Acessibilidade / Reportar erro

Fotoproteção tópica na infância e na adolescência

Resumos

OBJETIVO: A exposição à luz solar na infância ocorre, frequentemente, de forma mais intensa do que em muitos adultos. Dados da literatura comprovam de maneira inequívoca a associação desse comportamento social com o risco de desenvolvimento do melanoma maligno e do câncer cutâneo não melanoma mesmo na vida adulta. Além disso, o fotoenvelhecimento cutâneo é semeado já na infância com a exposição solar inadequada. Esta revisão tem como objetivo orientar os pediatras nas medidas adequadas de fotoproteção tópica nas crianças e adolescentes, o que irá alterar de maneira positiva o futuro desses pacientes. FONTES DOS DADOS: Realizou-se uma revisão da literatura indexada na base de dados MEDLINE/PubMed entre os anos de 1999 e 2012 sobre fotoproteção na infância, selecionando-se como fonte os artigos de revisão mais relevantes, do ponto de vista de abrangência do tema fotoproteção em crianças e adolescentes, fotoproteção e vitamina D, fototerapia na neonatologia e impacto no câncer cutâneo, bronzeamento artificial e câncer cutâneo. SÍNTESE DOS DADOS: Crianças e adolescentes devem adotar medidas adequadas de fotoproteção para diminuir o risco de câncer cutâneo melanoma e não melanoma. CONCLUSÕES: Há dados na literatura que suportam a associação de hábitos de exposição solar segura e uso de fotoprotetores tópicos em crianças e adolescentes com a redução da ocorrência do câncer cutâneo.

Melanoma maligno; câncer cutâneo; fotoproteção


OBJECTIVE: Exposure to sunlight in childhood is often more intense than in adults. Literature data unequivocally show the association between this social behavior and the risk for developing malignant melanoma and non-melanoma skin cancer, even in adulthood. Furthermore, skin photoaging begins already in childhood through inadequate sun exposure. This review aims to guide pediatricians on appropriate measures of topical photoprotection in children and adolescents, which will positively change the future of these patients. SOURCES: A review of the literature indexed in MEDLINE/PubMed between the years 1999 and 2012 on photoprotection in childhood was conducted. The most relevant review articles on photoprotection in children and adolescents, photoprotection and vitamin D in neonatal phototherapy and impact on skin cancer, artificial tanning and skin cancer were selected as sources. SUMMARY OF THE FINDINGS: Children and adolescents should adopt appropriate measures of photoprotection in order to decrease the risk of melanoma and non-melanoma skin cancer. CONCLUSIONS: There are published data that support the association between sun exposure habits and safe use of topical sunscreens in children and adolescents on the one hand and a reduced occurrence of skin cancer on the other.

Malignant melanoma; skin cancer; photoprotection


ARTIGO DE REVISÃO

Fotoproteção tópica na infância e na adolescência

Paulo Ricardo CriadoI; Juliana Nakano de MeloII; Zilda Najjar Prado de OliveiraIII

IDoutor, Dermatologia, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP. Médico assistente, Divisão de Dermatologia, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), São Paulo, SP

IIDoutora, Dermatologia, USP, São Paulo, SP. Médica assistente, Divisão de Dermatologia, Ambulatório de Dermatologia Pediátrica, HC-FMUSP, São Paulo, SP

IIIDoutora. Professora, Faculdade de Medicina, USP, São Paulo, SP. Chefe, Ambulatório de Dermatologia Pediátrica, HC-FMUSP, São Paulo, SP

Correspondência Correspondência: Paulo Ricardo Criado Rua Carneiro Leão, 33, Vila Scarpelli CEP 09050-430 - Santo André, SP Tel.: (11) 4426.8803 E-mail: prcriado@uol.com.br

RESUMO

OBJETIVO: A exposição à luz solar na infância ocorre, frequentemente, de forma mais intensa do que em muitos adultos. Dados da literatura comprovam de maneira inequívoca a associação desse comportamento social com o risco de desenvolvimento do melanoma maligno e do câncer cutâneo não melanoma mesmo na vida adulta. Além disso, o fotoenvelhecimento cutâneo é semeado já na infância com a exposição solar inadequada. Esta revisão tem como objetivo orientar os pediatras nas medidas adequadas de fotoproteção tópica nas crianças e adolescentes, o que irá alterar de maneira positiva o futuro desses pacientes.

