento e sete por tempo insuficiente de acompanhamento. A reposição hormonal foi sempre com acetato de hidrocortisona, em três doses via oral diárias, e fludrocortisona, em uma ou duas doses diárias. O tratamento, durante todo o período, foi supervisionado por um único médico (SHVLM). No seguimento de cada paciente foram realizadas pelo menos quatro consultas anuais para avaliação de parâmetros antropométricos (peso e estatura), determinação de 17OH, Δ4-androstenediona (Δ4) - radioimunoensaio fase sólida, utilizando kit da DSL, e idade óssea.

Foram obtidos dos prontuários os dados de estatura dos pais, valores de 17-OH e Δ4, dose de hidrocortisona prescrita, peso e estatura ao nascimento, no início do tratamento e aos 2 anos de idade.

A avaliação antropométrica que representa a idade de 2 anos correspondeu ao peso e à estatura medidos na consulta mais próxima à data do segundo aniversário, variando de 20,4 a 25,4, com média de 23,9 [desvio padrão (DP) = 1,3] meses.

Determinaram-se as doses médias de hidrocortisona prescritas, e na avaliação das concentrações de 17OH e da Δ4 optou-se pelo uso das medianas devido às dificuldades com os valores dos limites inferior (< 0,01 ng/mL) e superior (> 20 ou > 50 ng/mL) de alguns resultados.

O grupo-controle foi constituído por 67 crianças saudáveis, clinicamente pré-púberes, recrutadas entre irmãos e amigos dos pacientes e filhos de funcionários do hospital.

Na consulta mais recente obteve-se peso, estatura, perímetro braquial, dobras cutâneas (bicipital, tricipital, subescapular e suprailíaca) e idade óssea. Calculou-se o IMC e as áreas muscular e de gordura braquiais16. Na mesma ocasião, avaliou-se a composição corporal por bioimpedância (BIA 101-Q RJL Systems, Detroit, EUA), determinando-se a massa magra17. A massa gorda foi obtida subtraindo-se do peso total a massa magra encontrada. Determinou-se o índice de massa gorda (IMG) dividindo-se a massa gorda obtida pelo quadrado da altura da criança, para avaliar melhor a composição corporal. Da mesma forma calculou-se o índice de massa magra. Os pacientes foram classificados, de acordo com seu IMC, em obesos (> percentil 95), sobrepesos (entre percentis 85 e 95) ou normais.

A idade óssea foi avaliada por um único observador, pelo método TW20, utilizando-se a radiografia de punho mais próxima da data da avaliação antropométrica18.

A média do alvo parental foi calculada como sugerido por Tanner19: (altura do pai + altura da mãe)/2±6,5 cm, para o sexo masculino ou feminino, respectivamente. Os limites inferior e superior correspondem à média ±8,5cm.

Determinaram-se os escores z de peso, altura, área muscular braquial e área de gordura braquial. Para o cálculo dos escores z de peso e altura e os percentis do IMC foram utilizados dados do CDC 200020. Para os escores z do peso e do comprimento ao nascimento foram utilizados dados de Marcondes21, e para as áreas muscular braquial e de gordura do braço, os de Frisancho16.

Para análise das variáveis qualitativas empregou-se o teste do qui-quadrado ou o exato de Fisher. Para avaliação de duas médias, empregou-se o teste t de Student ou o de Mann-Whitney. Na comparação do peso e da altura nos momentos início do tratamento, 2 anos e momento atual, usou-se a análise de variância para dados repetidos e o teste de Bonferroni. Para a análise multivariada, empregou-se a regressão linear múltipla, método stepwise. Adotou-se 5% como nível de significância.

Os dados foram processados com o software SPSS versão 16.0 (SPSS Inc, Chicago, EUA), que automaticamente gerou os gráficos do estudo.

O consentimento formal foi obtido dos participantes e de seus respectivos responsáveis antes da realização da pesquisa, e o protocolo de estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

Resultados

Foram avaliados 21 pacientes (oito meninos e 13 meninas) com média de idade de 5,8 anos [mínimo-máximo (mín-máx) = 2,1 a 10,2], média de seguimento de 5,7 anos (mín-máx = 1,9 a 9,9) e média de idade na primeira consulta de 36,7 dias (mín-máx = 3 a 123) (Tabela 1).

