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O aterro sanitário como fator de risco para doenças respiratórias em crianças

Resumos

OBJETIVO: Avaliar a relação entre a exposição a um aterro sanitário fechado há 6 anos e os sintomas respiratórios em crianças de até 13 anos de idade. MÉTODO: Estudo transversal realizado em Várzea Paulist a, estado de São Paulo, Brasil. Um adulto cada um dos domicílios localizados no bairro próximo ao aterro sanitário e de uma amostra aleatorizada de domicílios de outro bairro com características socioeconômicas semelhantes foram entrevistados, perguntando-se sobre sintomas respiratórios, bem como sobre outras variáveis em crianças de até 13 anos de idade. O modelo de regressão logística foi utilizado para estudar essa relação. RESULTADOS: A chance de uma criança apresentar sintoma respiratório foi função de: -2,36 + 0,43 se a criança tem menos de 2 anos de idade; + 0,24 se a criança morar no bairro em que fica o aterro sanitário; -0,67 se, no domicílio, houver computador; + 0,54 se houvesse consumo de lenha no último ano; + 0,94 se a criança fora diagnosticada com asmática; + 0,87 foi ao serviço de saúde nos últimos 30 dias. CONCLUSÃO: Os autores concluem que morar próximo a um aterro sanitário fechado há 6 anos pode ser um fator de risco para doenças respiratórias em crianças.

Aterro sanitário; saúde ambiental; doenças respiratórias.


OBJECTIVE: To investigate the relationship between exposure to a landfill site closed 6 years previously and respiratory symptoms in children aged up to 13 years. METHOD: This was a cross-sectional study conducted in Várzea Paulista, in the state of São Paulo, Brazil. One adult in every household in a neighborhood close to the landfill and from a randomized sample of households in another neighborhood with similar socioeconomic characteristics but no landfill were interviewed and asked about respiratory symptoms and other variables relating to children aged up to 13. A logistic regression model was used to study this relationship. RESULTS: The likelihood of a child having respiratory symptoms was a function of -2.36 + 0.43 if the child was less than 2 years old; + 0.24 if the child lived in the landfill area; -0.67 if there was a computer at home; + 0.54 if firewood was burnt in the home in the last year; + 0.94 if the child was diagnosed with asthma; + 0.87 if the child visited a health service in the previous 30 days. CONCLUSION: The authors conclude that living near to a landfill closed 6 years previously may be a risk factor for respiratory disease in children.

Landfill; health environmental; respiratory diseases


ARTIGO ORIGINAL

O aterro sanitário como fator de risco para doenças respiratórias em crianças

Carlos Roberto Silveira CorrêaI;Carlos Eduardo Cantusio AbrahãoII;Maria do Carmo Cabral CarpinteroIII;Francisco Anaruma FilhoIV

IDoutor, Saúde Coletiva. Médico pediatra, Departamento de Medicina Preventiva e Social, Faculdade de Ciências Médicas (FCM), Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas, SP

IIMédico sanitarista, Secretaria da Saúde, Prefeitura Municipal de Campinas, Campinas, SP

IIIMédica pediatra, Secretária Municipal de Saúde, Várzea Paulista, SP

IVPós-doutorado, Planejamento Ambiental, Faculdade de Engenharia Civil, UNICAMP, Campinas, SP. Doutor, Parasitologia. Ecólogo, Universidade Estadual Paulista (UNESP), Rio Claro, SP

Correspondência Correspondência: Carlos Roberto Silveira Corrêa Faculdade de Ciências Médicas, UNICAMP Departamento de Medicina Preventiva e Social Rua Tessália Vieira de Camargo, 126 CEP 13083-887 – Campinas, SP Tel.: (19) 3521.8036, (19) 9798.4572 E-mail: ccorrea@fcm.unicamp.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a relação entre a exposição a um aterro sanitário fechado há 6 anos e os sintomas respiratórios em crianças de até 13 anos de idade.

