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Tendência temporal da mortalidade geral e morbidade hospitalar por doença diarreica em crianças brasileiras menores de cinco anos no período de 2000 a 2010

Resumos

OBJETIVO: Conhecer as tendências temporais dos indicadores de mortalidade geral e morbidade hospitalar por doença diarreica em crianças menores de um ano e de um a quatro anos, conforme as regiões brasileiras, entre 2000 e 2010. MÉTODO: Estudo ecológico de séries temporais. Os dados sobre Autorização de Internação Hospitalar, média de permanência e valor médio dessa autorização foram obtidos do Sistema de Informações Hospitalares; o número de óbitos infantis foi adquirido no Sistema de Informações sobre Mortalidade; as informações sobre os nascidos vivos e a população geral foram obtidas do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos e dos Censos Demográficos, respectivamente. Dados disponíveis no endereço eletrônico do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde/Ministério da Saúde. RESULTADOS: A mortalidade por diarreia no Brasil evidenciou tendência de decréscimo desacelerado em ambas as faixas etárias. Quanto à hospitalização, houve tendência decrescente discreta nos menores de um ano e ascendência insignificante entre 1-4 anos, entretanto, com menor permanência e valor médio de internamento, independentemente da idade e da região. Registraram-se no Norte e Nordeste os maiores coeficientes de mortalidade e maior porcentagem de internação nos menores de um ano. O Centro-Oeste apresentou maior redução média anual do tempo de permanência hospitalar. CONCLUSÃO: Atualmente, os indicadores de mortalidade geral e morbidade hospitalar por diarreia em crianças brasileiras encontram-se, de forma geral, mais baixos, porém lentamente decrescentes.

Diarreia infantil; Estudos de séries temporais; Mortalidade infantil; Hospitalização


OBJECTIVE: To verify the temporal trends of the indicators of overall mortality and hospital morbidity due to diarrheal disease in children younger than 1 year and between 1 and 4 years, according to the region of Brazil, between 2000 and 2010. METHOD: This was an ecological study of temporal series. Data on hospital admission authorization, mean length of stay, and mean value of the authorization were obtained from the Hospital Information System. The number of infant deaths was obtained from the Mortality Information System; information on live births and the general population were obtained from the Information System on Live Births and Demographic Censuses, respectively. These data were available at the website of the informatics department of the Brazilian Unified Health System/Ministry of Health. RESULTS:Mortality due to diarrheal disease in Brazil showed a downwards trend in both age groups. Regarding hospitalization, there was a slight downwards trend in children younger than 1 year and a non-significant upwards trend between 1-4 years, with a shorter hospital stay and lower mean value of hospital stay, regardless of age and region. The North and Northeast had the highest mortality rates and the highest percentage of hospitalizations in children younger than 1 year. The Midwest had the highest mean annual reduction in hospital stay. CONCLUSION: Currently, the indicators of overall mortality and hospital morbidity due to diarrhea in Brazilian children are generally lower, but decreasing slowly.

Childhood diarrhea; Temporal series studies; Child mortality; Hospitalization


ARTIGO ORIGINAL

Tendência temporal da mortalidade geral e morbidade hospitalar por doença diarreica em crianças brasileiras menores de cinco anos no período de 2000 a 2010

Patrícia S. de A. Mendes* * Autor para correspondência. E-mail: psam.ufba@gmail.com (P.S.A. Mendes) ; Hugo da C. Ribeiro Jr; Carlos Maurício C. Mendes

MD. PhD. Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, BA, Brasil

RESUMO

OBJETIVO: Conhecer as tendências temporais dos indicadores de mortalidade geral e morbidade hospitalar por doença diarreica em crianças menores de um ano e de um a quatro anos, conforme as regiões brasileiras, entre 2000 e 2010.

MÉTODO: Estudo ecológico de séries temporais. Os dados sobre Autorização de Internação Hospitalar, média de permanência e valor médio dessa autorização foram obtidos do Sistema de Informações Hospitalares; o número de óbitos infantis foi adquirido no Sistema de Informações sobre Mortalidade; as informações sobre os nascidos vivos e a população geral foram obtidas do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos e dos Censos Demográficos, respectivamente. Dados disponíveis no endereço eletrônico do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde/Ministério da Saúde.

