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Aspectos epidemiológicos da tuberculose em crianças e adolescentes no Rio de Janeiro

Resumos

OBJETIVO: Descrever os aspectos epidemiológicos da tuberculose infantil (TB) em hospital de referência. MÉTODOS: Estudo retrospectivo (1999-2008) de 473 indivíduos (0-14 anos) com TB confirmada, ou com melhora clínica até o quarto mês de tratamento sob os cuidados da unidade, incluindo a revisão dos prontuários médicos, fichas de acompanhamento clínico de TB e fichas de notificação da unidade de TB do hospital. RESULTADOS: Dentre os 473 casos de TB incluídos no estudo, 52% apresentou reatividade à prova tuberculínica, 66% história de contato com paciente com tuberculose pulmonar, principalmente intradomiciliar, sendo o pai/padrasto o familiar mais envolvido; TB disseminada em 22%. O resultado do teste de HIV foi obtido em 265 casos (56%), sendo positivo em 45 (17%). O diagnóstico de TB foi confirmado em 31% dos casos, mais frequentemente em crianças com idade acima de 5 anos, com prova tuberculínica negativa, e nas formas disseminadas. Das 65 culturas positivas para a TB realizadas no estudo, o teste da sensibilidade às drogas anti-TB foi obtido em 30 casos (46%), entre os quais 10 (33%) eram resistentes a um ou mais fármacos anti-TB, e 2 (0,8%) eram multirresistentes. Entre os pacientes com tuberculose pulmonar confirmada, 31% não preencheram os critérios para iniciar o tratamento com anti-TB de acordo com pontuação do Ministério da Saúde (< 25 pontos). CONCLUSÃO: A elevada percentagem de TB resistente à fármacos e a co-infecção com HIV identificados neste estudo enfatiza a necessidade de realizar estudos adicionais para avaliar tal impacto nas atividades de controle da TB infantil.

Tuberculose-diagnóstico; epidemiologia; tuberculose-infantil


OBJECTIVE: To describe the epidemiological aspects of childhood tuberculosis (TB) in a Brazilian reference hospital. METHODS: This was a retrospective study (1999-2008) of 473 subjects (0-14 year olds) with confirmed TB, or with clinical improvement by the fourth month of treatment under the unit's care, including the review of medical records, monitoring reports and notifications by the TB unit. RESULTS: Among 473 TB cases included in the study, positive tuberculin skin test was observed in 52%, history of contact with a patient with pulmonary tuberculosis in 66%, mostly intra-household, and with the father/stepfather most commonly involved; and disseminated TB in 22%. The result of HIV testing was obtained in 265 (56%) cases, being positive in 45 (17%). The diagnosis of TB was confirmed in 31% of cases, most frequently in children older than 5 years, with negative tuberculin skin test, and in disseminated forms. Of the 65 cultures positive for TB performed in the study, drug sensitivity testing to anti-TB drugs was done in 30 (46%) clinical samples, among which 10 (33%) were resistant to one or more anti-TB drugs, and 2 (0.8%) were multi-drug-resistant. Among patients with confirmed pulmonary TB, 31% did not meet the criteria for starting anti-TB treatment according to the scores of the Ministry of Health (< 25 points). CONCLUSION: The high proportion of drug-resistant TB and co-infection with HIV identified in this study highlight the necessity to carry out additional studies in order to evaluate the impact of TB control activities on childhood TB.

Tuberculosis-diagnosis; epidemiology; tuberculosis-child


ARTIGO ORIGINAL

Aspectos epidemiológicos da tuberculose em crianças e adolescentes no Rio de Janeiro

Thaise Pereira MatosI; Afrânio Lineu KritskiII; Antônio Ruffino NettoIII

IMestranda. Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ

IIProfessor titular. Faculdade de Medicina, UFRJ, Rio de Janeiro, RJ

IIIProfessor titular. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP

Correspondência Correspondência: Thaise Pereira Matos Rua Cabo Roberto Mothé, 81, Ilha do Governador CEP 21941-430 - Rio de Janeiro, RJ E-mail: thaise.silva@ig.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Descrever os aspectos epidemiológicos da tuberculose infantil (TB) em hospital de referência.

