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Oferta de alimentos processados no entorno de escolas públicas em área urbana

Resumos

OBJETIVO: Avaliar a disponibilidade de alimentos comercializados em relação ao seu grau de processamento industrial e os tipos de comércios existentes nos perímetros de escolas de ensino fundamental. MÉTODOS: O estudo teve delineamento transversal, e foram avaliados 82 comércios localizados a um raio de 500 metros de três escolas públicas situadas em regiões distintas do município de Santos, que apresentam diferentes níveis socioeconômicos. Foram percorridas todas as ruas existentes nos perímetros das escolas, considerando-se um raio de 500 metros para delimitação da área, tendo sido registradas as coordenadas geográficas e coletadas informações sobre os pontos de venda e sobre os alimentos comercializados, por meio de observação e entrevista com os responsáveis pelo estabelecimento. Os alimentos encontrados foram classificados, em relação ao seu grau de processamento industrial, em: alimentos ultraprocessados e alimentos minimamente processados. Para a avaliação do grau de aglomeração dos estabelecimentos nos perímetros das escolas, foram utilizados mapas de densidade de Kernel. RESULTADOS: Os pontos de vendas que ofertavam, em sua maioria, alimentos ultraprocessados estavam significativamente mais próximos das escolas do que aqueles que ofertavam maioria de alimentos com menor grau de processamento. Observou-se diferença estatisticamente significativa entre a oferta desses alimentos nas diferentes categorias de comércios e entre as três regiões avaliadas. CONCLUSÕES: Os dados existentes neste trabalho evidenciam que as crianças que frequentam as três escolas públicas avaliadas estão expostas a um ambiente que incentiva o consumo de alimentos ultraprocessados por meio de um acesso facilitado nos comércios investigados.

Ambiente nutricional; escolares; alimentos processados


OBJECTIVE: To assess the availability of food in relation to their degree of industrial processing and the types of food stores in the perimeters of elementary schools. METHOD: This is a cross-sectional study. 82 food stores located within a 500 m radius buffer of three public schools located in three distinct regions with different socioeconomic levels in the municipality of Santos, state of São Paulo, Brazil, were assessed. All streets within a 500-meter radius of the schools were covered, geographic coordinates were recorded and information about the stores and food items available were collected by direct observation and interview with store managers. Available food items were classified in relation to their degree of industrial processing as ultra-processed foods and minimally processed foods. Kernel's density maps were used to assess the degree of agglomeration of stores near the schools. RESULTS: The stores that offered mostly ultra-processed foods were significantly closer to schools than those who offered mostly minimally processed foods. There was a significant difference between the availability of processed food in different types of stores and between the three regions assessed. CONCLUSIONS: The data found by this work evidences that children who attend the three public schools assessed are exposed to an environment that encourages the consumption of ultra-processed foods through easier access of these products in the studied stores.

Nutritional environment; child; processed foods


ARTIGO ORIGINAL

Oferta de alimentos processados no entorno de escolas públicas em área urbana

Fernanda Helena Marrocos LeiteI; Maria Aparecida de OliveiraII; Elena de Carvalho CremmI; Débora Silva Costa de AbreuI; Luana Rieffe MaronIII; Paula Andrea MartinsIV

IMestre em Ciências. Ciências do Movimento Humano, Instituto Saúde e Sociedade, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo, SP

IIDoutora em Saúde Pública. Saúde Ambiental, Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP

IIIEspecialista em Saúde Pública. Ciências do Movimento Humano, Instituto Saúde e Sociedade, UNIFESP, São Paulo, SP

IVDoutora em Ciências. Ciências do Movimento Humano, Instituto Saúde e Sociedade, UNIFESP, São Paulo, SP

Correspondência Correspondência: Paula Andrea Martins Av. Ana Costa, 95 CEP 11060-001 - Santos, SP Tel.: (13) 3787.3700, ramal 3796 E-mail: paula.andrea.martins@gmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a disponibilidade de alimentos comercializados em relação ao seu grau de processamento industrial e os tipos de comércios existentes nos perímetros de escolas de ensino fundamental.

MÉTODOS: O estudo teve delineamento transversal, e foram avaliados 82 comércios localizados a um raio de 500 metros de três escolas públicas situadas em regiões distintas do município de Santos, que apresentam diferentes níveis socioeconômicos. Foram percorridas todas as ruas existentes nos perímetros das escolas, considerando-se um raio de 500 metros para delimitação da área, tendo sido registradas as coordenadas geográficas e coletadas informações sobre os pontos de venda e sobre os alimentos comercializados, por meio de observação e entrevista com os responsáveis pelo estabelecimento. Os alimentos encontrados foram classificados, em relação ao seu grau de processamento industrial, em: alimentos ultraprocessados e alimentos minimamente processados. Para a avaliação do grau de aglomeração dos estabelecimentos nos perímetros das escolas, foram utilizados mapas de densidade de Kernel.

