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Uso de medicamentos off-label e não licenciados em unidade de tratamento intensivo neonatal e sua associação com escores de gravidade

Resumos

OBJETIVO: Avaliar a frequência da prescrição de medicamentos de uso não licenciado (UL) e off-label (OL) em recém-nascidos internados em unidade de tratamento intensivo neonatal de hospital de nível terciário e verificar a associação do seu uso com a gravidade dos pacientes. MÉTODOS: Estudo observacional de coorte dos medicamentos prescritos no período de 6 semanas da internação de neonatos, entre julho e agosto de 2011. Os medicamentos foram classificados em UL e OL para dose, frequência, apresentação, faixa etária e indicação, de acordo com bulário eletrônico aprovado pela Food and Drug Administration. Os pacientes foram acompanhados até alta hospitalar ou 31 dias de internação, com registro diário do Neonatal Therapeutic Intervention Scoring System. RESULTADOS: Foram identificados 318 itens de prescrição para 61 pacientes (média de cinco itens/paciente) e apenas 13 pacientes com uso de medicamentos adequados (21%). Identificaram-se prevalências de 7,5% para prescrições UL e de 27,7% para OL. O uso OL mais prevalente foi para medicamentos não padronizados para faixa etária - 19,5%. Computaram-se 57 medicações - um paciente recebeu 10 fármacos UL/OL na internação. A prevalência de usos OL foi maior em prematuros < 35 semanas e nos com escores de gravidade mais elevados (p = 0,00). CONCLUSÕES: A prevalência de neonatos expostos a medicamentos UL/OL durante a internação hospitalar foi elevada, especialmente naqueles com maior escore de gravidade no Neonatal Therapeutic Intervention Scoring System. Embora haja apreciação geral de que neonatos, especialmente pré-termo, tenham alta taxa de uso de medicamentos, uma avaliação incluindo diferentes culturas e países é necessária para priorizar áreas de pesquisa futura na farmacoterapêutica dessa população vulnerável.

Medicamento; bula; índice de gravidade de doença; neonatologia


OBJECTIVE: To analyze the frequency of unlicensed (UL) and off-label (OL) prescriptions in neonates admitted to the neonatal intensive care unit of a tertiary care hospital and to determine their association with patients' severity. METHODS: Observational cohort study including drugs prescribed during hospitalization of neonates over a 6-week period between July and August 2011. The drugs were classified as UL and OL for dose, frequency, presentation, age group, or indication, according to an electronic list of drugs approved by the Food and Drug Administration. Patients were followed until hospital discharge or 31 days of hospitalization, with daily records of the Neonatal Therapeutic Intervention Scoring System (NTISS). RESULTS: We identified 318 prescription items for 61 patients (average of five items/patient); there were only 13 patients with appropriate use of medications (21%). A prevalence of 7.5% was identified for UL prescriptions and 27.7% for OL, and the most prevalent OL use was that related to age group - 19.5%. Fifty-seven medications were computed - one patient received 10 UL/OL drugs during hospitalization. The prevalence of OL uses was higher in preterm infants < 35 weeks and in those with higher severity scores (p = 0.00). CONCLUSIONS: The prevalence of neonates exposed to UL/OL drugs during hospitalization was high, especially for those with higher NTISS scores. Although there is general appreciation that neonates, especially preterm infants, have a high rate of drug use, an assessment including different cultures and countries is still needed to prioritize areas for future research in the pharmacotherapy of this vulnerable population.

