Acessibilidade / Reportar erro

Indicadores antropométricos e pressão arterial em escolares

Resumos

OBJETIVO: Investigar a relação entre pressão arterial e índice de massa corporal, circunferência abdominal, razão cintura/estatura e dobra cutânea tricipital em crianças e adolescentes. MÉTODOS: Estudo epidemiológico transversal, do qual participaram 1.441 escolares de 10 a 16 anos de idade (655 meninos e 786 meninas), selecionados por amostragem aleatória sistemática. Avaliaram-se a massa corporal, a estatura, a circunferência abdominal, a espessura da dobra cutânea tricipital, as pressões arteriais - sistólica e diastólica - o estágio maturacional e a classe econômica. Utilizaram-se os testes de correlação parcial de Pearson e a regressão logística multivariada, considerando-se p < 0,05. RESULTADOS: Todos os indicadores antropométricos demonstraram fracas correlações com os níveis sistólicos e diastólicos, com coeficientes (r) variando de 0,18 a 0,28 (p < 0,001). Na análise multivariada, os únicos preditores antropométricos associados ao risco de pressão arterial elevada foram o índice de massa corporal (OR = 2,9; IC 95%: 1,9-4,5) e a dobra cutânea tricipital (OR = 1,9; IC 95%: 1,3-3,1), independentes da adiposidade abdominal, maturação sexual e nível econômico. CONCLUSÃO: Nesta faixa etária, a adiposidade corporal total parece ser melhor determinante do risco de elevação da pressão arterial do que a adiposidade abdominal.

Antropometria; Estudantes; Pressão arterial


OBJECTIVE: To investigate the association of blood pressure and body mass index, waist circumference, waist-to-height ratio and triceps skinfold, in children and adolescents in Curitiba, state of Paraná, Brazil. METHODS: Cross-sectional study with a random sample of 1,441 students from public schools, aged from10 to 16 years (655 boys and 786 girls). The following indicators were assessed: weight, height, waist circumference, triceps skinfold, systolic and diastolic blood pressures, pubertal stage, and socioeconomic status. Pearson correlation tests and multivariate logistic regression were used, considering p < 0.05. RESULTS: We found weak correlations among all the anthropometric parameters and systolic and diastolic levels, with coefficients values ranging from 0.18 to 0.28 (p < 0.001). In multivariate analysis, only body mass index [odds ratio (OR) = 2.9; 95% confidence interval (95%CI) 1.9-4.5] and triceps skinfold (OR = 1.9; 95%CI 1.3-3.1) were found as predictors of high blood pressure, regardless of abdominal adiposity, sexual maturation and socioeconomic status. CONCLUSION: Total body adiposity seems to be a better predictor of high blood pressure risk than abdominal fat in this population.

Anthropometry; Students; Blood pressure


ARTIGO ORIGINAL

Indicadores antropométricos e pressão arterial em escolares* * Este artigo é parte da dissertação de Mestrado de Deise Cristiane Moser, pela Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil.

Deise Cristiane MoserI,** ** Autor para correspondência. E-mail: deisemoser@yahoo.com.br (D.C. Moser). ; Isabela de Carlos Back GiulianoII; Ana Cláudia Kapp TitskiIII; Anelise Reis GayaIV; Manuel João Coelho-e-SilvaV; Neiva LeiteVI

IMestre em Educação Física, Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, PR, Brasil

IIDoutora em Medicina, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, SC, Brasil

IIIMestranda em Educação Física, UFPR, Curitiba, PR, Brasil

IVDoutora em Educação Física, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS, Brasil

VDoutor em Ciências do Desporto e Educação Física, Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal

VIDoutora em Pediatria, UFPR, Curitiba, PR, Brasil

RESUMO

OBJETIVO: Investigar a relação entre pressão arterial e índice de massa corporal, circunferência abdominal, razão cintura/estatura e dobra cutânea tricipital em crianças e adolescentes.