MÉTODO: Estudo transversal realizado em Várzea Paulista, estado de São Paulo, Brasil. Um adulto cada um dos domicílios localizados no bairro próximo ao aterro sanitário e de uma amostra aleatorizada de domicílios de outro bairro com características socioeconômicas semelhantes foram entrevistados, perguntando-se sobre sintomas respiratórios, bem como sobre outras variáveis em crianças de até 13 anos de idade. O modelo de regressão logística foi utilizado para estudar essa relação.

RESULTADOS: A chance de uma criança apresentar sintoma respiratório foi função de: -2,36 + 0,43 se a criança tem menos de 2 anos de idade; + 0,24 se a criança morar no bairro em que fica o aterro sanitário; -0,67 se, no domicílio, houver computador; + 0,54 se houvesse consumo de lenha no último ano; + 0,94 se a criança fora diagnosticada com asmática; + 0,87 foi ao serviço de saúde nos últimos 30 dias.

CONCLUSÃO: Os autores concluem que morar próximo a um aterro sanitário fechado há 6 anos pode ser um fator de risco para doenças respiratórias em crianças.

Palavras-chave: Aterro sanitário, saúde ambiental, doenças respiratórias.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To investigate the relationship between exposure to a landfill site closed 6 years previously and respiratory symptoms in children aged up to 13 years.

METHOD: This was a cross-sectional study conducted in Várzea Paulista, in the state of São Paulo, Brazil. One adult in every household in a neighborhood close to the landfill and from a randomized sample of households in another neighborhood with similar socioeconomic characteristics but no landfill were interviewed and asked about respiratory symptoms and other variables relating to children aged up to 13. A logistic regression model was used to study this relationship.

RESULTS: The likelihood of a child having respiratory symptoms was a function of -2.36 + 0.43 if the child was less than 2 years old; + 0.24 if the child lived in the landfill area; -0.67 if there was a computer at home; + 0.54 if firewood was burnt in the home in the last year; + 0.94 if the child was diagnosed with asthma; + 0.87 if the child visited a health service in the previous 30 days.

CONCLUSION: The authors conclude that living near to a landfill closed 6 years previously may be a risk factor for respiratory disease in children.

Keywords: Landfill, health environmental, respiratory diseases.

Introdução

As crianças são as maiores vítimas dos ambientes insalubres1,2. Um fator importante na caracterização de um ambiente insalubre é a poluição, tanto a intradomiciliar como a extradomiciliar3-5. A poluição é composta por inúmeros componentes, entre os quais estão ácidos, compostos orgânicos, metais e partículas de poeira e sujidades. Aquelas partículas que têm menos de 10 µm de diâmetro podem alcançar os pulmões e podem ficar em suspensão no ar por muitos dias e, assim, espalharem-se com o vento por grandes áreas. Aquelas que têm menos de 2,5 µm de diâmetro podem ficar no ar indefinidamente. Esses elementos são trazidos para o ambiente a partir de diferentes fontes6.

Os resíduos produzidos pelo homem são fonte de contaminação ambiental e parte deles é levada para os aterros sanitários, principalmente nas áreas urbanas. O aterro sanitário é considerado um reator dinâmico, pois, por meio de reações químicas e biológicas, produz a emissão de: gases; efluentes líquidos e resíduos mineralizados7. Os aterros sanitários são classificados em três tipos, conforme o resíduo que a eles é destinado. Se o resíduo apresentar uma das seguintes características: inflamabilidade, corrosividade, reatividade, toxicidade ou patogenicidade, o aterro é classificado como tipo I. Os aterros do tipo III são aqueles que recebem resíduos que, quando submetidos a qualquer tipo de contato com água destilada ou ionizada, não apresentam nenhum tipo de solubilidade ou, se apresentarem, não comprometem as condições de potabilidade. Exemplos desse tipo de resíduo são: rochas, vidros, tijolos e certos plásticos. Os resíduos levados para os aterros tipo II são aqueles que não se enquadram em nenhum dos outros dois tipos e, portanto, não são inertes e podem ter solubilidade em água e biodegradabilidade7,8.

