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Chlamydia trachomatis: um importante agente de infecções respiratórias em lactentes de famílias de baixa renda

Resumos

OBJETIVOS: Determinar a prevalência de infecção do trato respiratório inferior (ITRI) por Chlamydia trachomatis em lactentes internados e descrever as características clínicas, laboratoriais e radiológicas da doença. MÉTODOS: Este foi um estudo do tipo corte transversal, realizado durante um período de 12 meses. Foram incluídos todos os lactentes de até 6 meses internados consecutivamente no Centro Pediátrico Professor Hosannah de Oliveira da Universidade Federal da Bahia, em Salvador, BA, com diagnóstico clínico ou clínico-radiológico de ITRI. O diagnóstico de infecção por C. trachomatis foi realizado através da pesquisa de anticorpos da classe IgM, utilizando-se o ensaio imunoenzimático (ELISA). A prevalência de ITRI por C. trachomatis foi determinada, e foram calculadas as razões de prevalência para essa infecção e variáveis clínicas e laboratoriais. RESULTADOS: Cento e cinquenta e um lactentes realizaram sorologia para C. trachomatis, das quais 15 (9,9%) foram positivas. A infecção por C. trachomatis ocorreu unicamente entre os menores de 5 meses, principalmente naqueles menores de 2 meses. Três crianças com infecção por C. trachomatis nasceram de parto cesáreo. Conjuntivite e eosinofilia ocorreram em 33,3% dos casos. As radiografias de tórax se mostraram alteradas em 92% dos casos. Demonstrou-se associação da infecção por C. trachomatis com duração de internação superior a 15 dias (p = 0,0398) e com oxigenoterapia (p = 0,0484). CONCLUSÕES: Houve alta prevalência de ITRI por C. trachomatis na população estudada. A infecção por esta bactéria foi associada a uma forma mais grave da doença, demonstrando a importância de se investigar essa infecção na gestante de forma a evitar o adoecimento de recém-nascidos.

Chlamydia trachomatis; infecção do trato respiratório; pneumonia; bronquiolite; lactente


OBJECTIVES: To determine the prevalence of lower respiratory tract infection (LRTI) due to Chlamydia trachomatis in newborn infants and to describe the clinical, laboratory, and radiological characteristics of the disease. METHODS: A cross-sectional study carried out over a 12-month period. All infants up to 6 months of age admitted consecutively at the Centro Pediátrico Professor Hosannah de Oliveira of the Universidade Federal da Bahia in Salvador, Brazil, and diagnosed with LRTI according to clinical and/or radiological criteria were included in the study. C. trachomatis infection was diagnosed by the enzyme-linked immunosorbent assay (ELISA) for the detection of IgM-class antibodies. The prevalence of LRTI by C. trachomatis was determined and the prevalence ratios for the infection and clinical or laboratory variables were calculated. RESULTS: One hundred and fifty-one infants were submitted to serology for C. trachomatis and 15 (9.9%) tested positive. Chlamydial infection was found only in infants under 5 months of age, mainly in those aged under 2 months. Three of the infants with C. trachomatis infection were born by cesarean section. Conjunctivitis and eosinophilia had occurred in 33.3% of the cases. Chest X rays were abnormal in 92.0% of cases. There was an association between C. trachomatis infection and the duration of hospitalization exceeding 15 days (p = 0.0398) and oxygen therapy (p = 0.0484). CONCLUSIONS: There was a high prevalence of C. trachomatis respiratory infection in the population studied. The infection was associated with a more severe form of the disease, emphasizing the importance of testing pregnant women for this infection to avoid infection in the newborn infant.