RESULTADOS: A mortalidade por diarreia no Brasil evidenciou tendência de decréscimo desacelerado em ambas as faixas etárias. Quanto à hospitalização, houve tendência decrescente discreta nos menores de um ano e ascendência insignificante entre 1-4 anos, entretanto, com menor permanência e valor médio de internamento, independentemente da idade e da região. Registraram-se no Norte e Nordeste os maiores coeficientes de mortalidade e maior porcentagem de internação nos menores de um ano. O Centro-Oeste apresentou maior redução média anual do tempo de permanência hospitalar.

CONCLUSÃO: Atualmente, os indicadores de mortalidade geral e morbidade hospitalar por diarreia em crianças brasileiras encontram-se, de forma geral, mais baixos, porém lentamente decrescentes.

Palavras-chave: Diarreia infantil; Estudos de séries temporais; Mortalidade infantil; Hospitalização

Introdução

A doença diarreica é considerada um problema de saúde pública, com alta morbimortalidade mundial.1 É frequente a procura por atendimento em serviço de emergência, resultando muitas vezes em hospitalização e risco de óbito, devido à desidratação.

Em 2008, as doenças infecciosas foram responsáveis por aproximadamente seis milhões de mortes mundiais nos menores de cinco anos. A diarreia foi responsável por 15% dessas mortes (1.336 milhões), depois das pneumonias (18%, 1.575 milhões).2 No Brasil, entre 1995 e 2005, ocorreram 1.505.800 internações e 39.421 óbitos de crianças menores de um ano, devido à diarreia e suas complicações.3

Em alguns países, a terapia de reidratação oral (TRO) foi capaz de reduzir aproximadamente 75% das mortes infantis e 61% das hospitalizações por diarreia entre 1980 e 2008.4,5 Entretanto, tem-se observado uma estabilização nas taxas de morbimortalidade por essa doença.6,7

As taxas mundiais de morbimortalidade por diarreia, apesar de mais baixas, não são aceitáveis, considerando-se ser esta uma doença evitável através de medidas de saúde pública relativamente simples. Os recentes avanços na prevenção e tratamento da doença diarreica, a exemplo da formulação de solução de reidratação oral melhorada, suplementação de zinco, vacinas para rotavírus e suplementação de vitamina A, constituem algumas das medidas propostas pela Organização Mundial da Saúde/Fundo das Nações Unidas para a Infância (OMS/UNICEF) para reduzir esses indicadores epidemiológicos e revitalizar o controle da doença diarreica.1 Entretanto, evidências sugerem um progresso mundial lento, desde 2000, na implantação das novas recomendações para o tratamento e prevenção da diarreia.1

Diante das considerações mencionadas e das diferenças regionais do Brasil, o presente estudo busca conhecer as tendências temporais dos indicadores de mortalidade geral e indicadores hospitalares por doença diarreica em menores de um ano e de um a quatro anos, de acordo com as regiões brasileiras, entre 2000 e 2010.

Método

Este é um estudo ecológico de séries temporais realizado a partir dos dados referentes à morbidade hospitalar do Sistema Único de Saúde (SUS), tais como Autorização de Internação Hospitalar (AIH), média de permanência e valor médio da AIH obtidos no Sistema de Informações Hospitalares (SIH/SUS), do número de óbitos infantis adquiridos no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM/MS/SVS/DASIS), das informações sobre os nascidos vivos e da população geral obtidas no Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC/MS/SVS/DASIS) e dos Censos Demográficos (IBGE), respectivamente. Essa avaliação envolveu a coleta de dados pré-existentes, retirados do banco de dados do SUS, disponível no endereço eletrônico do Departamento de Informática do SUS (DATASUS), do Ministério da Saúde.8 O código utilizado para seleção dos dados foi A09 (Diarreia e gastroenterite de origem infecciosa presumível), de acordo com a décima Classificação Internacional de Doenças (CID 10).9

Descreveu-se o coeficiente de mortalidade, taxa de internação, média de permanência hospitalar, valores médios de internação e porcentagem de internação hospitalar de crianças menores de um ano e de um a quatro anos, por serem as faixas etárias mais vulneráveis para esta patologia.