Há vários estudos abordando o impacto que o aterro sanitário e os resíduos podem trazer para a saúde. Heller & Catapreta9 encontraram, em Belo Horizonte (MG), Brasil, uma maior prevalência de sintomas respiratórios nas crianças que moram próximas a locais em que não existe coleta regular de lixo e, assim, elas ficam mais expostas aos resíduos. Gelberg10 encontrou, nos funcionários que trabalham em aterros sanitários, uma maior prevalência de sintomas respiratórios e dermatológicos que entre os trabalham em outras locais. Deloraine et al.11 também encontraram associação positiva entre residir próximo a um aterro sanitário e apresentar sintomas respiratórios. Pukkala & Pönkä12, na Finlândia, encontraram mais casos de asma e de câncer nos moradores das casas construídas em uma região em que ficava um aterro sanitário. Porta et al.13, em uma revisão sistemática que aborda os efeitos dos aterros sanitários sobre os seres humanos, mostra as dificuldades metodológicas encontradas pelos diferentes autores para estudar esse tema, entre as quais estão: análises feitas a partir de estudos ecológicos; dificuldades de quantificar a exposição a uma determinada fonte poluente; e a presença de variáveis que induzem a confundimento.

Uma possibilidade para vencer essas limitações é a comparação da frequência de um agravo à saúde, simultaneamente, em duas populações que são semelhantes exceto pela exposição de uma delas a uma determinada fonte de poluição14.

As crianças são mais vulneráveis ao meio ambiente que os adultos, e por esse motivo, constituem uma população mais sensível aos impactos da poluição15. Entre os órgãos ou sistemas mais expostos à ação do meio ambiente, estão as vias respiratórias16.

Em Várzea Paulista, município do estado de São Paulo, funcionou, entre os anos de 1987 e 2006, um lixão posteriormente transformado em aterro sanitário tipo II. Enquanto funcionou, ele recebia anualmente 150.000 toneladas de lixo proveniente das seguintes cidades: Várzea Paulista, Jundiaí, Campo Limpo Paulista, Vinhedo, Louveira e Cajamar, que constituíram o Consórcio Intermunicipal do Aterro Sanitário (CIAS). O Ministério Público e o CIAS assinaram um Termo de Ajuste de Conduta (TAC), que tinha, como um de seus objetivos, a monitoração das condições de saúde da população que residia próxima ao aterro. O objetivo do presente estudo foi avaliar o risco de doenças respiratórias nas crianças de até 13 anos moradoras da área do aterro.

Metodologia

Descrição da área de estudo

Este foi um estudo transversal realizado em duas áreas diferentes do município de Várzea Paulista. Uma área foi aquela em que se localiza o Aterro Sanitário Classe II fechado há 6 anos e que será chamado de área do aterro. Outra área, que será chamada de controle, foi selecionada para comparação. Essa área ficava distante da anterior e foi indicada pelo serviço de vigilância sanitária do município, pois, segundo os agentes comunitários de saúde, a sua população tinha características socioeconômicas semelhantes às do aterro e o sistema viário das duas regiões era semelhante. As duas áreas também não possuíam outras fontes de poluição ambiental conhecidas.

Instrumento

Foi elaborado, pelos pesquisadores, um questionário para ser respondido pelos moradores dos dois bairros selecionados. As entrevistas foram realizadas por uma equipe profissional treinada, e todos os entrevistados assinaram um termo de consentimento pós-esclarecimento.

As variáveis analisadas foram:

- Se o domicílio ficava ou não no bairro em que fica o aterro sanitário.

- Escolaridade do responsável pela criança. Essa variável foi obtida como variável numérica discreta e, a seguir, categorizada em mais ou menos 4 anos de estudo completos, pois é dessa forma que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) classifica o adulto como analfabeto funcional.

- Se a criança era menor ou maior que 2 anos de idade.

- Se fora usada lenha na casa no último ano.

- Se o piso do domicílio era revestido ou não.

- Se o domicílio tinha ou não forro no teto.

- Se o domicílio possuía ou não microcomputador.

- Se a criança havia apresentado tosse, chiadeira ou falta de ar nos últimos 15 dias antes da entrevista.

- Se algum médico ou profissional de saúde disse que a criança tinha bronquite ou asma.

- Qual o sexo da criança.