Chlamydia trachomatis; respiratory tract infection; pneumonia; bronchiolitis; infant


ARTIGO ORIGINAL

Chlamydia trachomatis: um importante agente de infecções respiratórias em lactentes de famílias de baixa renda

Edna Lucia SouzaI; Renata Silva GirãoII; Juçara Magalhães SimõesIII; Carolina Ferraz ReisII; Naiara Araújo GalvãoIV; Sandra Cristina S. AndradeII; Denise Mattedi F. WerneckII; César A. Araújo-NetoII; Leda Solano F. SouzaI

IDoutora em Medicina e Saúde, Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, BA.

IIGraduação em Medicina, UFBA, Salvador, BA.

IIIGraduação em Farmácia Bioquímica, UFBA, Salvador, BA.

IVEstudante de Medicina, UFBA, Salvador, BA.

Correspondência Correspondência: Edna Lucia Souza Avenida Santa Luzia, 379/902, Horto Florestal CEP 40295-050 - Salvador, BA Tel.: (71) 3283.8333, (71) 8822.3326 E-mail: souza.ednalucia@gmail.com

RESUMO

OBJETIVOS: Determinar a prevalência de infecção do trato respiratório inferior (ITRI) por Chlamydia trachomatis em lactentes internados e descrever as características clínicas, laboratoriais e radiológicas da doença.

MÉTODOS: Este foi um estudo do tipo corte transversal, realizado durante um período de 12 meses. Foram incluídos todos os lactentes de até 6 meses internados consecutivamente no Centro Pediátrico Professor Hosannah de Oliveira da Universidade Federal da Bahia, em Salvador, BA, com diagnóstico clínico ou clínico-radiológico de ITRI. O diagnóstico de infecção por C. trachomatis foi realizado através da pesquisa de anticorpos da classe IgM, utilizando-se o ensaio imunoenzimático (ELISA). A prevalência de ITRI por C. trachomatis foi determinada, e foram calculadas as razões de prevalência para essa infecção e variáveis clínicas e laboratoriais.

RESULTADOS: Cento e cinquenta e um lactentes realizaram sorologia para C. trachomatis, das quais 15 (9,9%) foram positivas. A infecção por C. trachomatis ocorreu unicamente entre os menores de 5 meses, principalmente naqueles menores de 2 meses. Três crianças com infecção por C. trachomatis nasceram de parto cesáreo. Conjuntivite e eosinofilia ocorreram em 33,3% dos casos. As radiografias de tórax se mostraram alteradas em 92% dos casos. Demonstrou-se associação da infecção por C. trachomatis com duração de internação superior a 15 dias (p = 0,0398) e com oxigenoterapia (p = 0,0484).

CONCLUSÕES: Houve alta prevalência de ITRI por C. trachomatis na população estudada. A infecção por esta bactéria foi associada a uma forma mais grave da doença, demonstrando a importância de se investigar essa infecção na gestante de forma a evitar o adoecimento de recém-nascidos.

Palavras-chave: Chlamydia trachomatis, infecção do trato respiratório, pneumonia, bronquiolite, lactente.

Introdução

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), 92 milhões de casos de infecção por Chlamydia trachomatis ocorrem em adultos anualmente no mundo, 9,5 milhões na América Latina e Caribe1. Essa é a doença sexualmente transmissível mais prevalente nos Estados Unidos (2,5 milhões de caso/ano)2. No Brasil, os dados sobre a prevalência de infecção por esse agente em adultos são baseados em estudos isolados conduzidos em determinadas populações, com taxas de prevalência relatadas variando de 2,1 a 25,7%3-5 dependendo da população do estudo e do método diagnóstico utilizado.

Em adultos, a infecção por C. trachomatis é, geralmente, assintomática. No entanto, ela é causa importante de conjuntivite de inclusão e infecções respiratórias em recém-nascidos6, assim como de infecção do trato respiratório inferior (ITRI) nos primeiros 6 meses de vida7-16. Cerca de 10 a 20% das crianças de mães infectadas desenvolvem pneumonia6-17, com repercussões médicas e sociais consideráveis que poderiam ser evitadas com um bom acompanhamento pré-natal.