MÉTODOS: Estudo retrospectivo (1999-2008) de 473 indivíduos (0-14 anos) com TB confirmada, ou com melhora clínica até o quarto mês de tratamento sob os cuidados da unidade, incluindo a revisão dos prontuários médicos, fichas de acompanhamento clínico de TB e fichas de notificação da unidade de TB do hospital.

RESULTADOS: Dentre os 473 casos de TB incluídos no estudo, 52% apresentou reatividade à prova tuberculínica, 66% história de contato com paciente com tuberculose pulmonar, principalmente intradomiciliar, sendo o pai/padrasto o familiar mais envolvido; TB disseminada em 22%. O resultado do teste de HIV foi obtido em 265 casos (56%), sendo positivo em 45 (17%). O diagnóstico de TB foi confirmado em 31% dos casos, mais frequentemente em crianças com idade acima de 5 anos, com prova tuberculínica negativa, e nas formas disseminadas. Das 65 culturas positivas para a TB realizadas no estudo, o teste da sensibilidade às drogas anti-TB foi obtido em 30 casos (46%), entre os quais 10 (33%) eram resistentes a um ou mais fármacos anti-TB, e 2 (0,8%) eram multirresistentes. Entre os pacientes com tuberculose pulmonar confirmada, 31% não preencheram os critérios para iniciar o tratamento com anti-TB de acordo com pontuação do Ministério da Saúde (< 25 pontos).

CONCLUSÃO: A elevada percentagem de TB resistente à fármacos e a co-infecção com HIV identificados neste estudo enfatiza a necessidade de realizar estudos adicionais para avaliar tal impacto nas atividades de controle da TB infantil.

Palavras-chave: Tuberculose-diagnóstico, epidemiologia, tuberculose-infantil.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To describe the epidemiological aspects of childhood tuberculosis (TB) in a Brazilian reference hospital.

METHODS: This was a retrospective study (1999-2008) of 473 subjects (0-14 year olds) with confirmed TB, or with clinical improvement by the fourth month of treatment under the unit's care, including the review of medical records, monitoring reports and notifications by the TB unit.

RESULTS: Among 473 TB cases included in the study, positive tuberculin skin test was observed in 52%, history of contact with a patient with pulmonary tuberculosis in 66%, mostly intra-household, and with the father/stepfather most commonly involved; and disseminated TB in 22%. The result of HIV testing was obtained in 265 (56%) cases, being positive in 45 (17%). The diagnosis of TB was confirmed in 31% of cases, most frequently in children older than 5 years, with negative tuberculin skin test, and in disseminated forms. Of the 65 cultures positive for TB performed in the study, drug sensitivity testing to anti-TB drugs was done in 30 (46%) clinical samples, among which 10 (33%) were resistant to one or more anti-TB drugs, and 2 (0.8%) were multi-drug-resistant. Among patients with confirmed pulmonary TB, 31% did not meet the criteria for starting anti-TB treatment according to the scores of the Ministry of Health (< 25 points).

CONCLUSION: The high proportion of drug-resistant TB and co-infection with HIV identified in this study highlight the necessity to carry out additional studies in order to evaluate the impact of TB control activities on childhood TB.

Keywords: Tuberculosis-diagnosis, epidemiology, tuberculosis-child.