Drugs; drug labeling; injury severity score; neonatology


ARTIGO ORIGINAL

Uso de medicamentos off-label e não licenciados em unidade de tratamento intensivo neonatal e sua associação com escores de gravidade

Clarissa G. CarvalhoI; Mariana R. RibeiroII; Mariana M. BonilhaII; Mauro Fernandes Jr.II; Renato S. ProcianoyIII; Rita C. SilveiraIV

IMestre, Pediatria, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS. Médica Neonatologista, Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Porto Alegre, RS

IIAcadêmico, Medicina, UFRGS, Porto Alegre, RS

IIIProfessor titular, Pediatria, UFRGS, Porto Alegre, RS. Chefe, Serviço de Neonatologia, Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Porto Alegre, RS

IVProfessora, Pediatria, UFRGS, Porto Alegre, RS. Chefe, Unidade de Follow-up de Prematuros, Serviço de Neonatologia, Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Porto Alegre, RS

Correspondência Correspondência: Clarissa G. Carvalho Av. Mostardeiro,157, cj 1206 CEP 90430-001 - Porto Alegre, RS Tel.: (51) 9714.4468 E-mail: clarissagc@yahoo.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a frequência da prescrição de medicamentos de uso não licenciado (UL) e off-label (OL) em recém-nascidos internados em unidade de tratamento intensivo neonatal de hospital de nível terciário e verificar a associação do seu uso com a gravidade dos pacientes.

MÉTODOS: Estudo observacional de coorte dos medicamentos prescritos no período de 6 semanas da internação de neonatos, entre julho e agosto de 2011. Os medicamentos foram classificados em UL e OL para dose, frequência, apresentação, faixa etária e indicação, de acordo com bulário eletrônico aprovado pela Food and Drug Administration. Os pacientes foram acompanhados até alta hospitalar ou 31 dias de internação, com registro diário do Neonatal Therapeutic Intervention Scoring System.

RESULTADOS: Foram identificados 318 itens de prescrição para 61 pacientes (média de cinco itens/paciente) e apenas 13 pacientes com uso de medicamentos adequados (21%). Identificaram-se prevalências de 7,5% para prescrições UL e de 27,7% para OL. O uso OL mais prevalente foi para medicamentos não padronizados para faixa etária – 19,5%. Computaram-se 57 medicações – um paciente recebeu 10 fármacos UL/OL na internação. A prevalência de usos OL foi maior em prematuros < 35 semanas e nos com escores de gravidade mais elevados (p = 0,00).

CONCLUSÕES: A prevalência de neonatos expostos a medicamentos UL/OL durante a internação hospitalar foi elevada, especialmente naqueles com maior escore de gravidade no Neonatal Therapeutic Intervention Scoring System. Embora haja apreciação geral de que neonatos, especialmente pré-termo, tenham alta taxa de uso de medicamentos, uma avaliação incluindo diferentes culturas e países é necessária para priorizar áreas de pesquisa futura na farmacoterapêutica dessa população vulnerável.

Palavras-chave: Medicamento, bula, índice de gravidade de doença, neonatologia.

Introdução

Nos EUA, a Agência de Controle de Medicamentos e Alimentos [Food and Drug Administration (FDA)], e na Europa, a Agência Europeia de Medicamentos [European Medicines Agency (EMEA)] são responsáveis pela regulação de registro de medicamentos1,2. No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária tem como uma de suas competências a autorização do registro de medicamentos no território nacional, baseado em dados e informações de agências reguladoras de reconhecimento internacional, mas ainda não há regulação específica para registro e uso de medicamentos em crianças3.

Em alguns países, existem relatos de alta prevalência de utilização de medicamentos não aprovados ou off-label (OL), tanto em consultórios, unidades de internação e unidades cirúrgicas quanto em unidade de tratamento intensivo pediátrica e neonatal (UTIN), na maioria das vezes devido ao desconhecimento dos prescritores quanto a essas peculiaridades4-8. As prescrições OL definem medicamentos prescritos de forma diferente daquela orientada na bula em relação ao grupo etário, à dose, à frequência do uso, à apresentação, à via de administração ou à indicação para uso em crianças. Portanto, uso OL refere-se ao uso não autorizado de um fármaco para um propósito outro que não aquele aprovado pela FDA4.

O recém-nascido criticamente enfermo pode receber de 15 até 20 medicações endovenosas por dia, a maioria destas não licenciadas e OL9. Eventualmente, na UTIN, a gravidade poderia ser considerada uma justificativa para prescrever e usar medicamentos não aprovados ou OL, invocando a relação risco/benefício; daí a importância de avaliarmos essa condição.