No momento da avaliação não houve diferença entre idade, sexo, escolaridade da mãe e renda familiar per capita dos pacientes e dos controles.

A média dos escores z do peso ao nascimento foi -0,23 (DP = 1,4), no início do tratamento, -2,31 (DP = 1,3), com 2 anos, -0,77 (DP = 1,3) e no momento atual, 0,26 (DP = 0,8) (Figura 1). Houve diferença significante na comparação entre todos os períodos (p < 0,001). A média dos escores z de peso dos controles foi 0,08 (DP = 0,90), não havendo diferença entre os dois grupos (p = 0,430) (Tabela 1).


A média dos escores z do comprimento ao nascimento foi -0,69 (DP = 2,30), no início do tratamento, -1,87 (DP = 1,7), com 2 anos, -1,07 (DP = 1,0) e no momento atual, -0,61 (DP = 0,99). A média dos escores z de altura dos controles foi 0,28 (DP = 0,86), sendo maior que a dos pacientes no momento atual (p < 0,001) (Figura 2 e Tabela 1).


A média da idade óssea dos pacientes foi 5,3 anos (mín-máx = 0,9 a 12,1) e a média das diferenças entre a idade óssea e a idade cronológica foi -0,56 anos (mín-máx = -3,5 a 3,4).

O escore z de altura dos pacientes corrigido para a idade óssea apresentou média 0,33 (DP = 1,6), não havendo diferença quando comparado com o da altura dos controles em relação à idade cronológica (p = 0,912) (Figura 2 e Tabela 1).

Cinco pacientes (um menino e quatro meninas) tinham atraso da idade óssea maior que 2 anos em relação à idade cronológica, e somente uma menina, cujo escore z de altura se encontrava dentro do alvo parental, tinha avanço da idade óssea maior que 2 anos.

Somente dois pacientes (um menino e uma menina) tinham altura abaixo do limite inferior do alvo parental, 15 (seis meninos e nove meninas) estavam adequados e quatro (um menino e três meninas) tinham altura acima do limite superior sem mostrar avanço da idade óssea.

Os casos e os controles não apresentaram diferença quanto à área de gordura braquial, área muscular braquial, soma das quatro dobras cutâneas e massa magra em relação à altura (Tabela 1). Os pacientes apresentaram maior IMC que os controles (z = 0,87 versus z = -0,10) e também maior massa gorda (27,69 versus 19,95%), e essa diferença persistiu quando foi feito o ajuste da massa gorda para a altura (4,9 versus 3,2) (Tabela 1).

Cinco pacientes (23,8%) eram obesos e cinco (23,8%) tinham sobrepeso. Nenhum controle era obeso e nove (13,8%) apresentavam sobrepeso (p < 0,001).

As doses médias de hidrocortisona prescritas foram 17,8 (DP = 1,4, mín-máx = 12,9 a 23,4) mg/m2 SC/dia. A média da 17OH foi 1,8 (DP = 3,19, mín-máx < 0,1 a 41,57) ng/mL (nL 0,07 a 1,53) e a da Δ4 foi 0,13 (DP = 0,04, mín-máx < 0,1 a 3,07) ng/mL (nL sexo masculino < 0,53, feminino < 0,37).

Determinou-se por regressão linear múltipla os modelos que melhor se ajustavam à diferença (delta) entre os escores z do peso e da altura no momento atual e no início do tratamento. As variáveis independentes avaliadas foram sexo, peso ao nascimento, renda familiar, escolaridade da mãe, tempo de seguimento, idade óssea, dose de hidrocortisona prescrita e concentrações séricas de 17OH e Δ4. O modelo ajustado para a diferença dos escores z de altura incluiu as variáveis dose da hidrocortisona e concentração da 17OH (R2 = 47,8%). Doses maiores de hidrocortisona e menores valores de 17OH associaram-se a menor delta da altura.

O modelo ajustado para a diferença entre os escores z de peso incluiu o peso ao nascimento e a concentração da 17OH no seguimento (R2 = 36,4%). Houve maior ganho de peso em pacientes com menores pesos ao nascimento e maiores valores de 17OH. Não foi encontrada associação entre as doses prescritas de hidrocortisona e o delta do peso.