Introdução

A tuberculose (TB) é importante causa de morbimortalidade infantil no mundo. Segundo a Organização Mundial de Saúde, o percentual estimado de TB em menores de 15 anos de idade varia de 3 a 25% em diferentes nações1. Corbett et al.2 estimaram que, no ano 2000, tenha havido 23.520 casos de TB em crianças de 0 a 14 anos de idade no Brasil, representando 20% do total de casos, enquanto Sant'Anna et al.3 estimam 15% para o mesmo período. Em estudos locais, observou-se o acometimento por TB nessa faixa etária de 5% em unidade de Ribeirão Preto4, 6,7% na cidade do Rio de Janeiro5, 9% em unidade de Salvador6 e 13,3% no Vale do Paraíba7.

O diagnóstico da TB infantil comumente baseado em critérios clínicos permanece um desafio. Até o momento, não foi incorporada à prática clínica as novas abordagens diagnósticas (testes moleculares ou cultura em meio líquido) que têm sido utilizadas na avaliação da TB entre adultos, devido à grande variabilidade da acurácia e baixa positividade naquele grupo8. Em 2002, o Ministério da Saúde (MS) incluiu no Manual de Recomendações para Controle da Tuberculose um sistema de pontuação com o objetivo de auxiliar o diagnóstico da TB pulmonar em crianças com baciloscopia negativa nos serviços de baixa complexidade, especialmente em nível ambulatorial3, que foi atualizado em 20108. Variáveis consideradas relevantes receberam pontos individuais que, somados, classificam da seguinte forma os pacientes suspeitos: diagnóstico muito provável de TB (> 40 pontos), permitindo o início do tratamento anti-TB; diagnóstico possível (30 a 35 pontos), em que o tratamento pode ser iniciado a critério clínico; diagnóstico pouco provável (< 25 pontos), devendo a criança suspeita continuar sob investigação clínica8. Esse escore clínico foi avaliado em alguns estudos com sensibilidade variando de 89 a 99%, e especificidade de 70 a 87%6,9,10.

Nessa faixa etária, a infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) é fator complicador para o diagnóstico da TB. Crianças portadoras do vírus são mais sujeitas à exposição ao bacilo Mycobacterium tuberculosis em nível intradomiciliar, ao desenvolvimento de formas clínicas mais graves, à não reatividade à prova tuberculínica, ao baixo peso, além da possibilidade de associação a demais comorbidades pulmonares, como bronquiectasias ou pneumonias11,12. No que tange à coinfecção TB com o HIV na infância, Oliveira et al.5 encontraram associação em 4,1% dos casos.

Estudos epidemiológicos sobre TB em crianças e adolescentes são escassos, o que prejudica a identificação e o monitoramento de intervenções mais adequadas ao controle da epidemia. O objetivo do presente estudo é descrever as características epidemiológicas das crianças com TB atendidas em hospital pediátrico de referência no Rio de Janeiro, estado de maior incidência de TB em nível nacional.

Métodos

Este trabalho, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil da Prefeitura do Rio de Janeiro, consiste em um estudo epidemiológico, descritivo, com levantamento de dados de janeiro de 1999 a dezembro de 2008. As fontes de dados abrangem prontuários médicos, fichas de acompanhamento clínico de TB do Serviço de Pneumologia Pediátrica e fichas de notificação de TB do hospital. No período, foram acompanhados 530 casos de TB, sendo incluídos no estudo 473 casos. Os pacientes excluídos foram os seguintes: (a) sem diagnóstico confirmado ou sem melhora clínica até o quarto mês do tratamento anti-TB (n = 33); (b) com mudança de diagnóstico (n = 15); (c) dos quais não foi possível recuperar as informações dos prontuários (n = 8); (d) com reinício de tratamento após abandono, cujo diagnóstico inicial de TB se encontrava fora do período do estudo (n = 1).

Em ficha específica, foram coletadas as seguintes variáveis: idade, sexo, cidade de residência, peso, situação da vacina contra a tuberculose (BCG), história de contato com paciente portador de TB pulmonar bacilífera, resultado de prova tuberculínica, exames realizados, sorologia anti-HIV, apresentação clínica, início dos sintomas, busca pelo atendimento em serviço de saúde, início de tratamento, hospitalização, complicações e desfecho. As análises foram realizadas no Statistical Package for the Social Sciences versão 13.0 para Windows. Utilizou-se o percentil e o teste do qui-quadrado com nível de significância < 0,05 para comparação entre variáveis.