- Se a criança foi a um serviço médico nos últimos 30 dias anteriores à consulta.

- Se a casa recebia água encanada.

- Se a casa era ou não de alvenaria.

- Se a mãe ou responsável fumava ou não.

População estudada

Na área do aterro, foi entrevistado um morador adulto de cada um de todos os domicílios. Nessa área, foi realizado, portanto, um censo. Na área controle, foi feita uma amostragem sistemática por meio da qual se amostrou um domicílio sim e o seguinte não. Os domicílios que estavam fechados em três visitas feitas em dias e horários diferentes eram descartados. A quantidade de crianças avaliadas permitiu que se testasse a hipótese de que havia diferença entre as duas áreas, segundo as variáveis pesquisadas, com um erro alfa de 5% e um erro beta de 20%.

Os dados foram colhidos simultaneamente nos dois bairros em um intervalo de 5 semanas, entre outubro e dezembro de 2007. A concomitância das entrevistas e o intervalo de tempo mais curto possível foram estratégias utilizadas para minimizar o impacto dos fatores climáticos e sazonais sobre a população estudada, visto que o objetivo era avaliar o impacto produzido pelo aterro sanitário. Com a intenção de ter uma população controle que fosse a mais homogênea possível, inclusive quanto à exposição a fontes de poluição, é que selecionamos uma área geográfica específica para esse fim.

Análise estatística

A variável 8 "Se a criança havia apresentado tosse, chiadeira ou falta de ar nos últimos 15 dias" foi tomada como variável dependente ou resposta, e as demais como variáveis preditoras, sendo todas elas variáveis lógicas. Para avaliar a associação entre cada uma das variáveis preditoras com a variável resposta, foi utilizado o odds ratio ajustado por meio da regressão logística. Para identificar quais variáveis seriam utilizadas no modelo, estudou-se a associação entre a variável resposta e as preditoras por meio do teste do qui-quadrado ou do teste exato de Fisher. Aquelas que apresentavam associação foram levadas para o teste de regressão logística. O modelo final incorporou as variáveis que permaneciam associadas. O nível de significância utilizado foi de 5%. Com o modelo, podemos calcular a probabilidade de uma criança ter apresentado sintomas respiratórios nos últimos 15 dias quando cada uma das variáveis preditoras está presente ou não. Para saber se esse número previsto pelo modelo estava próximo ou não do número observado de crianças, utilizamos o teste de deviance17.

Pacotes estatísticos

Para entrada dos dados, foi utilizado o pacote estatístico Epi-Info versão 6.04, e para as análises, foi utilizado o pacote estatístico SAS 9.1.

Este trabalho foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM/UNICAMP) e os seus resultados foram repassados para o CIAS.

Resultados

O total de domicílios visitados foi de 1.595, contemplando 1.092 domicílios na área do aterro sanitário e 503 no bairro controle. O total de crianças menores de 13 anos que residiam nesses domicílios foi de 1.277. Essas crianças constituíram a população de estudo: 895 delas moravam na área em que ficava o aterro sanitário e 382 morava na área controle.

Todas as crianças moravam em casas de parede de alvenaria que recebiam água tratada do sistema público de abastecimento.

A Tabela 1 mostra a comparação entre o número de crianças distribuídas em função das variáveis sócio-sanitárias pesquisadas, distribuídas segundo o fato de residirem ou não no bairro em que se localiza o aterro sanitário.

A proporção de crianças nas duas áreas era semelhante quanto: ao gênero; ao diagnóstico de asma feito por médico ou profissional de saúde; a terem frequentado um serviço de saúde no último ano; a serem menores de 2 anos de idade; ao tipo de piso da casa.

Na área do aterro sanitário havia uma proporção maior de crianças: que apresentou tosse ou chiadeira nos últimos 15 dias; cujos pais eram analfabetos funcionais; cujas mães fumavam.

Na área que serviu de controle havia uma maior proporção de crianças que: moravam em casas que tinham computador; que tinham usado lenha no último ano e que moravam em casa sem forro.