Procurou-se determinar, por regressão linear múltipla, os modelos que melhor ajustavam as variáveis antropométricas atuais: escores z de altura e peso, IMC, área de gordura braquial, área muscular braquial, soma das 4 dobras cutâneas, massa gorda e massa magra, índices de massa gorda e de massa magra. Foram avaliadas as variáveis independentes idade, sexo, escolaridade da mãe, renda familiar e caso (caso = 1; controle = 0). Observou-se diferença entre os indicadores antropométricos dos casos e dos controles nos modelos ajustados para os escores z da altura (R2 = 18,1%), escores z do IMC (R2 = 15,6%), massa gorda (R2 = 36,8%), índice de massa gorda (R2 = 34,0%): os pacientes apresentaram menores escores z de altura e os escores z do IMC, da massa gorda e o IMG foram maiores nos pacientes.

Discussão

A maioria dos autores que estudou pacientes com a forma clássica da HAC-21, tratados com glicocorticoide, encontrou altura final abaixo da esperada3,10-13,22 e aumento na massa gorda5-9,22 quando os comparou com a população geral, grupos controle ou alvo parental.

Nessa casuística encontrou-se comprometimento mais significativo da composição corporal do que da estatura, uma vez que a média da altura dos pacientes estava dentro da normal para a população e os pacientes apresentaram aumento de IMC e de massa gorda em relação aos controles.

Em estudo prévio com o mesmo grupo de pacientes demonstrou-se recuperação nutricional progressiva após o início do tratamento e, aos 2 anos de idade, o peso e o comprimento, embora abaixo da média da população geral, apresentaram-se dentro dos parâmetros normais23. A recuperação da altura persiste na avaliação atual, e quando é feito o ajuste da altura para a idade óssea não há diferença em relação aos controles. A maioria das crianças não apresenta avanço na maturação óssea, podendo se inferir que esse ganho de estatura foi consequência do bom controle da doença.

Considerando que um estudo anterior do nosso serviço mostrou comprometimento da altura final de pacientes com a forma clássica da HAC-2113, não se sabe se os pacientes deste grupo conseguirão manter crescimento adequado, já que pode haver perda estatural na puberdade, época em que a aderência ao tratamento das doenças crônicas costuma ser menor. Deve-se levar em conta, porém, que o grupo anteriormente estudado era mais heterogêneo: alguns pacientes foram diagnosticados tardiamente, vários haviam sido tratados com prednisona ou dexametasona, que têm maior efeito bloqueador de crescimento que a hidrocortisona, além de seu diagnóstico e tratamento inicial terem sido feitos em vários serviços ou sob supervisão de diversos profissionais. Deve contribuir para um melhor resultado o fato de o grupo atual de pacientes ter um acompanhamento mais homogêneo, desde tenra idade, e de a reposição hormonal estar sendo realizada, em todos, com hidrocortisona.

Fatores genéticos também são importantes na determinação da altura final dos pacientes com HAC-21. Assim, o alvo parental deve ser levado em conta quando se avalia o crescimento22. A maioria dos casos estudados encontra-se adequada ou acima do alvo parental.

Como no estudo de Stikkelbroek et al.8, também não encontramos diferença na média de peso dos pacientes quando comparada a do grupo controle.

No presente trabalho, como na maioria dos outros estudos, houve aumento do IMC dos pacientes com HAC-215,6,8,9. Ainda não está bem definido se o aumento do IMC encontrado em pacientes com HAC-21 é resultado do aumento de massa gorda, que poderia ser decorrente do excesso de glicocorticoides, ou de massa magra, que poderia ocorrer por excesso de andrógenos8.

Cornean et al.5 encontraram aumento do escore z do IMC em 22 crianças pré-púberes com HAC-21 aos 5 e 10 anos, em relação ao do primeiro ano de vida. Aqueles pacientes apresentaram aumento do IMC devido ao aumento do peso, já que o escore z de altura permaneceu constante. Esse aumento do peso foi atribuído à massa gorda, uma vez que houve aumento significante do escore z das dobras cutâneas aos 5,5 anos quando comparado àquele determinado aos 2,5 anos. Em nosso estudo não houve diferença nas pregas cutâneas e na área de gordura braquial entre pacientes e controles. Os pacientes apresentam aumento de massa gorda quando estudados com bioimpedância, método considerado bom indicador de gordura corporal24, e a diferença persiste ao ajustar a massa gorda à estatura (IMG).