MÉTODOS: Estudo epidemiológico transversal, do qual participaram 1.441 escolares de 10 a 16 anos de idade (655 meninos e 786 meninas), selecionados por amostragem aleatória sistemática. Avaliaram-se a massa corporal, a estatura, a circunferência abdominal, a espessura da dobra cutânea tricipital, as pressões arteriais - sistólica e diastólica - o estágio maturacional e a classe econômica. Utilizaram-se os testes de correlação parcial de Pearson e a regressão logística multivariada, considerando-se p < 0,05.

RESULTADOS: Todos os indicadores antropométricos demonstraram fracas correlações com os níveis sistólicos e diastólicos, com coeficientes (r) variando de 0,18 a 0,28 (p < 0,001). Na análise multivariada, os únicos preditores antropométricos associados ao risco de pressão arterial elevada foram o índice de massa corporal (OR = 2,9; IC 95%: 1,9-4,5) e a dobra cutânea tricipital (OR = 1,9; IC 95%: 1,3-3,1), independentes da adiposidade abdominal, maturação sexual e nível econômico.

CONCLUSÃO: Nesta faixa etária, a adiposidade corporal total parece ser melhor determinante do risco de elevação da pressão arterial do que a adiposidade abdominal.

Palavras-chave: Antropometria; Estudantes; Pressão arterial

Introdução

A obesidade e a gordura central excessiva são alterações que precedem os aumentos da pressão arterial em crianças e adolescentes, conforme investigações epidemiológicas que utilizaram tecnologias de alta precisão para estimar a adiposidade corporal.1 Entretanto, devido ao alto custo e à pouca praticidade, e pelos riscos de exposição à radiação proporcionados por tais recursos, pesquisadores investigam a capacidade preditiva dos indicadores antropométricos, na perspectiva de se utilizar métodos mais simples, práticos e de baixo custo na avaliação do risco de pressão arterial elevada na faixa etária infanto-juvenil.

Desde a década de 1970, vários estudos apontam o índice de massa corporal (IMC) como o melhor preditor da pressão arterial elevada na infância e adolescência.1-4 Outras investigações também consideraram o IMC um importante marcador na relação entre a pressão arterial e os indicadores de adiposidade central.5,6 Por outro lado, o acúmulo de tecido adiposo na região central do corpo tem sido apontado como melhor determinante para o desenvolvimento da pressão arterial elevada do que a adiposidade total.7

Atualmente, porém, não há consenso na escolha do preditor antropométrico dos níveis tensionais elevados nesta população. Indicadores antropométricos como o IMC, a circunferência abdominal, a dobra cutânea tricipital e, mais recentemente, a razão cintura/estatura, têm sido investigados quanto à validade em predizer o risco de elevação dos níveis tensionais na população pediátrica.3,8 Portanto, este estudo teve como objetivo investigar qual o melhor determinante antropométrico da pressão arterial elevada em crianças e adolescentes.

Métodos

Esta pesquisa epidemiológica com delineamento transversal foi realizada em 2008 e 2009, após estudo piloto. A amostra, extraída da população escolar de 5ª a 8ª séries distribuída em cinco regionais administradas pela Secretaria Municipal de Educação de Curitiba (n = 8140), foi selecionada por amostragem aleatória sistemática, em duas etapas: 1) sorteio de uma escola de cada regional; 2) convite a todos os escolares e explicações sobre o estudo.

O cálculo amostral (EpiInfo versão 3.5.1) resultou da soma das amostras calculadas para cada regional (n = 1523), para as quais se consideraram: número de alunos matriculados em cada regional; prevalência desconhecida (50%); nível de confiança igual a 95%; e erro amostral de 5%. As avaliações foram realizadas somente naqueles escolares que aceitaram participar da pesquisa e que apresentaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido assinado pelos responsáveis (n = 1497). Destes, excluíram-se 46 indivíduos: 1) idade diferente de 10 a 16 anos; 2) não realização de todas as avaliações; 3) uso de medicamentos e/ou presença de enfermidade que pudesse alterar os níveis da pressão arterial.

A amostra final foi composta por 1.441 crianças e adolescentes, sendo 655 meninos e 786 meninas. As margens de erro amostral em cada regional, calculadas a posteriori, variaram de 1,2 a 1,5, abaixo do valor estabelecido a priori (5%).