Procedimento para os cálculos

O coeficiente de mortalidade infantil por diarreia foi definido como sendo o número total de óbitos por diarreia em menores de um ano x 1.000 pelo número de nascidos vivos (NV). O coeficiente de mortalidade de crianças entre um e quatro anos por diarreia como o número total de óbitos por diarreia em crianças nessa faixa etária x 100.000 pelo número de crianças entre um e quatro anos.

A taxa de internação por diarreia em menores de um ano foi definida como o número internações por diarreia em menores de um ano x 1.000 pelo número de NV e a taxa de internação de crianças entre um e quatro anos como número internações por diarreia de crianças nessa faixa etária x 100.000 pelo número de crianças entre um e quatro anos.

A proporção de internação por diarreia em menores de um ano definiu-se como número internações por diarreia em menores de um ano x 100 pelo número total de internação em menores de um ano e a proporção de internação entre um e quatro anos como o número de internações por diarreia em crianças nessa faixa etária x 100 pelo número total de internação de crianças entre um e quatro anos.

A permanência hospitalar e o valor médio da internação por diarreia foram obtidos diretamente do DATASUS.

Para análise das séries temporais, optou-se pela utilização de modelos regressivos dinâmicos (regressão com erros ARIMA),10 uma vez que essa técnica permite incorporar e ajustar o efeito da autocorrelação de uma série histórica, reduzindo tal viés na estimativa de tendências. Para o total de 50 séries estudadas, aquelas não estacionárias foram diferenciadas e, em seguida, foram estimados os parâmetros estruturais de autorregressão e médias móveis (autocorrelação (AR), diferenciação (d) e médias móveis (MA)), com uma notação ARIMA(AR,d,MA), assim como os coeficientes angulares das regressões (b), que representam a modificação em média na tendência da série, por unidade de tempo (a cada ano).

Para o diagnóstico do melhor modelo, obteve-se, para cada série, o Akaike's Information Criterion10 que provesse o menor valor, juntamente com a análise de resíduos, a observação dos gráficos de autocorrelação e autocorrelação parcial, descritivamente o teste de Ljung-Box, a avaliação de superestimação de parâmetros e a comparação dos dados originais com os previstos pelos modelos. Por ter sido estudada toda a população-alvo, não foram calculadas estatísticas inferenciais. O pacote estatístico R versão 2.15.1 foi utilizado para a análise dos dados das séries temporais.11

O Comitê de Ética em Pesquisa do Complexo Hospitalar Universitário Professor Edgard Santos (COM-HUPES) aprovou este estudo sob o protocolo de número 001/01/2012, como adendo de um projeto previamente aprovado por este mesmo comitê sob o protocolo de número 121/2003.

Resultados

Segundo dados oficiais do Ministério da Saúde, no período estudado ocorreram 22.933 mortes de menores de cinco anos, devido ao CID A09 (80,3% em menores de um ano) e 1.209.622 internações (62,6% entre um e quatro anos), sendo a região Nordeste responsável por 57% e 46%, respectivamente.

Coeficientes de mortalidade por diarreia - CID A09

Houve uma redução no número de óbitos nos menores de um ano de, aproximadamente, 77% de 2000 (2.738) para 2010 (632) vs 57% (541/235) entre as crianças de um a quatro anos. Entre os extremos da série temporal, observou-se redução do coeficiente de mortalidade infantil de 0,96/1.000 para 0,39/1.000 no Norte, 1,62/1.000 para 0,38/1.000 no Nordeste, 0,71/1.000 para 0,23/1.000 no Centro-Oeste, 0,43/1.000 para 0,1/1.000 no Sudeste, e 0,5/1.000 para 0,08/1.000 no Sul. Em relação ao coeficiente de mortalidade entre crianças de um a quatro anos, a redução registrada foi de 6,81/100.000 para 5,04/100.000 no Norte, 6,05/100.000 para 2,52/100.000 no Nordeste, 5,76/100.000 para 3,17/100.000 no Centro-Oeste, 1,99/100.000 para 1,13/100.000 no Sudeste, e 2,86/100.000 para 0,85/100.000 no Sul.