A média da dose de hidrocortisona prescrita aos pacientes ficou acima da dose considerada fisiológica25. Embora não tenha sido encontrada relação entre as doses prescritas de hidrocortisona e o ganho de peso dos nossos pacientes, quando se compara nossos dados com os de Völkl et al.9, estudo em que apenas um paciente havia sido tratado com doses inapropriadamente altas de glicocorticoides, verifica-se que nossa proporção de obesos é maior (16,8 e 23,8%, respectivamente). Por outro lado, constata-se que os pacientes que usaram doses maiores de hidrocortisona e aqueles que apresentaram menores valores de 17OH tiveram menor recuperação de altura. Isso reforça a tese de que deve ser usada a menor dose possível de glicocorticoide para evitar prejuízo ao crescimento e que valores baixos de 17OH podem indicar excesso de tratamento. Nossos achados são semelhantes aos de Stikkelbroeck et al.8, que encontraram maior massa gorda nos pacientes: eles mostraram que pacientes com HAC-21 estão sob risco maior de obesidade e que os glicocorticoides, mesmo em doses de reposição, podem ocasionar ganho de peso. Fala contra a ideia de que a obesidade esteja relacionada somente à dose de glicocorticoide o fato de que Völkl et al.9 encontraram aumento na taxa de obesidade também em pacientes com HAC-21 que não usaram doses de glicocorticoide acima das preconizadas e o fato de, no presente estudo, não ter sido encontrada associação entre a dose de hidrocortisona e o peso dos pacientes. Deve-se levar em conta, entretanto, que muitas vezes a dose de glicocorticoide prescrita não corresponde àquela realmente administrada. Nossos pacientes são orientados a aumentar a dose de HC em situações de estresse e, principalmente nos primeiros anos, a frequência de processos infecciosos febris é elevada, o que pode ter levado ao uso de doses maiores de glicocorticoide que a calculada. Outro fator a ser considerado é que, se a aderência ao tratamento não é adequada, a dose recebida pode ser menor que a relatada.

Embora esses pacientes apresentem maior massa gorda que os controles, tanto em valores absolutos quanto em relação à altura, não se encontrou diferença entre as áreas de gordura braquial, muscular braquial e a média da soma das dobras cutâneas, diferente do observado por outros autores5,26.

Wajchenberg27 mostrou que pacientes em estado de hipercortisolismo apresentam aumento de gordura corporal total e, especialmente, de gordura abdominal, tanto subcutânea quanto visceral. Ainda, comparando indivíduos hipercortisolêmicos com indivíduos obesos, ele encontrou aumento de gordura visceral, mas não de gordura subcutânea, nos primeiros. Fraser et al.28 acreditam que mesmo um pequeno excesso crônico de cortisol possa levar à deposição central de gordura. Nossos resultados sugerem que o aumento do IMC é devido ao aumento de massa gorda e que essa gordura possivelmente não seja periférica, já que não há diferença na área de gordura braquial nem nas dobras cutâneas. Essa gordura deveria, então, ser visceral.

Existem evidências de que as doenças relacionadas à obesidade podem ter início na infância. Sabe-se que o aumento de gordura visceral é fator de risco para o desenvolvimento de síndrome metabólica27,28 e que os efeitos adversos do aumento da gordura intra-abdominal incluem resistência à insulina, diabetes tipo 2, dislipidemia e doença cardiovascular29,31.

Observou-se maior comprometimento da composição corporal, visto que a estatura dos pacientes não diferiu da dos controles quando ajustada para a idade óssea.

O grupo estudado apresentou aumento de IMC e de massa gorda em relação aos controles e, aparentemente, essa gordura é visceral.

Sugere-se, portanto, que no seguimento de pacientes com HAC seja feito, além do controle hormonal, um cuidadoso acompanhamento do ganho de peso e de suas comorbidades e que estudos mais detalhados da composição corporal desses pacientes sejam realizados.

Artigo submetido em 25.12.10, aceito em 16.02.11.

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.

Como citar este artigo: Mendes-dos-Santos CT, Lemos-Marini SHV, Baptista MT, Guerra-Junior G, De-Mello MP, Paulino MF, et al. Normalization of height and excess body fat in children with salt-wasting 21-hydroxylase deficiency. J Pediatr (Rio J). 2011;87(3):263-268.

