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Avaliação epidemiológica de doenças negligenciadas em escolares: filariose linfática e parasitoses intestinais

Resumos

OBJETIVO: Descrever a prevalência de infecção filarial e de parasitoses intestinais em escolares numa área endêmica de filariose e refletir sobre a opção terapêutica utilizada no Brasil no tratamento coletivo para filariose. MÉTODOS: Estudo transversal envolvendo 508 alunos na faixa etária de 5-18 anos cadastrados em escolas públicas do município de Olinda-PE. Realizou-se a investigação da parasitose intestinal em três amostras de fezes, analisadas pelo método de Hoffmann, Pons e Janer. A investigação filarial foi feita com teste antigênico pela técnica de imunocromatográfica rápida (ICT) e pesquisa de microfilárias, utilizando filtração em membrana de policarbonato. Para análise de dados utilizou-se a estatística descritiva através do programa EpiInfo versão 7. RESULTADOS: A prevalência de filariose por ICT foi de 13,8% e por microfilaremia de 1,2%, enquanto a de parasitoses intestinais foi 64,2%. A concomitância do diagnóstico filarial e de parasitoses intestinais foi de 9,4% e, 31,5% eram isentos de ambas as parasitoses. Entre os indivíduos com parasitoses intestinais, 55% eram monoparasitados e 45% poliparasitados. A presença de geohelmintos ocorreu em 72,5% dos parasitados. No grupo com infecção filarial a ocorrência de geohelmintíase foi de 54,5%. CONCLUSÕES: O diagnóstico simultâneo de infecção filarial e parasitose intestinal, bem como a elevada frequência de geohelmintos justificam uma reavaliação da estratégia terapêutica do tratamento coletivo no programa de filariose no Brasil.

Filariose linfática; Helmintíase; Doenças negligenciadas; Enteropatias parasitárias; Prevenção e controle


OBJECTIVE: To report the prevalence of lymphatic filariasis and intestinal parasitic infections in school-aged children living in a filariasis endemic area and discuss about the therapeutic regimen adopted in Brazil for the large-scale treatment of filariasis. METHODS: A cross-sectional study including 508 students aged 5-18 years old, enrolled in public schools within the city of Olinda, Pernambuco. The presence of intestinal parasites was analyzed using the Hoffman, Pons and Janer method on 3 stool samples. The diagnosis of filarial infection was performed using the rapid immunochromatographic technique (ICT) for the antigen, and the polycarbonate membrane filtration for the presence of microfilariae. Descriptive statistics of the data was performed using EpiInfo version 7. RESULTS: The prevalence of filariasis was 13.8% by ICT and 1.2% by microfilaraemia, while intestinal parasites were detected in 64.2% of cases. Concurrent diagnosis of filariasis and intestinal parasites was 9.4%, while 31.5% of students were parasite-free. Among individuals with intestinal parasites, 55% had one parasite and 45% had more than one parasite. Geohelminths occurred in 72.5% of the parasited individuals. In the group with filarial infection the prevalence of soil-transmitted helminthiasis was 54.5%. CONCLUSIONS: The simultaneous diagnosis of filariasis and intestinal parasites as well as the high frequency of geohelminths justify the need to reevaluate the treatment strategy used in the Brazilian filariasis large-scale treatment program.

Filariasis; Helminthiasis; Neglected diseases; Intestinal parasitic; Prevention and control


ARTIGO ORIGINAL

Avaliação epidemiológica de doenças negligenciadas em escolares: filariose linfática e parasitoses intestinais

Ana M. Aguiar-SantosI,* * Autor para correspondência. E-mail: amas@cpqam.fiocruz.br (A.M. Aguiar-Santos). ; Zulma MedeirosII; Cristine BonfimIII; Abraham C. RochaII; Eduardo BrandãoIV; Tereza MirandaV; Paula OliveiraVI; Emanuel S. C. SarinhoVII