Devido à escassez de literatura descrevendo a prevalência de prescrição de medicamentos não apropriados para neonatos, assim como em determinar a relação do maior uso de medicamentos OL com a gravidade do recém-nascido, o objetivo do presente estudo é avaliar a frequência da prescrição de medicamentos de uso não licenciados [unlicensed (UL)] e OL em recém-nascidos internados em UTIN de hospital de nível terciário e verificar a associação do seu uso com a gravidade dos pacientes durante a internação na UTIN.

Métodos

Estudo de coorte prospectivo, incluindo todos os recém-nascidos admitidos na UTIN da instituição no período de 6 semanas entre julho e agosto de 2011. Nesse período, foram avaliados: prescrições, fatores fisiológicos e uso de tecnologia para cálculo de escores de gravidade. Não foram incluídos na análise: prescrições de sangue e derivados, de Nutrição Parenteral Total (NPT), de oxigênio e outros gases, vitamina K, nitrato de prata, cuidados de rotina do coto umbilical e vacinas. Nenhum paciente ou patologia foi critério de exclusão.

Os recém-nascidos eram acompanhados por período de até 31 dias, sendo incluídos na análise apenas dados correspondentes ao período de internação. Foi escolhido esse período porque, em um estudo brasileiro sobre a aplicação do Neonatal Therapeutic Intervention Scoring System (NTISS) como instrumento de comparação de práticas assistenciais em UTIN, foi mostrado padrão de queda gradual e progressivo até o 31º dia de internação10. O NTISS é um índice de intensidade de utilização de tecnologias resultante da combinação de oito dimensões de tipos de assistência: respiratória, monitorização, cardiovascular, medicamentosa, metabólica/nutricional, procedimentos, transfusão e acesso vascular. Foi demonstrada associação significativa do NTISS com estimativas de evolução clínica, de risco de mortalidade e de uma alta predição de custos assistenciais nos recém-nascidos em UTIN11.

Além da aplicação do NTISS, cada medicação prescrita foi avaliada com relação à aprovação do uso para determinar se foi de modo UL ou OL. As prescrições foram classificadas pela autora principal e orientadores, todos neonatologistas, de acordo com o bulário da FDA, em: UL para produtos manufaturados no hospital, não aprovados como um todo e importados, e OL para via, dose, apresentação, frequência, indicação e adequação à faixa etária.

Os recém-nascidos eram acompanhados pela equipe assistencial da UTIN. Para cada paciente admitido na UTIN durante o período de estudo, um formulário foi gerado com dados demográficos, de história gestacional e perinatal. O escore de gravidade NTISS era calculado e registrado diariamente pela autora principal. A prescrição era revisada também diariamente pela equipe de coleta da pesquisa, composta por três internos de medicina com supervisão sênior. Foi realizado o registro da indicação, via, dose, apresentação, frequência e adequação à faixa etária. Não foi feita nenhuma intervenção nos pacientes – a equipe de coleta não foi identificada pela equipe assistencial, a fim de não modificar padrões de prescrição ou registro médico.

O projeto foi aprovado pela Comissão de Ética e Pesquisa do hospital, com preenchimento de Termo de Compromisso para Utilização de Dados pelos autores e aplicação de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido aos pais.

Análise estatística

O cálculo do tamanho da amostra baseou-se em estudo prévio para detectar uma diferença de 18% no percentual de uso de medicações OL ou UL entre um grupo mais vulnerável, exemplificado naquele estudo por recém-nascidos prematuros, e outro possivelmente menos grave, representado pelos bebês a termo (86% de uso nos prematuros e 68% no grupo a termo)12; considerando um α = 0,05 e poder de 80%, seriam necessários 96 pacientes no total.