Poucos estudos foram conduzidos no Brasil sobre o papel da C. trachomatis na etiologia da ITRI em lactentes recém-nascidos11,18. O objetivo deste estudo foi determinar a prevalência de ITRI por C. trachomatis nos lactentes internados em um hospital universitário em Salvador, Bahia, e descrever as características clínicas, laboratoriais e radiológicas da doença nesses pacientes.

Métodos

Este estudo observacional de corte transversal foi conduzido de abril de 2006 a março de 2007, no Centro Pediátrico Professor Hosannah de Oliveira (CPPHO) da Universidade Federal da Bahia (UFBA), em Salvador, BA.

População do estudo

Todos os lactentes de até 6 meses de idade hospitalizados consecutivamente e diagnosticados com ITRI, pneumonia ou bronquiolite, segundo critérios clínicos e/ou radiológicos, foram incluídos no estudo. Os lactentes com comorbidades graves não relacionadas à ITRI foram excluídos.

Métodos de diagnóstico e coleta de dados

Os seguintes exames foram realizados: hemograma completo, velocidade de hemossedimentação, proteína C-reativa, estudos sorológicos, pesquisa de infecções virais respiratórias por imunofluorescência indireta para vírus sincicial respiratório, adenovírus, vírus influenza A e B e vírus parainfluenza 1, 2 e 3 e reação em cadeia da polimerase (PCR) para bocavírus e rinovírus. O diagnóstico de infecção por C. trachomatis foi realizado através da pesquisa de anticorpos da classe IgM, pela técnica do ensaio imunoenzimático (ELISA), utilizando-se kits comerciais (NovaTec®, Dietzenbach, Alemanha) e seguindo estritamente as instruções do fabricante. O teste foi considerado positivo quando a densidade óptica do soro analisado foi maior que o valor de corte determinado para cada placa. Hemoculturas foram realizadas sempre que indicadas clinicamente.

Os lactentes foram submetidos a radiografias de tórax nas incidências póstero-anterior (PA) e perfil. Dois radiologistas pediátricos, alheios ao histórico clínico do paciente, avaliaram as radiografias independentemente. Nos casos em que os dois laudos das radiografias divergiram, os raios X eram avaliados ainda por um terceiro radiologista pediátrico. O laudo final da radiologia era determinado com base no acordado por dois dos três avaliadores.

As seguintes variáveis foram avaliadas: sexo, idade, idade gestacional ao nascimento, amamentação, tipo de parto, idade materna, nível de escolaridade materno, acompanhamento pré-natal, renda familiar, corrimento vaginal da mãe, histórico de conjuntivite, histórico de febre, duração da sintomatologia na hospitalização, sintomas na hospitalização, febre durante a internação, diagnóstico de pneumonia, diagnóstico de bronquiolite, sinais radiológicos, uso de oxigênio, coinfecção por citomegalovírus, contagem de leucócitos, contagem de eosinófilos e tempo de internação.

A pneumonia foi definida como a presença de tosse e/ou dificuldade de respirar, associada com alterações radiológicas19. A bronquiolite foi definida como a ocorrência de taquipneia (> 50 respirações por minuto), dispneia ou sibilância difusa, separadamente ou em conjunto, associadas ou não com alterações radiológicas de hiperinsuflação e/ou atelectasia.

Análise estatística

A prevalência de ITRI por C. trachomatis foi determinada e as razões de prevalência para a infecção foram calculadas de acordo com as variáveis avaliadas, que foram selecionadas com a intenção de permitir a comparação com associações anteriormente descritas na literatura e/ou avaliar a gravidade da infecção. Os achados foram considerados estatisticamente significantes quando a probabilidade do erro tipo I era menor que 5% (p < 0,05).

Aprovação ética

Este estudo foi aprovado pelo Comitê Interno de Ética da Maternidade Climério de Oliveira, UFBA, sob o protocolo de número 23/2004.