  • 1. Speiser PW, Azziz R, Baskin LS, Ghizzoni L, Hensle TW, Merke DP, et al. Congenital adrenal hyperplasia due to steroid 21-hydroxylase deficiency: an Endocrine Society clinical practice guideline. J Clin Endocrinol Metab. 2010;95:4133-60.
  • 2. Forest MG. Recent advances in the diagnosis and management of congenital adrenal hyperplasia due to 21-hydroxylase deficiency. Hum Reprod Update. 2004;10:469-85.
  • 3. Eugster EA, Dimeglio LA, Wright JC, Freidenberg GR, Seshadri R, Pescovitz OH. Height outcome in congenital adrenal hyperplasia caused by 21-hydroxylase deficiency: a meta-analysis. J Pediatr. 2001;138:26-32.
  • 4. Cameron FJ, Kaymakci B, Byrt EA, Ebeling PR, Warne GL, Walk JD. Bone mineral density and body composition in congenital adrenal hyperplasia. J Clin Endocrinol Metab. 1995;80:2238-43.
  • 5. Cornean RE, Hindmarsh PC, Brook CG. Obesity in 21-hydroxylase deficient patients. Arch Dis Child. 1998;78:261-3.
  • 6. Hagenfeldt K, Martin Ritzén E, Ringertz H, Helleday J, Carlström K. Bone mass and body composition of adult women with congenital virilizing 21-hydroxylase deficiency after glucocorticoid treatment since infancy. Eur J Endocrinol. 2000;143:667-71.
  • 7. Manoli I, Kanaka-Gantenbein Ch, Voutetakis A, Maniati-Christidi M, Dacou-Voutetakis A. Early growth, pubertal development, body mass index and final height of patients with congenital adrenal hyperplasia: factors influencing the outcome. Clin Endocrinol (Oxf). 2002;57:669-76.
  • 8. Stikkelbroeck NM, Oyen WJ, van der Wilt GJ, Hermus AR, Otten BJ. Normal bone mineral density and lean body mass, but increased fat mass, in young adult patients with congenital adrenal hyperplasia. J Clin Endocrinol Metab. 2003;88:1036-42.
  • 9. Völkl TM, Simm D, Beier C, Dörr HG. Obesity among children and adolescents with classic congenital adrenal hyperplasia due to 21-hydroxylase deficiency. Pediatrics. 2006;117:e98-105.
  • 10. Muthusamy K, Elamin MB, Smushkin G, Murad MH, Lampropulos JF, Elamin KB, et al. Clinical review: Adult height in patients with congenital adrenal hyperplasia: a systematic review and metaanalysis. J Clin Endocrinol Metab. 2010;95:4161-72.
  • 11. Hargitai G, Sólyom J, Battelino T, Lebl J, Pribilincová Z, Hauspie R, et al. Growth patterns and final height in congenital adrenal hyperplasia due to classical 21-hydroxylase deficiency. Results of a multicenter study. Horm Res. 2001;55:161-71.
  • 12. Van der Kamp HJ, Otten BJ, Buitenweg N, De Munick Keiser-Schrama SM, Oostdijk W, Jansen M, et al. Longitudinal analysis of growth and puberty in 21-hydroxylase deficiency patients. Arch Dis Child. 2002;87:139-44.
  • 13. Lemos-Marini SH, Guerra-Júnior G, Morcillo AM, Baptista MT, Silva LO, Maciel-Guerra AT. Hiperplasia congênita das supra-renais por deficiência da 21-hidroxilase: altura final de 27 pacientes com a forma clássica. Arq Bras Endocrinol Metab. 2005;49:902-7.
  • 14. Paulino LC, Araujo M, Guerra G Jr, Marini SH, De Mello MP. Mutation distribution and CYP21/C4 locus variability in Brazilian families with the classical form of the 21-hydroxylase deficiency. Acta Paediatr. 1999;88:275-83.
  • 15. Soardi FC, Barbaro M, Lau IF, Lemos-Marini SH, Baptista MT, Guerra-Junior G, et al. Inhibition of CYP21A2 enzyme activity caused by novel missense mutations identified in Brazilian and Scandinavian patients. J Clin Endocrinol Metab. 2008;93:2416-20.
  • 16. Frisancho AR. Anthropometric standards. In: Frisancho AR. Anthropometric standards for the assessment of growth and nutritional status. Michigan: The University of Michigan Press; 1993. p.37-118.
