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Consentimento informado e competência em pediatria: opiniões de uma amostra de médicos romenos em treinamento

Resumos

OBJETIVOS: Analisar o ponto de vista de médicos em treinamento a respeito do consentimento informado como autorização autônoma em pediatria e discutir os efeitos limitantes da norma de competência nesse campo. MÉTODOS: Foi realizado um estudo multi-institucional com 158 residentes de medicina com o intuito de analisar o ponto de vista de médicos em treinamento a respeito do consentimento informado como autorização autônoma em pediatria. A participação no estudo foi voluntária, e os participantes eram provenientes de uma área geográfica limitada (Bucareste e arredores). RESULTADOS: A maioria dos respondentes concordou totalmente que um paciente entre 16 e 18 anos deve tomar decisões médicas informadas sobre qualquer tipo de procedimento (inclusive os referentes a escolhas reprodutivas); enquanto que pacientes entre 14 e 16 anos devem ser autorizados a tomar decisões médicas informadas apenas a respeito de procedimentos menores. A maioria concordou que transplantes de medula óssea devem ser permitidos entre irmãos se aprovados por ambos, enquanto que a maioria não concorda com o transplante de órgãos sólidos. A participação de crianças em estudos clínicos deve ser permitida apenas se a criança concordar. CONCLUSÕES: As respostas obtidas em nosso estudo sobre o consentimento informado aproximam-no mais do sentido de autorização autônoma do que do sentido de autorização efetiva. Portanto, a intuição moral dos participantes é mais bioética e menos jurídica, o que, embora maximize os benefícios do paciente, está associado a um aumento no risco de responsabilidade. No entanto, visto que as gerações mais novas tornam-se cada vez mais precoces, é preciso reavaliar os dogmas tradicionais a respeito da competência.

Consentimento informado por menores; consentimento parental; consentimento de terceiros; competência


OBJECTIVES: To assess the views of physicians in training regarding the informed consent as autonomous authorization in pediatrics and to discuss the limiting effects of the competence norm in this field. METHODS: We conducted a multi-institutional survey with 158 medical residents in order to assess the views of physicians in training regarding the informed consent as autonomous authorization in pediatrics. The study was conducted with volunteer participants, from a limited geographical area (Bucharest and surrounding areas). RESULTS: Most respondents strongly agreed that a patient aged 16-18 years should make informed medical decisions regarding any type of procedures (including reproductive choices), whilst those aged 14-16 should be allowed to take informed medical decisions regarding minor procedures only. Most participants agreed that transplant procedures involving bone marrow should be allowed between siblings if they approve, whilst most disagreed allowing solid organ transplantation. The involvement of children in clinical studies should only be allowed if the children agree. CONCLUSIONS: The responses obtained in our study regarding the informed consent put it closer to the autonomic authorization sense than the effective authorization sense. Therefore, respondents' moral intuition is more bioethical and less legal, which, even if maximizing the patient's benefit, is associated with an increased liability risk. However, since the newer generations become more and more precocious, a reanalysis of the classical competence dogmas should be conducted.

Informed consent by minors; parental consent; third-party consent; competence


ARTIGO ORIGINAL

Consentimento informado e competência em pediatria: opiniões de uma amostra de médicos romenos em treinamento

Sorin Hostiuc

MD. National Institute of Legal Medicine Bucharest, Department of Forensic Pathology, Bucareste, Romênia. Assistant professor, Carol Davila University of Medicine and Pharmacy, Bucareste, Romênia

Correspondência Correspondência: Sorin Hostiuc Sos.Vitan Barzesti, 9, Sector 4 042122 - Bucareste - Romênia Tel.: +1 (407) 2379.1072 E-mail: sorin.hostiuc@umf.ro

RESUMO

OBJETIVOS: Analisar o ponto de vista de médicos em treinamento a respeito do consentimento informado como autorização autônoma em pediatria e discutir os efeitos limitantes da norma de competência nesse campo.

MÉTODOS: Foi realizado um estudo multi-institucional com 158 residentes de medicina com o intuito de analisar o ponto de vista de médicos em treinamento a respeito do consentimento informado como autorização autônoma em pediatria. A participação no estudo foi voluntária, e os participantes eram provenientes de uma área geográfica limitada (Bucareste e arredores).