FONTES DOS DADOS: Realizou-se uma revisão da literatura indexada na base de dados MEDLINE/PubMed entre os anos de 1999 e 2012 sobre fotoproteção na infância, selecionando-se como fonte os artigos de revisão mais relevantes, do ponto de vista de abrangência do tema fotoproteção em crianças e adolescentes, fotoproteção e vitamina D, fototerapia na neonatologia e impacto no câncer cutâneo, bronzeamento artificial e câncer cutâneo.

SÍNTESE DOS DADOS: Crianças e adolescentes devem adotar medidas adequadas de fotoproteção para diminuir o risco de câncer cutâneo melanoma e não melanoma.

CONCLUSÕES: Há dados na literatura que suportam a associação de hábitos de exposição solar segura e uso de fotoprotetores tópicos em crianças e adolescentes com a redução da ocorrência do câncer cutâneo.

Palavras-chave: Melanoma maligno, câncer cutâneo, fotoproteção.

ABSTRACT

OBJECTIVE: Exposure to sunlight in childhood is often more intense than in adults. Literature data unequivocally show the association between this social behavior and the risk for developing malignant melanoma and non-melanoma skin cancer, even in adulthood. Furthermore, skin photoaging begins already in childhood through inadequate sun exposure. This review aims to guide pediatricians on appropriate measures of topical photoprotection in children and adolescents, which will positively change the future of these patients.

SOURCES: A review of the literature indexed in MEDLINE/PubMed between the years 1999 and 2012 on photoprotection in childhood was conducted. The most relevant review articles on photoprotection in children and adolescents, photoprotection and vitamin D in neonatal phototherapy and impact on skin cancer, artificial tanning and skin cancer were selected as sources.

SUMMARY OF THE FINDINGS: Children and adolescents should adopt appropriate measures of photoprotection in order to decrease the risk of melanoma and non-melanoma skin cancer.

CONCLUSIONS: There are published data that support the association between sun exposure habits and safe use of topical sunscreens in children and adolescents on the one hand and a reduced occurrence of skin cancer on the other.

Keywords: Malignant melanoma, skin cancer, photoprotection.

Introdução

O aumento na incidência do câncer cutâneo é decorrente do comportamento pessoal de cada indivíduo em relação à proteção solar1-3. Um estudo recente francês demonstrou que 70% dos pediatras entrevistados gostariam de obter mais informações sobre quais fotoprotetores deveriam ser recomendados às crianças4.

A efetiva proteção solar para crianças compreende a adoção de várias medidas, entre as quais roupas adequadas e o uso de filtros solares3,5-8. As queimaduras solares resultam em dano à pele que pode causar câncer cutâneo no futuro, o que tem levado à adoção de medidas de saúde pública primárias focadas na prevenção de queimaduras solares e proteção à exposição solar7,9.

Existem vários fatores que regem o dano solar na infância, seus efeitos e as medidas de prevenção do câncer cutâneo.

Aspectos comportamentais

A pedra angular do conceito que indica a fotoproteção na infância é o conhecimento de que a exposição solar excessiva, nessa faixa etária, é um fator particularmente significativo no risco futuro de desenvolvimento do câncer da pele6.

Há dois fatores básicos que determinam nível elevado de exposição solar na infância e sua relação com o câncer da pele: (I) ao contrário da maioria dos adultos em ambiente urbano, as crianças despendem grande parte do seu tempo diário em ambientes externos e, assim, invariavelmente se encontram expostas ao sol; (II) sabe-se que as queimaduras solares na infância constituem um fator fundamental na patogênese do melanoma maligno (MM).

Alguns autores estimam que 25 a 50% da exposição solar que uma pessoa recebe durante a sua vida é obtida antes dos 18-21 anos de idade6,10.

Existe uma clara relação entre a exposição solar ao longo dos anos (acumulativa) e o desenvolvimento de carcinomas cutâneos - carcinoma espinocelular (CEC) e carcinoma basocelular (CBC), denominados em conjunto como câncer cutâneo não melanoma (CCNM) - e, ainda, uma acentuada relação entre queimadura solar intermitente e o desenvolvimento do MM.