Os dados foram armazenados e analisados no programa Statistical Package for Social Sciences, versão 18.0. Para calcular a associação entre os grupos, foi utilizado o teste qui-quadrado. Os escores de gravidade foram analisados e comparados com a frequência de prescrições OL ou UL utilizando-se análise por modelo de generalização linear, devido à assimetria do NTISS. O nível de significância estatística para qualquer uma das análises foi considerado para um valor de α = 0,05. Para acompanhar a evolução do NTISS total durante a internação dos recém-nascidos, foram utilizados os valores da mediana da variável, com boa visualização gráfica.

Resultados

Foram admitidos, consecutivamente, 129 recém-nascidos, e registrados 318 itens de prescrição. Destes, 68 utilizaram apenas oxigenoterapia e solução glicosada, sem outros itens válidos de prescrição; nos demais recém-nascidos, foram registrados, em média, cinco itens de prescrição/paciente durante toda a internação. Dentre todos os itens de prescrição, foram identificadas 57 medicações no total.

A prevalência para medicamentos prescritos de forma "adequada", de acordo com o bulário da FDA, foi de 64,8%, sendo 7,5% nos medicamentos UL e 27,7% para OL. O uso OL mais prevalente foi para medicamentos não padronizados para a faixa etária – 19,5%.

Quarenta e oito pacientes receberam alguma medicação não padronizada ou não licenciada, correspondendo a 78,7% daqueles recém-nascidos cuja prescrição só continha itens válidos. Uma criança chegou a receber 10 fármacos OL ou UL durante o período de internação.

O tempo médio de internação foi de 10 dias, e ocorreram quatro óbitos. A causa mais frequente de internação foi icterícia neonatal (35%), seguida de disfunção respiratória precoce (16%), prematuridade (13%), sepse (12,5%), malformação (8,5%) e hipoglicemia. Apenas dois pacientes tinham antecedente de febre materna; 59% dos pacientes eram do sexo masculino, e 41%, do sexo feminino; não houve diferença entre os grupos. Os medicamentos mais prescritos de um modo geral encontram-se na Tabela 1.

Os medicamentos não licenciados foram dipirona, hidrato de cloral e cafeína. O único OL para dose foi a ampicilina, conforme a Tabela 2. Quanto à frequência, foram encontrados pacientes utilizando ampicilina, cefotaxima e dexametasona com intervalos diferentes do padronizado no bulário. Os medicamentos OL para a faixa etária foram glicerina, paracetamol, diazepam, dopamina, ibuprofeno, zidovudina, filgrastima, ranitidina, domperidona, cefalexina, interferon, milrinona, noradrenalina, omeprazol, sildenafil, sulfato de magnésio, insulina, albumina e manitol. Quanto à não padronização para a indicação, citamos metoclopramida, cefepima, vancomicina e hidrocortisona.

A prevalência de prematuros < 32 semanas foi maior em OL/UL em relação ao grupo com prescrições adequadas (14,6 versus 0%), assim como a prevalência de prematuros entre 32 e 35 semanas (23 versus 10%, p < 0,001). A prevalência de bebês com peso de nascimento < 2.500 g foi de 42% no grupo OL/UL versus 21% no grupo adequado (p = 0,004). A distribuição das prescrições e as características da amostra de acordo com a idade gestacional estão na Tabela 3.

O escore de NTISS apresentou medianas mais elevadas nos pacientes com usos OL ou UL de modo geral, conforme Figura 1. A partir do 25º dia de internação, todos os pacientes apresentavam alguma prescrição OL ou UL, não permitindo análises de diferença de mediana. A comparação evolutiva das medianas durante toda a internação apresentou maiores valores no grupo OL ou UL, o que foi verificado utilizando uma análise por modelo de generalização linear (Figura 1).


Discussão

No nosso estudo, demonstramos que o uso de medicamentos OL é frequente em neonatologia, tanto que 78,7% dos pacientes com itens válidos de prescrição receberam alguma medicação OL ou UL. Os medicamentos não padronizados para a faixa etária corresponderam à maior parte dessas prescrições, presentes em cerca de metade dos pacientes com fármacos prescritos – 52,5%. Também verificamos maior prevalência de usos OL em pré-termos menores de 32 semanas – todos usaram alguma medicação não padronizada. Além disso, a prevalência de pacientes com peso menor que 2.500 g foi duas vezes maior no grupo com usos OL ou UL em relação ao de usos apropriados.