As avaliações foram realizadas durante o horário escolar, por avaliadores treinados e utilizando-se equipamentos calibrados. As técnicas para mensurar a estatura, massa corporal e dobra cutânea tricipital foram obtidas conforme normas internacionais,9 considerando-se válido a moda ou o valor médio de três mensurações. A estatura foi medida com estadiômetro de parede (Wisoâ, Brasil) com resolução de 0,1 cm, e a massa corporal em balança digital (Plennaâ, modelo Sport, Brasil) com capacidade máxima de 150 kg e resolução de 100 gramas. O avaliado vestiu somente o uniforme escolar, sem casaco ou objetos nos bolsos.

O IMC (kg/m2 ) foi utilizado para classificar os escolares com peso adequado e excesso de peso.10 Os dados dos escolares com baixo peso (1,2%; n = 18) foram incluídos na categoria de peso adequado.

A adiposidade subcutânea foi estimada pela espessura da dobra cutânea tricipital, utilizando-se plicômetro científico (Cescorfâ, Brasil) com resolução de 0,1mm. Sua classificação foi baseada na curva de referência do NHANES I11 e considerada elevada (obesidade) quando correspondia aos valores iguais ou acima do 90º percentil.12

A circunferência abdominal foi obtida com o uso de fita métrica flexível e inextensível (Gullikâ, Brasil), com resolução de 0,1 cm, aplicada imediatamente acima das cristas ilíacas. Para a classificação de obesidade abdominal, utilizou-se o ponto de corte para todas as etnias (circunferência abdominal > 75º).13 A obesidade abdominal também foi diagnosticada pela razão cintura/estatura (circunferência abdominal/estatura), tendo como limite de corte os valores iguais ou superiores a 0,5.14

A determinação do estágio puberal foi baseada na autoavaliação da pilosidade pubiana (P1-P5),15 por ser mais confiável do que a autoavaliação dos genitais, em ambos os gêneros, além de evitar constrangimentos aos avaliados e apresentar maior praticidade operacional em relação às avaliações diretas.16 Os escolares foram classificados como pré-púberes (ausência de pilificação ou P1), púberes (pilificação P2-P4) e pós-púberes (pilificação P5). Para a classificação do estágio pós-puberal nas meninas, priorizou-se o relato de menarca.

A mensuração da pressão arterial obedeceu às técnicas recomendadas,17 utilizando-se esfigmomanômetro com coluna de mercúrio (Wan Medâ, Brasil). Foram obtidas três medidas com intervalo mínimo de dois minutos entre elas, considerando-se válido o valor médio entre as duas últimas medidas. A pressão arterial elevada foi caracterizada pelos valores de pressão arterial sistólica e/ou diastólica iguais ou superiores ao 90º percentil ou a 120 mmHg e/ou 80 mmHg.18

A classe econômica foi identificada pelo critério brasileiro de classificação econômica.19 Devido ao baixo percentual de escolares nas classes A (5,5%) e D (1,5%), e nenhum na classe E, as oito classes econômicas foram agrupadas nas classes A/B (classes A1, A2, B1 e B2), e C/D (classes C1, C2 e D).

Na análise estatística, confirmaram-se a normalidade dos dados pelo Teste de Correlação Bivariada (MatLab, versão 6.1), e a existência de elementos discrepantes (outliers) por meio de Boxplots. Os outliers foram incluídos nas análises porque correspondiam aos dados de sujeitos obesos ou com sobrepeso, os quais interessavam para o estudo.

Para comparar as características antropométricas e hemodinâmicas entre os gêneros utilizou-se o teste t de Student para amostras independentes, investigando-se a homogeneidade das variâncias entre os grupos pelo teste de Lèvene.

A fim de analisar a relação das seguintes variáveis: IMC, circunferência abdominal, razão cintura/estatura e dobra cutânea tricipital, entre si e com as pressões arteriais - sistólica e diastólica - foi realizado o teste de correlação parcial de Pearson com ajustes para o gênero, idade e maturação sexual.

