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Fenótipo cintura hipertrigliceridêmica: associação com alterações metabólicas em adolescentes

Resumos

OBJETIVO: O presente estudo objetivou identificar a prevalência do fenótipo cintura hipertrigliceridêmica (CHT) e avaliar sua associação com alterações metabólicas em adolescentes de baixa condição econômica. MÉTODO: Estudo transversal com amostra probabilística de 1.076 adolescentes entre 11 e 17 anos, de ambos os sexos, estudantes de escolas públicas. Os participantes foram submetidos à avaliação antropométrica (peso, altura e circunferência da cintura) e à dosagem dos níveis de colesterol total, LDL-C, HDL-C, colesterol não HDL, triglicérides (TG) e glicemia de jejum. Foram obtidas informações referentes às condições econômicas das famílias dos participantes.O fenótipo CHT foi definido pela presença simultânea da circunferência da cintura aumentada (> percentil 90 por idade e sexo) e dos níveis séricos de triglicérides elevados (> 100 mg/dL). A análise de regressão logística foi utilizada para avaliação das associações de interesse. RESULTADOS: A prevalência do fenótipo CHT foi de 7,2% entre os adolescentes, sendo mais elevada na presença de obesidade (63,4%), do colesterol não HDL (16,6%) e do LDL-C (13,7%) altos. A análise bivariada indicou que, das variáveis metabólicas, apenas a glicemia não se associou ao fenótipo CHT. A análise multivariada, ajustada por sexo e idade, indicou que o fenótipo CHT se associou positivamente com o colesterol não HDL alto (odds ratio, 7,0; IC 95% 3,9-12,6) e com o HDL-C baixo (odds ratio, 2,7; IC 95%, 1,5-4,8). CONCLUSÕES: Este estudo mostrou que o fenótipo CHT se associou com um perfil lipídico aterogênico e sugere esse fenótipo como uma ferramenta de screening que pode ser utilizada para identificar adolescentes com alterações metabólicas.

Cintura hipertrigliceridêmica; Obesidade abdominal; Hipertrigliceridemia; Lipídios; Adolescente


OBJECTIVE: This study aimed to identify the prevalence of hypertriglyceridemic waist (HTW) phenotype, and to evaluate its association with metabolic abnormalities in adolescents of low socioeconomic status. METHOD: This was a cross-sectional study with a random sample of 1,076 adolescents between 11 and 17 years, of both genders, from public schools. The participants underwent anthropometric measurements (weight, height, and waist circumference), and levels of total cholesterol, low-density-lipoprotein cholesterol (LDL-C), high-density-lipoprotein cholesterol (HDL-C), non-HDL cholesterol triglyceride (TG), and fasting glucose were measured. Information regarding the socioeconomic status of the participants' families was obtained. The HTW phenotype was defined by the simultaneous presence of increased waist circumference (> 90th percentile for age and gender) and serum triglyceride levels (> 100 mg/dL). A logistic regression analysis was used to evaluate the associations of interest. RESULTS: The prevalence of HTW phenotype was 7.2% among the adolescents, being higher in the presence of obesity (63.4%) and high levels of non-HDL cholesterol (16.6%) and LDL-C (13.7%). The bivariate analysis indicated that, of the metabolic variables, only blood glucose was not associated with the HTW phenotype. Multivariate analysis adjusted for age and gender indicated that the HTW phenotype was positively associated with high non-HDL cholesterol (odds ratio: 7.0; 95% CI: 3.9-12.6) and low HDL-C levels (odds ratio: 2.7; 95% CI: 1.5-4.8). CONCLUSIONS: This study demonstrated that the HTW phenotype was associated with an atherogenic lipid profile, and this phenotype is suggested as a screening tool to identify adolescents with metabolic alterations.