RESULTADOS: Os pontos de vendas que ofertavam, em sua maioria, alimentos ultraprocessados estavam significativamente mais próximos das escolas do que aqueles que ofertavam maioria de alimentos com menor grau de processamento. Observou-se diferença estatisticamente significativa entre a oferta desses alimentos nas diferentes categorias de comércios e entre as três regiões avaliadas.

CONCLUSÕES: Os dados existentes neste trabalho evidenciam que as crianças que frequentam as três escolas públicas avaliadas estão expostas a um ambiente que incentiva o consumo de alimentos ultraprocessados por meio de um acesso facilitado nos comércios investigados.

Palavras-chave: Ambiente nutricional, escolares, alimentos processados.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To assess the availability of food in relation to their degree of industrial processing and the types of food stores in the perimeters of elementary schools.

METHOD: This is a cross-sectional study. 82 food stores located within a 500 m radius buffer of three public schools located in three distinct regions with different socioeconomic levels in the municipality of Santos, state of São Paulo, Brazil, were assessed. All streets within a 500-meter radius of the schools were covered, geographic coordinates were recorded and information about the stores and food items available were collected by direct observation and interview with store managers. Available food items were classified in relation to their degree of industrial processing as ultra-processed foods and minimally processed foods. Kernel's density maps were used to assess the degree of agglomeration of stores near the schools.

RESULTS: The stores that offered mostly ultra-processed foods were significantly closer to schools than those who offered mostly minimally processed foods. There was a significant difference between the availability of processed food in different types of stores and between the three regions assessed.

CONCLUSIONS: The data found by this work evidences that children who attend the three public schools assessed are exposed to an environment that encourages the consumption of ultra-processed foods through easier access of these products in the studied stores.

Keywords: Nutritional environment, child, processed foods.

Introdução

Pesquisas evidenciam que a saúde e o comportamento dos indivíduos são influenciados pelo ambiente físico e social que habitam. Dessa forma, muitos estudos têm focado nas características do ambiente da vizinhança como determinantes de diferenças socioeconômicas na dieta e na prática de atividade física dos indivíduos1,2.

Os índices de prevalência de obesidade e doenças crônicas não transmissíveis associados à dieta têm se elevado em ritmo acelerado. Esse panorama epidemiológico é marcado por um ambiente urbano atual que conduz a uma ingestão cada vez maior de energia3, enquanto limita a prática de atividade física, devido, entre outros fatores, às características ambientais das vizinhanças que, muitas vezes, não possuem locais (ciclovias, parques e quadras de esporte) onde se possa realizar tal atividade4.

Além disso, apesar de muitos estudos destacarem a importância dos nutrientes e dos alimentos no alcance de uma alimentação saudável, pouco se discute – nas orientações, informações sobre nutrição e saúde e nas políticas públicas – sobre o processamento industrial por que passam esses produtos5.

Em geral, os alimentos industrializados possuem alta densidade energética, excesso de gorduras (em particular, gorduras saturadas), de açúcar e aditivos (corantes, conservantes) e apresentam ausência ou escassez de fibras e micronutrientes6.

Levando em conta que o consumo de alimentos industrializados pela população brasileira aumentou nas últimas décadas, o acesso a uma alimentação adequada na infância tornou-se foco de discussão, uma vez que esta se encontra fortemente condicionada ao poder aquisitivo das famílias, do qual depende a disponibilidade, a quantidade e a qualidade dos alimentos consumidos7.

É importante ressaltar que, além da atuação dos pais no acesso aos alimentos de seus filhos, o ambiente escolar surge como um espaço privilegiado para o desenvolvimento de ações de melhoria das condições de saúde e do estado nutricional das crianças8.

No entanto, nem sempre os estudantes se deparam com um ambiente nutricional favorável ao consumo de alimentos promotores de uma alimentação saudável. O ambiente alimentar escolar sofreu inúmeras modificações nos últimos anos, uma vez que se observa grande oferta de alimentos ricos em gorduras – como bolachas, salgadinhos chips, sorvetes e refrigerantes – nas cantinas ou nas máquinas de vendas de alimentos presentes nas escolas, fazendo com que muitos alunos deixem de consumir o lanche do programa escolar9.

