Acessibilidade / Reportar erro

Progresso e direção ao controle e eliminação das doenças tropicais negligenciadas no Brasil

EDITORIAL

Progresso e direção ao controle e eliminação das doenças tropicais negligenciadas no Brasil* * Ver artigo de Aguiar-Santos AM. et al. nas páginas 250-5.

Albis Francesco GabrielliI,** ** Autor para correspondência. E-mail: gabriellia@who.int (A.F. Gabrielli). ; Antonio MontresorI; Ruben Santiago NichollsII; Steven Kenyon AultIII

IDoutor,Department of Control of Neglected Tropical Diseases, World Health Organization, Genebra, Suíça

IIDoutor, Escritório no Brasil, Organização Pan-Americana da Saúde, Brasília, DF, Brasil

IIIMestre, Department of Parasitology and Neglected Diseases, Pan American Health Organization, Washington, EUA

O estudo de Aguiar-Santos et al.1 mostra que, apesar de vários anos de intervenções com o objetivo de eliminar a filariose linfática (FL) de Pernambuco, sua transmissão ainda está ocorrendo em níveis sustentados (13,8% de prevalência); o estudo também mostra que as helmintíases transmitidas pelo solo (HTS) ainda são significativamente prevalentes entre as crianças pesquisadas (46,5% ou 74/159).

A alta prevalência de filariose linfática (FL) provavelmente é um reflexo do fato de que as recomendações da OPAS/OMS2 relacionadas com a administração em massa de medicamentos (AMM) foram seguidas apenas parcialmente no passado: essa intervenção não foi implementada em todas as áreas endêmicas (foi aplicado o gerenciamento de casos individuais nas áreas com baixa prevalência) e foi usado um esquema de monoterapia com dietilcarbamazina (DEC),3 em vez da associação recomendada de DEC + albendazol.2

A alta prevalência de HTS também é um reflexo do fato de que o albendazol não foi distribuído na estrutura da DMM para FL e que a estratégia recomendada pela OMS, sugerindo distribuição de albendazol ou mebendazol a crianças em idade escolar (CIE) em intervalos regulares,2 não foi seguida pelas autoridades correspondentes.

Esses fatos nos lembram que o Brasil continua a ser o país com a maior carga de doenças tropicais negligenciadas (DTN) em termos de indivíduos que precisam de farmacoterapia (tratamento anti-helmíntico) preventiva,4 embora também se reconheça que é o maior e o mais populoso país da América Latina. Apesar da excelente assistência das autoridades federais e da experiência técnica local, o controle e a eliminação da filariose linfática, das helmintíases transmitidas pelo solo e, é importante não esquecer, da esquistossomose, têm ficado um pouco para trás em termos de cobertura.3 Isso representa, sem dúvida, um grande desafio de saúde pública para um país importante como o Brasil.

No que se refere à FL e a HTS, essa situação é atribuível, pelo menos em parte, à descentralização das responsabilidades administrativas e ao fato de que a iniciativa e a liderança, em questões de saúde, são de responsabilidade dos governos estaduais e municipais;5 O resultado é que o compromisso e os investimentos para eliminação da FL têm sido diferentes em cada município, em decorrência de situações específicas de prioridade. Um exemplo mostrando o que o Brasil pode fazer quando há compromisso e investimentos é representado pelo programa de eliminação da oncocercose. No início da década de 2000, o Brasil começou a implementar AMM semestral com ivermectina em uma cobertura muito alta; alguns anos mais tarde, a fim de acelerar os esforços para interrupção da transmissão, o país decidiu intensificar o tratamento e implementar DMM a cada três meses. Isso tem sido feito apesar de consideráveis dificuldades associadas ao isolamento geográfico da área endêmica (o Amazonas) e da especificidade cultural da população-alvo (comunidades indígenas Yanomami), e a um custo considerável.6

O exemplo da oncocercose mostra o que pode ser feito quando há uma boa coordenação entre o Ministério da Saúde (Brasília), os estados e municípios para definir as melhores estratégias de intervenção, com base em evidências prevalentes, nas etapas de planejamento e execução e pelo aumento do compromisso e dos investimentos para controle e eliminação das helmintíases.