A análise exploratória dos dados demonstrou relação não linear entre x e y, a partir de determinado ponto de sua distribuição, assumindo curva logística em S. Efetuou-se, portanto, a regressão logística binária multivariada determinando-se a razão de chances ou odds ratio (OR) e os respectivos intervalos de confiança com 95% de confiança, no intuito de analisar a associação independente da pressão arterial elevada (variável dependente) com as categorias do IMC, circunferência abdominal, razão cintura/estatura e dobra cutânea tricipital (variáveis independentes). Os modelos foram construídos pelo método de razão de verossimilhança retrógrada não condicional e ajustados para todas as medidas de adiposidade, estágio maturacional e nível econômico (variáveis intervenientes).

Todas as variáveis estudadas foram dicotomizadas, e o critério para inclusão das variáveis independentes no modelo multivariado foi um nível de associação de p < 0,20 com a variável dependente, pelo teste Qui-quadrado.

As análises foram realizadas por meio do Statistical Package for a Social Science (SPSS), versão 13.0, considerando-se p < 0,05. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Setor de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Paraná, sob o protocolo CEP/SD: 403.083.07.07, em consoante à Declaração de Helsinki, e autorizado pela Secretaria Municipal de Educação de Curitiba-PR.

Resultados

Os meninos demonstraram médias superiores de idade,de estatura e de pressões arteriais sistólica e diastólica do que as meninas (p < 0,05), as quais apresentaram maiores médias de razão cintura/estatura e de dobra cutânea tricipital (p < 0,05). As médias de massa corporal, de IMC e de circunferência abdominal foram semelhantes entre os gêneros (tabela 1).

Na avaliação da maturação sexual (n = 1439), identificaram-se escolares pré-púberes (3,8%; n = 55), púberes (64,1%; n = 923) e pós-púberes (32%; n = 461). Comparando-se os gêneros masculino (n = 653) e feminino (n = 786), verificaram-se maiores proporções de pré-púberes (5,2% vs. 2,7%) e púberes (91% vs. 41,9%) entre os meninos, e mais pós-púberes entre as meninas (3,8% vs. 55,5%) (c2 = 437,020; p = 0,000).

Analisando-se a relação entre as variáveis estudadas, verificou-se que todos os indicadores antropométricos foram fortemente correlacionados entre si (r = 0,81 a 0,92; p < 0,001), indicando colinearidade entre os mesmos. As variáveis antropométricas apresentaram fracas correlações com as pressões arteriais sistólica e diastólica, com coeficientes variando de 0,18 a 0,28 (tabela 2).

A partir da análise multivariada, verificou-se que o modelo com maior validade preditiva incluiu as variáveis IMC, circunferência abdominal, dobra cutânea tricipital, maturação sexual e nível econômico (índice de ajuste do modelo de Hosmer e Lemeshow = 0,989), com capacidade de explicar 83,3% dos casos de pressão arterial adequada, mas não os casos de pressão arterial elevada (17,3%).

Em seguida, observou-se que as únicas variáveis associadas com a elevação dos níveis pressóricos foram o IMC (p < 0,001) e a dobra cutânea tricipital (p = 0,003), de forma independente da adiposidade abdominal, maturação sexual e nível econômico. O IMC elevado aumentou em quase três vezes o risco de pressão arterial elevada nos escolares com excesso de peso (OR = 2,9; IC 95%: 1,9-4,5), quando comparados aos eutróficos. Por outro lado, a espessura aumentada da dobra cutânea tricipital dobrou o risco de níveis pressóricos elevados (OR = 1,9; IC 95%: 1,3-3,1), em relação àqueles com espessura adequada. A circunferência abdominal, a razão cintura/estatura, a maturação sexual e o nível econômico não se associaram ao risco de pressão arterial elevada (tabela 3).