Entre as várias medidas de proteção à radiação solar, o uso de filtros solares de uso tópico tem demonstrado prevenir o surgimento do CCNM6. Stern et al.11, ainda na década de 1980, demonstraram que a incidência do CCNM ao longo da vida poderia ser reduzida em 78% com o uso de filtros solares com fator de proteção solar (FPS) de número 15 ou maior durante os primeiros 18 anos de vida.

Outro fator que influencia o comportamento de uma proteção solar efetiva é a idade da criança12. Isso implica na sua capacidade em efetuar essa fotoproteção de forma independente dos adultos12. Por outro lado, especialmente importante é o quanto elas estão dispostas a realizar de forma consistente a proteção solar, por si próprias12. Nas crianças pré-escolares e em idade de escolaridade primária, a fotoproteção, em geral, é dependente do grau de conscientização dos pais, enquanto que, nos adolescentes, o envolvimento pessoal é determinante para o hábito da fotoproteção, e que esta atitude não seja classificada como indesejável pelo seu grupo de convívio12. São, portanto, importantes campanhas de proteção solar adequadas a cada faixa etária12.

Outra questão relevante às crianças é o uso de roupas como meio de realizar fotoproteção. Durante o verão de 1990/1991, na Austrália, o Cancer Council Victoria solicitou a determinação de proteção à radiação ultravioleta (UVR) oferecida por camisetas de uso típico no verão naquele país13.

Atualmente, no mercado do vestuário, há roupas que podem auxiliar na fotoproteção. Várias características determinam se uma roupa oferece uma boa fotoproteção13:

- Fator de cobertura ou densidade da trama: é definido como a porcentagem da superfície do tecido que é coberta pela fibra ou fio. Quanto mais superfície preenchida pelo fio ou fibra, menor espaço para a passagem da UVR. Assim, quanto mais fina a trama, menor a transmissão de UVR e maior a proteção dada pelo tecido.

- Modo de construção do tecido: o arranjo geométrico das fibras e fios pode influenciar em como elas ficam justapostas e determina o fator de cobertura do tecido.

- Peso por unidade de área: o maior peso do tecido por unidade de área também aumenta o fator de proteção.

- Espessura do tecido: maior espessura determina aumento do fator de proteção ultravioleta (UPF).

- Composição do tecido: alguns materiais naturalmente absorvem UVR mais intensamente em relação a outros.

- Cor: em geral, as cores escuras e as altas concentrações de corantes absorvem mais UVR. Cores escuras no mesmo tecido, como azul, vermelho e preto, absorvem mais a UVR do que as cores claras, como o branco, azul claro ou bege.

- Aditivos adicionados ao tecido: produtos químicos, como os agentes branqueadores ópticos e redutores da UVR, podem ser adicionados aos tecidos para aumentar a proteção.

- Tensão do tecido: quando o tecido é esticado, o seu UPF pode ser reduzido.

- Umidade no tecido: muitas roupas, quando umedecidas, podem ter seu UPF reduzido, dependendo do tipo de tecido empregado e a quantidade de umidade absorvida pelo mesmo.

- Desenho da roupa: dependendo da exposição da pele em decotes ou mangas, a proteção é diretamente menor.

- Condições de lavagem: muitas roupas, conforme são lavadas, sofrem um encolhimento, com diminuição do espaçamento da trama do tecido, o que eleva o seu UPF.

A padronização utilizou o termo UPF para designar, então, a quantidade de proteção propiciada pelos tecidos e roupas além do FPS. Na Tabela 1, podemos observar o esquema de classificação das roupas segundo a normativa dos Padrões Australianos/Neozelandeses (AS/NZS) 4388. Posteriormente, agências norte-americanas, inglesas e europeias estabeleceram suas próprias determinações em relação a essa questão13.

Aspectos relacionados à cor da pele

A cor da pele tem grande influência na capacidade de ocorrer eritema induzido pela UVR. Na dermatologia, a melhor classificação em relação à capacidade de responder com eritema e bronzeamento é aquela proposta por Fitzpatrick, que classifica os indivíduos de acordo com seu fototipo14 (Tabela 2).

A incidência mais baixa de câncer cutâneo entre pessoas negras é fundamentalmente resultante da fotoproteção propiciada pela abundante melanina epidérmica, a qual propicia um FPS natural de cerca de 13,4 nos indivíduos negros15,16.