O diagnóstico clínico da TB foi realizado pela equipe médica baseado na avaliação clínica do paciente suspeito, aliado a dados epidemiológicos, à interpretação da prova tuberculínica e aos achados radiológicos. O presente estudo considerou os casos em que houve ausência da confirmação etiológica, porém o paciente apresentou melhora clínica (ganho de peso e remissão dos sintomas) e/ou melhora radiológica (resolução completa da lesão inicial) até o quarto mês de tratamento específico anti-TB.

Considerou-se TB confirmada quando se obteve, em amostras clínicas, presença de bacilos álcool-ácido resistentes, crescimento de M. tuberculosis em cultura e/ou laudo histopatológico com processo granulomatoso típico. Os casos de TB miliar, meningite tuberculosa e TB acometendo dois ou mais sítios simultaneamente (excluindo associação de TB pulmonar e pleural) foram considerados como TB disseminada. A prova tuberculínica foi considerada positiva se > 10 mm em vacinados com o BCG com até 2 anos de idade e se > 5 mm nos demais indivíduos.

O escore do MS foi aplicado retrospectivamente, segundo o Manual de Normas para Tuberculose de 20108, em todos os pacientes com identificação de foco pulmonar, isolado ou não.

O estudo foi realizado no Hospital Municipal Jesus, unidade exclusivamente pediátrica de referência na cidade do Rio de Janeiro. O hospital possui internação hospitalar em enfermaria, terapia intensiva e semi-intensiva, centro cirúrgico, serviço de patologia, laboratório e atendimento ambulatorial. Tem capacidade média de 120 leitos para internação e realiza cerca de 90.000 consultas por ano. Recebe pacientes provenientes da cidade-sede e municípios vizinhos de demanda espontânea, transferidos de outras unidades de saúde ou referenciados da rede básica para internação hospitalar ou parecer especializado. Dispõe de diversas subespecialidades pediátricas, dentre as quais pneumopediatria, infectologia (com serviço de referência para a infecção por HIV), ortopedia pediátrica e cirurgia pediátrica.

Resultados

O total de 473 sujeitos incluídos corresponde a 16% dos casos de TB em pacientes de 0 a 14 anos notificados no município do Rio de Janeiro no período do estudo. Residiam na cidade-sede, 68% dos casos. A Figura 1 apresenta a distribuição dos casos no período do estudo. Houve queda progressiva na ocorrência dos casos de TB no período compreendido entre 2001 e 2004.

Segundo o critério faixa etária, a TB ocorreu: < de 1 ano em 13% (63 casos); de 1 a 4 anos em 40% (191 casos); de 5 a 9 anos em 31% (145 casos); e de 10 a 14 anos em 16% (74 casos). Observou-se sexo masculino em 55% e peso abaixo de percentil 10 em 45% dos casos.


A vacinação com BCG foi encontrada em 99%, e a prova tuberculínica foi positiva em 52% dos casos. A história de contato com paciente portador de TB pulmonar bacilífera esteve presente em 66%, em sua maioria intradomiciliar, sendo o pai/padrasto o familiar mais implicado.

O diagnóstico de TB disseminada (TB miliar, meningite tuberculosa ou TB acometendo dois ou mais sítios simultaneamente) foi identificado em 22% (104 casos) em proporções semelhantes nas diferentes faixas etárias. O comprometimento pulmonar esteve presente em 66% dos casos, seguido pelas formas clínicas ganglionar e óssea, respectivamente, em ordem de frequência.

