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Frequência de chiado, características clínicas e tratamento em lactentes

Resumos

OBJETIVO: Estimar a frequência de história pregressa de chiado, descrevendo as características clínicas e formas de tratamento utilizadas. MÉTODOS: Coorte retrospectiva incluindo lactentes (6-23 meses de vida) com sintomas de infecção de vias aéreas superiores e relato de episódio prévio de chiado. Os dados foram registrados em questionário anteriormente validado. RESULTADOS: Dos 451 avaliados, 164 (36,4%; IC95% = 31,9-41,0) apresentaram história pregressa de chiado, 148 (32,8%; IC95% = 28,5-37,4) no primeiro ano de vida. A média de idade no primeiro episódio de chiado foi de 5,3±3,9 meses. Para quem começou a chiar no primeiro ano de vida, 38,5% referiram entre três e seis episódios e 14,2% > seis episódios. A média da idade no primeiro episódio foi menor para os que apresentaram > três episódios em comparação aos que apresentaram até dois episódios (3,2±2,7 versus 5,7±2,5 meses, p < 0,001). CONCLUSÃO: Um terço dos lactentes apresentou chiado no primeiro ano de vida. Quanto mais cedo ocorre o primeiro episódio, mais frequente é a recorrência do chiado.

Asma; sibilância; síndrome do bebê chiador; síndrome do lactente sibilante


OBJECTIVE: To estimate the frequency and describe the clinical characteristics and respective treatments of previous history of wheezing. METHODS: Infants aged 6-23 months with upper respiratory tract complaints and reporting previous wheezing were followed-up retrospectively. Data were registered on a validated standardized form. RESULTS: Out of 451 infants, 164 (36.4%; 95%CI: 31.9-41.0) had a report of prior history of wheezing, 148 (32.8%; 95%CI: 28.5-37.4) during the first year of life. The mean age at the first episode of wheezing was 5.3±3.9 months. Among those who had had their first episode before 12 months of age, 38.5% reported 3 to 6 episodes and 14.2% > 6 episodes. Mean age at first episode was lower for those with > 3 episodes in comparison with those with < 2 episodes (3.2±2.7 vs. 5.7±2.5 months, p < 0.001). CONCLUSION: One third of the infants reported wheezing during the first year of life. The earlier the first episode occurs, the more frequently wheezing recurs.

Asthma; wheezing; wheezy baby syndrome; wheezy infant syndrome


ARTIGO ORIGINAL

Frequência de chiado, características clínicas e tratamento em lactentes

Maiara Lanna BouzasI; Dirceu SoléII; Maria Regina A. CardosoIII; Eliana E. V. SilvaIV; Karen S. MirandaIV; Laíse R. NériIV; Patrícia F. C. SilvaIV; Ramon S. AmoedoV; Rômulo B. MenesesIV; Aldina BarralVI; Cristiana M. Nascimento-CarvalhoVII

IFisioterapeuta. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde, Faculdade de Medicina da Bahia, Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, BA

IIProfessor titular livre-docente, Disciplina de Alergia, Imunologia Clínica e Reumatologia, Departamento de Pediatria, Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, (UNIFESP-EPM), São Paulo, SP

IIIProfessora associada livre-docente, Departamento de Epidemiologia, Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP

IVGraduando (a) de Medicina, Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP), Salvador, BA

VGraduando de Medicina, UFBA, Salvador, BA

VIDoutora. Professora adjunta, Departamento de Anatomia Patológica e Medicina Legal, Faculdade de Medicina da Bahia, UFBA, Salvador, BA

VIIProfessora associada livre-docente, Departamento de Pediatria, Faculdade de Medicina da Bahia, UFBA, Salvador, BA

Correspondência Correspondência: Maiara Lanna Bouzas Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde, Faculdade de Medicina da Bahia, Universidade Federal da Bahia Largo do Terreiro de Jesus, s/n, Centro Histórico CEP 40025-010 - Salvador, BA Tel.: (71) 8895.2221 E-mail: maiara.lanna@gmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Estimar a frequência de história pregressa de chiado, descrevendo as características clínicas e formas de tratamento utilizadas.

MÉTODOS: Coorte retrospectiva incluindo lactentes (6-23 meses de vida) com sintomas de infecção de vias aéreas superiores e relato de episódio prévio de chiado. Os dados foram registrados em questionário anteriormente validado.