Nossa prevalência é ligeiramente inferior a estudos europeus que descreveram prevalência de 80 a 93% em quatro UTIN13-16. Uma possível explicação refere-se ao fato de nossa amostra ser mais heterogênea, com poucos prematuros de muito baixo peso e imaturidade extrema – apenas 5,4%, que é justamente o grupo de neonatos descrito como mais exposto a medicamentos OL na Europa.

É importante cada país conhecer a sua situação quanto ao uso de medicações, pois há diferenças legais no estado de autorização dos produtos médicos e na prática clínica entre os países2,3,17. Estudo realizado na Inglaterra13, num período de 13 semanas, incluiu 70 recém-nascidos (70% prematuros) e obteve prevalência de 54,7% das prescrições OL e 10% de UL. Já um estudo francês18 incluiu 40 recém-nascidos (88% prematuros com extremo baixo peso), sendo 63% OL e 10% UL. Na Espanha19, foram incluídos 48 recém-nascidos (60% prematuros), sendo 50% das prescrições OL e 13% UL. Esses achados demonstram a variabilidade entre os países.

Os recém-nascidos prematuros e de baixo peso ou recém-nascidos a termo doentes são os mais expostos às medicações OL ou UL. O número de medicações administradas é inversamente proporcional à idade gestacional e/ou ao peso do recém-nascido20. A imaturidade fisiológica afeta a absorção e a distribuição de fármacos devido à composição dos compartimentos corporais e conteúdo de água, ligação de proteínas, fatores hemodinâmicos e metabolismo de drogas (clearance renal ou hepático)21. Exposição a múltiplos agentes é também um fator de aumento da incidência de eventos adversos em neonatos: muitas medicações podem ser incompatíveis ou interagir umas com as outras22.

No grupo de medicações OL para a faixa etária, encontramos medicações com uso muito bem estabelecido em protocolos, ensaios clínicos e metanálises, mas sem estudos controlados que satisfaçam os rígidos critérios da FDA – e tratam-se de medicações tanto para situações graves, como hipertensão pulmonar (sildenafil, sulfato de magnésio, milrinona), hiperglicemia em prematuro extremo (insulina), choque (albumina, noradrenalina, dopamina), duto arterioso patente (ibuprofeno), como de uso frequente, como medicações para doença do refluxo gastroesofágico (domperidona, ranitidina, omeprazol), paracetamol para dor, glicerina supositório para dificuldades em evacuar, além da profilaxia da transmissão vertical do HIV em recém-nascido exposto.

Um achado interessante do nosso estudo é a classificação da ampicilina como OL para a dose, pois é uma rotina do serviço empregar 300 mg/kg/dia de ampicilina para cobertura de Streptococcus agalactiae em sistema nervoso central, mesmo quando não se evidencia meningite. Outros grupos também classificaram esse medicamento como OL19,23.

A dopamina foi igualmente classificada como medicação OL, pois faltam dados sobre a sua segurança a longo prazo nos recém-nascidos expostos, o que está de acordo com outros estudos publicados16,23. Trata-se de um dado muito importante, tendo em vista seu uso amplamente difundido em protocolos de manejo de choque no recém-nascido – e a ausência de outros agentes igualmente eficazes e com perfil de segurança aceitável.

A dipirona é classicamente uma medicação não aprovada pela FDA, devido ao risco de induzir anemia aplásica e agranulocitose. As outras medicações que classificamos como UL foram o hidrato de cloral e a cafeína, que se referem a manipulações na farmácia do hospital, pois não há apresentação comercial disponível para a faixa etária, semelhante a estudo holandês que obteve elevada prevalência de prescrições UL (62%), devido à quantidade de medicações manufaturadas naquele hospital24. O citrato de cafeína, reconhecido como tratamento da apneia da prematuridade, também é referido em outros estudos16,24,25.