IDoutora em Saúde da Criança e do Adolescente. Pesquisadora do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães (CPqAM ), Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), Recife, PE, Brasil. Pediatra, Hospital Barão de Lucena (SUS), Recife, PE, Brasil

IIDoutores em Biologia Celular e Molecular. Pesquisadores, CPqAM, FIOCRUZ, Recife, PE, Brasil. Professora-associada, Universidade de Pernambuco (UPE), Recife, PE, Brasil

IIIDoutora em Saúde Pública. Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco, Recife, PE, Brasil

IVDoutor em Medicina Tropical. Tecnologista em Saúde Pública, CPqAM, FIOCRUZ, Recife, PE, Brasil

VCardiologista, Secretária de Saúde do Município de Olinda, Olinda, PE, Brasil

VIMestre em Saúde Pública. Secretaria de Saúde de Olinda, Olinda, PE, Brasil

VIIDoutor em Pediatria. Professor-associado, Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde, Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife, PE, Brasil

RESUMO

OBJETIVO: Descrever a prevalência de infecção filarial e de parasitoses intestinais em escolares numa área endêmica de filariose e refletir sobre a opção terapêutica utilizada no Brasil no tratamento coletivo para filariose.

MÉTODOS: Estudo transversal envolvendo 508 alunos na faixa etária de 5-18 anos cadastrados em escolas públicas do município de Olinda-PE. Realizou-se a investigação da parasitose intestinal em três amostras de fezes, analisadas pelo método de Hoffmann, Pons e Janer. A investigação filarial foi feita com teste antigênico pela técnica de imunocromatográfica rápida (ICT) e pesquisa de microfilárias, utilizando filtração em membrana de policarbonato. Para análise de dados utilizou-se a estatística descritiva através do programa EpiInfo versão 7.

RESULTADOS: A prevalência de filariose por ICT foi de 13,8% e por microfilaremia de 1,2%, enquanto a de parasitoses intestinais foi 64,2%. A concomitância do diagnóstico filarial e de parasitoses intestinais foi de 9,4% e, 31,5% eram isentos de ambas as parasitoses. Entre os indivíduos com parasitoses intestinais, 55% eram monoparasitados e 45% poliparasitados. A presença de geohelmintos ocorreu em 72,5% dos parasitados. No grupo com infecção filarial a ocorrência de geohelmintíase foi de 54,5%.

CONCLUSÕES: O diagnóstico simultâneo de infecção filarial e parasitose intestinal, bem como a elevada frequência de geohelmintos justificam uma reavaliação da estratégia terapêutica do tratamento coletivo no programa de filariose no Brasil.

Palavras-chave: Filariose linfática; Helmintíase; Doenças negligenciadas; Enteropatias parasitárias; Prevenção e controle

Introdução

As doenças negligenciadas (DN) são o conjunto de doenças causadas por agentes infecto-parasitários que produzem importante dano físico, cognitivo e socioeconômico em crianças e adolescentes, principalmente, em comunidades de baixa renda.1 Para a saúde pública, elas tornam-se um desafio, particularmente aquelas que chegam a causar impacto no perfil de morbidade, como é o caso da filariose, com potencial de produzir incapacidade grave e permanente.2

A distribuição geográfica e a instalação dessas DN se dão em locais intimamente ligados à pobreza, onde há precariedade de saneamento básico e associação com outros problemas de saúde.3,4 A Organização Mundial da Saúde considera como problema de saúde pública um conjunto de 17 diferentes DN, distribuídas em 148 países. Destes, 100 são endêmicos para duas ou mais dessas doenças e 30 países para seis ou mais DN.5 O Brasil tem nove delas,2,6 sendo que sete são consideradas como prioridades pelo Ministério da Saúde (dengue, doença de Chagas, leishmanioses, malária, esquistossomose, hanseníase e tuberculose).6 O estado de Pernambuco prevê estratégias de intervenção para redução e eliminação das seguintes: doença de Chagas, hanseníase, esquistossomose, tracoma, filariose linfática, geohelmintoses e tuberculose.7

