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Avaliação de risco e acompanhamento são as chaves para prevenir hiperbilirrubinemia grave

EDITORIAL

Avaliação de risco e acompanhamento são as chaves para prevenir hiperbilirrubinemia grave

M. Jeffrey Maisels

MB, BCh, DSc. Department of Pediatrics, Oakland University William Beaumont School of Medicine, Rochester, MI, EUA. Beaumont Children's Hospital, Royal Oak, MI, EUA

Em julho de 2004, o Subcomitê de Hiperbilirrubinemia da Academia Americana de Pediatria publicou a sua diretriz de prática clínica sobre manejo de hiperbilirrubinemia no recém-nascido de 35 ou mais semanas de gestação1. Embora dirigida principalmente a um público estadunidense, essa diretriz foi acessada eletronicamente com mais frequência do que praticamente qualquer outra publicação em Pediatria, e os elementos-chave foram implementados em quase todos os cantos do globo. A finalidade da diretriz foi a de ajudar os médicos a estabelecer as ferramentas básicas de identificação, vigilância e acompanhamento do recém-nascido com icterícia, a fim de reduzir o risco de hiperbilirrubinemia grave, e a diretriz recomendou a implementação de 10 elementos-chave para alcançar esse objetivo1. Se tivesse que identificar duas das recomendações listadas como as mais importantes para atingir essa meta, selecionaria aquelas que exigem uma avaliação sistemática de risco em cada criança antes da alta e o oferecimento de um acompanhamento adequado baseado no tempo de alta e nessa avaliação de risco.

Neste número do Jornal de Pediatria, Punaro et al.2 avaliam o resultado de um programa instituído em um hospital universitário público que incluiu uma avaliação sistemática de risco e o acompanhamento de uma população de prematuros tardios. Considerando que essas crianças têm maior risco de hiperbilirrubinemia, os investigadores acompanharam uma coorte de crianças de 35 0/7 a 37 6/7 semanas de gestação e identificam quantas delas retornaram posteriormente com um nível de bilirrubinemia sérica total (BST) > 18 mg/dL.

Além de obter uma medida transcutânea da bilirrubinemia (BTc) daquelas crianças que pareciam ter icterícia, todos os recém-nascidos foram submetidos a medição de BTc e/ou BST na alta (de acordo com as recomendações recentes)3. O tempo de acompanhamento foi determinado pelo nível de BST ou BTc antes da alta. Como todos esses bebês estavam em uma única faixa de idade gestacional, conforme definido na recente revisão de especialistas baseada em consenso3, e as informações sobre o nível de BST/BTc com horário específico estavam disponíveis, as únicas variáveis preditoras adicionais que poderiam ter sido consideradas eram presença ou ausência de outros fatores de risco para hiperbilirrubinemia3. Os fatores de risco que fazem parte do algoritmo sugerido para manejo incluem: 1) aleitamento materno exclusivo, particularmente quando não estiver funcionando bem, ou perda de peso em excesso > 8-10% do peso ao nascer; 2) presença de doença hemolítica; 3) histórico de um irmão mais velho com icterícia; 4) cefalematoma ou equimoses visíveis e; 5) etnia asiática3.

Como 93% das crianças desse estudo eram amamentadas exclusivamente, isso não pôde ser usado como um fator de risco ou uma variável preditora. No entanto, maior perda de peso entre o nascimento e a primeira consulta de acompanhamento (presumivelmente um reflexo da amamentação menos eficiente) foi o único preditor independente de rehospitalização para fototerapia, com um risco relativo de 1,16 (intervalo de confiança: 1,04-1,17).

Para o acompanhamento, o protocolo exigia que bebês com níveis de BST > percentil 95 fossem examinados dentro de 24 horas, mas não havia exigência de que a BST fosse medida naquele momento. As crianças com níveis de BST entre os percentis 75 e 95 foram examinadas dentro de 48 horas, e aquelas com BST abaixo do percentil 75 foram examinadas entre 48 e 72 horas. A população do estudo foi restrita a crianças acompanhadas em um ambulatório estabelecido para o acompanhamento de recém-nascidos ictéricos. Os bebês tiveram alta cerca de 65 horas após o nascimento.

De 445 recém-nascidos, 50 precisaram receber fototerapia antes da alta e outros 74 foram tratados após a alta. Assim, o número total a receber fototerapia foi de 124/445 (28%), uma incidência surpreendentemente elevada. Em um estudo recente de uma população grega com idade gestacional similar, em que as diretrizes da AAP1 foram usadas, apenas 8,5% das crianças necessitaram fototerapia4, embora um número menor de crianças (43%) fossem exclusivamente amamentadas.