Resultados

Características da população do estudo

Ao todo, 168 lactentes de 0 a 6 meses de idade foram hospitalizados no CPPHO com ITRI, e 157 foram incluídos no estudo; os 11 lactentes restantes foram excluídos com base nos critérios de exclusão. Noventa e cinco participantes (60,5%) eram do sexo masculino e a média de idade foi de 87,0±52,2 dias (com mínimo de 10 dias, máximo de 210 dias e mediana de 71 dias). A média de idade das mães foi de 23,8±6,1 anos (com mínimo de 14 anos, máximo de 41 anos e mediana de 23 anos). A renda familiar média era de um salário mínimo. As principais razões que levaram os pais a procurar o serviço de saúde foram: tosse (94,3%), obstrução nasal (84,7%) e dificuldades respiratórias (75,2%).

Prevalência de infecção por C. trachomatis

Cento e cinquenta e um lactentes (96,2%) foram submetidos à sorologia para C. trachomatis e 15 delas (9,9%) foram positivas. Um vírus ou mais foram detectados em 62% das 134 amostras avaliadas para vírus respiratórios (Figura 1).

Seis lactentes com infecção por C. trachomatis tinham coinfecções por vírus: três com o vírus sincicial respiratório, um com o influenza B, um com o vírus parainfluenza 3 e um com o rinovírus. Doze lactentes com infecção por C. trachomatis foram testados para citomegalovírus, com cinco deles (41,7%) apresentando resultados positivos.

Características demográficas, clínicas e laboratoriais dos casos de infecção respiratória por C. trachomatis

Dos 15 casos detectados de infecção por C. trachomatis, oito foram em meninos (53,3%). A média de idade dos lactentes foi de 63,5±28,9 dias (com mínimo de 35 dias, máximo de 117 dias e mediana de 52 dias). A média de idade das mães foi de 22,2±4,6 anos (com mínimo de 18 anos e máximo de 37 anos). Quatorze mães (93,3%) fizeram acompanhamento pré-natal e seis apresentaram corrimento vaginal durante a gravidez, cinco no último trimestre. Doze crianças nasceram de parto normal e três por cesariana. Seis mães tiveram ruptura prematura de membranas. Dos três lactentes infectados pela C. trachomatis nascidos por cesariana, dois tinham mães que desenvolveram ruptura prematura de membranas. Cinco lactentes tinham histórico de conjuntivite, três nos primeiros 8 dias de vida. Dos lactentes com infecção por C. trachomatis, apenas um era prematuro e apresentou baixo peso ao nascer. Treze lactentes estavam sendo amamentados, nove exclusivamente.

Todos os lactentes tinham tosse, obstrução nasal e dificuldades respiratórias. Em cinco casos (33,3%) havia histórico de febre e 12 pacientes (80%) apresentaram coriza. O intervalo médio entre os primeiros sintomas respiratórios e hospitalização foi de 12,9±10,8 dias (com mínimo de 2 dias, máximo de 37 dias e mediana de 9 dias). Hemoculturas foram realizadas em 11 lactentes; no entanto, apenas o teste de um paciente apontou infecção nosocomial por Klebsiella pneumoniae.

Dez lactentes com infecção por C. trachomatis receberam o diagnóstico de pneumonia na hospitalização, enquanto o restante foi diagnosticado com bronquiolite. Além disso, sibilância foi detectada em 11 crianças (73,3%), quatro das quais com coinfecção viral, e crepitações foram observadas em 13 lactentes (86,7%). Nesse grupo, a contagem de leucócitos média foi de 14.033±6.662 células/mm3, e a contagem média de eosinófilos foi de 484±864 células/mm3.