RESULTADOS: A maioria dos respondentes concordou totalmente que um paciente entre 16 e 18 anos deve tomar decisões médicas informadas sobre qualquer tipo de procedimento (inclusive os referentes a escolhas reprodutivas); enquanto que pacientes entre 14 e 16 anos devem ser autorizados a tomar decisões médicas informadas apenas a respeito de procedimentos menores. A maioria concordou que transplantes de medula óssea devem ser permitidos entre irmãos se aprovados por ambos, enquanto que a maioria não concorda com o transplante de órgãos sólidos. A participação de crianças em estudos clínicos deve ser permitida apenas se a criança concordar.

CONCLUSÕES: As respostas obtidas em nosso estudo sobre o consentimento informado aproximam-no mais do sentido de autorização autônoma do que do sentido de autorização efetiva. Portanto, a intuição moral dos participantes é mais bioética e menos jurídica, o que, embora maximize os benefícios do paciente, está associado a um aumento no risco de responsabilidade. No entanto, visto que as gerações mais novas tornam-se cada vez mais precoces, é preciso reavaliar os dogmas tradicionais a respeito da competência.

Palavras-chave: Consentimento informado por menores, consentimento parental, consentimento de terceiros, competência.

Introdução

O consentimento informado em medicina confere ao indivíduo o poder de decisão sobre sua condição médica1. Para ser válido, deve atender a cinco requisitos2:

1) o paciente ser informado;

2) entender a informação;

3) agir por vontade própria (de forma autônoma) ao concordar em assinar o consentimento informado;

4) ter competência legal para concordar;

5) autorizar o procedimento.

Desses cinco requisitos, três dependem principalmente do paciente (2, 3 e 5), um depende principalmente do médico (1), e um é um requisito legal (4). Faden & Beauchamp conferiram dois sentidos principais ao consentimento informado – consentimento informado como autorização autônoma e consentimento informado como autorização efetiva2, sendo a principal diferença para a prática clínica a ausência do requisito 4 (competência legal) no primeiro sentido. Em pediatria, o paciente que atender aos requisitos 1, 2, 3 e 5 é capaz de dar uma autorização autônoma para o médico realizar seu trabalho; tal autorização pode respeitar o direito do paciente de tomar decisões quanto à sua condição médica (respeita a autonomia do paciente), mas geralmente não é válida em um tribunal de justiça, visto que o consentimento informado deve ser assinado por uma pessoa legalmente competente para assinar um documento oficial.

Do ponto de vista legal, uma pessoa é competente para assinar um documento oficial se (1) tiver a idade apropriada (que varia, geralmente entre 16 e 21 anos, e pode depender do tipo de ato médico) e (2) não houver condições que possam limitar esse direito (por exemplo, grave diminuição da capacidade de tomar decisões).

Competência e capacidade são dois termos que se encontram parcialmente sobrepostos com o consentimento informado, o que muitas vezes leva a erros e ao mau uso do consentimento informado na prática clínica. Competência é uma capacidade legalmente estabelecida de criar uma norma legal (ou efeitos legais) através de e de acordo com enunciados (atos jurídicos ou declarações dispositivas) a esse respeito3. Para que um consentimento informado seja válido, deve criar efeitos legais (a autorização por parte do paciente/representante para que o médico realize um procedimento), o que está inextricavelmente ligado ao direito de assinar um documento legal4-7. Capacidade é um termo psicológico que descreve um conjunto de habilidades mentais que as pessoas necessitam em suas vidas cotidianas (memória, lógica, capacidade de cuidar de si mesmo, etc.). Do ponto de vista bioético, existem dois tipos principais de capacidade – capacidade global, a qual pode se sobrepor à definição psicológica, e capacidade de decisão, definida como a capacidade de uma pessoa para tomar decisões a respeito de si mesma. Se a capacidade global for gravemente afetada, a pessoa se torna incompetente para assinar documentos legais, e portanto o consentimento informado assinado por ela não tem validade legal. A capacidade de decisão se refere estritamente à capacidade do paciente de entender e analisar informações médicas e tomar decisões informadas. Se o paciente não tem capacidade de decisão, o consentimento informado não é válido (o paciente é incapaz de autorizar o procedimento). A falta de competência global é geralmente avaliada por um comitê de médicos (um ou mais psiquiatras e às vezes outros tipos de médicos, como um médico legista) e psicólogos, os quais elaboram uma série de conclusões que devem ser validadas em um tribunal de justiça, sendo a consequência direta para o paciente a perda da competência legal. A capacidade de decisão deve ser avaliada pelo médico que acompanha o tratamento, em cada caso, ao mesmo tempo em que o paciente é informado a respeito da sua condição médica, ou depois, quando o paciente deve analisar suas opções ou tomar uma decisão.