Eritema e queimadura solar

O eritema e a queimadura solar são reações agudas decorrentes de exposição excessiva à UVR (Figura 1)14. A denominada dose eritematosa mínima (DEM) refere-se à menor quantidade de UVR que é capaz de causar eritema cutâneo ou leve avermelhamento na pele14. A DEM depende de fatores tais como14: (I) fototipo de Fitzpatrick; (II) espessura da pele; (III) quantidade de melanina na epiderme; (IV) produção de melanina depois de exposição solar; e (V) intensidade da radiação. A capacidade de a UVR produzir eritema depende do comprimento de onda da radiação, que é principalmente o da faixa da ultravioleta B (UVB)14.


Bronzeamento

O bronzeamento é uma resposta protetora à exposição solar14. O bronzeamento imediato resulta da oxidação da melanina pré-fabricada na pele após exposição à luz visível e à ultravioleta A (UVA)14; torna-se visível após vários minutos e desaparece dentro de 1 a 2 horas14. O bronzeamento tardio ocorre quando nova melanina é sintetizada após exposição à UVB, tornando-se aparente após 2 a 3 dias da exposição solar, com pico entre 7 e 10 dias, podendo persistir por semanas ou meses14. Assim, o bronzeamento solar significa que ocorreu dano ao DNA cutâneo14,17.

Exposição solar na infância

A infância e a adolescência são considerados períodos críticos de vulnerabilidade em relação aos efeitos da exposição a agentes tóxicos14. Cerca de 25% da exposição solar da vida de um indivíduo ocorre antes dos 18 anos de idade14. A exposição à UVR pode resultar em alteração do DNA dos melanócitos e em aumento no risco de carcinogênese em nevos melanocíticos na infância14.

Há uma relação dose-dependente entre exposição à luz solar e incidência do câncer de pele15. Para o desenvolvimento do melanoma e do CBC, exposições intensas e intermitentes parecem proporcionar um maior risco do que exposições crônicas menores, mesmo que a dose total de UVR seja a mesma15. Em contraste, o risco para o surgimento do CEC é fortemente associado com a exposição crônica à UVR, porém não com exposição intermitente15.

Na faixa pediátrica, assim como também nas demais faixas etárias, a fotoproteção deve ser realizada diariamente. Os cuidados em relação à proteção solar devem ser adotados através do uso dos fotoprotetores, mas também com medidas como uso adequado de roupas e chapéus, evitando-se exposição solar exagerada, especialmente nos horários de maior índice de UVR. Devemos conscientizar as pessoas de que o uso do fotoprotetor, por si só, não garante a proteção necessária em termos de prevenção contra o câncer cutâneo.

Nevos melanocíticos na infância e exposição solar

O termo "nevo melanocítico" significa "hiperplasia benigna circunscrita de melanócitos na pele"18. Os nevos comuns estão presentes em todas as pessoas, e sua cinética de aparecimento na pele é rápida e continua na infância, entre as idades de 3 e 15 anos, atingindo na idade adulta uma média de 20 a 30 nevos melanocíticos em toda a pele18. Meninos e meninas têm o mesmo número de nevos, porém sua distribuição varia: os meninos têm mais nevos no tronco, e as meninas, nos membros18.

O nevo melanocítico atípico ou displásico (nevo de Clark) aparece na puberdade, e sua prevalência é de 5 a 10% na população em geral18. Eles são definidos clinicamente pela presença de pelo menos três critérios: contorno irregular, assimetria, pigmentação heterogênea e coloração rosada na periferia com diâmetro maior que 5 mm18. O número de nevos aumenta com a idade, ocorrendo particularmente em maior número nas áreas expostas ao sol.

A presença de nevos melanocíticos comuns e nevos atípicos constitui um marcador do risco de melanoma18.

A presença de nevo melanocítico congênito (NMC) aumenta o risco de melanoma14. No entanto, o risco de melanoma depende diretamente do tamanho do NMC e é maior para os nevos gigantes (definidos como nevos situados no tronco, com mais de 20 cm no maior diâmetro ou que se espera alcançar esse diâmetro na vida adulta)14. A média de idade à época do diagnóstico do melanoma é em torno dos 15,5 anos de vida14.