O presente estudo teve como objetivo avaliar a oferta de alimentos ultraprocessados (AUP) e alimentos minimamente processados (AMP) nos pontos de vendas de alimentos classificados como comércios, localizados nos perímetros de três escolas públicas do município de Santos.

Materiais e métodos

Desenho do estudo e amostra

O estudo apresentou delineamento observacional transversal, e os dados foram coletados no período de dezembro de 2008 a outubro de 2009 no município de Santos. Foram investigadas características relacionadas à disponibilidade e acesso aos alimentos nas áreas próximas de três unidades municipais de educação de ensino infantil e fundamental, localizadas em três regiões distintas do município de Santos (regiões 1, 2 e 3), que apresentam diferentes níveis socioeconômicos. As regiões 1 e 2 estão localizadas, respectivamente, na Orla e na Ponta da Praia do município e são caracterizadas por maior concentração populacional e maior nível socioeconômico10. Já a região 3 se localiza na área central da cidade e apresenta menor nível socioeconômico10. As escolas foram selecionadas por meio de sorteio estratificado por região, de forma proporcional à população moradora no município.

A amostra foi composta por 82 estabelecimentos classificados como comércios compreendidos nos arredores das escolas avaliadas, englobando 12% da área insular do município. Foram percorridas todas as ruas existentes nos perímetros das escolas, considerando-se um raio de 500 metros para delimitação da área, tendo sido registradas as coordenadas geográficas e coletadas informações sobre os pontos de venda e sobre os alimentos comercializados, por meio de observação e entrevista com os responsáveis pelo estabelecimento.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (CEP nº 2058/08).

Registro e caracterização de pontos geográficos de interesse

Foi realizada, pela equipe de campo, a aferição das coordenadas geográficas, com aparelho Global Positioning System (GPS), de todos os comércios localizados no perímetro das escolas incluídas no estudo, além da caracterização desses estabelecimentos.

Os pesquisadores se posicionavam a um metro do estabelecimento e procediam com a leitura das informações que ficavam registradas no GPS (latitude e longitude). Os dados foram inseridos em um sistema de informação geográfico.

Avaliação dos pontos de venda de alimentos

A caracterização dos pontos de venda foi realizada a partir de informações fornecidas pelos responsáveis dos estabelecimentos, utilizando um instrumento validado pelo grupo de pesquisa11. O questionário foi elaborado tendo como referência o estudo de Glanz et al.12. Por meio desse instrumento, foram investigadas questões relativas às características dos estabelecimentos, como: público que mais os frequenta – crianças (> 0 e < 10 anos) com ou sem responsáveis, adolescentes (> 10 e < 19 anos) com ou sem responsáveis, adultos (> 19 e < 60 anos) e idosos (> 60 anos)13; estrutura física – ambiente fechado (quando o espaço/local onde são preparadas as refeições possui paredes) ou a céu aberto; conjunto de pontos de alimentação (dois ou mais estabelecimentos, um imediatamente ao lado do outro, com o mesmo propósito final, ou seja, servir refeições, independente do tipo) ou isolado; ponto fixo ou móvel; e tipo de categoria na qual se enquadram – açougue, avícolas e peixarias; armazém de doces; banca de alimentos in natura; comércio varejista de alimentos; mercearia/empório; padaria; sacolão; supermercados; lojas de conveniência; minibomboniere e casa de massas frescas.

O questionário também incluiu um inventário dos alimentos comercializados, no qual se avaliou a disponibilidade de alimentos de acordo com os grupos descritos no Guia de Harvard14 e com os diferentes graus de processamento industrial dos alimentos15,16.

Classificação dos estabelecimentos e dos alimentos oferecidos

Foram investigados os estabelecimentos classificados como comércios, ou seja, aqueles que ofereciam produtos para aquisição, mas não para consumo no local. Estes compreenderam supermercados, açougues, padarias, mercearias, empórios, venda de doces, entre outros17. Todos os estabelecimentos visitados apresentavam como principal atividade a venda de alimentos e funcionavam durante o período diurno.

Os alimentos existentes nesses estabelecimentos foram classificados, segundo o grau de processamento industrial, em três grupos: AUP, alimentos processados como ingredientes de preparações culinárias (APPC) e AMP18.