As Figuras 1A e 2A mostram a tendência decrescente dos coeficientes de mortalidade por faixa etária e por região, ao longo do período estudado. Para faixa etária menor de um ano, todas as regiões apresentaram lento decréscimo ao longo do tempo, variando em média de 0,03 a 0,11 óbitos/ano/1000 NV (três a 11 óbitos/ano/100.000 NV). Apesar de a região Nordeste (β1=-0,11) possuir o maior decréscimo anual, também foi a região que apresentou, em quase todo o período, os maiores coeficientes de mortalidade infantil por diarreia (variando de 1,62 a 0,38 óbitos/1000 NV), seguida pela região Norte (β1=-0,06). Entre as crianças maiores, a redução anual média do coeficiente de mortalidade variou de 0,09 a 0,66 óbitos/100.000 (tabelas 1 e 2). As regiões Norte (5,6 óbitos/100.000), Nordeste (4,7 óbitos/100.000) e Centro-Oeste (4,7 óbitos/100.000) apresentaram em média, nos 10 anos estudados, valores superiores aos coeficientes de mortalidade das regiões Sul (1,4 óbitos/100.000) e Sudeste (1,3 óbitos/100.000).


 





 




Morbidade hospitalar

Em 2000, o número absoluto de AIH pagas no território brasileiro com CID A09, para crianças menores de um ano, foi 55.161, com redução de 52% desse valor em 2010 (26.347) e aumento de 14% (59.533/67.858) entre um e quatro anos de idade.

A taxa de internação por diarreia em menores de um ano foi praticamente estável (pouco decremento anual médio) em todas as regiões ao longo da série (Figura 1B), sendo a maior taxa de redução observada no Nordeste (β1=-1,70 - redução de 1,7 internações por mil NV a cada ano) (tabela 1). Entre as crianças maiores, a tendência foi de estabilização com irrelevante acréscimo (Figura 2B), exceto no Sudeste, que teve um discreto decréscimo na taxa de internação (β1=-0,13) (tabela 2). O mesmo padrão foi observado na porcentagem anual estimada de internação hospitalar nas duas faixas etárias na última década (tabelas 1 e 2); todavia, percebe-se que nas regiões Norte e Nordeste internam-se mais crianças com diarreia, principalmente nos menores de um ano (Figuras 1C e 2C). Em média, a porcentagem de internação nos menores de um ano no Nordeste foi de 10,2% (desvio-padrão (DP) = 1,9%); no Norte, 9,8% (DP = 1,2%); no Sudeste, 4% (DP = 1,3%); no Centro-Oeste, 5,4% (DP = 1,0%); e no Sul, 2,2% (DP = 0,3%). Para as crianças maiores, em média, a porcentagem no Nordeste foi de 10,7% (DP = 1,9%); no Norte, 11,6% (DP = 1,5%); no Sudeste, 6,5% (DP = 1,0%); no Centro-Oeste, 8,5% (DP= 1,5%); e no Sul 5,3% (DP= 1,2%).

O tempo médio de permanência hospitalar no período estudado foi de quatro dias em menores de um ano, e 3,4 dias nas crianças de um a quatro anos, com redução aproximada de 20% (0,85 dias) entre 2000 e 2010 em ambas faixas etárias.

As Figuras 1D e 2D mostram que a média de permanência foi decrescente e homogênea em todas as regiões, exceto na região Centro-Oeste, que mostrou comportamento heterogêneo, principalmente, nos menores de um ano, entretanto, com a maior estimativa anual de decréscimo, embora desprezível, na média de permanência (dias) em ambas idades (β1=-0,18/ β1=-0,15) (tabelas 1 e 2).

O valor médio pago por AIH em 2000/2010 foi de R$ 405,36 (US$ 221.14)/R$ 368,43 (US$ 209.72) e R$ 360,12 (US$ 196.46)/R$ 347,62 (US$ 197.88), em crianças menores de um ano e de um a quatro anos, representando uma redução de 9,1% e 3,5%, respectivamente, para uma permanência média de quatro dias. O valor da AIH em 2000 foi corrigido pela inflação, tendo por base o ano 2010.