O risco em se desenvolver melanoma maligno na vida adulta é sete vezes maior em uma pessoa que possui uma centena de nevos melanocíticos comuns em comparação àquelas que apresentam cerca de apenas 15 nevos18.

Nevos melanocíticos na infância e fototerapia no período neonatal

A icterícia neonatal é o distúrbio mais frequentemente encontrado em recém-nascidos19. A fototerapia durante o período neonatal tem sido preconizada, desde 1958, para o tratamento de alguns graus de icterícia e prevenção de complicações mais graves, como o kernicterus. Ela é, sem dúvida, a modalidade terapêutica mais utilizada para o tratamento da hiperbilirrubinemia neonatal. Estima-se que, só nos EUA, um número maior que 350.000 bebês recebam esse tratamento por ano20.

O princípio da fototerapia consiste na transformação fotoquímica da bilirrubina nas áreas expostas à luz. Essa reação altera a estrutura da molécula de bilirrubina, permitindo que os fotoprodutos sejam eliminados pelos rins ou pelo fígado. Através de fenômenos conhecidos como fotoisomerização e fotoxidação, a luz transforma a bilirrubina em produtos mais hidrossolúveis21.

A bilirrubina absorve luz na região de 400 a 500 nm. Esse comprimento de onda da luz penetra na epiderme e atinge o tecido subcutâneo, de maneira que somente a bilirrubina que está próxima à superfície da pele (até 2 mm) será afetada diretamente pela luz22,23. Por esse motivo, existem inúmeros aparelhos de fototerapia para hiperbilirrubinemia no mercado, sendo os mais comuns as lâmpadas fluorescentes brancas e azuis, luz monocromática azul e lâmpadas de quartzo halogênicas com filamento de tungstênio19.

Pouco se sabe, até hoje, sobre o impacto, em longo prazo, da fototerapia no período neonatal em relação ao risco de surgimento de nevos melanocíticos na infância e na idade adulta24.

Os poucos trabalhos existentes, que procuram correlacionar o uso da fototerapia no período neonatal e o surgimento de maior número de nevos melanocíticos ou displásicos ao longo da vida, apresentam resultados controversos24-28.

Devemos atentar para a possibilidade de aumento no risco do surgimento de nevos em crianças submetidas a fototerapia no período neonatal. A fototerapia continua sendo um dos pilares do tratamento para hiperbilirrubinemia neonatal, condição que pode gerar consequências desastrosas se não tratada adequadamente. Há necessidade, no entanto, de maior número de estudos que possam correlacionar a fototerapia neonatal e o risco de desenvolvimento de nevos melanocíticos e displásicos ao longo da vida.

Prevenção dos danos causados pela exposição à radiação ultravioleta

A incidência do câncer cutâneo continua a aumentar, apesar dos esforços de saúde pública em incrementar a adoção das medidas de segurança na exposição solar14.

As principais medidas de comportamento seguro em relação ao sol recomendadas por várias organizações líderes em estudo do câncer cutâneo incluem14: não se queimar; evitar o bronzeamento e os salões de bronzeamento; usar roupas protetoras e chapéu; procurar a sombra; aplicar filtro solares tópicos; utilizar óculos de sol com proteção contra a UVR.

Sombra

Estima-se que 47% da exposição solar diária que as crianças recebem ocorre em áreas ao ar livre nos repousos das escolas29.

Uma regra que pode auxiliar a identificar quando se deve evitar o sol é a "regra da sombra" (Figura 2). O sol é mais danoso quanto menor é a sombra da criança em relação à sua altura, o que indica que o zênite solar é menor que 45º de incidência; de forma que o risco é menor quanto maior o tamanho da sombra29.


Óculos de sol

As principais organizações de saúde visual nos EUA recomendam que os óculos de sol absorvam entre 97 e 100% do espectro completo da UVR (ou seja, até 400 nm)

14. Recomenda-se que as pessoas utilizem óculos de sol quando estão em ambientes externos, dirigindo, trabalhando, praticando esporte, caminhando ou correndo

14.