O primeiro grupo (AMP) foi composto por alimentos não processados ou que passaram por processamento industrial mínimo – na maioria das vezes físico – com a finalidade de torná-los mais disponíveis, acessíveis e seguros, como carnes frescas e leite, grãos, leguminosas, oleaginosas, frutas e hortaliças, raízes e tubérculos, chás, café, ervas de infusão e águas engarrafadas. No segundo grupo (APPC), foram inseridos os alimentos extraídos dos AMP e caracterizados por serem utilizados como ingredientes culinários e/ou industriais: óleos, gorduras, farinhas, massas, amidos e açúcares, xarope de milho, lactose e proteínas da soja e do leite. Já no terceiro grupo (AUP), foram contabilizados os alimentos produzidos a partir de vários gêneros alimentícios, entre eles os alimentos do grupo 1 e ingredientes do grupo 2. Fizeram parte desse grupo: pães industrializados, barra de cereal, biscoitos, salgadinhos tipo chips, bolos, doces, sorvetes e refrigerantes, massas e pizzas congeladas, embutidos, frangos empanados, tiras de peixes, sopas enlatadas ou desidratadas, fórmulas e papas infantis. Nas análises deste estudo, os alimentos do segundo grupo (APPC) foram agrupados aos AMP, pois não houve comércios que ofertavam em maior proporção esse grupo de alimentos em relação aos demais.

Posteriormente, os comércios foram classificados como maior disponibilidade de AUP ou maior disponibilidade de AMP (AMP + APPC), levando em conta a predominância dos alimentos oferecidos.

Análises

Realizou-se análise descritiva dos comércios em relação à frequência nas regiões, estrutura física, categorias, público que mais frequenta e grupos de alimentos oferecidos nas diferentes categorias. As análises da oferta de AUP e AMP nas diferentes categorias de comércios e nas três regiões do município de Santos, bem como a análise das médias das distâncias dos estabelecimentos em relação às escolas investigadas, foram realizadas por meio do teste estatístico não paramétrico de Kruskal-Wallis. O teste post-hoc de Tukey foi realizado quando havia pelo menos uma diferença estatisticamente significativa entre as médias das variáveis. A análise da distância dos estabelecimentos com maior ou menor predominância de AUP em relação às escolas foi realizada pelo teste estatístico não paramétrico de Mann-Whitney. Utilizou-se nível de significância de 5%.

Para a avaliação do grau de aglomeração dos estabelecimentos nos perímetros das escolas, foram elaborados mapas de distribuição espacial dos pontos coletados via GPS, utilizando-se o mapa de densidade de Kernel. Nessa análise, as cores mais fortes (escuras) representam maior aglomeração de pontos em relação ao centroide (escola) do buffer.

O banco de dados foi elaborado no software Epi-Info versão 3.4, e as análises estatísticas, no Statistical Package for the Social Sciences versão 16. Para a modelagem do sistema de informações geográficas e análises espaciais, foram utilizados os softwares Terraview 3.1.4 e Arcview 9.2.

Resultados

A amostra do estudo foi composta por 82 comércios nos arredores de três escolas públicas de ensino infantil e fundamental. Esses pontos de vendas de alimentos estavam presentes em três regiões avaliadas na pesquisa, sendo observado maior percentual de estabelecimentos na região 3 (51,2%) – a qual representa a região central do município – que nas demais regiões (região 1 = 18,3%; região 2 = 30,5%). Em relação às características físicas dos comércios, verificou-se que a maior parte deles era ambiente fechado (81,7%) e se localizava em pontos isolados (72%) e fixos (85,4%). O público de maior frequência era composto por adultos (78%) e idosos (37,8%), enquanto as crianças com e sem responsáveis e os adolescentes com e sem responsáveis representaram, respectivamente, 8,5, 13,4, 8,5 e 13,4% do público. Quanto às categorias de comércios avaliadas existentes nas três regiões, destacaram-se as bancas de alimentos in natura (30,5%), as padarias (15,9%) e os açougues, avícolas e peixarias (14,6%). Já as categorias armazém de doces (6,1%), comércio varejista de alimentos (9,8%), mercearia/empórios (9,8%), supermercados (6,1%), casas de massas (1,2%), minibombonieres (0%), lojas de conveniência (2,4%) e sacolões (3,7%) se apresentaram em menor número nos perímetros avaliados.