RESULTADOS: Dos 451 avaliados, 164 (36,4%; IC95% = 31,9-41,0) apresentaram história pregressa de chiado, 148 (32,8%; IC95% = 28,5-37,4) no primeiro ano de vida. A média de idade no primeiro episódio de chiado foi de 5,3±3,9 meses. Para quem começou a chiar no primeiro ano de vida, 38,5% referiram entre três e seis episódios e 14,2% > seis episódios. A média da idade no primeiro episódio foi menor para os que apresentaram > três episódios em comparação aos que apresentaram até dois episódios (3,2±2,7 versus 5,7±2,5 meses, p < 0,001).

CONCLUSÃO: Um terço dos lactentes apresentou chiado no primeiro ano de vida. Quanto mais cedo ocorre o primeiro episódio, mais frequente é a recorrência do chiado.

Palavras-chave: Asma, sibilância, síndrome do bebê chiador, síndrome do lactente sibilante.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To estimate the frequency and describe the clinical characteristics and respective treatments of previous history of wheezing.

METHODS: Infants aged 6-23 months with upper respiratory tract complaints and reporting previous wheezing were followed-up retrospectively. Data were registered on a validated standardized form.

RESULTS: Out of 451 infants, 164 (36.4%; 95%CI: 31.9-41.0) had a report of prior history of wheezing, 148 (32.8%; 95%CI: 28.5-37.4) during the first year of life. The mean age at the first episode of wheezing was 5.3±3.9 months. Among those who had had their first episode before 12 months of age, 38.5% reported 3 to 6 episodes and 14.2% > 6 episodes. Mean age at first episode was lower for those with > 3 episodes in comparison with those with < 2 episodes (3.2±2.7 vs. 5.7±2.5 months, p < 0.001).

CONCLUSION: One third of the infants reported wheezing during the first year of life. The earlier the first episode occurs, the more frequently wheezing recurs.

Keywords: Asthma, wheezing, wheezy baby syndrome, wheezy infant syndrome.

Introdução

O chiado recorrente em lactentes e o diagnóstico precoce de asma vêm desafiando a comunidade médica nos últimos tempos. Estudo internacional que utilizou instrumento padronizado e validado mostrou as diferenças de prevalência, gravidade e de diversas características dos episódios de chiado na infância entre diferentes regiões da América Latina e Europa1.

Segundo o Ministério da Saúde do Brasil, as doenças respiratórias são responsáveis por 35,7% de todas as hospitalizações de crianças menores de 1 ano de idade na Bahia, e o chiado é um dos sintomas que causa maior preocupação aos pais ou guardiões2. Geralmente, o primeiro episódio de chiado, sobretudo aqueles relacionados com formas recorrentes, ocorre no primeiro ano de vida, associado a infecção respiratória de vias aéreas superiores (IVAS)3.

Vários vírus respiratórios comuns podem desencadear sibilância recorrente, que pode impactar a infância mais tardiamente4. Os vírus mais comumente identificados no primeiro episódio de chiado em lactentes são o vírus sincicial respiratório e o rinovírus; menos frequentemente, parainfluenza, metapneumovírus, coronavírus, influenza, bocavírus e adenovírus também já foram reconhecidos nesse contexto5. Até o momento, as características de chiado recorrente em lactentes na cidade de Salvador (BA), são desconhecidas.

Foram objetivos deste estudo estimar a frequência de história pregressa de episódios de chiado em lactentes (6 a 23 meses de vida), descrever as características clínicas e as formas de tratamento utilizadas nesses episódios.

Casuística e métodos

Crianças com idade de 6 a 23 meses, que procuraram assistência no Pronto Atendimento do Centro Pediátrico Professor Hosannah de Oliveira (funcionamento durante a semana, das 7 às 19 horas), da Universidade Federal da Bahia (UFBA), na cidade de Salvador (BA), entre setembro de 2009 e junho de 2011, participaram dessa coorte retrospectiva. Foram incluídas as crianças que se apresentaram no horário das 8h às 17h com história de IVAS caracterizada por: febre, tosse, espirros, coriza ou obstrução nasal com duração inferior a 7 dias e relato de episódio prévio de chiado. Após consentimento, os pais ou responsáveis pelas crianças incluídas responderam o questionário do Estudio Internacional de Sibilancias en Lactantes (EISL), previamente validado para a cultura brasileira6. O questionário foi aplicado pela coordenadora (M.L.B.) e por seis estudantes de graduação em medicina.

