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Benefícios da suplementação de vitamina A no período pós-parto

EDITORIAL

Benefícios da suplementação de vitamina A no período pós-parto

Saskia de Pee

PhD. Technical advisor, Nutrition and HIV/AIDS Policy, Policy and Strategy Division, World Food Programme, Rome, Itália

Correspondência Correspondência: Saskia de Pee Via Cesare Giulio Viola 68/70 00148 - Roma - Itália Tel.: +31 (06) 2290.2796 E-mail: depee.saskia@gmail.com

Lima et al.1 relatam um achado interessante e inédito sobre o aumento da concentração de imunoglobulina A secretória (IgAs) no colostro até 24 horas após a administração de uma cápsula de alta dose de vitamina A (200.000 UI) a mulheres no primeiro dia pós-parto. O principal achado foi que, enquanto a concentração média de IgAs no colostro no grupo de controle caiu de 829,1 mg/dL no primeiro dia para 343,9 mg/dL no dia seguinte (n = 44), no grupo intervenção a redução foi de apenas 827,3 mg/dL para 501,2 mg/dL (n = 52; p < 0,00001 para diferenças de concentração no segundo dia).

As altas concentrações de IgAs no colostro oferecem ao recém-nascido proteção imunológica imediata contra infecções logo após o nascimento, quando seu sistema imunológico é imaturo. Deduz-se deste resultado que a cápsula de alta dose de vitamina A administrada às mães aumentou a concentração de vitamina A no leite materno. Tal efeito levará a um aumento da quantidade de vitamina A ingerida pelo recém-nascido durante os primeiros meses de amamentação, o que também poderá levar a uma melhoria tanto do seu sistema imune inato quanto da função da sua barreira epitelial.

Os autores não informaram sobre a concentração de retinol sérico ou no leite materno, o que é surpreendente visto que a diferença esperada na concentração de retinol sérico no primeiro mês pós-parto foi usada para calcular o tamanho de amostra necessário para os grupos do estudo. Teria sido útil poder comparar as concentrações de retinol sérico e de retinol no leite materno com as concentrações de IgAs depois dos primeiros 2 dias pós-parto.

Muitos estudos têm relatado que a suplementação pós-parto de vitamina A pode resultar em melhorias modestas e de curto prazo no estado nutricional de vitamina A da mãe e do recém-nascido; tais melhorias são medidas como maiores concentrações de retinol sérico, maiores reservas hepáticas de vitamina A ou maiores níveis de vitamina A no leite materno2. Em 1997, o Task Force WHO/UNICEF/IVACG publicou diretrizes recomendando a suplementação de puérperas com 200.000 UI de vitamina A3. Em 2001, as diretrizes foram revisadas e passaram a recomendar uma dosagem maior, de 400.000 UI, dividida em duas doses de 200.000 UI administradas com pelo menos 1 dia de diferença. Essa medida foi tomada principalmente porque o efeito da dose única mais baixa demonstrou um impacto limitado no estado nutricional de vitamina A de lactentes nos primeiros 6 meses de vida4. Porém, com base na análise de revisões sistemáticas sobre suplementação pós-parto de vitamina A que não observaram impacto na morbimortalidade materna ou infantil5-7, as novas diretrizes da OMS de 2011 não recomendam a suplementação pós-parto de vitamina A como uma estratégia de saúde pública8.

Os resultados relatados por Lima et al. mostram que, além da esperada melhoria no estado nutricional de vitamina A na mãe e no recém-nascido, como demonstrado em estudos anteriores, a suplementação pós-parto de vitamina A também pode aumentar a concentração de IgAs no colostro1. Ainda não foi investigado se esse nível mais alto de IgAs pode ou não melhorar imediatamente a saúde e aumentar a sobrevivência, mas o achado é promissor e reforça a importância de alimentar o recém-nascido com colostro, o que não é uma prática em muitas comunidades.

A aparente discrepância entre os achados sobre o aumento de ingestão de vitamina A e, agora, um aumento na concentração de IgAs no leite materno como resultado da suplementação pós-parto de vitamina A, e a falta de um impacto demonstrável sobre a morbimortalidade, não significa necessariamente que a vitamina A no pós-parto não beneficie a saúde dos lactentes. Eles dependem da vitamina A no leite materno para formar as suas reservas hepáticas de vitamina A9, e a deficiência de vitamina A aumenta o risco de morbimortalidade. A mais recente metanálise concluiu que, entre crianças com menos de 5 anos de idade, a suplementação de vitamina A é associada a grandes reduções de morbidade, mortalidade e problemas de visão em diferentes meios, e que novos ensaios clínicos controlados por placebo focados na suplementação de vitamina A em crianças entre 6 e 59 meses de idade não são necessários10.

