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Antibioticoterapia na diarreia aguda por Shigella: qual a melhor opção?

CARTA AO EDITOR

Antibioticoterapia na diarreia aguda por Shigella: qual a melhor opção?

Marina H. C. CarrariI; Soraia TahanII; Mauro B. MoraisIII

IMédica pediatra. Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo, SP

IIMédica. Doutora, Disciplina de Gastroenterologia Pediátrica, Departamento de Pediatria, UNIFESP, São Paulo, SP. Professora, Instituto de Pesquisa Unolab, Departamento de Ciências da Saúde, Centro Universitário Fundação e Instituto de Educação de Osasco (UNIFIEO), Osasco, SP

IIIProfessor associado, livre-docente e chefe, Disciplina de Gastroenterologia Pediátrica, Departamento de Pediatria, UNIFESP, São Paulo, SP

Senhor Editor,

Nunes et al.1 destacam a existência de 77,1% de resistência bacteriana das amostras de Shigella isoladas de crianças com diarreia aguda em Teresina, Piauí1.

As diretrizes internacionais e nacionais recomendam antibiótico como medida complementar no tratamento da criança com diarreia aguda com sangue nas fezes (disenteria presumivelmente causada por Shigella)2-4, respeitando os perfis de sensibilidade regionais aos antimicrobianos2,3. Porém, geralmente a prescrição dos antimicrobianos antecede o conhecimento do resultado da coprocultura e antibiograma de um determinado paciente. No Brasil, ainda, é preconizada a associação sulfametoxazol-trimetoprim como opção terapêutica para a diarreia causada por Shigella4.

A Organização Mundial da Saúde (OMS)2 recomenda a ciprofloxacina em qualquer faixa etária. Como opções, sugere outras fluoroquinolonas, e nos casos de multirresistência, a ceftriaxona. Azitromicina é uma alternativa em2. A Sociedade Europeia de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição (ESPGHAN)3 recomenda a azitromicina como primeira escolha. Como alternativas, as cefalosporina de terceira geração (ceftriaxona), o ácido nalidíxico e fluoroquinolonas. As fluoroquinolonas ficam reservadas para os maiores de 17 anos3. Tanto a OMS2 como a ESPGHAN3 não recomendam o emprego de sulfametoxazol-trimetoprim.

A Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde do Brasil4 recomenda sulfametoxazol-trimetoprim como primeira escolha nos casos graves de infecções por Shigella. A prescrição de quinolonas fica reservada aos casos de resistência bacteriana e é contraindicada em crianças e gestantes4.

Nesse contexto, decidimos realizar, em 2011, revisão no MEDLINE e no LILACS sobre a sensibilidade a sulfametoxazol-trimetoprim de amostras de Shigella isoladas no Brasil. Foram encontrados cinco artigos publicados entre 1995 e 20065-9, todos com antibiogramas realizados pelo método do disco.

A soma das amostras de Shigella desses artigos5-9 com as do artigo do Jornal de Pediatria1 totaliza 658. Destas, 86,6% (570/658) eram resistentes a sulfametoxazol-trimetoprim. A resistência a outros antimicrobianos foi como segue: 50,0% (330/658) para a ampicilina, 7,0% (47/658) para a ceftriaxona, 4,7% (22/465) para o ácido nalidíxico e 1,0% (6/552) para ciprofloxacina. Assim, considerando a sensibilidade in vitro, conclui-se que a associação sulfametoxazol-trimetoprim não deve ser usada no tratamento de infecções por Shigella. Portanto, cabe a questão: qual a melhor opção de antimicrobiano para as infecções por Shigella?

Considerando que as amostras de Shigella no Brasil não foram testadas para azitromicina, e cerca de 90% são resistentes a sulfametoxazol-trimetoprim, pode-se dizer que as melhores opções terapêuticas são o ácido nalidíxico [55 mg/kg/dia divididos em quatro doses via oral (VO)] e a ceftriaxona (50-100 mg/kg/dia intramuscular ou intravenoso por 3 a 5 dias). A OMS indica o uso da ciprofloxacina em substituição ao ácido nalidíxico devido ao baixo custo (quebra da patente), facilidade de administração (duas doses VO ao invés de quatro), ausência de artropatias induzida por quinolonas observada em animais mas não em humanos, e porque cepas de Shigella resistentes ao ácido nalidíxico podem apresentar resistência cruzada à ciprofloxacina e outras quinolonas, nas áreas onde o ácido nalidíxico é usado como primeira escolha. Entretanto, a ciprofloxacina não é liberada com essa indicação para uso pediátrico no Brasil.

Em nossa experiência, especialmente nos casos hospitalizados por disenteria aguda, há alguns anos utilizamos a ceftriaxona.

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação desta carta.

  • 1. Nunes MR, Magalhães PP, Penna FJ, Nunes JM, Mendes EN. Diarrhea associated with Shigella in children and susceptibility to antimicrobials. J Pediatr (Rio J). 2012;88:125-8.
  • 2. World Health Organization. Guidelines for the control of shigellosis, including epidemics due to Shigella dysenteriae 1. Geneva: World Health Organization; 2005. 64p.
  • 3. Guarino A, Albano F, Ashkenazi S, Gendrel D, Hoekstra JH, Shamir R, et al. European Society for Paediatric Gastroenterology, Hepatology, and Nutrition/European Society for Paediatric Infectious Diseases evidence-based guidelines for the management of acute gastroenteritis in children in Europe. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2008;46:S81-122.
  • 4. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Doenças infecciosas e parasitárias: guia de bolso. 8Ş ed. rev. Brasília: Ministério da Saúde; 2010. 444p. Série B. Textos Básicos de Saúde.
  • 5. Lima AA, Lima NL, Pinho MC, Barros Juñior EA, Teixeira MJ, Martins MC, et al. High frequency of strains multiply resistant to ampicillin, trimethoprim-sulfamethoxazole, streptomycin, chloramphenicol, and tetracycline isolated from patients with shigellosis in northeastern Brazil during the period 1988 to 1993. Antimicrob Agents Chemother. 1995;39:256-9.
  • 6. dos Santos BA, Pires A de A, de Souza AR, Vives C, Barcellos SH, Dal Bo DJ. Estudo da resistência antimicrobiana in vitro das coproculturas positivas para Shigella sp. J Pediatr (Rio J). 1997;73:395-400.
  • 7. Oplustil CP, Nunes R, Mendes C; RESISTNET Group. Multicenter evaluation of resistance patterns of Klebsiella pneumoniae, Escherichia coli, Salmonella spp and Shigella spp isolated from clinical specimens in Brazil: RESISTNET Surveillance Program. Braz J Infect Dis. 2001;5:8-12.
  • 8. Diniz-Santos DR, Santana JS, Barretto JR, Andrade MG, Silva LR. Epidemiological and microbiological aspects of acute bacterial diarrhea in children from Salvador, Bahia, Brazil. Braz J Infect Dis. 2005;9:77-83.
  • 9. Peirano G, Souza FS, Rodrigues DP; Shigella Study Group. Frequency of serovars and antimicrobial resistance in Shigella spp. from Brazil. Mem Inst Oswaldo Cruz. 2006;101:245-50.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Set 2012
  • Data do Fascículo
    Ago 2012
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