Hypertriglyceridemic waist; Abdominal obesity; Hypertriglyceridemia; Lipids; Adolescent


ARTIGO ORIGINAL

Fenótipo cintura hipertrigliceridêmica: associação com alterações metabólicas em adolescentes

Maria Ester P. da Conceição-MachadoI,* * Autor para correspondência. E-mail: estercmachado@yahoo.com.br, marester@ufba.br (M.E.P. da Conceição-Machado). ; Luciana R. SilvaII; Mônica Leila P. SantanaIII; Elizabete J. PintoIV; Rita de Cássia R. SilvaV; Lia Terezinha L.P. MoraesVI; Ricardo D. CoutoVII; Ana Marlúcia O. AssisVIII

IDoutoranda, Programa de Pós-graduação em Medicina e Saúde, Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (FAMED), Salvador, BA, Brasil. Professora Adjunta, Departamento de Ciência da Nutrição, Escola de Nutrição da Universidade Federal da Bahia (ENUFBA), Salvador, BA, Brasil

IIProfessora Titular, Gastroenterologia Pediátrica, Departamento de Pediatria, FAMED, Salvador, BA, Brasil. Pós-doutora. Chefe do Serviço de Gastroenterologia e Hepatologia Pediátrica, Complexo Hospitalar Universitário Professor Edgard Santos (C-HUPES), Salvador, BA, Brasil

IIIDoutora. Professora Adjunta, Departamento de Ciência da Nutrição, ENUFBA, Salvador, BA, Brasil

IVEstatística. Mestranda, Programa de Pós-graduação em Medicina e Saúde, FAMED, Salvador, BA, Brasil

VPós-doutora. Professora-associada, Programa de Pós-graduação em Alimentos e Nutrição, ENUFBA, Salvador, BA, Brasil

VIProfessora, Departamento de Estatística, Instituto de Matemática, Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, BA, Brasil

VIIPós-doutor. Professor Adjunto, Departamento de Análises Clínicas e Toxicológicas, Faculdade de Farmácia, UFBA, Salvador, BA, Brasil. Professor-chefe, Laboratório Central, C-HUPES, Salvador, BA, Brasil

VIIIDoutora. Professora Titular, Programa de Pós-graduação em Alimentos e Nutrição, Departamento de Ciência da Nutrição, ENUFBA, Salvador, BA, Brasil

RESUMO

OBJETIVO: O presente estudo objetivou identificar a prevalência do fenótipo cintura hipertrigliceridêmica (CHT) e avaliar sua associação com alterações metabólicas em adolescentes de baixa condição econômica.

MÉTODO: Estudo transversal com amostra probabilística de 1.076 adolescentes entre 11 e 17 anos, de ambos os sexos, estudantes de escolas públicas. Os participantes foram submetidos à avaliação antropométrica (peso, altura e circunferência da cintura) e à dosagem dos níveis de colesterol total, LDL-C, HDL-C, colesterol não HDL, triglicérides (TG) e glicemia de jejum. Foram obtidas informações referentes às condições econômicas das famílias dos participantes.O fenótipo CHT foi definido pela presença simultânea da circunferência da cintura aumentada (> percentil 90 por idade e sexo) e dos níveis séricos de triglicérides elevados (> 100 mg/dL). A análise de regressão logística foi utilizada para avaliação das associações de interesse.

RESULTADOS: A prevalência do fenótipo CHT foi de 7,2% entre os adolescentes, sendo mais elevada na presença de obesidade (63,4%), do colesterol não HDL (16,6%) e do LDL-C (13,7%) altos. A análise bivariada indicou que, das variáveis metabólicas, apenas a glicemia não se associou ao fenótipo CHT. A análise multivariada, ajustada por sexo e idade, indicou que o fenótipo CHT se associou positivamente com o colesterol não HDL alto (odds ratio, 7,0; IC 95% 3,9-12,6) e com o HDL-C baixo (odds ratio, 2,7; IC 95%, 1,5-4,8).

CONCLUSÕES: Este estudo mostrou que o fenótipo CHT se associou com um perfil lipídico aterogênico e sugere esse fenótipo como uma ferramenta de screening que pode ser utilizada para identificar adolescentes com alterações metabólicas.