O objetivo deste estudo é analisar o ponto de vista de médicos em treinamento a respeito do consentimento informado como autorização autônoma em pediatria e discutir os efeitos limitantes da norma de competência nesse campo.

Métodos

Foi realizado um estudo multi-institucional com o intuito de analisar o ponto de vista de médicos em treinamento a respeito do consentimento informado como autorização autônoma em pediatria por meio de um questionário on-line, que esteve disponível para preenchimento pelos participantes durante o módulo de Bioética na Carol Davila University of Medicine and Pharmacy. Os médicos em treinamento foram informados a respeito do questionário durante o módulo de Bioética, e convidados a participar do estudo. Na Romênia, a residência tem um período variável (de 3 a 7 anos), incluindo um módulo obrigatório de Bioética. Os participantes eram vinculados aos maiores hospitais da área de Bucareste, e também a clínicas particulares e públicas. Não foi avaliada a distribuição dos participantes de acordo com a instituição à qual estavam vinculados, pois isso poderia ser utilizado para identificar os participantes (especialmente os provenientes de clínicas privadas pequenas), o que não seria recomendável, uma vez que o preenchimento do questionário deveria ser opcional e anônimo. Um total de 158 residentes de medicina preencheu o questionário (de um total de 362 que participaram dos módulos de Bioética em dezembro de 2010). O questionário consistiu em itens referentes a cinco áreas principais – idade em que a criança deve ter o direito de assinar o consentimento informado, idade em que a criança deve ter o direito de fazer escolhas reprodutivas, participação de crianças em estudos clínicos, competência relacionada a transplantes, e conflitos entre pais e médicos, cada item consistindo em um cenário semelhante a um caso clínico. Os participantes foram solicitados a classificar cada um dos itens em uma escala de 0 a 10 e informados de que 0 significa discorda totalmente e 10 significa concorda totalmente (correspondendo portanto à tradicional escala de Likert de 10 pontos); em nossa análise, os valores intermediários foram considerados da seguinte forma: 1-3 = discorda parcialmente, 4-6 = neutro, e 7-9 = concorda parcialmente.

Devido ao tipo da amostra (amostra por conveniência), o erro padrão e os intervalos de confiança não puderam ser calculados; portanto, os resultados não podem ser extrapolados à população geral de interesse com um grau específico de confiança, o que pode levar a um viés de seleção, sendo ambos os fatos considerados limitações deste estudo.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição, o consentimento foi presumido (o preenchimento do questionário era opcional), e a participação no estudo foi anônima. Os questionários foram elaborados utilizando o ambiente Moodle CMS 2.0, exportados em um arquivo .csv e então importados em uma base de dados no formato .sav. A análise estatística foi realizada com o programa SPSS v.19, e os gráficos foram elaborados no Microsoft Excel 2011.

As médias foram analisadas utilizando a função Frequência. A diferença entre as variáveis emparelhadas foi analisada utilizando o teste t para amostras emparelhadas no programa SPSS v.19. Os testes correlativos foram realizados utilizando a análise bivariada (tau de Kendall).

Um p-valor abaixo de 0,05 foi considerado significativo e um valor abaixo de 0,01 foi considerado altamente significativo.

Resultados

A idade em que a criança deve ter o direito de tomar decisões médicas informadas

A maioria dos participantes concordou totalmente que um paciente com idade entre 16 e 18 anos devem tomar decisões médicas informadas (mediana de 10,00) (Tabela 1) para procedimentos menores; mesmo quando o limite inferior de idade foi reduzido para 14 anos, a maioria dos participantes concordou e era parcialmente a favor dessa opção (mediana de 8,00).