A filariose linfática no Brasil é endemica exclusivamente na Região Metropolitana do Recife, em Pernambuco.8 Os esforços para eliminar essa doença devem concentrar-se necessariamente sobre a prevenção, tratamento da infec-ção precoce de indivíduos infectados e controle ou estabilização das complicações mórbidas da infecção.9

As infecções por helmintos transmitidos pelo solo (geohelmintíases) impõem um grande fardo sobre as populações pobres do mundo, sendo consideradas pela Organização Mundial da Saúde como prioridade em programas de tratamento coletivo as parasitoses por: Ascaris lumbricoides, Ancylostoma duodenale, Necator americanus e Trichuris trichiura.10 A esquistossomose é outra endemia que causa prejuízo à população exposta, sendo também indicado o tratamento coletivo como estratégia de controle pela Organização Mundial da Saúde.10

São poucos os estudos sobre a prevalência das enteroparasitoses em Pernambuco. Em 2005, o Plano Nacional de Vigilancia e Controle das Enteroparasitoses indentificou a realização de poucos trabalhos e com metodologia e populações bastante heterogêneas, resultando em prevalências variaveis, sendo de 23,3% a 66.3% quando restrita aos escolares ou usuários de serviço de saúde.11

O controle das doenças devido às infecções helmínticas, bem como a outros agentes, visa aliviar o sofrimento, reduzir a pobreza e apoiar igual oportunidades entre homens e mulheres.10 Como principal estratégia para o controle das DN, tem-se a quimioterapia preventiva que utiliza as drogas anti-helmínticas disponíveis, isoladamente ou em combinação, visando prevenir a morbidade e também contribuir para a redução sustentada da transmissão. Uma vez que algumas destas drogas têm largo espectro e permite que diversas doenças sejam tratadas simultaneamente, seu uso torna-se uma estratégia com viabilidade operacional e mais eficaz que o tratamento individual.10

A transmissão da filariose linfática ocorre apenas em tres áreas urbanas da Região Metropolitana do Recife, Pernambuco: Recife, Jaboatão dos Guararapes e Olinda.12 Recife foi o primeiro município brasileiro a aderir ao programa de tratamento coletivo13 e seguido pelo município de Olinda em 2005.13 No entanto, o Brasil fez a opção de realizar o tratamento coletivo com uma única droga (dietilcarmabazina) e não utilizar a associação com o anti- helmíntico (albendazol), esquema preconizado pela Organização Mundial da Saúde.9

Em decorrência da estratégia terapêutica brasileira não contemplar a associação com droga anti-helmíntica, o estudo tem como objetivo descrever a ocorrência das parasitoses intestinais e da infecção filarial entre escolares numa área endêmica de filariose, e refletir sobre a opção terapêutica utilizada no Brasil no tratamento coletivo para filariose.

Métodos

O estudo foi realizado no bairro de Sapucaia localizado no município de Olinda (PE). Esse município situa-se a seis km da capital do estado, com 377.779 habitantes e uma área de 37,9 km2 (98,13% urbana) distribuídos em 123.954 domicílios particulares permanentes e 25.523 em aglomerados subnormais. Com relação à infraestrutura urbana, o município possui 105.546 domicílios ligados à rede geral de abastecimento de água, 103.398 têm o lixo coletado por serviço de limpeza, 45.613 com banheiro de uso exclusivo e rede geral de esgoto ou pluvial, 102.907 dispõem de energia elétrica por companhia elétrica (com medidor) e 32.370 com classe de rendimento nominal mensal de mais ½ a 1 salário-mínimo.14 O bairro de Sapucaia foi selecionado por tratar-se de uma unidade do tratamento coletivo do Programa Global Eliminação de Filariose Linfática (PGEFL) do município.13

O estudo foi do tipo transversal, com a população constituída por estudantes na faixa etária de cinco a 18 anos de idade, matriculados em escolas públicas do bairro de Sapucaia, no período de 2009 a 2010. A Secretaria de Educação forneceu a listagem de todos os 508 alunos, de 5 a 18 anos, matriculados na rede municipal no bairro. A amostra foi calculada tendo como universo 508 estudantes, estimando-se uma prevalência de 1.1% de microfilaremia para o município, um design effect = 1,0 e um erro padrão de 1,6%, um intervalo de confiança de 95%, obtendo-se n = 124. Considerando-se as possíveis perdas, calculou-se um número total de 149 escolares.