Discussão

A prevalência de hipertensão arterial sistêmica na população infanto-juvenil tem aumentado ao redor do mundo,20 sendo que a maior proporção de medidas hipertensivas foi observada em escolares obesos.21 Muitos estudos foram conduzidos para identificar o melhor determinante antropométrico da pressão arterial elevada em crianças e adolescentes, mas os resultados foram divergentes.2,6,22 A presente pesquisa buscou esclarecer melhor esta questão, analisando a relação entre a pressão arterial e os vários indicadores antropométricos de obesidade.

Os resultados indicaram correlações fracas entre todos os parâmetros antropométricos e os níveis sistólicos e diastólicos, o que já foi observado anteriormente3,23 independentemente de gênero, idade e estágio maturacional. A força das correlações pode ter sido afetada por vários fatores, como a multicolinearidade observada no conjunto de dados, a característica multifatorial da pressão arterial elevada, influenciada tanto por fatores ambientais como genéticos,5 assim como pelo comportamento logístico dos dados.

O modelo multivariado, porém, teve capacidade de explicar somente os casos de pressão arterial adequada, e não as alterações, talvez pela maior percentagem de pressão arterial adequada (82,7%) em relação à pressão arterial elevada (17,3%) na amostra estudada, o que diminuiu a robustez na explicação dos dados alterados. Vale ressaltar que as medidas pressóricas foram aferidas em única ocasião, caracterizando limitação deste estudo e um possível viés de classificação.

Este estudo mostrou que os únicos indicadores antropométricos independentemente associados com a pressão arterial acima do 90º percentil foram a dobra cutânea tricipital e o IMC, sendo este último o determinante mais importante e independente da adiposidade subcutânea. As crianças e adolescentes com excesso de peso apresentaram quase três vezes mais chances de ter pressão arterial elevada do que seus correspondentes eutróficos.

Há evidências de que a obesidade aumenta o risco de alterações pressóricas em crianças e adolescentes,24 e que o IMC é o melhor parâmetro antropométrico para predizer este risco.1-5 Na prática clínica, porém, não há consenso sobre a utilização do IMC no monitoramento de fatores de risco cardiovasculares, pois, além da adiposidade corporal, o IMC pode representar diferentes elementos da composição corporal.25

Nesta pesquisa, entretanto, verificou-se uma forte relação do IMC com as gorduras corporais periférica (r = 0,81; p < 0,001) e central (r = 0,89; p < 0,001), o que pode ter ocorrido devido a uma suposta massa magra não muito expressiva na população estudada, a julgar pela elevada percentagem de escolares nas fases pré-púbere (3,8%) e púbere (64,1%). Tal relação pode ter repercutido na superioridade do IMC em predizer a pressão arterial elevada dos escolares, em relação aos outros indicadores analisados. Em outros estudos que identificaram o IMC como o melhor determinante dos níveis pressóricos elevados de crianças e adolescentes, sua capacidade preditiva foi superior à de medidas de dobras cutâneas.2-3

Acredita-se que o uso de valores críticos nacionais para a classificação do IMC10 conferiu maior credibilidade às análises deste estudo, pois estes pontos de corte apresentaram maior acurácia na determinação da pressão arterial elevada em meninos e meninas de 10 a 17 anos de idade, comparados às referências internacionais.26

Quanto à associação entre a pressão arterial elevada e a dobra cutânea tricipital verificada nesta pesquisa, a literatura é escassa e divergente. Neste estudo, o risco de elevação da pressão arterial foi quase duas vezes maior nas crianças com dobra cutânea tricipital acima do 90º percentil do que naquelas com adiposidade subcutânea adequada. Outros estudos de revisão sistemática23 e meta-análise27 também confirmaram a associação entre estas variáveis. No entanto, a dobra cutânea tricipital no quartil superior não foi associada ao risco de níveis tensionais elevados em crianças e adolescentes de Belo Horizonte.2

As controvérsias entre os resultados apresentados talvez possam ser explicadas pelos diferentes pontos de corte utilizados, provocando divergências quanto à classificação da dobra cutânea tricipital. Além disso, a escassez de pesquisas sobre avaliações de dobras cutâneas em escolares brasileiros, assim como a tendência em se utilizar a dobra cutânea tricipital em combinação com a espessura da dobra subescapular22-23,25 são aspectos que dificultam a comparação entre estudos sobre a relação entre adiposidade subcutânea e fatores de risco cardiovasculares.