Foram utilizadas as seguintes definições: chiado ocasional (até dois episódios), chiado recorrente (três ou mais episódios), chiado recorrente grave (mais de seis episódios)7 e chiado grave (atendimento em emergência, ou hospitalização, ou acordar à noite frequentemente, ou dificuldade para respirar durante o episódio de chiado)8. O banco de dados foi digitado no Epi-Info 6.04 e a análise realizada no SPSS 9.0. Foram extraídas as frequências das variáveis estudadas, com respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%); para a comparação entre variáveis com distribuição normal, empregou-se o teste t de Student, com cálculo da diferença entre as médias e respectivo IC95%. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Maternidade Climério de Oliveira da UFBA (número 067/2009).

Resultados

Das 451 crianças avaliadas, 164 (36,4%; IC95% = 31,9-41,0) tinham história pregressa de chiado, sendo que história de chiado no primeiro ano de vida foi referida por 148 (32,8%; IC95% = 28,5-37,4).

À entrada no estudo, a média da idade das crianças com chiado prévio foi de 15±5 meses (variação = 6 a 23,9 meses), sendo que 62 (37,8%) eram menores de 1 ano. Havia 98 (59,8%) meninos. A média de idade das crianças no primeiro episódio de chiado foi de 5,3±3,9 meses (mediana = 5 meses), sendo que esse primeiro episódio ocorreu antes dos 6 meses em 58,5% e no primeiro ano de vida em 90,2% (Tabela 1). A idade do primeiro episódio de chiado entre as que iniciaram os sintomas no primeiro ano de vida foi de 4,4±2,9 meses e de 3,2±2,7 meses entre aquelas que apresentavam chiado recorrente. Chiado recorrente foi relatado para 52,7% dos lactentes que iniciaram sintomas no primeiro ano de vida, sendo grave em 14,2% deles. Em relação ao grupo de estudo como um todo, os tratamentos mais utilizados nos episódios de chiado foram o broncodilatador (89,6%) e o corticóide oral (46,3%) (Tabela 2).

Os lactentes com chiado recorrente iniciaram mais precocemente os seus sintomas em comparação aos chiadores ocasionais (3,2±2,7 meses versus 5,7±2,5 meses, p < 0,001; diferença das médias = 2,5; IC95% = 1,7-3,4). Independentemente da idade em que o primeiro episódio de chiado ocorreu, houve relato de concomitância com IVAS para a maioria (82,2%). A Tabela 2 apresenta as frequências das características dos episódios de chiado para o grupo de lactentes que chiou pelo menos uma vez no primeiro ano de vida e para o grupo com chiado recorrente no primeiro ano de vida. Chiado grave foi detectado em 141 (86%) lactentes, sendo que a média de idade (meses) entre os pacientes com ou sem chiado grave foi de 5±4 e 7±4, respectivamente (p = 0,04; diferença das médias = 2; IC95% = 0,4-3,5).

Discussão

Chama atenção a precocidade com que as crianças estudadas apresentaram o primeiro episódio de chiado, sobretudo as com quadro recorrente (média = 3,2 meses), média de idade inferior às observadas por estudos realizados em cidades do Sul e Sudeste do Brasil, apesar de realizados em serviços públicos destinados à população mais carente9-11. Estudo holandês documentou média de idade de início da sibilância inferior (1,7±3,0 meses) e observou forte associação entre exposição à umidade na casa e os episódios de chiado12. Por outro lado, um estudo sobre asma na infância realizado na cidade de Salvador verificou não haver associação entre atopia e a maioria dos casos de asma nessa população3, sugerindo maior relação entre os episódios de chiado com IVAS e com doenças respiratórias do trato inferior13.

Considerando-se todas as crianças avaliadas, verificamos que 32,8% delas tiveram o primeiro episódio de chiado no primeiro ano de vida, resultado similar ao observado pelo EISL, ou seja, a prevalência de sibilância nos países em desenvolvimento é superior em comparação aos desenvolvidos8,12,13. Possivelmente, fatores ambientais e ecológicos locais possam ser os responsáveis por essas diferenças.