Das 65 culturas positivas para TB obtidas no estudo, o antibiograma foi realizado em 46%, dentre as quais um terço apresentou resistência a um ou mais fármacos anti-TB. A resistência simultânea a rifampicina e isoniazida (multidroga resistente) ocorreu em 0,8% dos casos. Nos exames realizados, foi observada a seguinte positividade: 24% das culturas de lavado broncoalveolar, 28% das baciloscopias, 35% das culturas de lavado gástrico, 63% de lesões endobrônquicas entre as broncoscopias flexíveis realizadas e 83% de alterações histopatológicas compatíveis com TB.

A coinfecção com o HIV foi identificada em 17% dos casos. O resultado do exame anti-HIV foi obtido em 56% dos casos.

Na Tabela 1, são comparados aspectos epidemiológicos, laboratoriais e o resultado do tratamento anti-TB entre os pacientes com diagnóstico confirmado e aqueles com diagnóstico clínico. A TB confirmada foi mais frequente nas crianças com idade superior a 5 anos e significativamente maior (p < 0,05) nos portadores de prova tuberculínica negativa (p = 0,02) e de formas disseminadas (p = 0,009). O diagnóstico da TB foi confirmado em 31% dos casos, e dos pacientes com TB confirmada e comprometimento pulmonar, 31% não preenchiam critérios para início de tratamento pelo escore do MS (< 25 pontos).

Na Tabela 2, são comparados os aspectos epidemiológicos, laboratoriais e o resultado do tratamento entre pacientes infectados e não infectados por HIV. Pacientes sabidamente infectados pelo HIV apresentaram menor conclusão do tratamento anti-TB, bem como significativamente mais baixo peso (percentil < 10, p = 0,013), além de menor positividade à prova tuberculínica (p = 0,000).

A hospitalização ocorreu em 70% dos casos, sendo em 63% destes com duração superior a 15 dias. Complicações durante o tratamento anti-TB foram identificadas em 12% dos casos, sendo um terço desta em pacientes soropositivos para HIV.

Em relação ao resultado do tratamento anti-TB, foi observada conclusão em 83%, óbito em 2,5% (em sua maioria HIV positivos) e abandono em 12% (mais frequente em torno do segundo mês do tratamento).

Discussão

O número de casos de TB acompanhados nessa unidade sofreu queda progressiva no período compreendido entre 2001 e 2004, mantendo-se a partir de então estável. Um dos fatores associados a esse quadro foi a publicação pelo MS, em 2001, do escore de pontuação para TB infantil com baciloscopia negativa, incluído oficialmente nas normas de manejo da TB nacional no ano de 2002, o qual viabilizou a realização do diagnóstico de probabilidade em unidades de baixa e média complexidade.

Houve discreto predomínio do sexo masculino, similar ao descrito na literatura6,13,14. História epidemiológica positiva de contato com paciente bacilífero foi observada em 66% dos casos, ratificando a relevância do controle de contatos na prevenção da disseminação dessa enfermidade.

A cobertura vacinal foi alta; entretanto, ainda foi identificada maior morbidade em pacientes menores de 5 anos. Pacientes com idade inferior a 5 anos apresentaram maior frequência de formas disseminadas e de não conclusão do tratamento, em decorrência principalmente do abandono. Oliveira et al.15 referem aparente vulnerabilidade para o abandono do tratamento anti-TB em crianças menores de 1 ano de idade, associada à história prévia de abandono do tratamento, pai ausente e/ou usuário de drogas.

A coinfecção com HIV, neste estudo, mostrou-se elevada (17%), provavelmente em decorrência da existência de um serviço de referência pediátrico para acompanhamento da infecção por HIV na unidade. Os pacientes soropositivos apresentaram em sua maioria, peso abaixo do percentil 10, menor positividade à prova tuberculínica e tendência à não conclusão do tratamento específico para TB, quadro compatível com a literatura11,12.