Palavras-chave: Cintura hipertrigliceridêmica; Obesidade abdominal; Hipertrigliceridemia; Lipídios; Adolescente

Introdução

As doenças cardiovasculares representam a primeira causa de morte nos países desenvolvidos e em desenvolvimento.1 No Brasil, elas representam a principal causa de morte na população, em todas as regiões.2 O excesso de peso corporal, principalmente na região abdominal, é um fator de risco importante para as doenças cardiovasculares e se associa a um conjunto de alterações metabólicas, como dislipidemia, hipertensão arterial, resistência à insulina, hiperinsulinemia e diabetes.3,4

O fenótipo cintura hipertrigliceridêmica (CHT) é representado pela presença simultânea dos níveis séricos de triglicérides elevados e da circunferência da cintura aumentada. Esse fenótipo tem sido proposto como ferramenta de diagnóstico, preditor da tríade metabólica aterogênica (hiperinsulinemia, níveis elevados de apolipoproteína B e concentrações aumentadas de partículas pequenas e densas da lipoproteína de baixa densidade [LDL-C]), e como alternativa ao diagnóstico da síndrome metabólica, destacando-se como indicador de risco cardiovascular e metabólico, associado com obesidade visceral.5-8

O estudo pioneiro de Lemieux et al. registrou que o fenótipo CHT apresentou alta concordância com a tríade metabólica aterogênica, sendo capaz de predizê-la. No estudo, indivíduos do sexo masculino com valores elevados de circunferência da cintura e de triglicérides séricos apresentaram risco aumentado para doença arterial coronária, quando comparados àqueles com índices normais. Identificou-se, ainda, que os homens com o fenótipo CHT apresentaram 3,6 vezes mais chances de ter doença arterial coronariana.8 Resultados de outros estudos, realizados em ambos os sexos, corroboraram os achados de Lemieux et al.5,7,9-12

No Brasil, as doenças cardiovasculares representam a principal causa de morbimortalidade e vêm atingindo indivíduos muito jovens, determinando redução expressiva da vida produtiva.2 Assim, a detecção precoce de alterações metabólicas pode contribuir para o desenvolvimento de programas de saúde de caráter preventivo, no sentido de evitar que os jovens desenvolvam prematuramente doenças cardiovasculares e todas as consequências associadas.

Diante da escassez de dados sobre o fenótipo CHT na população juvenil, principalmente no Brasil, este trabalho teve como objetivo identificar a prevalência do fenótipo CHT e sua associação com alterações metabólicas em adolescentes de escolas públicas estaduais de uma cidade do Nordeste brasileiro.

Método

Desenho e população de estudo

Estudo transversal, que compõe uma investigação mais ampla realizada com estudantes de 11 a 17 anos, de ambos os sexos, de escolas públicas estaduais da cidade de Salvador, BA, Brasil. Foram utilizadas informações do censo escolar, disponibilizadas pela Secretaria de Educação do Estado da Bahia; assim, o cálculo amostral baseou-se na população de 77.873 estudantes, adotando-se a técnica de conglomerados em dois estágios, representados pelas escolas e turmas.

Essa investigação foi planejada para atender vários objetivos. Especificamente, para investigar o fenótipo CHT, o delineamento amostral foi definido com base na prevalência de 6,4% para o fenótipo CHT13 com 98% de confiança e erro máximo admissível de 2%, estimando-se o número mínimo de 1.068 adolescentes na amostra. Este mesmo tamanho de amostra tem poder de 95% para detectar as associações entre os fatores HDL-C e não HDL-C com o fenótipo CHT, ao nível de significância de 5%.

Foram selecionadas, aleatoriamente, 23 das 207 escolas estaduais de Salvador, tendo sido sorteadas três turmas por escola, totalizando 1.216 adolescentes avaliados. Destes, 1.076 tiveram as informações completas para este estudo, número que supera o mínimo necessário para atingir os objetivos propostos. Foram excluídos gestantes, nutrizes e adolescentes com problemas físicos que impossibilitassem a avaliação antropométrica. Todos os adolescentes tiveram autorização escrita dos pais ou responsáveis legais para participação, e aqueles que apresentaram alterações foram encaminhados para acompanhamento por equipe multidisciplinar. O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Nutrição da Universidade Federal da Bahia (08/09).

A coleta dos dados ocorreu no ambiente escolar, por pessoal qualificado e previamente treinado, no período de julho a dezembro de 2009.