Filtros solares de uso tópico

Os fotoprotetores tópicos ou filtros solares de uso tópico são substâncias que absorvem e filtram a UVR, dispersam e refletem as radiações29. A maioria dos filtros solares aprovada pela Food and Drug Administration (FDA) americana é agente químico orgânico, que absorve vários comprimentos de onda da UVR, primariamente no espectro da UVB, e outros são efetivos na faixa da UVA (Tabela 3)14. Os fotoprotetores químicos absorvem a energia transportada pelos fótons das UVR, de forma que podem ser considerados cromóforos exógenos29. São muito variados, têm mecanismos de ação distintos e transformam a energia lumínica em energia térmica. Alguns absorvem sobretudo a radiação UVB, como o ácido paraminobenzoico (PABA), cujo uso está limitado devido às reações adversas cutâneas frequentes que determina, como dermatite de contato, além dos cinamatos, salicilatos e o octocrileno29. Outros absorvem mais o espectro da UVA, como as benzofenonas, as antralinas, a avobenzona e o ácido tereftalideno-dialcanfor sulfônico (Mesoryl SX®)29. Alguns agentes químicos (orgânicos) absorvem ambos os espectros UVA e UVB, como o Tinosorb M e o Tinosorb S (metoxifenil triazina)29. De forma geral, esses filtros orgânicos são incolores e cosmeticamente bem aceitos, apesar de poder ocasionar um maior número de dermatites de contato quando comparados aos filtros inorgânicos29.

O FDA aprovou dois filtros solares físicos inorgânicos para uso nos fotoprotetores, o dióxido de titânio e o óxido de zinco14. A maioria dos filtros inorgânicos é branca em coloração ou tinta quando aplicada à pele. Esses filtros não são irritantes nem fotossensibilizantes, uma vez que são pós-inertes que não penetram além da camada córnea da pele, não tendo absorção sistêmica, devendo ser utilizados por pessoas com histórico de alergia a fotoprotetores tópicos29.

Os filtros químicos absorvem a energia da UVR e dissipam calor; os filtros físicos refletem a UVR (Figura 3).

Os filtros solares, segundo recomendação da Academia Americana de Pediatria, são liberados para uso após os 6 meses de vida14 . Até os 2 anos de idade, é preferível o uso dos filtros físicos, por serem menos alergênicos em relação aos filtros químicos. O filtro solar deve ser aplicado em toda a superfície corpórea antes da exposição solar e reaplicado a cada 4 horas ou antes, caso ocorra sudorese excessiva ou mergulho. A quantidade recomendada de filtro solar é de 2 mg/cm214.

Fator de proteção solar

O FPS é um sistema de graduação desenvolvido para quantificar o grau de proteção conferido por um filtro solar tópico ao surgimento do eritema cutâneo14. Quanto maior o FPS, maior proteção ao eritema14. Por exemplo, um indivíduo que apresenta vermelhidão na pele (eritema) após 10 minutos de exposição solar, quando utiliza um filtro solar com FPS 15 irá desenvolver o eritema apenas após 150 minutos de exposição solar (10 minutos x 15)14.

Entretanto, o FPS de um filtro solar geralmente representa uma proteção menor do que a esperada, uma vez que se aplica menos do que a metade da quantidade recomendada do filtro solar, que é de 2 mg/cm2 de pele14.

O FPS é um índice de medida de proteção contra a UVB (a qual produz eritema), enquanto que a medida de proteção contra a UVA é expressa por outros meios30.

De forma análoga ao FPS, a dose mínima de pigmentação (minimal pigmentary dose, MPD) é a quantidade de UVA necessária para produzir a primeira pigmentação cutânea após exposição à UVR30.

É considerado adequado o uso de filtros solares com FPS 15 para a grande maioria dos indivíduos, tanto da faixa pediátrica como adultos. A exceção se faz nos quadros de portadores de doenças desencadeadas ou pioradas pela UVR, como lúpus eritematoso e xeroderma pigmentoso, por exemplo. Nessas situações, indica-se o uso do maior FPS possível, com a ressalva de que é diretamente proporcional o risco de desenvolvimento de dermatite de contato com o número do FPS.

Vitamina D e o uso dos filtros solares

A UVB é necessária para a síntese da vitamina D ativa30. Pelo menos cerca de 90% da vitamina D ativa em cada pessoa é gerada dessa maneira30. No entanto, os humanos obtêm vitamina D, além da exposição solar, de fontes como leite fortificado, óleo de peixe e suplementos vitamínicos18. Após exposição solar, o 7-dehidrocolesterol na pele é convertido em pré-vitamina D3 e, então, em vitamina D3 (colecalciferol)30.