A confirmação etiológica ocorreu majoritariamente em crianças com idade superior a 5 anos, com prova tuberculínica negativa e na forma de TB disseminada. Em crianças acima de 5 anos a obtenção espontânea de material pulmonar para exame é mais fácil, favorecendo o diagnóstico8. A TB disseminada caracteriza-se, na maioria dos casos, por diversos focos fornecedores potenciais de material para análise laboratorial, facilitando a identificação do bacilo.

A resistência a um ou mais fármacos observada em 33% dos pacientes com antibiograma realizado é preocupante. Segundo Kritski16, a TB multirresistente está associada à elevada taxa de mortalidade, principalmente em crianças e indivíduos infectados por HIV. Urge realizar inquéritos de resistência aos fármacos anti-TB em crianças e adolescentes para confirmar ou não esses resultados observados numa unidade hospitalar de referência.

Observou-se que 31% dos casos confirmados de TB pulmonar não preenchiam critérios para início de tratamento segundo o escore do MS, tendo-se utilizado o mesmo ponto de corte de outros estudos (< 25 pontos)6,9,10. Esse cenário aponta para a importância de se avaliar a necessidade de dar prosseguimento à investigação clínica em unidades de maior complexidade nos pacientes suspeitos de TB pulmonar que obtiverem < 25 pontos, pois a proposta do escore é auxiliar, em nível ambulatorial, o diagnóstico de crianças com baciloscopia negativa3,8. Segundo Coelho Filho et al.6, se todos os pacientes com escore > 25 pontos iniciarem tratamento anti-TB, pelo menos 30% destes serão portadores de outras enfermidades que não TB. Impõe-se a necessidade de novos estudos a fim de confirmar ou não os dados observados.

Apesar de o estudo ter sido realizado em uma unidade de nível terciário e, portanto, receber casos mais complexos, que requerem maior investigação clínica, a taxa de internação observada (70%) é preocupante. Nos diagnósticos estabelecidos em ambiente hospitalar, foi observada hospitalização superior a 15 dias em mais da metade dos casos. Esse quadro colabora para a elevação dos custos da TB para o Sistema Único de Saúde. É fundamental o diagnóstico precoce da TB e o adequado acompanhamento ambulatorial para a reversão desse quadro.

Os dados foram obtidos em unidade pediátrica de referência, o que não permite, a princípio, inferência para o universo de todos os pacientes com TB infantil atendidos no município do Rio de Janeiro. Dados de estudos retrospectivos são discutíveis; contudo, foi possível evidenciar a qualidade das informações dos prontuários no decorrer dos anos.

A TB em crianças e adolescentes tem sido negligenciada historicamente. No entanto, esse panorama vem sendo revertido nos últimos anos com o aumento de publicações e pesquisas em desenvolvimento sobre o tema. O diagnóstico continua sendo um ponto sensível no manejo desse grupo. Dessa maneira, estudos prospectivos devem ser conduzidos nessa população, a fim de aperfeiçoar o desenvolvimento e aprimoramento de novos escores clínicos, aliados à avaliação do impacto clínico e para o sistema de saúde de tais escores ou demais métodos diagnósticos. A coinfecção com HIV é fator confundidor e área também carente de estudos para avaliar a real repercussão decorrente da TB nesse grupo em diferentes cenários epidemiológicos.

Agradecimentos

Os autores agradecem aos funcionários e residentes do Hospital Municipal Jesus.

Artigo submetido em 12.08.2011, aceito em 10.04.2012.

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.

Como citar este artigo: Matos TP, Kritski AL, Ruffino Netto A. Epidemiological aspects of tuberculosis in children and adolescents in Rio de Janeiro. J Pediatr (Rio J). 2012;88(4):335-40.

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  • Correspondência:

    Thaise Pereira Matos
    Rua Cabo Roberto Mothé, 81, Ilha do Governador
    CEP 21941-430 - Rio de Janeiro, RJ
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Set 2012
    • Data do Fascículo
      Ago 2012

    Histórico

    • Recebido
      12 Ago 2011
    • Aceito
      10 Abr 2012
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