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Adolescência: a última fronteira

EDITORIAL

Adolescência: a última fronteira

Andrew BushI; Sejal SaglaniII

IMD, FRCP, FRCPCH. Professor, Paediatric Respirology, Imperial College and Royal Brompton Hospital NHS Foundation Trust, Londres, Reino Unido.

IIMD, MRCPCH. Clinical Senior Lecturer, Respiratory Paediatrics, Imperial College and Royal Brompton Hospital NHS Foundation Trust, Londres, Reino Unido.

Correspondência Correspondência: Andrew Bush Department of Paediatric Respiratory Medicine, Royal Brompton Hospital Sydney Street, SW3, 6NP - Londres - Reino Unido Tel.: +44 (207) 351.8232 E-mail: a.bush@imperial.ac.uk

Existem três razões pelas quais uma criança pode morrer de um ataque agudo de asma. Primeiro, o tratamento pode não estar disponível – isso geralmente ocorre em áreas com poucos recursos, mas é comum também nos chamados países ricos, que parecem ter erguido barreiras financeiras, privando assim os pobres de atendimento médico para seus filhos1. Segundo, o ataque de asma pode ser repentino, e a criança morre antes de receber atendimento médico. Terceiro, pode haver manejo médico deficiente do ataque. Se uma criança com asma aguda grave ainda está viva ao ser internada em um hospital equipado com uma unidade de terapia intensiva, então a sobrevivência deveria estar praticamente garantida; as mortes ocorrem quando o ataque é mal manejado ou quando a gravidade é subestimada. No entanto, é evidente que, mesmo com tratamento médico perfeito, algumas mortes por asma são inevitáveis2-9. Portanto, qualquer morte por asma na infância deveria nos ensinar lições, e essas lições variam de acordo com as circunstâncias.

Lições podem ser aprendidas tanto a partir do exame detalhado das mortes individuais quanto da revisão de grandes conjuntos de dados, embora cada um desses métodos tenha as suas vantagens e os seus problemas. Grandes conjuntos de dados podem ser imprecisos e não incluir detalhes que poderiam ser particularmente úteis, e até mesmo detalhes discrepantes podem levar a linhas de investigação frutíferas. Neste número do Jornal de Pediatria, Prietsch et al.10 revisam os óbitos por asma no Brasil ao longo de um período de quase 30 anos. Os autores documentam uma queda global positiva da taxa de mortalidade durante esse período, ainda que essa taxa não tenha chegado a zero. E o que podemos aprender com esses dados? Prietsch et al.10 dividiram as crianças em três faixas etárias (1-4, 5-9 e 10-19) e sugeriram que algumas mortes em cada grupo etário, especialmente as discrepâncias, têm significados diferentes e destacam a necessidade de pontos de ação diferentes para reduzir as taxas de mortalidade ainda mais.

O declínio mais significativo no número de mortes aparece na faixa etária de 1 a 4 anos; a taxa de mortalidade nesse grupo caiu para cerca de um terço dos valores iniciais durante o período de 30 anos. No entanto, antes de nos parabenizarmos, vale a pena refletir sobre o fato de que essa é a faixa etária em que há o menor número de opções terapêuticas! Assim, qualquer evidência de benefícios para o uso de corticosteroides inalados ou nebulizados para evitar ataques de chiado viral episódico11 (e, na prática, o uso de corticosteroides orais, inalados ou nebulizados como tratamento) é, na maior parte dos casos, muito escassa12-15. Portanto, é improvável que os medicamentos sejam a principal razão para essa melhora significativa.