Discussão

Mortalidade

Desde a década de 1980, o padrão da mortalidade infantil geral e por diarreia é descrito como decrescente tanto no Brasil3,12,13 quanto no mundo,2,6 embora seja referido que o progresso na redução mundial da mortalidade não tem sido acelerado quando comparado com três décadas atrás,7 o mesmo registrado no Brasil no decênio anterior.13 Paralelamente, registra-se lento progresso na implantação mundial das novas recomendações para o controle da diarreia.1 Água contaminada, saneamento inadequado e falta de higiene ainda respondem por 88% dos óbitos mundiais devido à diarreia.1

Esse lento progresso do manejo da doença diarreica pode ser fator contribuidor para a estabilização da mortalidade infantil, visto que essa patologia é a segunda causa infecciosa desse indicador no mundo.1,2

É lícito afirmar que os índices atuais de mortalidade atribuíveis a essa doença no Brasil, aqui demonstrados, apesar de baixos, são ainda inaceitáveis. Essa é uma doença de transmissão fecal-oral, autolimitada, evitável, de simples manejo domiciliar com a SRO e que não exige tecnologia de ponta, nem custos tão relativamente elevados.

Em parte do Brasil, a diarreia ainda é um importante problema de saúde pública.3 A heterogeneidade regional dos coeficientes de mortalidade por diarreia descritos reflete a desigualdade socioeconômico-cultural, assim como a dificuldade de acesso à saúde e ao saneamento.

As regiões Nordeste e Centro-Oeste apresentaram maior velocidade de redução desses coeficientes quando comparadas com o Sul e Sudeste. Apesar de essas regiões apresentarem patamares maiores dos indicadores em 2000, que poderia justificar a maior velocidade de redução, é admissível que essa tendência de decréscimo possa ser reflexo das estratégias nacionais de saúde pública, tais como programa de saúde da família, programa de capacitação de profissionais na monitorização da doença diarreica aguda, vacinação contra rotavírus, incentivo ao aleitamento materno e suplementação de vitamina A implantados em setores fundamentais, principalmente após década de 1990, com resultados promissores no impacto da mortalidade geral em crianças menores de cinco anos, assim como por doença diarreica.3,14-17

É possível que os investimentos recentes da política brasileira, na tentativa de reduzir as disparidades mencionadas, tenham sido fator impactante sobre a mortalidade infantil por diarreia em algumas regiões;3 contudo, essa especulação deve ser cautelosa devido à limitação de estudos produzidos sobre a mortalidade infantil em regiões como Norte e Centro-Oeste.13

Tais estratégias de prevenção foram consideradas modelo para exportação,16 entretanto, no que diz respeito ao tratamento da diarreia, o Brasil não faz parte da fração mundial que adota explicitamente a recomendação da SRO de baixa osmolaridade (66 países) e suplementação de zinco (46 países). Isso, talvez, devido à dificuldade para aquisição e/ou manipulação dos produtos e, principalmente, pelo investimento financeiro embutido nesse processo.1 Segundo Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde/2006, o Brasil utilizava o "soro caseiro" com maior frequência, quando comparado com as outras formas de TRO (soro do governo e soro comercial), para reverter os quadros mórbidos de diarreia.18

Morbidade hospitalar

Registra-se um menor número de mortes por diarreia, porém, sem decréscimo proporcional das taxas de morbidade atribuíveis a essa patologia,6,18 impondo enorme ônus sobre o sistema de saúde.19 Neste estudo, observou-se lenta redução anual da taxa de internação por diarreia em menores de um ano e discreto aumento entre um e quatro anos, mostrando que as hospitalizações mantiveram-se praticamente estáveis, apesar de modesta ascendência em algumas regiões do país (Norte/Nordeste). Na literatura nacional, menciona-se redução de aproximadamente 40 a 60% na taxa de internação em menores de um ano,3,20 com evolução desigual entre as regiões brasileiras e estabilização entre um e quatro anos,20 contudo, em períodos distintos. Nos EUA, a diarreia foi considerada uma importante causa de hospitalização de crianças menores de cinco anos em 2000, com expectativa de redução após vacinação para rotavírus.21 Esse fato foi registrado no Brasil,15 principalmente nos menores de um ano, apesar de neste estudo ter-se observado uma pequena redução das taxas de internação, talvez explicado pelas baixas e variáveis coberturas vacinais para rotavírus alcançadas desde 2006, no Brasil.8 Embora a meta de cobertura estabelecida pelo Ministério da Saúde, ter sido de 90%,22 o máximo alcançado foi de 84,4% em 2009, e a média foi de apenas 58,7% no país entre 2006 e 2010.