Quando os participantes foram questionados sobre a competência dos pacientes quanto a qualquer tipo de procedimento, os valores foram significativamente inferiores – mediana de apenas 7,00 para pacientes com idade 16 entre 18 anos; quando o limite inferior de idade foi reduzido para 14 anos, a maioria discordou – 23,41% discordaram totalmente, 18,5% discordaram parcialmente, enquanto apenas 13,9% concordaram totalmente. As diferenças foram altamente significativas tanto entre as variáveis qualquer tipo de procedimentos médico e procedimentos menores como entre as duas faixas etárias (14-18 anos e 16-18 anos), p = 0,000.

O direito de fazer escolhas reprodutivas

A maioria dos participantes considerou que um paciente com idade 16 e 18 anos tem o direito de tomar decisões médicas informadas a respeito de questões reprodutivas (escore médio de 8,21 e mediana de 10,00), enquanto que, ampliando-se a faixa etária para acomodar o grupo com idade entre 14 e 16 anos, a média foi significativamente inferior (5,20). Além disso, obteve-se um escore bastante elevado quando os participantes foram questionados se o médico não deve revelar aos pais informações referentes a questões reprodutivas em se tratando de menores com idade entre 16 e 18 anos (escore médio de 8,20). As diferenças entre faixas etárias a respeito de questões reprodutivas foram altamente significativas (p = 0,000) enquanto que, entre consentimento informado e confidencialidade, foi encontrada uma correlação altamente significativa (tau de Kendall = 0,173, significativa a 0,001).

Participação de crianças em estudos clínicos

Quando os participantes foram questionados se os pais devem ser autorizados a incluir os filhos em um estudo clínico, independentemente da idade destes, as respostas apresentaram uma média de 5,08. Quando questionados se os pais devem ser autorizados a incluir filhos menores de 14 anos em estudos clínicos contra a vontade deles, a média caiu para 2,84.

Competência relacionada a transplantes

Os participantes concordam totalmente que um menor de idade deve ser capaz de doar a medula óssea para um irmão se ele e ambos os pais consentirem (média de 9,03). Quando questionados se o menor deve ser autorizado a doar um órgão sólido (por exemplo, um rim), responderam, em sua maioria, de forma negativa (média de 4,52); a diferença foi altamente significativa (p = 0,000).

Conflitos entre pais e médicos

Quando questionados se o dever de cuidado deve prevalecer sobre a autonomia dos pais, os participantes concordaram parcialmente (média de 8,36); quando questionados se devem respeitar a decisão de um pai que não deseja que seu filho tenha acesso a tratamento, mesmo se o médico considerar o tratamento benéfico, o valor foi muito inferior (5,29). Os participantes discordam totalmente do fato de que o médico deve ocultar fatos médicos dos pais (média de 2,37) e concordaram parcialmente com a ideia de agir sem o consentimento dos pais em emergências (média de 8,09).

Discussão

Do ponto de vista puramente bioético, o consentimento informado não deveria ser dependente da idade – seu principal objetivo é respeitar o direito do paciente de ter liberdade para tomar decisões médicas informadas. Se o paciente atender aos requisitos 1, 2, 3 e 5, sua condição mental deve permitir que ele tome decisões desse tipo. A competência, no entanto, é adquirida, na maioria dos países, após uma determinada idade, geralmente 18 anos. Portanto, mesmo se o paciente tiver capacidade mental para assinar um consentimento informado, sua assinatura não é válida a menos que um pai/responsável assine também (exceto no caso de menores legalmente emancipados). O médico deve então obter dois consentimentos informados – um autônomo por parte do paciente e outro efetivo por parte de um dos pais; como o nível de entendimento pode ser significativamente diferente entre o pai e a criança, o médico praticamente faz a mesma coisa duas vezes, uma para fins médicos e outra para fins legais. Isso por sua vez acarreta muitos problemas, tais como um aumento no tempo gasto em cada caso (um problema muito sério, especialmente em países subdesenvolvidos, onde há uma carência cada vez maior de médicos), opiniões terapêuticas divergentes entre os pais e a criança, uma autonomia artificialmente reduzida para o paciente, etc. Se surgir um conflito entre os pais e a criança a respeito da maneira como o processo terapêutico deve continuar, os médicos quase sempre respeitam a decisão dos pais (exceto nos casos em que isso seja obviamente prejudicial à criança), visto que (1) qualquer outra atitude poderia acarretar consequências legais e (2) prevalece na pediatria uma abordagem mais paternalista quanto à relação médico-paciente8. Existem países em que a base legal agora prioriza o paciente em vez dos pais se a criança tiver capacidade de decisão9, mas isso costuma ser uma exceção. Nossa opinião é que, se o procedimento médico for de grande porte, os pais realmente devem estar envolvidos, uma vez que o paciente provavelmente demandaria muitos cuidados após a alta hospitalar, e sua capacidade de racionalizar futuras consequências é geralmente limitada; se, no entanto, o procedimento for menor, o paciente deve ser autorizado a decidir por si mesmo e os pais devem ser envolvidos somente se isso for solicitado. Nosso estudo demonstra que os médicos consideram essa atitude correta (um escore significativamente elevado para procedimentos médicos menores).