Teve-se como critérios de inclusão a faixa etária estabelecida, e as concordâncias do aluno e do seu responsável para participar do estudo através da assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. Como estratégia de captação dos casos foram realizadas palestras de esclarecimento e sensibilização para os professores, pais e alunos.

Para o diagnostico de filariose foi realizada coleta de sangue venoso, no horário entre 2300h e 100h, procedeu-se o teste rápido de imunocromatográfica (ICT Diagnostics, Binax NOW® ) que utiliza anticorpos monoclonais específicos e policlonais15 e a filtração em membrana de policarbonato.

O ICT card test foi utilizado aplicando-se 100 ml de sangue na região especificada do cartão e, após cerca de 30 segundos o cartão é fechado, procede-se a leitura decorridos 10 minutos. Caso positivo o antígeno da W. bancrofti é imobilizado pelo monoclonal AD12 presente na fita de nitrocelulose e apresenta uma barra cor de rosa. O teste foi considerado como positivo, quando duas linhas foram identificadas e negativo, se somente a linha controle for visualizada.15

A pesquisa e quantificação da microfilárias circulantes foram realizadas pela técnica de filtração em membrana de policarbonato com 3 mm de poros. Nos casos dos exames negativos em 1 mL, foram filtrados outros 9 mL para confirmação ou não da negatividade. A membrana foi fixada e colorada pela Hematoxilina de Carazzi, sendo realizada a leitura em microscopia óptica (160X). A técnica de filtração foi considerada negativa nesse estudo quando não se identificou microfilária em 10 mL de sangue e positiva com > 1 microfilárias.

Para investigação dos parasitos intestinais foram analisadas três amostras de fezes, coletadas em diferentes dias, conservadas em formaldeído a 10%. A análise de cada amostra foi realizada pelo método de Hoffmann, Pons e Janer, sendo considerada positiva a presença de um ou mais enteroparasitas em qualquer uma das amostras.

A entrada e validação dos dados foram feitas pelo programa Epi-Info versão 6.04d, com dupla entrada e as diferenças identificadas corrigidas. Para análise estatística descritiva (média e distribuição de frequências) utilizou-se a versão 7 deste programa.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães/Fiocruz-PE (CAAE 0069.0 095 000-06). Os laudos foram distribuídos pelas escolas para os responsáveis dos menores e todos os estudantes com infecção filarial e parasitoses intestinais receberam tratamento específico.

Resultados

Foram realizadas concomitantemente a investigação filarial e a de parasitoses intestinais em 159 crianças. A idade média foi de 9,8 anos (5-18) e a distribuição por sexo de 53,4% (85/159) no sexo masculino e de 46,6% (74/159) no feminino. A ocorrência de parasitoses intestinais foi de 64,2% (102/159) e a de filariose pela técnica de ICT foi de 13,8% (22/159).

A concomitância do diagnóstico filarial e de parasitose intestinal se deu em 9,4% (15/159) e 31,5% (50/159) dos alunos eram isentos de ambas as parasitoses. Oitenta e sete (54,7%) indivíduos apresentaram coproparasitológico positivo e pesquisa filarial negativa, e sete (4,4%) tiveram exame coprológico negativo e filaria positivo.