Apesar da redução referida, a gastroenterite e suas complicações foram a principal causa de internação de crianças menores de cinco anos por condições sensíveis à atenção primária entre 1999 e 2006, com maiores taxas de internação no Norte, Nordeste e Centro-Oeste.20 A tendência desta série foi semelhante, sendo o Norte e Nordeste responsáveis pelo maior número de internações, principalmente, nos menores de um ano em todo o período estudado. Isto se deve, possivelmente, às disparidades socioeconômico-cultural em que tais regiões estão submetidas historicamente, além da maior procura por hospitais do SUS nestas regiões.18

A recomendação de internação durante um episódio de diarreia restringe-se aos casos complicados com desidratação grave, devido ao risco de choque hipovolêmico e óbito, além dos pequenos lactentes, desnutridos, pacientes com perda fecal elevada e cujo cuidador seja incapaz de tratar com sucesso no domicílio.23 Outrossim, o baixo nível de escolaridade, em determinadas regiões brasileiras, responderia por grande parte dos internamentos.18

A despeito do sucesso das estratégias preventivas no controle da doença diarreica no Brasil, o déficit da atenção básica em algumas regiões repercute no redirecionamento do atendimento dos casos de diarreia para as emergências,19,24 com risco presumível de internamento, secundário a causas multifatoriais, favorecendo a condução inadequada do caso (reidratação venosa, uso desnecessário de drogas, excesso de exames), aumentando o tempo e custo da hospitalização.4,19,25-27

Neste estudo, a média de permanência hospitalar em 10 anos reduziu apenas 20% (0,85 dias), com média de quatro dias nos menores de um ano, e 3,4 dias entre um e quatro anos. As regiões Centro-Oeste e Sul apresentaram as maiores velocidades de redução anual, fato que necessita de investigação mais aprofundada para melhor compreensão de tal comportamento.

Associada à discreta redução da permanência hospitalar, houve uma pequena redução do valor médio da internação (corrigido pela inflação do período), levando à suposição de que investimentos direcionados para a redução do tempo de hospitalização pode representar redução do ônus sobre o sistema de saúde, atribuído à doença diarreica.

No Brasil, em 2010, foram gastos aproximadamente R$ 9,8 milhões com internamentos das crianças menores de um ano com diarreia e R$ 23,5 milhões para aquelas entre um e quatro anos,8 cifras que poderiam estar sendo investidas nas novas recomendações terapêuticas para o manejo dessa patologia. Vale ressaltar que o sistema de AIH de controle de hospitalizações baseia-se em uma tabela de custos por procedimento, não obrigatoriamente vinculada aos custos reais do hospital,28 podendo esses valores estarem subestimados.

Prioridades de pesquisas estão sendo definidas para reduzir a morbimortalidade global da diarreia infantil até 2015; as principais vertentes estão voltadas para as políticas de saúde pública e epidemiológicas, a fim de se compreender as barreiras para a implementação e otimização dos programas e intervenções disponíveis.29

É admissível que estratégias voltadas para a diminuição do número de internamentos e do tempo de permanência hospitalar, com consequente redução do custo e dos riscos para o paciente, sejam oportunas no manejo da doença diarreica no Brasil.

Conclusão

Os níveis dos coeficientes de mortalidade de crianças por diarreia encontraram-se mais baixos e lentamente decrescentes ao longo do período estudado; as taxas de internação mantiveram-se estáveis; e houve redução discreta do tempo de permanência de internação e do custo no seu manejo hospitalar. Para todos os indicadores houve diferenças regionais, exceto para os valores médios de internação hospitalar.

Políticas públicas transparentes e reguladas socialmente que promovam prioritariamente a redução das diferenças sociais, que viabilizem medidas sanitárias coletivas, estruturem os serviços de saúde, capacitem recursos humanos, estimulem e financiem a pesquisa em diagnóstico local de saúde, em soluções de informação, prevenção e tratamento devem ser estrategicamente articuladas para que, efetivamente, se possa ampliar o alcance e a resolução do que já foi conquistado no enfrentamento dessa específica, porém crucial, situação de saúde.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

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Recebido em 6 de setembro de 2012; aceito em 31 de outubro de 2012

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    Autor para correspondência.
    E-mail:
    psam.ufba@gmail.com (P.S.A. Mendes)
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Jul 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013

    Histórico

    • Recebido
      06 Set 2012
    • Aceito
      31 Out 2012
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