Parte da mudança pode, naturalmente, estar relacionada à forma de diagnóstico; algo que muda inexoravelmente em um longo período de tempo e é muito difícil de corrigir. No entanto, de acordo com os autores, é muito mais provável que a melhora do atendimento médico seja a causa provável desse declínio – uma suposição pouco surpreendente em um país cuja dinâmica busca da realização dos seus objetivos de desenvolvimento do milênio tem atraído admiração generalizada. É possível também que melhorias no ambiente doméstico possam ter ajudado, possam ter aumentado o padrão de vida, reduzindo assim a poluição interna a qual as crianças são expostas? Outro fator importante pode ser a saúde pré-natal aprimorada, pois o impacto potencial da redução da fumaça ambiental do cigarro e de outros tipos de poluição ambiental sobre a saúde pulmonar fetal16,17 tem a capacidade de produzir benefícios para toda a vida. Uma vez que ambos afetam a saúde respiratória precoce, também teria sido interessante observar se a prevalência de prematuridade e o baixo peso ao nascer diminuem ao longo do período de estudo18. Outro aspecto digno de nota é que também não há sinal de estabilização da queda das taxas de mortalidade, e pode-se esperar que outras melhorias no acesso ao cuidado médico, especialmente no momento de ataques agudos, reduzam a taxa de mortalidade ainda mais.

Há também uma redução positiva de quase metade da taxa de mortalidade no grupo etário de 5 a 9 anos. Nesse segmento da população, um evento episódico de chiado viral geralmente dá lugar à asma atópica. Mas sabemos que os corticosteroides inalados são eficazes para melhorar o controle basal da asma e reduzir os ataques de asma induzidos por vírus.

Os finlandeses abriram o caminho na redução das mortes por asma em crianças através da implementação de um programa detalhado, que inclui: diagnóstico precoce e tratamento ativo, uso de estratégias de automanejo orientado19,20, atenção ao ambiente (especialmente todas as formas de exposição à fumaça do cigarro), educação do paciente, reabilitação, uso planejado individualmente de tratamentos de rotina, aumento geral de conhecimento sobre asma e promoção de pesquisa. Ainda não está claro quais componentes específicos desse programa são os mais importantes, e isso é realmente menos importante do que entender que obter cuidado básico apropriado é compensador. Uma lição que os brasileiros tiveram que reaprender no contexto da asma grave21,22. Assim, apesar de a queda acentuada na taxa de mortalidade entre 1 e 4 anos provavelmente ter um reflexo positivo na saúde pública, a diminuição na faixa etária de 5 a 9 anos representa melhor assistência médica pediátrica. Reiteramos que esse é um trabalho em andamento e provavelmente se pode fazer mais, especialmente em áreas com poucos recursos, embora os dados atuais não permitam uma declaração definitiva sobre isso.

Uma advertência de cautela é apropriada. Prietsch et al. também especulam que o aumento do uso de β-2 agonistas de longa ação (LABAs) pode ter contribuído para a redução da taxa de mortalidade no grupo etário de 5 a 9 anos. É verdade que estudos com adultos demonstraram uma redução nas exacerbações com o emprego desses medicamentos, mas as evidências pediátricas são muito menos sólidas. Tem havido também generalização indevida de prescrição, não baseada em evidências, de modo que a terapia combinada (LABA combinado com corticosteroide inalado) está cada vez mais substituindo a monoterapia com corticosteroide inalado como tratamento profilático de primeira linha para asma pediátrica23. Embora estejamos satisfeitos com o fato de que o uso de LABAs combinados com corticosteroides inalados seja seguro, o problema do excesso de mortes por asma relacionadas à imprudente e complacente terapia com β-agonistas ainda está muito presente, o que nos faz evitar o uso desses agentes, a menos que eles sejam extremamente necessários – especificamente se a asma não for controlada por doses adequadas de corticosteroides inalado devidamente administrado24. Portanto, esses dados observacionais não devem ser utilizados para estimular a prescrição inadequada de LABAs.