A discrepância provavelmente se explica por outras razões. Alguns dos estudos sobre suplementação pós-parto não foram elaborados nem desenvolvidos adequadamente para os resultados que se esperava medir: redução na morbidade e mortalidade. Por exemplo, Christian11, ao comentar uma das três revisões sistemáticas (de autoria de Gogia & Sachdev6) que haviam feito menção às diretrizes da OMS de 2011, indicou que três dos seis estudos revisados não haviam sido desenhados para avaliar a mortalidade infantil como indicador de impacto. Além disso, a maioria dos estudos que investigaram os efeitos da suplementação pós-parto de vitamina A sobre morbidade e mortalidade de lactentes usou doses inferiores a 400.000 UI, em alguns casos administrando cápsulas de altas doses, e em outros casos dosagens menores administradas regularmente, inclusive durante a gravidez8. Portanto, parece que as intervenções de suplementação materna de vitamina A que foram revisadas não eram uniformes e, em geral, não demonstraram uma redução da morbimortalidade, apesar de terem provavelmente melhorado o estado nutricional de vitamina A e, até certo ponto, aumentado a imunidade. Recomenda-se que novos estudos sejam conduzidos para avaliar o metabolismo de suplementos de altas doses de vitamina A administrados em diferentes momentos do pós-parto para determinar se a efetividade pode ser aumentada dependendo de quando a dose é administrada8.

Evidências indicam que é importante assegurar uma ingestão adequada de vitamina A para todas as pessoas, inclusive grávidas e lactantes, assim como seus lactentes. Porém, os métodos para melhorar o estado nutricional de vitamina A que mais beneficiam os lactentes, inclusive reduzindo a morbimortalidade, precisam ser ainda descobertos. Além disso, para que os lactentes se beneficiem ao máximo das qualidades nutricionais e imunológicas do leite materno, eles precisam ser amamentados exclusivamente nos primeiros 6 meses de vida e receber colostro. Em meios nos quais as mulheres provavelmente não ingerem a quantidade diária recomendada de vitamina A, 850 μg de equivalentes de retinol (ER), a fortificação de alimentos e suplementação de baixas e altas doses durante as primeiras 6 semanas pós-parto podem ser estratégias válidas para melhorar o estado de vitamina A, elevando os níveis de retinol do leite materno e, assim, aumentando também a ingestão de vitamina A e a imunidade do lactente.

A partir da pesquisa de Lima et al.1, seria muito interessante avaliar não apenas o metabolismo de altas doses de vitamina A administradas em diferentes momentos do pós-parto com relação ao seu impacto na concentração de retinol no leite materno, mas também na concentração de IgAs, imediatamente após e por longos períodos após a suplementação.

Agradecimentos

O autor agradece Parul Christian pelos comentários pertinentes.

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste editorial.

Como citar este artigo: de Pee S. Benefits of postpartum vitamin A supplementation. J Pediatr (Rio J). 2012;88(2):99-100.

  • 1. Lima MS, Ribeiro PP, Medeiros JM, Silva IF, Medeiros AC, Dimenstein R. Influence of postpartum supplementation with vitamin A on the levels of immunoglobulin A in human colostrum. J Pediatr (Rio J). 2012;88:.
  • 2. Rice AL. Postpartum vitamin A supplementation: evaluating the evidence for action. A2Z Project Technical Brief, Academy for Educational Development, Washington, DC, January 2007. http://www.a2zproject.org/pdf/Postpartum-VAS.pdf Acesso: 28/02/12.
  • 3. WHO, UNICEF, IVACG Task Force. Vitamin A supplements: a guide to their use in the treatment and prevention of vitamin A deficiency and xerophthalmia. 2nd ed. Geneva: World Health Organization; 1997.
  • 4. Ross DA. Recommendations for vitamin A supplementation. J Nutr. 2002;132:2902S-6S.
  • 5. Oliveira-Menegozzo JM, Bergamaschi DP, Middleton P, East CE. Vitamin A supplementation for postpartum women. Cochrane Database Syst Rev. 2010;(10):CD005944.
  • 6. Gogia S, Sachdev HS. Maternal postpartum vitamin A supplementation for the prevention of mortality and morbidity in infancy: a systematic review of randomized controlled trials. Int J Epidemiol. 2010;39:1217-26.
  • 7. Gogia S, Sachdev HS. Vitamin A supplementation for the prevention of morbidity and mortality in infants six months of age or less. Cochrane Database Syst Rev. 2011;(10):CD007480.
  • 8. World Health Organization. Guideline: Vitamin A supplementation in postpartum women. Geneva: World Health Organization; 2011. http://whqlibdoc.who.int/publications/2011/9789241501774_eng.pdf Access: 28/02/2012.
  • 9. Stoltzfus RJ. Vitamin A deficiency in the mother-infant dyad. SCN News. 1994;11:25-7.
  • 10. Mayo-Wilson E, Imdad A, Herzer K, Yakoob MY, Bhutta ZA. Vitamin A supplements for preventing mortality, illness, and blindness in children aged under 5: systematic review and meta-analysis. BMJ. 2011;343:d5094.
  • 11. Christian P. Commentary: postpartum vitamin A supplementation and infant mortality. Int J Epidemiol. 2010;39:1227-8.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Jun 2012
    • Data do Fascículo
      Abr 2012
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