Um aspecto importante da presente análise foi a observação de que a dobra tricipital, isoladamente, é capaz de predizer o risco de pressão arterial elevada. Tal descoberta é relevante no contexto dos estudos epidemiológicos, pois, embora se reconheça a validade da dobra subescapular para a triagem de fatores de risco cardiovasculares, sua obtenção apresenta uma certa dificuldade operacional por exigir ambiente isolado para retirada da camiseta das meninas.

Sobre a ausência de associação entre a pressão arterial e a circunferência abdominal, podem-se ressaltar algumas críticas acerca do ponto de corte utilizado neste estudo, o que pode ter distorcido as estimativas de risco de pressão arterial elevada.16 Alega-se que estes não são suficientemente sensíveis e específicos para detectar níveis elevados de pressão arterial em crianças e adolescentes brasileiros, por causa da forte miscigenação característica desta população, que requer valores críticos específicos, ou seja, que sejam derivados de referências que não tenham distinção étnica, como nas propostas internacionais.28

Algumas pesquisas evidenciaram a superioridade da circunferência abdominal em detectar a variação nos valores da pressão arterial e propuseram novos pontos de corte.23,29 Entretanto, suas análises foram realizadas em população de faixa etária diferente daquela do presente estudo.

Em relação à razão cintura/estatura, sua não associação com a pressão arterial, nesta pesquisa, diverge de associações significantes citadas na literatura.3,25,29 O motivo, talvez seja o ponto de corte utilizado nessas pesquisas, que foi adequado à amostra estudada (tercis ou quartis), diferentemente do presente estudo, em que se utilizou o valor crítico recomendado atualmente.

Investigação recente reconheceu o ponto de corte de 0,44 para a predição de alterações lipídicas em crianças e adolescentes.4 Talvez, o limite de corte ideal para a detecção da elevação pressórica também seja menor do que o atual, pois este ainda não foi validado para o diagnóstico de obesidade abdominal na população infanto-juvenil.14 Portanto, é possível que se tenha subestimado os casos de obesidade abdominal, mascarando-se a relação da pressão arterial com a razão cintura/estatura.

Apesar das discussões em torno da validade do seu ponto de corte, a razão cintura/estatura esteve associada a diversos fatores de risco cardiovasculares, como a pressão arterial elevada.7,30 É um índice representativo da gordura visceral,7 sua classificação é independente de idade, gênero e etnia, e apresenta a vantagem de considerar o efeito da estatura sobre a variação da circunferência abdominal durante o período de crescimento, e ao longo da infância e da idade adulta.14

Contudo, é imprescindível que novos estudos procurem investigar o uso da razão cintura/estatura durante o estirão de crescimento, pois o aumento da circunferência abdominal pode não acompanhar o rápido ganho em estatura da fase puberal, dificultando o diagnóstico de obesidade abdominal quando a medida da cintura é corrigida pela estatura.

A ausência de associação entre a pressão arterial elevada e os indicadores de adiposidade abdominal, neste estudo, não descarta a relevância dos mesmos no contexto da hipertensão arterial infanto-juvenil, pois eles estiveram correlacionados com os níveis sistólicos e diastólicos, sugerindo um potencial preditivo. O período ao qual os escolares estiveram expostos à adiposidade abdominal excessiva talvez não tenha sido suficientemente prolongado ao ponto de provocar aumentos nos níveis da pressão arterial, o que pode justificar o resultado encontrado. A validação de seus pontos de corte na população pediátrica é necessária, pois permitirá a sequência de novos estudos com valores de referência mais confiáveis.