A idade exata em que uma pessoa se torna competente ainda é um assunto controverso. Alguns autores consideram que uma pessoa pode ser capaz de tomar decisões médicas informadas antes de chegar à idade adulta, especialmente em áreas específicas como oncologia ou questões familiares (uso materno de drogas, violência doméstica)10-15. Shaw16, por exemplo, separou os menores em duas faixas etárias – 16 e 17 anos e abaixo de 16 anos, e concluiu que um menor acima de 16 anos com capacidade de decisão deve ser capaz de dar consentimento competente para procedimentos médicos, mas não deve ser capaz de recusar um procedimento claramente benéfico. Menores abaixo de 16 anos devem ser informados sobre o procedimento médico, mas o consentimento deve ser coassinado pelo pai/responsável; eles não podem recusar um procedimento claramente benéfico. Nosso estudo revelou que os médicos consideram os pacientes acima de 16 anos significativamente mais capazes de tomar decisões médicas, tanto pequenas quanto grandes. Há alguns outros fatores que podem influenciar a capacidade de decisão mais do que a idade; por exemplo, Alderson17 observou que crianças que já haviam sido submetidas a cirurgia, quando perguntadas "Com quantos anos você acha que teve ou terá idade suficiente para decidir?", tiveram uma média de aproximadamente 14 anos, enquanto que, quando uma pergunta semelhante foi feita para menores de idade que não haviam sido submetidos a cirurgia, a média foi de 15-17 anos. Outro estudo, realizado por Borry et al. com o intuito de analisar a atitude de geneticistas clínicos a respeito da idade em que menores de idade podem realizar testes de portador, revelou que a idade não é o único elemento decisivo na tomada de decisão por parte dos adolescentes, visto que existem também outros fatores cruciais, tais como maturidade cognitiva, emocional e sexual18.

Questões médicas relacionadas à reprodução em adolescentes encontram-se geralmente associadas ao aborto contraceptivo e suas consequências19-21; alguns estudos revelaram que, em se tratando de questões reprodutivas, menores de idade (acima de 14 anos) podem ter a mesma capacidade de decisão que os adultos; quaisquer potenciais diferenças são muito provavelmente causadas pelos diferentes papéis dos adolescentes na família e na sociedade21; no entanto, a consideração dos futuros riscos e dos interesses próprios de conselheiros tende a crescer durante a adolescência21, motivando uma potencial limitação das decisões médicas reprodutivas, pelo menos nos primeiros anos da adolescência. Portanto, um limite de idade intermediário pode ser admissível do ponto de vista bioético; esse argumento é apoiado pelo nosso grupo de estudo, que teve um escore de aprovação altamente significativo para a ideia de autorizar menores acima de 16 anos a tomar decisões reprodutivas, em comparação com os pacientes abaixo de 16 anos. Outros motivos, de natureza não médica, que limitam a capacidade do adolescente de tomar decisões médicas, como aqueles relacionados a uma potencial diminuição nas taxas de aborto20,22-24, devem ser cuidadosamente equilibrados com o fato de que a gravidez está associada a uma carga psicológica, física e econômica muito maior para o adolescente do que um aborto21. Se a lei determina uma limitação para a capacidade de decisão médica dos adolescentes baseada na idade, isso não apenas reduz a autodeterminação do paciente, mas também pode alterar significativamente sua vida, limitando algumas escolhas em áreas como escolaridade, relacionamentos, etc. A questão ainda é controversa, visto que outros estudos identificaram uma diminuição no nível de competência mesmo em adultos jovens, especialmente em questões reprodutivas25, muito provavelmente causada por deficiências no processo educacional.