Muito mais preocupante, no entanto, é a ausência total de impacto sobre a taxa de mortalidade em adolescentes como resultado desse estudo. Se a diminuição de mortes relacionadas à asma em crianças em idade pré-escolar e nos primeiros anos de idade escolar é resultado de cuidados aprimorados e melhores medicamentos, então por que a população adolescente não foi beneficiada apesar de não haver diferença evidente no processo inflamatório das vias aéreas entre 5 e 19 anos? Talvez isso signifique que, ao contrário do que ocorre em crianças mais jovens, nas quais mais do mesmo possivelmente produz benefícios, os adolescentes podem precisar de uma abordagem diferente. Estamos familiarizados com os problemas da adolescência: comportamentos de risco, negação, baixa adesão a normas e rotinas e pouca utilização de recursos de saúde - para citar apenas alguns25,26. Os dados de Prietsch et al. indicam que pouco progresso tem sido feito nessa faixa etária ao longo dos anos, e é provável que os números apresentados por esses autores se repitam em todo o mundo. Portanto, precisamos de novas abordagens.

Por exemplo, podemos usar as mídias sociais para melhorar a adesão, ou consultas baseadas em iPad podem substituir uma visita ao hospital? Também pode haver a opção de aumentar a conscientização dos pais sobre os riscos nessa faixa etária (embora seja questionável se os pais têm um impacto favorável no comportamento de seus filhos adolescentes). O ideal de supervisão adequada dos pais sobre os medicamentos é desejável, mas provavelmente inatingível para essa faixa etária no Brasil. A Organização Mundial da Saúde e muitos outros órgãos têm feito um ótimo trabalho no que se refere à oferta de cuidados acessíveis e de qualidade em relação à asma para áreas de poucos recursos. Agora precisamos encontrar melhores formas de oferecer esses cuidados, não apenas para a população com poucos recursos, mas também àqueles que deliberadamente se distanciam dos recursos de alta qualidade que estão disponíveis.

Seria também interessante estratificar as mortes por asma ao longo do tempo de acordo com a gravidade da doença, para determinar se a redução do número de mortes é predominante em pacientes com uma forma mais suave da doença. Uma recente revisão de mortes por asma realizada no Reino Unido (entre 2001-06) revelou que 50% dessas mortes foram registradas em crianças com casos leves e moderados da doença, e que elas provavelmente foram precipitadas (confirmando assim um estudo australiano27) por exposição súbita a alérgeno9. Com base nas evidências de outra pesquisa, é provável que a gravidade da asma tenha sido subestimada e houve inflamação eosinofílica persistente e contínua28,29. No entanto, qualquer que seja o mecanismo, a mensagem é que não se deve ser negligente com os chamados asmáticos leves. Na verdade, todo esforço deve ser feito para garantir que um tratamento adequado seja prescrito e que um acompanhamento adequado seja realizado, com a família totalmente comprometida com o processo, entendendo que asma "leve" e prognóstico benigno não são necessariamente sinônimos. Esse é um grande desafio para todos nós, já que negligência em relação a "asma leve" em uma criança pode levar literalmente a um desfecho fatal.

Assim, Prietsch et al. prestaram um grande serviço ao delinear as diferentes mudanças na taxa de mortalidade da asma em várias faixas etárias. Seria bom estender esse trabalho, observando se há alguma relação com outras tendências, como o tabagismo. E, de fato, como a cada vez mais desesperada indústria do fumo exporta mais do seu produto sinistro para o mundo em desenvolvimento, será importante observar se essas tendências não serão revertidas. Para a nave estelar Enterprise, o espaço era a última fronteira. Acreditamos que, para os pediatras, a adolescência seja a última fronteira e que o Capitão Kirk teve a missão mais fácil!

Conflitos de interesse: Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste editorial.

O primeiro autor recebeu apoio financeiro da NIHR Respiratory Disease Biomedical Research Unit da Royal Brompton and Harefield NHS Foundation Trust e do Imperial College London.

Como citar este artigo: Bush A, Saglani S. Adolescence: the last frontier. J Pediatr (Rio J). 2012;88(5):371-4.

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    Andrew Bush
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Nov 2012
    • Data do Fascículo
      Out 2012
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