As autoridades da saúde do Brasil estão cientes desse desafio e, para reagir apropriadamente a ela, o Ministério de Saúde divulgou, em julho de 2012, um plano integrado de ações estratégicas7 para lutar contra as doenças tropicais negligenciadas (DTN), inclusive as quatro principais helmintíases mencionadas, com o intuito de eliminar a filariose linfática, a oncocercose e a esquistossomose, e reduzir a carga de doença por HTS até 2015. As principais características do plano de ação, com referência às helmintíases, incluem: recomendação da implementação da DMM para FL em comunidades onde a prevalência seja > 0,1% (ainda que a monoterapia com DEC ainda seja recomendada); recomendação da implementação da desparasitação de HTS em crianças na idade escolar (5-14 anos) em áreas nas quais a prevalência seja > 20%; DMM para esquistossomose em áreas nas quais a prevalência da parasitose seja > 25%; DMM para oncocercose no foco localizado no Amazonas.

A implementação do plano já foi iniciada e, em março de 2013, o Brasil realizou sua primeira companha nacional de desparasitação com o objetivo de tratar cerca de 10 milhões de crianças em idade escolar em municípios prioritários, conforme definido por indicadores socioeconômicos. Acreditamos que todas essas sejam etapas direcionadas ao rumo certo e, embora não utilizando completamente as recomendações da OMS - talvez especialmente com referência à esquistossomose - as ações recomendadas provavelmente irão acelerar o progresso em direção ao controle e eliminação das DTN e, finalmente, contribuir para atingir a meta de um Brasil sem Miséria.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

  • 1. Aguiar-Santos AM, Medeiros Z, Bonfim C, Rocha AC, Brandão E, Miranda T, et al. Epidemiological assessment of neglected diseases in children: lymphatic filariasis and soil-transmitted helminthiasis. J Pediatr (Rio J). 2013;89:.
  • 2
    World Health Organization (WHO). Preventive chemotherapy in human helminthiasis. Coordinated use of anthelminthic drugs in control interventions: a manual for health professionals and programme managers. Geneva: World Health Organization; 2006. 62p.
  • 3
    World Health Organization (WHO) [Internet]. Geneva: WHO. Neglected Tropical Diseases. PCT Databank. c2010 [acessado em 2013 Fev 6]. Disponível em: http://www.who.int/neglected_diseases/preventive_chemotherapy/databank/en/index.html
    » link
  • 4. Dreyer G, Norões J. Diethylcarbamazine in the treatment of Bancroft's filariasis. Rev Soc Bras Med Trop. 1997;30:229-40.
  • 5. Atkinson S, Haran D. Back to basics: does decentralization improve health system performance? Evidence from Ceará in north-east Brazil. Bull World Health Organ. 2004;82:822-7.
  • 6. Banic DM, Calvão-Brito RH, Marchon-Silva V, Schuertez JC, de Lima Pinheiro LR, da Costa Alves M, et al. Impact of 3 years ivermectin treatment on onchocerciasis in Yanomami communities in the Brazilian Amazon. Acta Trop. 2009;112:125-30.
  • 7. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância em Doenças Transmissíveis. Plano integrado de ações estratégicas de eliminação da hanseníase, filariose, esquistossomose e oncocercose como problema de saúde pública, tracoma como causa de cegueira e controle das geohelmintíases: plano de ação 2011-2015. Brasília: Ministério da Saúde; 2012.
  • *
    Ver artigo de Aguiar-Santos AM. et al. nas páginas 250-5.
  • **
    Autor para correspondência.
    E-mail:
    gabriellia@who.int (A.F. Gabrielli).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Jul 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013
    Sociedade Brasileira de Pediatria Av. Carlos Gomes, 328 cj. 304, 90480-000 Porto Alegre RS Brazil, Tel.: +55 51 3328-9520 - Porto Alegre - RS - Brazil
    E-mail: jped@jped.com.br