O IMC e a dobra cutânea tricipital foram os melhores determinantes do risco de pressão arterial elevada, independentemente da adiposidade abdominal, do estágio de maturação sexual e do nível socioeconômico. A necessidade de uma medida rotineira da pressão arterial no âmbito escolar esbarra nas dificuldades de se dispor de equipamento adequado e de domínio da técnica de aferição. Portanto, a estimativa de preditores antropométricos do risco de pressão arterial elevada em estudos transversais possibilita a estratificação deste risco de uma forma mais simples e não menos confiável. Considerando-se a facilidade no domínio da técnica para obtenção das medidas de massa corporal e estatura e o baixo custo que requerem, o uso do IMC parece ser a melhor opção neste contexto.

Financiamento

CAPES/REUNI e CNPq.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Agradecimentos

Agradecemos o apoio à bolsa CAPES/REUNI e CNPq.

Recebido em 14 de agosto de 2012; aceito em 21 de novembro de 2012

  • 1. Wang H, Necheles J, Carnethon M, Wang B, Li Z, Wang L, et al. Adiposity measures and blood pressure in Chinese children and adolescents. Arch Dis Child. 2008;93:738-44.
  • 2. Ribeiro RC, Lamounier JA, Oliveira RG, Bensenor IM, Lotufo PA. Measurements of adiposity and high blood pressure among children and adolescents living in Belo Horizonte. Cardiol Young. 2009;19:436-40.
  • 3. Ribeiro RC, Coutinho M, Bramorski MA, Giuliano IC, Pavan J. Association of the Waist-to-Height Ratio with Cardiovascular Risk Factors in Children and Adolescents: The Three Cities Heart Study. Int J Prev Med. 2010;1:39-49.
  • 4. Queiroz VM, Moreira PV, Vasconcelos TH, Toledo Vianna RP. Prevalence and anthropometric predictors of high blood pressure in schoolchildren from João Pessoa - PB, Brazil. Arq Bras Cardiol. 2010;95:629-34.
  • 5. Kuschnir MC, Mendonça GA. Risk factors associated with arterial hypertension in adolescents. J Pediatr (Rio J). 2007;83:335-42.
  • 6. Alvarez MM, Vieira AC, Sichieri R, Veiga GV. Association between central body anthropometric measures and metabolic syndrome components in a probabilistic sample of adolescents from public schools. Arq Bras Endocrinol Metabol. 2008;52:649-57.
  • 7. Kahn HS, Imperatore G, Cheng YJ. A population-based comparison of BMI percentiles and waist-to-height ratio for identifying cardiovascular risk in youth. J Pediatr. 2005;146:482-8.
  • 8. Freedman DS, Mei Z, Srinivasan SR, Berenson GS, Dietz WH. Cardiovascular risk factors and excess adiposity among overweight children and adolescents: the Bogalusa Heart Study. J Pediatr. 2007;150:12-17.e2.
  • 9. Lohman TG, Roche AF, Martorell R, eds. Anthropometric standardization reference manual. Champaign, IL: Human Kinetics; 1988.
  • 10. Conde WL, Monteiro CA. Body mass index cutoff points for evaluation of nutritional status in Brazilian children and adolescents. J Pediatr (Rio J). 2006;82:266-72.
  • 11. Must A, Dallal GE, Dietz WH. Reference data for obesity: 85th and 95th percentiles of body mass index (wt/ht2) and triceps skinfold thickness. Am J Clin Nutr. 1991;53:839-46.
  • 12. World Health Organization (WHO). Expert Committee on Physical Status: the use and interpretation of anthropometry. Geneva: WHO; 1995.
  • 13. Fernández JR, Redden DT, Pietrobelli A, Allison DB. Waist circumference percentiles in nationally representative samples of African-American, European-American, and Mexican-American children and adolescents. J Pediatr. 2004;145:439-44.
  • 14. McCarthy HD, Ashwell M. A study of central fatness using waist-to-height ratios in UK children and adolescents over two decades supports the simple message: 'keep your waist circumference to less than half your height'. Int J Obes (Lond). 2006;30:988-92.