Apenas três pacientes apresentaram febre > 37,8 °C durante a internação. O tempo médio de internação foi de 12,9±4,1 dias (com mínimo de 5 dias e máximo de 18 dias). Durante a internação, 11 pacientes (73,3%) necessitaram de oxigenoterapia, e todos receberam tratamento com antibiótico, que consistia de eritromicina em 13 casos (86,7%). Desses, 12 pacientes melhoraram e receberam alta do hospital, enquanto um apresentou infecção nosocomial por Klebsiella pneumoniae e foi transferido para a unidade de terapia intensiva (UTI). Dos dois lactentes que não foram tratados com eritromicina, um recebeu alta com boa condição clínica e o outro desenvolveu insuficiência respiratória e foi transferido para a UTI.

Achados radiológicos

Todos os 15 lactentes foram submetidos a exames de raio X torácicos. Doze casos foram avaliados por dois radiologistas e apenas um caso foi considerado normal. Os outros três casos não foram analisados pelos radiologistas do estudo; no entanto, pediatras relataram consolidação em dois casos, enquanto o terceiro caso foi considerado normal. Os principais achados foram hiperinsuflação e infiltrado intersticial (Tabela 1). Um lactente recebeu um diagnóstico radiológico de derrame pleural associado com hiperinsuflação e infiltrado intersticial. Esse achado sugere uma coinfecção bacteriana; no entanto, a hemocultura apresentou resultado negativo nesse caso.

Associação entre infecção por C. trachomatis e as variáveis investigadas

Uma associação foi encontrada entre a infecção por C. trachomatis e as seguintes variáveis: sintomatologia > 7 dias, sintomatologia > 15 dias, ausência de febre, oxigenoterapia, coinfecção por citomegalovírus e tempo de internação > 15 dias (Tabela 2). Para conduzir uma investigação mais completa do possível efeito de uma coinfecção viral nas associações encontradas, as razões de prevalência foram calculadas após a exclusão dos lactentes com coinfecções virais e infecção por C. trachomatis. Nesse subgrupo, apenas as associações entre infecção por C. trachomatis e oxigenoterapia (p = 0,0484) ou tempo de internação > 15 dias (p = 0,0398) permaneceram estatisticamente significantes.


Discussão

A prevalência de infecção respiratória por C. trachomatis de 9,9% encontrada neste estudo está de acordo com dados publicados na literatura que relatam taxas que variam de 7 a cerca de 30% nos primeiros 6 meses de vida7-16,20.

Ejzenberg11 relatou uma prevalência de 10,3% de positividade para C. trachomatis em lactentes com menos de 6 meses de idade internados em um hospital de São Paulo, SP, com ITRI. Outros pesquisadores descreveram taxas de prevalência mais altas dessa infecção nessa faixa etária7-10. As diferenças nas taxas de prevalência entre estudos podem ser atribuídas à população avaliada, que pode ter incluído casos de doença respiratória leve ou grave. Crianças infectadas podem ser assintomáticas12. Os casos sintomáticos podem ter graus de gravidade diversos: apenas cerca de 30% dos lactentes infectados desenvolvem pneumonia21 e 20% necessitam de hospitalização22. Este estudo determinou a prevalência de infecção por C. trachomatis em lactentes hospitalizados e, por isso, com forma mais grave de doença.

Um estudo conduzido em Salvador, BA, em crianças com menos de 5 anos de idade, hospitalizadas em razão de pneumonia, encontrou uma prevalência de infecção por C. trachomatis inferior a 4%23. A baixa prevalência relatada nesse estudo pode ser devida à faixa etária avaliada, que incluía crianças mais velhas nas quais a ocorrência de infecção por C. trachomatis é incomum. Do mesmo modo, Pientong et al.24 também investigaram essa bactéria em secreções nasofaríngeas por PCR e polimorfismo no comprimento de fragmentos de restrição em crianças tailandesas de 1 mês a 2 anos de idade que haviam sido hospitalizadas com bronquiolite aguda. A prevalência de infecção por C. trachomatis foi de 2,4% e ocorreu principalmente em lactentes com menos de 6 meses de idade. A população selecionada (crianças com menos de 2 anos de idade diagnosticadas com bronquiolite) pode ter contribuído com a baixa prevalência observada.