Em seguida, foi avaliada a associação da variável dependente: "apresentou sintoma respiratório nos últimos 15 dias" com as demais variáveis sócio-sanitárias. Os resultados dessa associação, feita com o teste do qui-quadrado ou com o teste exato de Fisher, estão na Tabela 2.

Para estudar a associação das variáveis preditoras com a variável dependente, foi utilizada a regressão logística com o método forward. Ficaram no modelo as seguintes variáveis: ter sido diagnosticada como asmática; ser menor de 2 anos de idade; ter computador em casa; morar no bairro em que fica o aterro sanitário; e ter usado lenha dentro de casa no último ano. O modelo final foi:

Chance de a criança ter apresentado tosse ou bronquite nos últimos 15 dias = -2,36 + 0,43, se a criança tem menos de 2 anos de idade; + 0,24, se a criança morar no bairro em que fica o aterro sanitário; -0,67, se no domicílio houver computador; + 0,54, se houvesse consumo de lenha no último ano; + 0,94, se a criança fora diagnosticada como asmática; + 0,87, se a criança foi ao serviço de saúde nos últimos 30 dias. Deviance = 0,21.

Esse número mostra que o número de crianças previsto pelo modelo não se afasta do número de crianças observadas.

Dessa forma, a chance de uma criança que mora na área em que fica o aterro sanitário ter apresentado tosse ou chiadeira nos últimos 15 dias foi 1,3 (e elevado a 0,24) vezes maior que a chance de uma criança que mora na área controle ter apresentado esse mesmo sintoma.

A Tabela 3 mostra a distribuição do odds ratio condicional obtido a partir da variável dependente e cada uma das variáveis preditoras que permaneceram no modelo.

Discussão

O objetivo deste trabalho foi saber se morar em um bairro onde havia um aterro sanitário fechado há 6 anos era um fator de risco para sintomas respiratórios agudos em crianças. Nas condições em que este trabalho foi concebido e executado, constatamos que há esse risco e que o seu valor foi de 1,3 vezes. Assim, a criança que morava no bairro onde estava o aterro sanitário tinha 30% a mais de chances de ter apresentado tosse ou chiadeira nos últimos 15 dias anteriores à entrevista do que as crianças que moravam no bairro que serviu de controle.

Há vários trabalhos que abordam o papel que o aterro sanitário pode ter sobre a saúde das pessoas9,10. Poucos, no entanto, tratam de doenças respiratórias, e só encontramos um artigo que aborda os efeitos associados a um aterro sanitário fechado, cujos resultados foram semelhantes aos nossos11.

Ter sido diagnosticado como asmático teve uma forte associação com ter apresentado sintomas respiratórios nos últimos 15 dias, sendo válido salientar que não foram diferentes as proporções de crianças de ambas as regiões que foram a um serviço de saúde nos últimos 30 dias. Dessa forma, pode-se inferir que essas crianças tiveram igualmente acesso a um serviço em que aquele diagnóstico pudesse ser feito. Wehrmeister & Peres18 encontraram uma prevalência de asma em crianças de 0 a 9 anos semelhante a que foi encontrada neste trabalho. A associação de antecedente asmático com o fato de apresentar sintoma respiratório é coerente com a concepção de asma como doença inflamatória em que ocorre uma hiper-reatividade brônquica, ficando a criança suscetível a apresentar sintomas a partir de pequenos estímulos, principalmente quando ela é menor de 2 anos de idade.

Vários estudos já mostraram a associação da escolaridade dos pais, do fumo materno e do gênero da criança com a asma15,18,19. Dentro das condições em que este trabalho foi planejado e discutido, podemos dizer que não foi encontrada associação entre fumo materno, gênero das crianças e escolaridade dos pais com maior chance de a criança ter apresentado tosse ou chiadeira nos últimos 15 dias, e que essas variáveis não são fatores de confundimento para as associações encontradas no modelo de regressão logística. Maia et al.20 também não encontraram associação entre fumo passivo e a presença de sintomas respiratórios em crianças. O fato de não se encontrar associação entre essas variáveis com a chance de a criança ter apresentado sintomas respiratórios nos últimos 15 dias pode ser devido a algumas características do método utilizado nesta pesquisa. Neste trabalho, os questionários foram preenchidos nas duas áreas concomitantemente e em um intervalo de tempo mais curto possível para evitar que outros fatores relacionados com o clima e com a sazonalidade das doenças pudessem manifestar-se21. Dessa forma, é possível que não tenha sido encontrada associação com aquelas variáveis porque elas podem atuar tendo algum tipo de interação com o clima ou com a época do ano22. Outra hipótese é que as variáveis foram classificadas como lógicas e pode ser que a manifestação delas seja contínua, ou seja, ao classificarmos a mãe como fumante ou não, não levamos em consideração o número de cigarros consumidos por dia, e a as manifestações respiratórias podem ser função do número de cigarros consumidos diariamente.