  • 15. Tanner JM. Normal growth and techniques of growth assessment. Clin Endocrinol Metab. 1986;15:411-51.
  • 16. Azevedo JC, Brasil LM, Macedo TB, Pedrosa LF, Arrais RF. Comparison between objective assessment and self-assessment of sexual maturation in children and adolescents. J Pediatr (Rio J). 2009;85:135-42.
  • 17. Sociedade Brasileira de Cardiologia-SBC; Sociedade Brasileira de Hipertensão-SBH; Sociedade Brasileira de Nefrologia-SBN. V Brazilian Guidelines in Arterial Hypertension. Arq Bras Cardiol. 2007;89:e24-79.
  • 18. National High Blood Pressure Education Program Working Group on High Blood Pressure in Children and Adolescents. The fourth report on the diagnosis, evaluation, and treatment of high blood pressure in children and adolescents. Pediatrics. 2004;114:555-76.
  • 19. Associação Brasileira das Empresas de Pesquisa (ABEP). Critério de classificação econômica do Brasil. 2007 [acessado em 22 Abr 2008]. Disponível em: http//www.abep.org
  • 20. de Araújo TL, de Lopes MV, Cavalcante TF, Guedes NG, Moreira RP, Chaves ES, et al. Analysis of risk indicators for the arterial hypertension in children and teenagers. Rev Esc Enferm USP. 2008;42:120-6.
  • 21. Leite N, Milano GE, Cieslak F, Lopes WA, Rodacki A, Radominski RB. Effects of physical exercise and nutritional guidance on metabolic syndrome in obese adolescents. Rev Bras Fisioter. 2009;13:73-81.
  • 22. Freedman DS, Katzmarzyk PT, Dietz WH, Srinivasan SR, Berenson GS. Relation of body mass index and skinfold thicknesses to cardiovascular disease risk factors in children: the Bogalusa Heart Study. Am J Clin Nutr. 2009;90:210-6.
  • 23. Bergmann GG, Gaya A, Halpern R, Bergmann ML, Rech RR, Constanzi CB, et al. Waist circumference as screening instrument for cardiovascular disease risk factors in schoolchildren. J Pediatr (Rio J). 2010;86:411-6.
  • 24. Botton J, Heude B, Kettaneh A, Borys JM, Lommez A, Bresson JL, et al. Cardiovascular risk factor levels and their relationships with overweight and fat distribution in children: the Fleurbaix Laventie Ville Santé II study. Metabolism. 2007;56:614-22.
  • 25. Freedman DS, Dietz WH, Srinivasan SR, Berenson GS. Risk factors and adult body mass index among overweight children: the Bogalusa Heart Study. Pediatrics. 2009;123:750-7.
  • 26. Christofaro DG, Fernandes RA, Polito MD, Romanzini M, Ronque ER, Gobbo LA, et al. A comparison between overweight cutoff points for detection of high blood pressure in adolescents. J Pediatr (Rio J). 2009;85:353-8.
  • 27. Rosenthal J. Methodologic evaluation of the relation of blood pressure and skinfold thickness: an epidemiologic approach. Rev Saúde Pública. 1989;23:322-35.
  • 28. Rosa ML, Mesquita ET, da Rocha ER, Fonseca V de M. Body mass index and waist circumference as markers of arterial hypertension in adolescents. Arq Bras Cardiol. 2007;88:573-8.
  • 29. Beck CC, Lopes A da S, Pitanga FJ. Anthropometric indicators as predictors of high blood pressure in adolescents. Arq Bras Cardiol. 2011;96:126-33.
  • 30. Maffeis C, Banzato C, Talamini G; Obesity Study Group of the Italian Society of Pediatric Endocrinology and Diabetology. Waist-to-height ratio, a useful index to identify high metabolic risk in overweight children. J Pediatr. 2008;152:207-13.
  • *
    Este artigo é parte da dissertação de Mestrado de Deise Cristiane Moser, pela Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil.
  • **
    Autor para correspondência.
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Jul 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013

    Histórico

    • Recebido
      14 Ago 2012
    • Aceito
      21 Nov 2012
    Sociedade Brasileira de Pediatria Av. Carlos Gomes, 328 cj. 304, 90480-000 Porto Alegre RS Brazil, Tel.: +55 51 3328-9520 - Porto Alegre - RS - Brazil
    E-mail: jped@jped.com.br