As culturas de secreções nasofaríngeas continuam sendo o padrão ouro para o diagnóstico de infecção respiratória por C. trachomatis15,17,21. Contudo, dificuldades técnicas impedem a realização rotineira destes exames na prática clínica. Mais recentemente, testes de amplificação de ácidos nucleicos começaram a tomar o lugar da cultura17 em razão da alta sensibilidade e especificidade dessas técnicas25. Apesar disso, nenhuma dessas técnicas tem a aprovação da U.S. Food and Drug Administration (Administração de Alimentos e Medicamentos dos EUA) para uso em amostras nasofaríngeas de lactentes17. Há vários métodos de detecção baseados em antígeno como a imunofluorescência direta com anticorpos monoclonais e ensaios imunoenzimáticos para identificar a C. trachomatis. No entanto, a sensibilidade desses testes com amostras nasofaríngeas varia de 33 a 90%21. Neste estudo, a detecção direta de C. trachomatis IgM foi utilizada para o diagnóstico – a sensibilidade para esse teste sendo estimada de 75 a 89%15,16 e a especificidade em 88%16.

Alguns fatores associados a um maior risco de infecção respiratória por C. trachomatis, como ter mãe adolescente e um baixo nível socioeconômico, foram investigados neste estudo; porém, não foi encontrada associação entre essas variáveis e a infecção. Contudo, algumas limitações na avaliação do nível socioeconômico devem ser levadas em consideração, visto que a população do estudo consistia quase que inteiramente de lactentes que nasceram em famílias com recursos financeiros limitados.

Os resultados do presente estudo chamam atenção especial ao fato da infecção por C. trachomatis ter sido encontrada apenas em lactentes com menos de 5 meses de idade, principalmente nos menores de 2 meses, um grupo que representou 75% dos casos. A ocorrência mais elevada dessa infecção em lactentes de 2 a 3 meses de idade está de acordo com os achados de outros estudos12,13,20,26,27. Portanto, na prática clínica, a faixa etária menor de 2 a 3 meses deve ser considerada como um dado importante na suspeita etiológica de infecção respiratória por C. trachomatis.

Contrastando com alguns dados da literatura, que consideram rara a ocorrência de infecção respiratória por C. trachomatis em crianças nascidas de parto cesáreo21, 20% das crianças com esse diagnóstico no presente estudo nasceram por cesariana. Esse evento já foi previamente descrito. Os autores sugerem que a transmissão da infecção possa ocorrer após ruptura da bolsa amniótica ou intra-útero e não exclusivamente através do canal de parto16,28,29.

A associação relatada entre infecção respiratória por C. trachomatis e conjuntivite em 50% dos casos26 foi inferior no presente estudo em que apenas 33,3% dos lactentes apresentaram conjuntivite, um achado que está de acordo com outros relatos da literatura13. Aproximadamente 70% dos lactentes com essa infecção respiratória bacteriana não desenvolveu febre, confirmando, assim, a descrição clássica da doença, pneumonia afebril. A presença de eosinofilia > 300 células/mm3 é um achado comum em infecções respiratórias por C. trachomatis21. Contudo, neste estudo, essa anormalidade foi encontrada em apenas cinco lactentes (33,3%). Esses resultados estão de acordo com o estudo conduzido por Carballal et al.27 em crianças argentinas.