Avaliação antropométrica

As medidas antropométricas foram coletadas de maneira padronizada.14 O peso foi obtido utilizando-se balança digital portátil Master®, e a altura pelo estadiômetro portátil Leicester Height Measure®, admitindo-se variação máxima de 100 g e 0,5 cm, respectivamente, para peso e altura. O índice de massa corporal foi utilizado para o diagnóstico do estado antropométrico, adotando-se os percentis, segundo idade e sexo, propostos pela World Health Organization,15 categorizado em: magreza (< percentil 3), adequado (> percentil 3 e < percentil 85), sobrepeso (> percentil 85 e < percentil 97) e obesidade (percentil > 97). Para análise, consideraram-se as categorias: estado antropométrico adequado (magreza e adequado - categoria de referência), sobrepeso e obesidade.

A circunferência da cintura foi medida no ponto médio entre a crista ilíaca e a face externa da última costela. As medidas foram realizadas em duplicata por dois medidores independentes, aceitando-se variações de 0,5 cm e adotando-se a média entre os valores. A circunferência da cintura foi considerada aumentada quando a medida foi maior ou igual ao percentil 90, segundo idade e sexo,16,17 da própria amostra.

Avaliação bioquímica

Após jejum de 12 horas, coletou-se 5 mL de sangue dos adolescentes, por via venosa, em ambiente apropriado na escola. As amostras foram devidamente condicionadas e transportadas para o laboratório Central do Complexo Hospitalar Universitário Professor Edgard Santos, onde foram analisadas. Os níveis séricos de colesterol total, colesterol da lipoproteína de alta densidade (HDL-C) e triglicérides foram determinados por métodos enzimáticos, e o colesterol da lipoproteína de baixa densidade (LDL-C) pela fórmula de Friedewald, quando os triglicérides foram menores que 400 mg/dL. Os valores de colesterol total < 150 mg/dL, LDL-C < 100 mg/dL, HDL-C > 45 mg/dL e triglicérides < 100 mg/dL foram considerados adequados.18 Para o colesterol não HDL adotou-se como adequados valores < 123 mg/dL.19 A glicemia de jejum foi determinada pelo método enzimático, sendo adequados os valores < 100 mg/dL.20

Fenótipo cintura hipertrigliceridêmica

O fenótipo CHT foi definido pela presença simultânea da circunferência da cintura aumentada (> percentil 90 por idade e sexo da população amostral) e dos níveis séricos de triglicérides elevados (> 100 mg/dL).4,13

Condição econômica

As informações econômicas foram fornecidas pelo responsável do adolescente. Para caracterizar as condições econômicas utilizaram-se os "Critérios de Classificação Econômica do Brasil", que considera a posse de bens domésticos e a escolaridade do chefe da família, utilizando uma escala de pontuação que classifica os indivíduos em categorias de A a E, iniciando pela de maior poder aquisitivo.21 Os adolescentes foram estratificados nas categorias C, D e E, sendo agrupados em melhor condição econômica (categorias C e D - referência) e pior condição econômica (categoria E). Não foram identificados indivíduos nas categorias de maior poder aquisitivo (A e B).

Análise estatística

A população foi caracterizada por meio da análise descritiva, utilizando-se a proporção para os dados categorizados e a média (desvio-padrão) para variáveis contínuas. Empregou-se regressão logística para estimar as odds ratio (OR) e seu respectivo intervalo de confiança de 95% (IC 95%) para avaliar as associações de interesse, adotando-se testes bicaudais e nível de significância de 5%. As variáveis contínuas foram categorizadas e incluídas nos modelos bivariados e multivariados. As associações entre a variável resposta e aquelas de exposição foram, inicialmente, estimadas por meio da regressão logística bivariada. As variáveis que apresentaram valor de p < 0,20, nesta análise, foram selecionadas para análise multivariada posterior. Permaneceram no modelo final explicativo apenas aquelas com valor de p < 0,05. As análises estatísticas foram corrigidas pelo delineamento complexo da amostra, por meio da utilização de comandos SVY do Stata versão 10.0.

Resultados

A maior parte dos adolescentes era do sexo feminino (59,7%), com média de idade de 14,4 (1,5) anos. Em relação ao estado antropométrico, o apresentado pela maioria foi adequado (75,8%), seguido de magreza (7,9%), sobrepeso (9,8%) e obesidade (6,5%).

Na Tabela 1 são apresentados os percentis da circunferência da cintura dos adolescentes estudados, por idade e sexo. Foi adotado o percentil 90 para considerar a circunferência da cintura aumentada.