Os grupos de alimentos que compuseram o questionário estão distribuídos em relação aos diferentes tipos de comércios na Tabela 1. Os comércios tipo 1 (açougue, avícolas e peixarias) apresentaram maior disponibilidade dos grupos: carnes não processadas, carnes processadas, enlatados e ovos. Já os do tipo 2 (armazém de doces, casa de massas frescas, comércio varejista de alimentos diversos, minibombonieres, lojas de conveniência) ofertaram em maior parte os grupos: bebidas, biscoitos com e sem recheio, salgadinhos tipo chips e doces. Em contrapartida, os grupos mais predominantes nos comércios tipo 3 (banca de alimentos in natura, sacolão) foram: frutas, raízes e tubérculos, hortaliças, cereais farináceos, ovos e outros alimentos. Por serem os do tipo 4 comércios varejistas de alimentos diversos, mercearias/empórios, padarias e supermercados, verificou-se que estes ofereceram grande parte dos grupos de alimentos, porém houve destaque para alimentos dos grupos: bebidas, biscoitos com e sem recheio, cereais farináceos, doces, enlatados.

A fim de avaliar o grau de processamento dos alimentos existentes nos estabelecimentos classificados como comércios, foram contabilizados todos os AUP e os AMP para verificar qual o grupo que se encontrava mais presente e avaliar a disponibilidade desses alimentos nas regiões próximas às escolas.

Em relação aos tipos principais de comércios avaliados, observou-se que estes diferem significativamente (p < 0,001) quanto à oferta de AUP e AMP (Tabela 2). Os comércios tipo 3 apresentaram maior oferta de AMP do que os do tipo 1 (p < 0,05), 2 (p < 0,001) e 4 (p < 0,001), uma vez que estes eram compostos por bancas de alimentos in natura e sacolões. Já os AUP estiveram mais presentes no tipo comércio 4 (p < 0,001), ou seja, nos comércios varejistas de alimentos diversos, mercearia/empório, padaria e supermercados; e em todos os comércios do tipo 2.

Ao avaliar a distribuição desses alimentos nas três regiões do município, verificou-se que a região 3, apesar de apresentar o menor nível socioeconômico, apresentou disponibilidade de AMP significativamente maior (p < 0,01) quando comparada com a região 2, de maior nível socioeconômico. Tal resultado deveu-se à existência de um mercado municipal que contava com um grande número de bancas de alimentos in natura. Em relação aos AUP, observou-se que estes foram encontrados em maior frequência (p < 0,01) na região 2. A região 1 também apresentou frequência importante de AUP (p = 0,052), quando comparados aos AMP.

Para avaliar o acesso dos escolares aos pontos de vendas de alimentos, foram aferidas as distâncias destes em relação às escolas selecionadas. Observou-se que os estabelecimentos de alimentos localizados na região 3 estavam significativamente mais distantes da escola que aqueles presentes na região 1 (p < 0,001) e na região 2 (p < 0,05) (Tabela 3). Além disso, os pontos de vendas que ofertavam, em sua maioria, AUP estavam significativamente mais próximos das escolas (p < 0,01) do que aqueles que ofertavam maioria de alimentos com menor grau de processamento.

Apesar de os buffers ao redor das escolas apresentarem um raio de 500 metros, verificou-se que alguns estabelecimentos estavam mais distantes, provavelmente por conta de certo grau de imprecisão do instrumento de coleta (Tabela 3).

Em relação à intensidade dos estabelecimentos ao redor das escolas localizadas na região 1 e na região 3 do município de Santos, notou-se que, apesar de a segunda dispor de um maior número de estabelecimentos que ofertavam AMP, estes estavam pouco concentrados ao redor da escola (Figura 1). Já na região 1 e na região 2, apesar de haver maior concentração dos estabelecimentos ao redor das escolas, pôde-se observar que o grau de aglomeração foi maior para o grupo dos AUP em relação aos minimamente processados.


Discussão

Observou-se um número maior de comércios na região central do município (região 3) de Santos quando comparada às regiões 1 e 2, fato este que pode ser explicado pela importância comercial da região. Apesar de existir maior oferta de AMP na região 3, devido à existência de um mercado municipal, pôde-se perceber que estes estavam menos aglomerados ao redor da escola que os AUP. Já nas regiões 1 e 2, observou-se maior concentração de comércios que ofertavam a maioria de seus alimentos classificados como ultraprocessados mais próximos e ao redor da escola.

Apesar de o custo dos alimentos ser importante barreira para o consumo alimentar, a localização dos estabelecimentos pode impedir os indivíduos de terem uma alimentação saudável19. Essa análise condiz com o observado no presente estudo, uma vez que constatou-se diferente percentual de comércios que ofertavam mais ou menos AUP nas três regiões avaliadas.