Entre os indivíduos com parasitoses intestinais 45% (46/102) eram poliparasitados. A presença de geohelmintíase ocorreu em 72,5% (74/102) desses, sendo o A. lumbricoides e o T. trichiura os mais prevalentes. Já a maioria dos casos de Ancilostomidae, Enterobius vermicularis e Strongyloides stercoralis ocorreu entre os poliparasitados. Dois casos de Schistosoma mansoni e um de Taenia sp foram diagnosticados exclusivamente entre os poliparasitados. A prevalência de protozoários intestinais foi de 51% (52/102), sendo que entre os Sarcomastigophora a Giardia lamblia foi a mais encontrada (tabela 1).

Em relação ao diagnostico de filariose, dos 22 casos diagnosticados pelo ICT quando avaliados pela pesquisa de microfilárias (em 10 mL de sangue), 20 foram negativos e dois positivos. Dessa forma, a prevalência de microfilaremia foi de 1,2% (2/159), com parasitemia de 5mf/3mL e 25mf/mL. Já entre as 137 crianças que foram negativas no teste rápido, 118 delas também realizaram o exame de filtração noturna, certificando-se a ausência de infecção filarial. A análise da distribuição do percentual de filariose, segundo faixa etária e sexo, demonstra que a ocorrência da parasitose foi maior no sexo masculino (tabela 2), entretanto, esta diferença por sexo não foi estatisticamente significante (p > 0,05).

A tabela 2 descreve a frequência e a distribuição dos parasitos intestinais identificados entre as crianças que tiveram o teste rápido filarial (ICT card test) positivo, sendo a maior casuística a de geohelmintos com 54,5% (12/22), com a maior frequência de A. lumbricoides. Já os casos de Ancilostomidae e S. stercoralis foram identificados exclusivamente entre os poliparasitados. Nenhum caso de E. vermicularis, S. mansoni e Taenia sp foi diagnosticado. A ocorrência de protozoários intestinais para o total dessas crianças foi de 36,4% (8/22), sendo que entre o filo Sarcomastigophora a Giardia lamblia foi a mais encontrada.

Discussão

A concomitância das duas parasitoses: filariose linfática e parasitoses intestinais estiveram presente em quase 10% dos escolares. A avaliação da associação entre helmintos intestinais e infecção filarial na área estudada fica limitada, pois além da baixa frequência da infecção filarial a distribuição dos dois agravos em relação à idade é diferente: enquanto a prevalência e intensidade de A. lumbricoides e T. trichiura tende a se elevar em crianças pré-escolares, atingir seu pico em escolares e declinar na idade adulta, na filariose linfática a prevalência da infecção relacionada à idade atinge seu pico na idade adulta.4 Essa dificuldade de estudos comparativos entre países, do número de indivíduos afetados pela filariose linfática e helmintiases foi anteriormente identificada e justificada por causa das diferentes técnicas epidemiológicas utilizadas pelos pesquisadores.4

A filariose linfática e as geohemintiases são duas das sete mais prevalentes DN entre as infecções crônicas do mundo.16 Por outro lado, existe um reconhecimento uniforme de que as DN não ocorrem isoladas e, em muitos países existe uma sobreposição geográfica de populações poliparasitadas com um ou mais geo-helmintos, esquistossomose e vermes filariais,17,18 particularmente entre as populações mais pobres19 situação que afeta adversamente o crescimento na infância e sua aptidão física.

A ocorrência de parasitose intestinal foi elevada (64,2%) com poliparasitismo em 45% deles. Observou-se a predominância de helmintos, confirmando que as geohelmintíases ainda representam relevante problema de saúde.20 Entre os helmintos os maiores percentuais foram de A. lumbricoides e T. trichiura, a exemplo do que tem sido demonstrado em outras investigações realizadas no Brasil.20,21

A frequência de infecção filarial quando detectada unicamente através da pesquisa de microfilárias foi baixa (1,2%) e quando associada à investigação pelo ICT aumentou para 13,8%. O uso da primeira técnica como único instrumento para detecção de infecção filarial pode levar a um subdiagnóstico em indivíduos com carga parasitária baixa (como é o perfil epidemiológico da infecção em crianças) bem como em indivíduos infectados, porém amicrofilarêmicos (infecção críptica),22 mas que têm o potencial para contribuir para a futura transmissão. O ICT é mais sensível que a pesquisa de microfilárias e consegue detectar antígenos de vermes adultos de W. bancrofti, sendo atualmente indicado como o método diagnóstico de escolha no mapeamento da distribuição, bem como para a verificação da eliminação da filariose linfática.15