O hidrato de cloral é bastante utilizado para sedação em procedimentos como a realização de exames de ressonância nuclear magnética, durante o qual o neonato tem que permanecer imóvel. Embora amplamente utilizado, estudos recentes demonstram diminuição da saturação da hemoglobina após o procedimento em prematuros e bebês com mais comorbidades26, tornando seu uso bastante discutível – porém com poucas alternativas farmacológicas disponíveis para o mesmo fim.

De todas as substâncias ativas licenciadas pela EMEA de outubro de 1995 a setembro de 2005, somente 33% foram licenciadas para uso em crianças, 23% em lactentes e apenas 9% em neonatos, razão pela qual a neonatologia é uma área com uso frequente de medicamentos OL27. É aceitável a prática da medicina exigindo o uso de medicamentos OL para proporcionar o tratamento mais adequado para um paciente17, uma vez que a ciência e a medicina evoluem mais rapidamente que os trâmites burocráticos da FDA.

As barreiras para conduzir pesquisa adequada no desenvolvimento de medicamentos para crianças são de longa data. O custo dos estudos em crianças é elevado, comparado com o tamanho do mercado potencial, o que implica em baixo retorno financeiro para as companhias farmacêuticas; dificuldades no desenho do estudo, como o pequeno número de pacientes elegíveis e falta de controles adequados da mesma idade, o tempo gasto para completar estudos em crianças em comparação com adultos, longo tempo de aprovação, aspectos éticos únicos e complexos a respeito de pesquisa em crianças, considerações sobre risco/benefício naqueles que ainda não podem consentir por si mesmos – tudo isso são aspectos que tornam os recém-nascidos "órfãos terapêuticos"2.

Um ponto positivo de nosso estudo, e inédito, é o estabelecimento de associação do uso de prescrições OL ou UL com escores de gravidade. O escore de NTISS apresentou medianas mais elevadas nos pacientes com usos OL ou UL de modo geral, durante a evolução da internação, em comparação com os pacientes com medicamentos apropriados ou sem nenhuma prescrição de medicação válida. A associação entre a gravidade dos pacientes e o uso de medicações OL ou UL justifica eticamente o uso dessas medicações "não apropriadas".

Contudo, uma limitação do estudo foi a inclusão de pacientes sem terapêutica farmacológica e em uso de itens como oxigênio, fototerapia ou soro glicosado, que caracterizam o tratamento de disfunção respiratória precoce, icterícia e hipoglicemia, bastante frequentes numa internação neonatal. Devido à prevalência dessas doenças, não foi possível excluir esses pacientes da análise, o que poderia eventualmente superestimar a associação do NTISS com prescrições OL. Por outro lado, viabiliza a validação desses resultados em UTI de menor nível de complexidade, possibilitando a generalização dos nossos dados.

Tendo em vista os aspectos apresentados, é possível afirmar que a prevalência de neonatos expostos a medicamentos OL ou não licenciados durante a internação hospitalar foi elevada, especialmente naqueles que apresentaram maior escore de gravidade NTISS. Embora haja apreciação geral de que neonatos, especialmente pré-termo, tenham alta taxa de uso de medicamentos, uma avaliação sistemática, incluindo diferentes culturas e países, ainda é necessária para priorizar áreas de pesquisa futura na farmacoterapêutica dessa população tão vulnerável.

Artigo submetido em 25.05.12, aceito em 25.07.12.

Apoio financeiro: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) - bolsa de iniciação científica.

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.

Como citar este artigo: Carvalho CG, Ribeiro MR, Bonilha MM, Fernandes Jr M, Procianoy RS, Silveira RC. Use of off-label and unlicensed drugs in the neonatal intensive care unit and its association with severity scores. J Pediatr (Rio J). 2012;88(6):465-70.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Jan 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2012

    Histórico

    • Recebido
      25 Maio 2012
    • Aceito
      25 Jul 2012
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