A participação de crianças em ensaios clínicos deve ser limitada, visto que se trata de uma população vulnerável, com diferenças de desenvolvimento, psicológicas e fisiológicas com relação aos adultos26. Nosso estudo revelou escores muito baixos em perguntas relacionadas à participação de crianças em ensaios clínicos, especialmente se os sujeitos não consentirem. Portanto, os médicos em sua maioria concordam que envolver uma criança em um ensaio clínico é uma tarefa muito delicada e só deve ocorrer quando absolutamente necessário. No caso de ensaios clínicos, nossa opinião é que o limite de idade para a capacidade de recusa deve ser completamente eliminado; no entanto, devido à complexidade cada vez maior do consentimento informado em ensaios clínicos e ao fato de que o benefício dirige-se principalmente a outras pessoas, deve-se reforçar que haja uma idade mínima elevada para consentir com a inclusão.

A questão sobre a doação de tecido regenerativo apresentou um escore muito elevado, sugerindo uma aceitação muito elevada desse procedimento quando em favor de um irmão. Curiosamente, também foi obtido um valor mais elevado do que o previsto quando os participantes foram questionados se concordam com a doação de um órgão sólido, uma técnica proibida na maioria dos países26. Os médicos do nosso estudo concordam com ambas as cirurgias de transplante principalmente porque consideraram que um paciente, mesmo que seja menor de idade, deve ter o direito de tomar decisões médicas informadas se tiver capacidade de decisão. No entanto, futuras consequências potencialmente negativas devem limitar o uso do transplante intervivos de órgãos sólidos, especialmente em se tratando de crianças, mesmo se o órgão tenha um par (por exemplo, o rim) ou apresentar uma elevada capacidade de regeneração (por exemplo, o fígado).

O último conjunto de itens do nosso estudo analisou um potencial conflito entre pais (seu direito de autorizar uma intervenção médica em seus filhos) e médicos (dever de cuidado). Nossos participantes concordaram totalmente que o dever de cuidado deve prevalecer sobre a autonomia dos pais, mas apenas se o ato dos pais é claramente contra o melhor interesse do paciente. Essa atitude é algo contraditória em relação aos recentes desenvolvimentos legislativos, que tendem a aumentar o papel do menor no processo de tomada de decisão9, através da tomada de decisão compartilhada [shared decision-making (SDM)]. Na SDM, o médico informa todas as partes interessadas (em pediatria, o menor e seus pais), e o plano de tratamento é decidido em conjunto. Embora a SDM pareça uma opção muito atraente em pediatria, não existem muitos estudos analisando sua eficiência27; além disso, existem alguns desafios que dificultam a implementação da SDM em larga escala. Tais desafios incluem o seguinte: é necessário um nível de alfabetização no mínimo intermediário para analisar e interpretar adequadamente as informações médicas e o processo de decisão conjunta, há a expectativa de uma abordagem mais paternalista para a relação médico-paciente em pediatria, são encontrados altos níveis de estresse em pais de crianças com necessidades especiais, alguns pais tomarão decisões com base não em dados médicos mas como uma forma de minimizar sua culpa se o tratamento escolhido não levar ao resultado favorável esperado, alguns clínicos não se sentem confortáveis com o processo, podem surgir diferenças entre pais e crianças acerca da melhor opção entre as alternativas oferecidas, etc.28.

As respostas obtidas em nosso estudo sobre o consentimento informado aproximam-no mais do sentido de autorização autônoma do que do sentido de autorização efetiva. Portanto, a intuição moral dos participantes é mais bioético e menos jurídica, o que, embora maximize os benefícios do paciente, está associado a um aumento no risco de responsabilidade.

Artigo submetido em 04.03.12, aceito em 25.07.12.

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.

Como citar este artigo: Hostiuc S. Informed consent and competence in pediatrics: opinions from a sample of Romanian physicians in training. J Pediatr (Rio J). 2012;88(6):518-23.

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  • Correspondência:

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Jan 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2012

    Histórico

    • Recebido
      04 Mar 2012
    • Aceito
      25 Jul 2012
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