A prevalência do fenótipo CHT foi 7,2% entre os adolescentes deste estudo. A prevalência isolada dos componentes do fenótipo CHT foi, respectivamente, 11,3% e 42,5% para circunferência da cintura aumentada e altos níveis séricos de triglicérides.

Foram observadas maiores prevalências do fenótipo CHT na idade de 11 anos para ambos os sexos (masculino 15,0%; feminino 13,1%). No sexo masculino, as maiores prevalências do fenótipo CHT se deram até os 14 anos. Aos 15 e 16 anos observaram-se inversões nas prevalências do fenótipo CHT, com valores mais elevados para o sexo feminino. Após os 16 anos, a prevalência do fenótipo CHT diminuiu em ambos os sexos (masculino 2,7%; feminino 3,1%). Vale ressaltar que nenhuma diferença estatisticamente significante (p > 0,05, teste exato de Fisher) foi observada para estas relações (dados não apresentados em tabela).

Os valores médios das concentrações dos parâmetros metabólicos estão apresentados na Tabela 2. Os adolescentes com o fenótipo CHT apresentaram valores médios de colesterol total, LDL-C e colesterol não HDL significantemente mais altos, bem como valor médio de HDL-C mais baixo quando comparados àqueles sem o fenótipo CHT. Não houve diferença expressiva nas médias de glicemia entre os adolescentes com e sem o fenótipo CHT.

A prevalência do fenótipo CHT foi mais elevada entre os obesos (63,4%), que apresentaram níveis de colesterol total alto (10,5%), LDL-C alto (13,7%), HDL-C baixo (11,3%) e colesterol não HDL alto (16,6%) (Tabela 3).

O resultado da análise bivariada indicou que o fenótipo CHT esteve associado ao colesterol não HDL (OR = 6,6; IC 95% 3,8-11,7), LDL-C (OR = 4,0; IC 95% 2,3-7,0), colesterol total (OR = 3,5; IC 95% 1,9-6,4) altos e ao HDL-C baixo (OR = 2,5; IC 95% 1,4-4,4). Dentre as variáveis metabólicas, apenas a glicemia de jejum não se associou ao fenótipo CHT. O resultado da análise multivariada, ajustado por sexo e idade, indicou que o fenótipo CHT se associou positivamente com o colesterol não HDL alto (OR = 7,0; IC 95% 3,9-12,6) e o HDL-C baixo (OR = 2,7; IC 95% 1,5-4,8) (Tabela 4).

Discussão

A presente investigação representa o primeiro estudo realizado no Brasil em que se adotou amostra representativa de adolescentes, de ambos os sexos, estudantes de escolas públicas estaduais de uma capital do Nordeste. Neste estudo, a prevalência do fenótipo CHT foi de 7,2%, indicando ser este um evento clínico importante entre os adolescentes investigados. Enfatiza-se também maior ocorrência do fenótipo CHT entre os adolescentes que apresentam níveis altos de colesterol não HDL e níveis baixos de HDL-C, quando comparados àqueles que apresentaram níveis adequados destes marcadores de risco cardiovascular.

A prevalência do fenótipo CHT nos adolescentes deste estudo foi semelhante àquelas identificadas em adolescentes do Teerã (Irã) (6,4%)13 e em crianças e adolescentes do Irã (8,5%).22 O único estudo identificado no Brasil sobre o fenótipo CHT em adolescentes foi conduzido por Pereira4 em Viçosa (Minas Gerais), que encontrou prevalência de 2,6% para o fenótipo CHT em adolescentes do sexo feminino, de 14 a 19 anos. Essa prevalência difere da encontrada no presente estudo, que identificou para esse mesmo sexo e faixa etária uma prevalência mais elevada (7,3%). É possível que as diferenças encontradas nas prevalências do fenótipo CHT, tanto no estudo realizado no Brasil como em outras regiões do mundo, se devam aos pontos de cortes utilizados, já que os valores de referência para circunferência da cintura e triglicérides podem diferir conforme etnias e estilos de vida, os quais interferem no acúmulo de gordura abdominal.3,4,23 Outro aspecto a ser considerado com relação à medida da circunferência da cintura é a variação no local anatômico de realização da medida observada em vários estudos.3,4,13 Dessa forma, a ausência de padronização para uso mundial, dos níveis séricos de triglicérides e principalmente para medida da circunferência da cintura, dificulta a comparação entre os estudos.