A maioria das pesquisas sobre a obesidade infantil tem focado na investigação do ambiente escolar, avaliando a disponibilidade de alimentos nas cantinas e nas refeições da alimentação escolar. No entanto, deve-se considerar a exposição dos estudantes ao ambiente alimentar ao redor das escolas durante os períodos de chegada e saída, pois muitas crianças se dirigem até elas a pé ou de bicicleta20.

Um estudo que avaliou a oferta de opções de lanches em lojas de esquina localizadas ao redor de três escolas públicas da Filadélfia verificou que a maioria (mais de 95%) era composta por alimentos altamente processados e diferiam bastante entre as regiões investigadas. Os autores apontam como fatores importantes para essa diferença as preferências dos consumidores locais – que podem diferir de uma área para outra – e prioridades comerciais das indústrias alimentícias, as quais se localizam estrategicamente em certas regiões21. Resultado semelhante fora observado em Chicago, onde se evidenciou grande concentração de restaurantes do tipo fast food em áreas muito próximas às escolas, com 78% delas apresentando pelo menos um estabelecimento desse tipo a uma distância de 800 metros22.

Apesar de a maioria dos estabelecimentos avaliados neste estudo apresentar estrutura física fixa, aproximadamente 15% dos comércios investigados eram vendas móveis. O estudo que avaliou o número desse tipo de estabelecimento ao redor de escolas primárias e secundárias em Oakland verificou a presença de aproximadamente cinco vendedores (vendas móveis) ao redor de cada escola, que ofertavam alimentos como sorvetes, frutas e hortaliças, raspadinha, tacos, cachorro-quente, churros e milho torrado20. A investigação desse tipo de ponto de venda torna-se importante, uma vez que esses geralmente se concentram muito próximos às escolas, além de ofertarem, em sua maioria, alimentos com elevada densidade energética e pobres em nutrientes.

Um estudo realizado nos arredores de 10 escolas da Filadélfia avaliou a contribuição das compras em lojas de esquina na ingestão de energia entre crianças da 4ª à 6ª série. Os resultados mostraram que as crianças que participaram do estudo adquiriam, em média, 356 kcal por compra, podendo chegar a 712 kcal/dia e 3.560 kcal/semana para as crianças que compravam duas vezes ao dia, durante 5 dias da semana, nesses locais. Os alimentos mais populares eram os de baixo custo, altamente energéticos e com baixo valor nutritivo23.

As principais limitações no presente estudo referem-se à avaliação de apenas três perímetros escolares – devido, entre outros fatores, a algumas adaptações que tiveram que ser realizadas no instrumento utilizado durante a coleta de campo – e à classificação dos comércios baseada na predominância dos alimentos classificados como ultraprocessados ou minimamente processados, apesar de muitas vezes existirem os dois grupos no local. Além disso, é possível que o número de estabelecimentos com estrutura física móvel esteja subestimado, pois nem sempre se conseguiu coletar os dados nos horários de entrada e saída das crianças das escolas, quando a concentração desse tipo de comércio é maior.

Os dados existentes neste trabalho evidenciam que as crianças que frequentam as três escolas públicas avaliadas estão expostas a um ambiente que incentiva o consumo de alimentos altamente processados por meio de um acesso facilitado nos comércios investigados.

Tal fato demonstra a importância do desenvolvimento de intervenções dirigidas diretamente às crianças por meio de educação nutricional nas escolas; do incentivo aos proprietários dos estabelecimentos à oferta de itens alimentares mais saudáveis; e de políticas governamentais que promovam a instalação de estabelecimentos que ofereçam alimentos mais saudáveis nas vizinhanças das escolas.

Agradecimentos

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), pelo financiamento do estudo (processos nº 2009/01393-0 e nº 2009/01361-1), e aos responsáveis pelos estabelecimentos de venda de alimentos avaliados.

Artigo submetido em 28.02.12, aceito em 02.05.12

Apoio financeiro: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), processos nº 2009/01393-0 e nº 2009/01361-1.

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.

Como citar este artigo: Leite FH, de Oliveira MA, Cremm EC, de Abreu DS, Maron LR, Martins PA. Availability of processed foods in the perimeter of public schools in urban areas. J Pediatr (Rio J). 2012;88(4):328-34.

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  • Correspondência:

    Paula Andrea Martins
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Set 2012
    • Data do Fascículo
      Ago 2012

    Histórico

    • Recebido
      28 Fev 2012
    • Aceito
      02 Maio 2012
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