O estudo do consumo de lenha no domicílio e da sua associação com maior chance de apresentar sintomas respiratórios foi observado em outros artigos que encontraram resultados semelhantes aos deste artigo3,23,24. Além de ser uma fonte poluente, o consumo desse tipo de combustível dentro de casa pode indicar que essas famílias não tinham condições de comprar o gás liquefeito e, portanto, eram mais pobres.

A posse de um computador é uma variável que se associou inversamente com a presença de sintomas respiratórios nos últimos 15 dias. Contrariamente ao que foi encontrado neste trabalho, nos países mais desenvolvidos, cujas populações têm mais acesso a esse bem, é que se encontram as maiores prevalências de asma em adolescentes25. Essa variável sugere que a posse de um computador seja indicador do nível socioeconômico. Embora reconheça que esse item está fortemente ligado à cultura e ao estilo de vida, a Associação Brasileira das Empresas de Pesquisa (ABEP) não o considera um bom indicador para o critério de classificação socioeconômica26. Uma hipótese para o funcionamento desse item é que a família que o possui tem mais acesso à cultura, melhor estilo de vida, ou participa de redes sociais. Todos esses seriam fatores que, individualmente ou em conjunto, contribuiriam para diminuir a prevalência de sintomas respiratórios.

Os resultados deste trabalho mostram que morar na área do aterro sanitário está associado com a presença de sintomas respiratórios em crianças de 0-13 anos. Mas o aterro sanitário é a causa dessa associação? No âmbito desta pesquisa, o aterro pode ser associado com a presença de sintomas respiratórios por ele ser um reator dinâmico com eliminação de material7 que sabidamente está associado com irritação das vias aéreas27. O enxofre reduzido total (ERT) merece atenção especial por ser um dos mais importantes produtos emanados dos aterros sanitários e poder atuar no aparelho respiratório7,27,28.

Os dados deste trabalho devem ser cotejados com os de outros que também considerem outras variáveis. Essas variáveis poderão ser desde aquelas voltadas à caracterização genética da população29, até aquelas voltadas à caracterização das áreas de estudo quanto à presença de material particulado30, passando por outras condições, como violência e cultura31,32.

O desenvolvimento das cidades implica em diferentes formas de geração de resíduos. É importante a sociedade reconhecer esses resíduos e o seu impacto, e posicionar-se sobre o destino que deve dar a eles, lembrando que esses resíduos são frutos do sistema de produção que essa mesma sociedade adotou e sob o qual ela vive.

Artigo submetido em 04.11.10, aceito em 16.03.11.

Apoio financeiro: Secretaria Municipal de Saúde de Várzea Paulista, SP.

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.

Como citar este artigo: Corrêa CR, Abrahão CE, Carpintero MC, Anaruma Filho F. Landfills as risk factors for respiratory disease in children. J Pediatr (Rio J). 2011;87(4):319-24.

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  • Correspondência:

    Carlos Roberto Silveira Corrêa
    Faculdade de Ciências Médicas, UNICAMP
    Departamento de Medicina Preventiva e Social
    Rua Tessália Vieira de Camargo, 126
    CEP 13083-887 – Campinas, SP
    Tel.: (19) 3521.8036, (19) 9798.4572
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Set 2011
    • Data do Fascículo
      Ago 2011

    Histórico

    • Recebido
      04 Nov 2010
    • Aceito
      16 Mar 2011
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