A faixa etária estudada é historicamente considerada como um grupo com prevalência de infecção mais baixa do que em adultos jovens.23 Fato atualmente atribuído às limitações das técnicas anteriormente utilizadas (pesquisa de microfilária), pelas manifestações subclínicas nos estágios iniciais da infecção levando a uma dificuldade de identificação e consequentemente a uma sub-representação de crianças nos inquéritos epidemiológicos.23 Associado a esses fatores, a Secretaria de Saúde de Olinda embora ainda não houvesse implantado o tratamento coletivo na área de estudo, já realizava como rotina a investigação e tratamento individual, o que deve ter colaborado com a baixa frequência de infecção filarial na área.

Devido à sobreposição geográfica das endemias, têm sido propostas estratégias integradas de eliminação ou controle de DN, em especial para os países da África subsaariana, com a administração de uma combinação de medicamentos com efeitos terapêuticos para múltiplos parasitas.24

A Organização Mundial da Saúde, em 1997, iniciou um programa global para a eliminação da filariose como um problema de saúde pública até o ano de 202025 e um dos componentes da estratégia consiste em interromper a transmissão da infecção através do tratamento coletivo de toda população de áreas de risco. O tratamento proposto da associação de duas drogas (dietilcarbamazina e albendazol) asseguraria a cobertura universal do tratamento da filariose linfática e geohelmintíase, reconhecidos como coendêmicos. Essa estratégia simplifica o tratamento, aumenta a aderência e pode ser facilmente acomodada em redes existentes de cuidados primários de saúde, sem excesso de sobrecarregá-las.26

Em comunidades coendêmicas, programas de controle da filariose linfática que usam terapia combinada são susceptíveis de garantir maior adesão do que a terapia de droga única devido aos seus benefícios mais óbvios, como a expulsão de lombrigas visível.27 Em uma revisão sistemática que avaliou o uso do albendazol no tratamento e controle da filariose linfática, concluiu que o efeito do albendazol contra parasitas filariais merece uma investigação mais rigorosa, no entanto, observou que outros benefícios à saúde derivados do uso de albendazol pode melhorar a adesão ao tratamento coletivo para filariose.28 Adicionalmente, vários programas com tratamento coletivo que incluiu albendazol para o controle de filariose linfático mostraram resultar em significativos e contínuos declínios na prevalência de infecções por helmintos.29

Efeitos adversos que poderiam impedir a associação do albendazol tais como quadros de semioclusão não foram relatados como também não há evidência de reações adversas adicionais quando comparado com o tratamento com a dietilcarbamazina isolada. Em países como a Indonésia, onde a prevalência da infecção por helmintos intestinais é bastante alta, o uso da combinação dietilcarbamazina vs albendazol, no programa de controle da filariose linfática levou a um impacto adicional no programa de controle de helmintos intestinais.30

Dessa forma, os resultados aqui apresentados confirmam a associação de geohelmintos e filariose linfática o que deve levar as Secretarias de Saude da Região Metropolitana do Recife, junto com o Ministério da Saúde a rediscutir a associação do albendazol com dietilcarbamazina em áreas a serem implantadas o tratamento coletivo, como uma estratégia integrada de enfrentamento das duas endemias.

Financiamento

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Processo Nº: 476336/2008-2).

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Recebido em 6 de agosto de 2012; aceito em 21 de novembro de 2012

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  • *
    Autor para correspondência.
    E-mail:
    amas@cpqam.fiocruz.br (A.M. Aguiar-Santos).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Jul 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013

    Histórico

    • Recebido
      06 Ago 2012
    • Aceito
      21 Nov 2012
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