A prevalência de sibilância recorrente aqui observada (52,7%) foi inferior à de outros estudos realizados na Região Sudeste e na Região Sul do Brasil9,11. O mesmo ocorreu com relação à prevalência de sibilância recorrente grave9. A explicação para tais diferenças é muito complexa e multifatorial. Interações genéticas e ambientais, distintas para cada localidade, e capazes de modular as respostas das vias aéreas desde muito cedo até a vida adulta foram cogitadas8.

A concomitância entre episódios de chiado e IVAS foi elevada (82,2%), à semelhança de outros estudos, que apontam 85% como a frequência de etiologia viral nos episódios de chiado em lactentes4. Várias hipóteses tentam explicar essa relação. A primeira delas seria que a infecção viral pode afetar o desenvolvimento da resposta imunológica ou interferir no desenvolvimento pulmonar normal e na regulação do tônus do trato respiratório. A segunda seria que o vírus desencadearia a obstrução no trato respiratório em indivíduos que já apresentam alterações na função primária ou estrutural nas vias aéreas ou susceptibilidade em desenvolver uma resposta imunológica que predisponha à obstrução. A última sugestão seria que a resposta a diferentes vírus depende da história genética, da exposição a outros fatores ambientais e do nível de maturidade dos sistemas respiratório e imunológico14.

O tratamento da sibilância aguda tem sido realizado com a inalação de broncodilatadores beta-2 agonistas e de corticosteroide por via oral durante um período limitado de tempo15. Desse modo, a alta frequência de uso desses medicamentos na nossa amostra de lactentes não nos surpreende (89,6% receberam broncodilatadores e 46,3% corticosteroide oral)8,9. Os agentes beta-2 agonistas promovem alívio rápido dos sintomas, sobretudo a obstrução bronquial16. Dos corticosteroides, por sua ação anti-inflamatória potente, espera-se a reparação das sequelas decorrentes da infecção viral. Entretanto, vários estudos usando baixas e altas doses de corticosteroides inalados ou sistêmicos trazem resultados conflitantes, pois a maioria não conseguiu demonstrar reduções significantes dos sintomas, tempo de internação ou necessidade de ventilação mecânica17. Por outro lado, parcela muito pequena de pacientes recebeu os antagonistas de receptores de leucotrienos no manejo de sua sibilância, à semelhança do relatado por outros8. A não dispensação desse grupo de fármacos nos programas de atenção primária, aliada ao custo elevado dos mesmos, talvez seja a explicação para esse fato.

A frequência de chiado grave foi maior quanto mais precoce foi o início dos episódios, tendo sido o diagnóstico médico de asma infrequente (Tabela 2), à semelhança do que fora observado em outras cidades do Nordeste do Brasil8.

Nosso estudo apresenta algumas limitações: durante as 2 horas finais de cada dia, dentro do horário de funcionamento do serviço, não houve vigilância e recrutamento, o que pode ter ocasionado perdas. Aproximadamente 1/3 das crianças não tinha completado 1 ano de vida no momento do recrutamento, o que pode ter subestimado as frequências. No entanto, o treinamento da equipe de recrutamento foi intenso, com pré-requisito de graduação em andamento em curso na área da saúde, o que, aliado à compreensão adequada e memória preservada por parte das mães, já demonstradas6,9, apontam para resultados confiáveis.

Concluímos que a sibilância é sinal que ocorre precocemente e com prevalência elevada no município de Salvador, mas inferior à relatada por estudos realizados em outras cidades brasileiras. Porcentagem significativa desses pacientes é tratada com corticosteroide sistêmico, possivelmente justificada pela gravidade dos episódios.

Artigo submetido em 28.11.11, aceito em 27.01.12.

Apoio financeiro: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.

Como citar este artigo: Bouzas ML, Solé D, Cardoso MR, Silva EE, Miranda KS, Néri LR, et al. Wheezing in infants: frequency, clinical characteristics and treatment. J Pediatr (Rio J). 2012;88(4):361-5.

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  • Correspondência:

    Maiara Lanna Bouzas
    Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde, Faculdade de Medicina da Bahia, Universidade Federal da Bahia
    Largo do Terreiro de Jesus, s/n, Centro Histórico
    CEP 40025-010 - Salvador, BA
    Tel.: (71) 8895.2221
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Set 2012
    • Data do Fascículo
      Ago 2012

    Histórico

    • Recebido
      28 Nov 2011
    • Aceito
      27 Jan 2012
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