Não é de surpreender que bebês cujos níveis de BST estavam acima do percentil 40 tenham um risco maior de precisar receber fototerapia, mas o valor preditivo positivo de um nível de BST antes da alta acima do percentil 40 é de apenas 24%, o que significa que 76% dessas crianças não necessitam fototerapia posteriormente. Por outro lado, o valor preditivo negativo de um nível de BST antes da alta abaixo do percentil 40 foi de 97%, sugerindo que essas crianças necessitam de um acompanhamento menos intensivo. É importante notar, no entanto, que 3% das crianças com níveis de BST antes da alta < percentil 40 desenvolveram níveis de BST > 18 mg/dL, indicando que esses bebês continuam a exigir um acompanhamento adequado, o que coincide com a nossa5.

Apesar de uma rigorosa avaliação de risco e do protocolo de acompanhamento, três crianças retornaram com os níveis de BST pós-alta entre 25-30 mg/dL. Em um bebê, o nível de BST antes da alta estava acima do percentil 95 e, em outro, entre os percentis 75 e 95. De acordo com o algoritmo mais recente3, é recomendado que bebês dessa idade gestacional, com níveis de BST antes da alta acima do percentil 75, devem ter o nível de BST medido novamente dentro de 4-24 horas. Como observado pelos autores, se isso tivesse sido feito, esses bebês poderiam ter sido identificados anteriormente e recebido fototerapia antes da BST alcançar níveis perigosos. Um bebê era deficiente da atividade enzimática da G6PD – um lembrete da dificuldade que ainda temos em identificar crianças com deficiência de G6PD que irão desenvolver hiperbilirrubinemia grave6.

Punaro et al.2 demonstraram claramente que a avaliação de risco antes da alta, tendo BST ou BTc como o principal preditor, seguida de um rigoroso programa de acompanhamento pós-alta será eficiente na prevenção da hiperbilirrubinemia extrema na maioria dos bebês, mesmo naqueles com idade gestacional entre 35 e 37 6/7 semanas. A associação que os autores observaram entre perda de peso e hiperbilirrubinemia também nos lembra que garantir amamentação efetiva durante a internação e após a alta é fundamental para a nossa meta de diminuir a incidência de hiperbilirrubinemia grave7,8. O próximo passo lógico para seu programa seria o acréscimo de outros fatores de risco na avaliação antes da alta3 e a implementação de um acompanhamento mais estruturado3. Isso adicionaria outro nível de avaliação e vigilância e possivelmente seria ainda mais eficaz na prevenção da hiperbilirrubinemia grave.

Conflitos de interesse: Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste editorial.

Como citar este artigo: Maisels MJ. Risk assessment and follow-up are the keys to preventing severe hyperbilirubinemia. J Pediatr (Rio J). 2011;87(4):275-276.

  • 1. American Academy of Pediatrics Subcommittee on Hyperbilirubinemia. Management of hyperbilirubinemia in the newborn infant 35 or more weeks of gestation. Pediatrics. 2004;114:297-316.
  • 2. Punaro E, Mezzacappa MA, Facchini FP. Systematic follow-up of hyperbilirubinemia in neonates with a gestational age of 35 to 37 weeks. J Pediatr (Rio J). 2011;87:301-6.
  • 3. Maisels MJ, Bhutani VK, Bogen D, Newman TB, Stark AR, Watchko JF. Hyperbilirubinemia in the newborn infant > or = 35 weeks' gestation: An update with clarifications. Pediatrics. 2009;124(4):1193-1198.
  • 4. Fouzas S, Karatza AA, Skylogianni E, Mantagou L, Varvarigou A. Transcutaneous bilirubin levels in late preterm neonates. J Pediatr. 2010;157:762-6.
  • 5. Maisels MJ, Deridder JM, Kring EA, Balasubramaniam M. Routine transcutaneous bilirubin measurements combined with clinical risk factors improve the prediction of subsequent hyperbilirubinemia. J Perinatol. 2009; 29:612-7.
  • 6. Kaplan M, Hammerman C. Glucose-6-phosphate dehydrogenase deficiency: a potential source of severe neonatal hyperbilirubinaemia and kernicterus. Semin Neonatol. 2002; 7:121-8.
  • 7. De Carvalho M, Klaus MH, Merkatz RB. Frequency of breastfeeding and serum bilirubin concentration. Am J Dis Child. 1982;136:737-8.
  • 8. Yamauchi Y, Yamanouchi I. Breast-feeding frequency during the first 24 hours after birth in full-term neonates. Pediatrics. 1990;86:171-5.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Set 2011
  • Data do Fascículo
    Ago 2011
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