Os resultados do presente estudo mostram uma associação entre infecção por C. trachomatis e sintomatologia para > 15 dias antes da hospitalização, tempo de internação > 15 dias, oxigenoterapia e coinfecção por citomegalovírus. A progressão lenta da infecção por C. trachomatis já foi relatada na literatura6,26. Na avaliação realizada no subgrupo de lactentes com essa infecção bacteriana e sem coinfecção, apenas as associações com oxigenoterapia e um tempo de internação mais longo permaneceram estatisticamente significantes. Rours et al.20 conduziram uma avaliação retrospectiva da infecção por C. trachomatis utilizando PCR em uma amostra de lactentes holandeses e também relataram a ocorrência de formais mais graves da doença em casos positivos; no entanto, isso pode ser em razão da população amostral daquele estudo consistir quase que inteiramente de lactentes com doenças de base, diferentemente da amostra deste estudo.

As radiografias de tórax foram anormais em 92% dos lactentes incluídos neste estudo, o que é um número consideravelmente mais alto que a taxa encontrada em lactentes com infecção viral. Esse dado somado ao longo tempo de internação e à oxigenoterapia sugere que a C. trachomatis afeta o trato respiratório inferior mais gravemente que vírus respiratórios.

Alguns pesquisadores relataram uma associação forte entre a C. trachomatis e outros microrganismos8, sendo o citomegalovírus o causador de coinfecção mais comum8,9,26. Os resultados apresentados neste estudo confirmam essa associação, que também foi relatada em estudo anterior30. Contudo, a exclusão posterior do grupo de lactentes coinfectados com vírus respiratórios, a associação entre a infecção por C. trachomatis e o citomegalovírus não permaneceu estatisticamente significante. A baixa prevalência de infecção por C. trachomatis em lactentes sem outras coinfecções virais e o pequeno número de pacientes que foram analisados para citomegalovírus pode ter prejudicado essa análise. A infecção por citomegalovírus está associada a condições socioeconômicas precárias e outros fatores, como maternidade na adolescência e promiscuidade8, condições que também estão associadas à infecção por C. trachomatis, possivelmente contribuindo para a ocorrência elevada de coinfecção entre esses microrganismos.

Algumas limitações deste estudo incluem a seleção da população de estudo. Portanto, os dados obtidos não se referem a lactentes com infecções respiratórias mais leves que não precisaram ser hospitalizados e que representam a maioria dos casos. Além disso, o uso de um único método de diagnóstico pode ter subestimado a prevalência de infecção por C. trachomatis. Por outro lado, a coleta simultânea de dados e a inclusão de um grande número de lactentes que foram submetidos à avaliação clínica, laboratorial e radiológica incluindo interpretação dos exames de raio X por dois ou três radiologistas especializados permitiram que o perfil clínico e laboratorial da população do estudo fosse definida.

Por fim, a prevalência de infecção por C. trachomatis em lactentes jovens hospitalizados em razão de infecções respiratórias em Salvador, BA, foi alta, e essa infecção estava associada a uma forma mais grave da doença. Isso salienta a importância de se investigar essa infecção nas gestantes, de forma a evitar a transmissão da infecção para os recém-nascidos. Além disso, é importante levar em consideração esse agente etiológico na avaliação de lactentes com infecção respiratória.

Agradecimento

Agradecemos ao professor Roberto Meyer por permitir que realizássemos os estudos sorológicos no Instituto de Ciências da Saúde, UFBA.

Artigo submetido em 15.03.12, aceito em 06.06.12.

Apoio financeiro: este estudo foi parcialmente financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB).

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.

Como citar este artigo: Souza EL, Girão RS, Simões JM, Reis CF, Galvão NA, Andrade SC, et al. Chlamydia trachomatis: a major agent of respiratory infections in infants from low-income families. J Pediatr (Rio J). 2012;88(5):423-9.

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  • Correspondência:

    Edna Lucia Souza
    Avenida Santa Luzia, 379/902, Horto Florestal
    CEP 40295-050 - Salvador, BA
    Tel.: (71) 3283.8333, (71) 8822.3326
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Nov 2012
    • Data do Fascículo
      Out 2012

    Histórico

    • Recebido
      15 Mar 2012
    • Aceito
      06 Jun 2012
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