Vale ressaltar que a prevalência de hipertrigliceridemia nos adolescentes deste estudo foi 42,5% maior do que a encontrada em outros estudos realizados no Brasil, que variaram de 13,95 a 35,3%.24,25 Este é um fato preocupante, uma vez que os níveis séricos de TG altos têm sido considerados fatores de risco independentes para doenças cardiovasculares.8,24

Os dados deste estudo indicam uma associação positiva e significante do fenótipo CHT com um perfil lipídico aterogênico, não havendo associação com a glicemia de jejum. Esses resultados corroboram com aqueles encontrados por Esmaillzadeh et al.,13 no qual o fenótipo CHT se associou positivamente à elevação da pressão arterial, do colesterol total, do LDL-C e dos níveis de HDL-C baixos, mas não se associou à glicemia de jejum. O estudo de Alavian et al. também indicou que a prevalência da alteração no perfil lipídico foi mais elevada entre os adolescentes iranianos com o fenótipo CHT, resultado semelhante ao observado entre os adolescentes brasileiros. Por outro lado, neste estudo, não foi observada associação do fenótipo CHT com glicemia de jejum, como observado nas crianças e adolescentes iranianos,22 embora a prevalência de hiperglicemia tenha sido elevada (13,8%). Estudos realizados em adolescentes de diferentes regiões do Brasil identificaram prevalências de hiperglicemia variando de 0,5 a 24,3%.24,26 Este fato merece atenção, visto que a glicemia guarda relação com a obesidade e as doenças cardiovasculares, alterando-se tardiamente.4

O fenótipo CHT pode representar um marcador do excesso de gordura visceral, causa mais comum de resistência à insulina, considerada um fator etiopatogênico importante para o desenvolvimento de intolerância à glicose e hiperinsulinemia.7,23,27 Vale ressaltar que os indivíduos com obesidade visceral ainda tendem a apresentar hipertrigliceridemia e HDL-C baixo, bem como elevação das partículas pequenas e densas de LDL-C e da concentração de apolipoproteína B, caracterizando o perfil lipídico aterogênico, apesar de muitas vezes a concentração sérica de LDL-C estar normal.23 Outra variável relacionada ao perfil lipídico aterogênico é o colesterol não HDL alto, que inclui todo o colesterol que possui em sua composição lipoproteínas ricas em triglicerídeos, potencialmente aterogênicas.19,28 Os resultados do estudo de Bos et al. mostraram que o colesterol não HDL aumentou em 50% o risco associado à presença do fenótipo CHT.

Acredita-se que, na presença de obesidade visceral, a atividade lipolítica nos adipócitos é alta, ocasionando maior liberação dos ácidos graxos livres e consequente acumulação celular, principalmente no fígado, músculo e pâncreas. O excesso de ácidos graxos livres no fígado fornece substrato para produção de triglicerídes hepáticos e lipoproteínas ricas em triglicerídes na circulação.13,23,29 Além disso, o excesso de ácidos graxos livres na circulação pode induzir resistência à insulina e hiperinsulinemia, devido à inibição da captação de glicose e oxidação pelo músculo e outros órgãos.13 Assim, indivíduos com obesidade visceral apresentam alterações metabólicas importantes que podem ser precocemente diagnosticadas pelo fenótipo CHT.