Um grande debate se instalou no tocante a uma possível deficiência de vitamina D3 com o uso frequente de fotoprotetores tópicos30. Estudos demonstraram que o uso adequado de um filtro solar FPS 15 (2 mg/cm2) reduzia a síntese da vitamina D ativa em 98%30. No entanto, em termos clínicos, não se constatou deficiência de vitamina D em relação aos níveis séricos ou função. Isso pode ser explicado por alguns fatores30: (I) aquisição da vitamina D necessária pela dieta; (II) a maioria das pessoas aplica o filtro solar em quantidade insuficiente; e (III) mesmo quando o filtro solar é aplicado adequadamente, essa aplicação não é completamente homogênea, e alguma UVR ainda penetra na pele.


Recomendações finais

A UVR é um carcinógeno para a pele humana e ocasiona diversos outros efeitos danosos14. A exposição excessiva à UVR na infância ou adolescência confere um maior risco de desenvolvimento do câncer da pele. Os pediatras e dermatologistas devotados às doenças tegumentares da infância podem exercer um papel relevante fornecendo educação sobre o câncer cutâneo e sua prevenção aos pacientes e seus pais ou cuidadores30.

É especialmente importante abordar esse assunto no âmbito de crianças com alto risco em desenvolver câncer da pele (crianças com pele clara, aquelas com nevos e/ou efélides e as com história familiar de melanoma)14. Melanoma é raro em crianças, mas os nevos melanocíticos não30. Devem ser abordadas a questão dos nevos e a necessidade de se estar atento às alterações que eles possam sofrer14; e, ao alcançar a puberdade, a questão relativa ao bronzeamento artificial e seus malefícios14.

Crianças até o sexto mês de vida não devem ser expostas à luz solar direta14. O Australasian College of Dermatologists recomenda o uso de filtros solares para crianças pequenas quando a exposição solar não pode ser evitada por outras medidas: "sombra, roupas e chapéu de abas largas são as melhores medidas protetoras para crianças pequenas. Filtros solares devem ser aplicados em áreas da pele não protegidas pela roupa"14. Também a American Academy of Pediatrics (AAP) tem recomendado que os filtros solares podem ser usados por crianças menores que 6 meses de vida em pequenas áreas da pele se roupas adequadas e sombra não estão disponíveis14.

Artigo submetido em 10.02.12, aceito em 06.03.12.

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.

Como citar este artigo: Criado PR, de Melo JN, de Oliveira ZN. Topical photoprotection in childhood and adolescence. J Pediatr (Rio J). 2012;88(3):203-10.