  • 17. Goran MI, Kaskoun MC, Carpenter WH, Poehlman ET, Ravussin E, Fontvieille AM. Estimating body composition of young children by using bioelectrical resistance. J Appl Physiol. 1993;75:1776-80.
  • 18. Tanner JM, Whitehouse RH, Cameron N, Marshall WA, Healy MJ, Goldstein H. The rating system. In: Tanner JM, Whitehouse RH, Cameron N, Marshall WA, Healy MJ, Goldstein H. Assessment of skeletal maturity and prediction of adult height (TW2 Method). 2nd ed. London: Academic Press; 1983. p.50-103.
  • 19. Tanner JM, Goldstein H, Whitehouse RH. Standards for children's height at ages 2-9 years allowing for heights of parents. Arch Dis Child. 1970;45:755-62.
  • 20. Kuczmarski RJ, Ogden CL, Grummer-Strawn LM, Flegal KM, Guo SS, Wei R, et al. CDC growth charts: United States. Adv Data. 2000:1-27.
  • 21. Marcondes E. Curvas de crescimento e normalidade do crescimento. In: Marcondes E. Desenvolvimento da criança: desenvolvimento biológico, crescimento. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Pediatria; 1994. p.39-56.
  • 22. Yu AC, Grant DB. Adult height in women with early-treated congenital adrenal hyperplasia (21-hydroxylase type): relation to body mass index in earlier childhood. Acta Paediatr. 1995;84:899-903.
  • 23. Mendes-dos-Santos CT, Lemos-Marini SH, Baptista MT, Guerra-Junior G, De-Mello MP, Morcillo AM. Crescimento de pacientes com hiperplasia congênita das supra-renais, forma perdedora de sal, nos primeiros dois anos de vida. Rev Bras Saude Matern Infant. 2009;9:415-21.
  • 24. Fernandes RA, Rosa CS, Buonani C, Oliveira AR, Freitas Júnior IF. The use of bioelectrical impedance to detect excess visceral and subcutaneous fat. J Pediatr (Rio J). 2007;83:529-34.
  • 25. Linder BL, Esteban NV, Yergey AL, Winterer JC, Loriaux DL, Cassorla F. Cortisol production rate in childhood and adolescence. J Pediatr. 1990;117:892-6.
  • 26. Isguven P, Arslanoglu I, Mesutoglu N, Yildiz M, Erguven M. Bioelectrical impedance analysis of body fatness in childhood congenital adrenal hyperplasia and its metabolic correlates. Eur J Pediatr. 2008;167:1263-8.
  • 27. Wajchenberg BL. Subcutaneous and visceral adipose tissue: their relation to the metabolic syndrome. Endocr Rev. 2000;21:697-738.
  • 28. Fraser R, Ingram MC, Anderson NH, Morrison C, Davies E, Connell JM. Cortisol effects on body mass, blood pressure, and cholesterol in general population. Hypertension. 1999;33:1364-8.
  • 29. Goran MI, Gower BA. Relation between visceral fat and disease risk in children and adolescents. Am J Clin Nutr. 1999;70:149S-56S.
  • 30. Hamdy O, Porramatikul S, Al-Ozairi E. Metabolic obesity: the paradox between visceral and subcutaneous fat. Curr Diabetes Rev. 2006;2:367-73.
  • 31. Madeira IR, Carvalho CN, Gazolla FM, Pinto LW, Borges MA, Bordallo MA. Impact of obesity on metabolic syndrome components and adipokines in prepubertal children. J Pediatr (Rio J). 2009;85:261-8.
  • Correspondência:

    Sofia Helena Valente de Lemos-Marini
    Unidade de Endocrinologia Pediátrica, Departamento de Pediatria, UNICAMP
    CEP 13083-100 - Campinas, SP
    Tel.: (19) 3521.7193
    Fax: (19) 3252.5885
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Set 2011
    • Data do Fascículo
      Jun 2011

    Histórico

    • Aceito
      16 Fev 2011
    • Recebido
      25 Dez 2010
    Sociedade Brasileira de Pediatria Av. Carlos Gomes, 328 cj. 304, 90480-000 Porto Alegre RS Brazil, Tel.: +55 51 3328-9520 - Porto Alegre - RS - Brazil
    E-mail: jped@jped.com.br