São escassos os estudos sobre o fenótipo CHT na infância e adolescência. No entanto, diversas investigações têm sido conduzidas em população adulta europeia, canadense e americana. Os resultados desses estudos indicaram associação positiva do fenótipo CHT com os valores médios mais altos de colesterol total, LDL-C e colesterol não HDL, bem como HDL-C baixo,5-7,9-11 corroborando os achados de outros estudos que envolvem ciclo de vida mais jovem, indicando possivelmente que o fenômeno ocorre tanto na adolescência quanto na vida adulta. Estudos com desenhos de coorte possivelmente deverão indicar se o evento se inicia na infância e/ou adolescência, perdurando na vida adulta, como ocorre com a formação da placa de ateroma.30 As evidências disponíveis são consistentes para a associação entre o fenótipo CHT e as alterações metabólicas aterogênicas e o risco cardiovascular. Estas evidências podem sustentar a posição de muitos investigadores de que o fenótipo CHT pode ser utilizado como uma ferramenta de triagem precisa e de baixo custo para identificar indivíduos em risco cardiometabólico, os quais se beneficiariam com prevenção adequada e/ou o tratamento precoce.6,7,9,11,22 Além disso, as informações são consistentes para a indicação e o uso do fenótipo CHT como ferramenta de igual ou maior relevância que os critérios atuais de diagnóstico da síndrome metabólica para identificação de risco cardiovascular.7,10,12

O fenótipo CHT é uma ferramenta prática e fácil de ser obtida, por usar na sua construção apenas a circunferência da cintura e os triglicérides séricos de jejum. A circunferência da cintura é um dos indicadores antropométricos fortemente relacionados à obesidade abdominal, predizendo hiperinsulinemia e níveis elevados de apolipoproteína B, enquanto as concentrações de triglicérides têm o poder de predizer as partículas pequenas e densas do LDL-C,7,8,11 que não podem ser avaliadas pela determinação do LDL-C, mas por métodos sofisticados e caros. Assim, o fenótipo CHT prediz a tríade metabólica aterogênica, que são fatores de risco não tradicionais para doença arterial coronariana, consideradosos melhores preditores das doenças cardiovasculares.6,8,9

Algumas limitações do presente estudo devem ser consideradas. A primeira diz respeito ao desenho transversal que impossibilita traçar relação de causa e efeito entre os eventos; no entanto, este fez surgir várias perguntas que necessitam de novos estudos para respondê-las. A segunda é a ausência de informações sobre alguns dos fatores de risco para doenças cardiovasculares, como hipertensão, consumo de álcool, tabagismo, atividade física e os marcadores inflamatórios e protetores de risco cardiovascular que não foram coletados nesse estudo. A terceira é a inexistência de estrato populacional de maior condição econômica, impossibilitando a comparação entre os diferentes estratos. Soma-se, ainda, a inexistência de padronização disponível dos critérios de classificação do fenótipo CHT, principalmente na população infanto-juvenil. No entanto, os resultados deste estudo se sustentam na plausibilidade biológica e em resultados similares registrados por estudos prospectivos,9,11,12 dando suporte à teoria de que o fenótipo CHT é um bom indicador de risco para a morbimortalidade das doenças cardiovasculares.

Assim, os resultados clínicos deste estudo somam-se a outros, agregando evidências científicas de que o fenótipo CHT se associa com um perfil lipídico aterogênico, contribuindo para o fortalecimento da adoção do fenótipo CHT na prática clínica e nos estudos epidemiológicos devido a sua facilidade de obtenção, praticidade, precisão e baixo custo. Dessa forma, pode proporcionar a identificação precoce de crianças, adolescentes e adultos que possam estar em risco metabólico, sendo muito útil na atenção básica à saúde, possibilitando a adoção de medidas de prevenção primária. Enfatiza-se, portanto, que os médicos e outros profissionais que atuam na atenção primária devem ser instruídos para identificar precocemente estes indivíduos e conduzi-los de modo adequado, tanto na prevenção quanto na terapêutica.

Financiamento

O trabalho foi parcialmente financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia - FAPESB- Projeto nº 1431040053551 e Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

Agradecimentos

Nossos agradecimentos à Secretaria de Educação e Cultura do Estado da Bahia, aos diretores, professores, alunos, funcionários das escolas estaduais e familiares dos estudantes que participaram deste estudo. Agradecemos, também, a equipe do laboratório de análise clínica do Hospital Universitário Professor Edgard Santos e a Sociedade Baiana de Pediatria.

Recebido em 8 de maio de 2012; aceito em 8 de agosto de 2012

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    Autor para correspondência.
    E-mail:
    marester@ufba.br (M.E.P. da Conceição-Machado).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Mar 2013
    • Data do Fascículo
      Fev 2013

    Histórico

    • Recebido
      08 Maio 2012
    • Aceito
      08 Ago 2012
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