  • 1. Preston DS, Stern RS. Nonmelanoma cancers of the skin. N Engl J Med. 1992;327:1649-62.
  • 2. Vail-Smith K, Watson CL, Felts WM, Parrillo AV, Knight SM, Hughes JL. Childhood sun exposure: parental knowledge, attitudes, and behaviors. J Health Educ. 1997;28:149-55.
  • 3. Ghazi S, Couteau C, Paparis E, Coiffard LJ. Interest of external photoprotection by means of clothing and sunscreen products in young children. J Eur Acad Dermatol Venereol. 2011 Jun 4.
  • 4. Assathiany R, Fay-Chatelard F, Beauchet A, Navel M, Mahé E. Sun protection and pediatricians: results of a survey. Arch Pediatr. 2010;17:908-9.
  • 5. Severi G, Cattaruzza MS, Baglietto L, Boniol M, Doré JF, Grivegnée AR, et al. Sun exposure and sun protection in young European children: an EORTC multicentric study. Eur J Cancer. 2002;38:820-6.
  • 6. Dadlani C, Orlow SJ. Planning for a brighter future: a review of sun protection and barriers to behavioral change in children and adolescents. Dermatol Online J. 2008;14:1.
  • 7. Emmett A, Uchida T, Wagner RF Jr. Sunburn risk factors for beachgoing children. Dermatol Online J. 2008;14:28.
  • 8. Cesarini P. Living with the sun. Arch Pediatr. 2010;17:910-1.
  • 9. Wesson KM, Silverberg NB. Sun protection education in the United States: what we know and what needs to be taught. Cutis. 2003;71:71-7.
  • 10. Godar DE, Urbach F, Gasparro FP, van der Leun JC. UV doses of young adults. Photochem Photobiol. 2003;77:453-7.
  • 11. Stern RS, Weinstein MC, Baker SG. Risk reduction for nonmelanoma skin cancer with childhood sunscreen use. Arch Dermatol. 1986;122:537-45.
  • 12. Berneburg M, Surber C. Children and sun protection. Br J Dermatol. 2009;161:33-9.
  • 13. Gies P. Photoprotection by clothing. Photodermatol Photoimmunol Photomed. 2007;23:264-74.
  • 14. Balk SJ; Council on Environmental Health; Section on Dermatology. Ultraviolet radiation: a hazard to children and adolescents. Pediatrics. 2011;127:e791-817.
  • 15. Narayanan DL, Saladi RN, Fox JL. Ultraviolet radiation and skin cancer. Int J Dermatol. 2010;49:978-86.
  • 16. Gloster HM Jr, Neal K. Skin cancer in skin of color. J Am Acad Dermatol. 2006;55:741-60.
  • 17. Woo DK, Eide MJ. Tanning beds, skin cancer, and vitamin D: An examination of the scientific evidence and public health implications. Dermatol Ther. 2010;23:61-71.
  • 18. Mahé E, de Maleyssie MF, Fay-Chatelard F, Beauchet A. Childhood melanocytic nevus: a marker of sun exposure and measuring tool of sun prevention campaigns. Arch Pediatr. 2010;17:912-3.
  • 19. Bland HE. Jaundice in the healthy term neonate: when is treatment indicated? Curr Probl Pediatr. 1996;26:355-63.
  • 20. Polin RA. What's new about newborns? Curr Probl Pediatr. 1991;21:333-44.
  • 21. Dennery PA, Seidman DS, Stevenson DK. Neonatal hyperbilirubinemia. N Engl J Med. 2001;344:581-90.
  • 22. Ennever JF. Phototherapy for neonatal jaundice. In: Polin RA, Fox WW, eds. Fetal and neonatal physiology. USA: WB Saunders; 1992. p.1165-73.
  • 23. Agati G, Fusi F. New trends in photobiology (invited review). Recent advances in bilirubin photophysics. J Photochem Photobiol B. 1990;7:1-14.
  • 24. Csoma Z, Hencz P, Orvos H, Kemeny L, Dobozy A, Dosa-Racz E, et al. Neonatal blue-light phototherapy could increase the risk of dysplastic nevus development. Pediatrics. 2007;119:1036-7.
  • 25. Dennery PA, Lorch S. Neonatal blue-light phototherapy could increase the risk of dysplastic nevus development. Pediatrics. 2007;120:247-8.
  • 26. Bauer J, Büttner P, Luther H, Wiecker TS, Möhrle M, Garbe C. Blue light phototherapy of neonatal jaundice does not increase the risk for melanocytic nevus development. Arch Dermatol. 2004;140:493-4.
  • 27. Mahé E, Beauchet A, Aegerter P, Saiag P. Neonatal blue-light phototherapy does not increase nevus count in 9-year-old children. Pediatrics. 2009;123:e896-900.
  • 28. Csoma Z, Tóth-Molnár E, Balogh K, Polyánka H, Orvos H, Ocsai H, et al. Neonatal blue light phototherapy and melanocytic nevi: a twin study. Pediatrics. 2011;128:e856-64.
  • 29. Valdivielso-Ramos M, Herranz JM. Update on photoprotection in children. An Pediatr (Barc). 2010;72:282.e1-9.
  • 30. Sambandan DR, Ratner D. Sunscreens: an overview and update. J Am Acad Dermatol. 2011;64:748-58.
  • Correspondência:

    Paulo Ricardo Criado
    Rua Carneiro Leão, 33, Vila Scarpelli
    CEP 09050-430 - Santo André, SP
    Tel.: (11) 4426.8803
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Jul 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2012

    Histórico

    • Recebido
      10 Fev 2012
    • Aceito
      06 Mar 2012
    Sociedade Brasileira de Pediatria Av. Carlos Gomes, 328 cj. 304, CEP: 90480-000 , Tel.: (+55 51) 3108-3328 - Porto Alegre - RS - Brazil
    E-mail: assessoria@jped.com.br