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Epidemiologia das rotaviroses antes e após a introdução da vacina

Resumos

OBJETIVOS: Avaliar a prevalência e a circulação dos genótipos de rotavírus, antes e após a introdução da vacina oral contra rotavírus humano, bem como verificar uma possível mudança na faixa etária de ocorrência da infecção pelo RV-A. MÉTODOS: Trata-se de um estudo transversal realizado no período de 2002 a 2011, em Juiz de Fora, MG. Foram avaliados 1.144 espécimes fecais diarreicos, obtidos de crianças de 0 a cinco anos não hospitalizadas, que foram analisadas por PAGE e RT-PCR. Os dados relativos à prevalência e distribuição etária dos casos de rotavirose foram analisados pelo teste χ2 (p < 0,05), utilizando-se o programa SPSS, versão 13.0. RESULTADOS: Infecções por rotavírus foram detectadas em 9,35% (107/1.144) das amostras, com prevalências variando de 11,12% (90/809) no período pré-vacinal a 5,07% (17/335) no pós-vacinal (p = 0,001). Dentre as amostras caracterizadas, os genótipos mais frequentemente detectados foram G1P[6] (6/33 = 18,2%) no período 2002-2005 e G2P[4] no ano de 2006 (11/33 = 33,3%) e no período 2007-2011 (5/33 = 15,2%). Observou-se, ainda, uma redução significativa no número de casos de rotavirose em crianças de 0 a 36 meses, após a introdução da vacina. CONCLUSÕES: O estudo revelou queda significativa na prevalência de rotavírus, principalmente na faixa etária de 0 a 36 meses, no período 2007-2011, bem como redução na circulação do genótipo G1.

Rotavírus; Epidemiologia; Vacinas contra rotavírus; Genótipos


OBJECTIVES: To evaluate the prevalence and circulation of rotavirus genotypes before and after the introduction of oral vaccine against human rotavirus (OVHR), and to check for a possible change in the age of occurence of the infection by RV-A. METHODS: This was a cross-sectional study conducted between 2002-2011, in the city of Juiz de Fora, state of Minas Gerais, Brazil. A total of 1,144 diarrheal stool specimens were obtained from nonhospitalized children aged between 0 and 5 years, and analyzed by polyacrylamide gel electrophoresis and reverse-transcription polymerase chain reaction for genotype characterization. Data on prevalence and age distribution of rotavirus cases were analyzed through the chi-squared test (p < 0.05), using SPSS, release 13.0. RESULTS: Rotavirus infection was detected in 9.35% (107/1,144) samples, with prevalence rates ranging from 11.12% (90/809) in the pre-vaccine to 5.07% (17/335) in the post-vaccine period (p = 0.001). Among the samples tested, the most frequently detected genotypes were G1P[6] (6/33 = 18.2%) in the period between 2002 and 2005 and G2P[4] in 2006 (11/33 = 33.3%) and in the period between 2007 and 2011 (5/33 = 15.2%). There was also a significant reduction in the number of cases of rotavirus disease in children aged between 0 and 36 months after the vaccine introduction. CONCLUSIONS: The study evidenced a significant decrease in the prevalence of rotavirus, mainly in children aged between 0 and 36 months in the 2007-2011 period, as well as a reduction in G1 genotype circulation.

Rotavirus; Epidemiology; Rotavirus vaccines; Genotypes


ARTIGO ORIGINAL

Epidemiologia das rotaviroses antes e após a introdução da vacina

Andrêssa S.F. AssisI; Daniel A. ValleII; Gustavo R. AntunesIII; Sandra H.C. TibiriçaIV; Rosane Maria S. de AssisV; José Paulo G. LeiteVI; Iná P. de CarvalhoVII; Maria Luzia da Rosa e SilvaVIII,* * Autor para correspondência. E-mail: mluziars@yahoo.com.br (M.L. Rosa e Silva).

IMestre em Ciências Biológicas, Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Juiz de Fora, MG, Brasil

IIAcadêmico de Medicina, UFJF, Juiz de Fora, MG, Brasil

IIIFarmacêutico, UFJF, Juiz de Fora, MG, Brasil

IVDoutora em Saúde Brasileira, Faculdade de Medicina, UFJF, Juiz de Fora, MG, Brasil

VBiomédica, Laboratório de Virologia Comparada, Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil

VIDoutor em Bioquímica, Laboratório de Virologia Comparada, FIOCRUZ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

VIIDoutora em Ciências (Microbiologia), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil

VIIIDoutora em Ciências (Microbiologia) e Pesquisadora Responsável, UFJF, Juiz de Fora, MG, Brasil

RESUMO

OBJETIVOS: Avaliar a prevalência e a circulação dos genótipos de rotavírus, antes e após a introdução da vacina oral contra rotavírus humano, bem como verificar uma possível mudança na faixa etária de ocorrência da infecção pelo RV-A.

MÉTODOS: Trata-se de um estudo transversal realizado no período de 2002 a 2011, em Juiz de Fora, MG. Foram avaliados 1.144 espécimes fecais diarreicos, obtidos de crianças de 0 a cinco anos não hospitalizadas, que foram analisadas por PAGE e RT-PCR. Os dados relativos à prevalência e distribuição etária dos casos de rotavirose foram analisados pelo teste χ2 (p < 0,05), utilizando-se o programa SPSS, versão 13.0.

RESULTADOS: Infecções por rotavírus foram detectadas em 9,35% (107/1.144) das amostras, com prevalências variando de 11,12% (90/809) no período pré-vacinal a 5,07% (17/335) no pós-vacinal (p = 0,001). Dentre as amostras caracterizadas, os genótipos mais frequentemente detectados foram G1P[6] (6/33 = 18,2%) no período 2002-2005 e G2P[4] no ano de 2006 (11/33 = 33,3%) e no período 2007-2011 (5/33 = 15,2%). Observou-se, ainda, uma redução significativa no número de casos de rotavirose em crianças de 0 a 36 meses, após a introdução da vacina.

CONCLUSÕES: O estudo revelou queda significativa na prevalência de rotavírus, principalmente na faixa etária de 0 a 36 meses, no período 2007-2011, bem como redução na circulação do genótipo G1.

Palavras-chave: Rotavírus; Epidemiologia; Vacinas contra rotavírus; Genótipos

Introdução

Os rotavírus do grupo A (RV-A) destacam-se como importantes patógenos virais associados à doença diarreica aguda (DDA) infantil. Em todo o mundo, são responsáveis por 125 milhões de episódios de diarreia, 25 milhões de visitas médicas, 2,4 milhões de hospitalizações e 611 mil óbitos ao ano, sendo que 29% de todas as mortes por diarreia acometem crianças menores de cinco anos.1,2

Nos países em desenvolvimento, os RV-A estão diretamente relacionados à mortalidade infantil e a altas taxas de morbidade, considerando-se o grande número de internações por diarreia e desidratação, com impacto na família, na sociedade, nos gastos públicos em saúde, na produtividade e no contexto psico-socio-ambiental.1 Na América Latina, de acordo com dados disponíveis, foram registrados 10 milhões de casos de diarreia, 2 milhões de visitas médicas, 75 mil hospitalizações e 15 mil mortes anuais provocadas por RV-A.3

No Brasil, antes da vacinação, os RV-A foram associados a 3,5 milhões de episódios de DDA, 650 mil visitas a ambulatórios de saúde, 92 mil internações e 850 óbitos por ano, entre crianças menores de cinco anos.4 Estudos realizados nos níveis secundários e terciários de atenção à saúde, com indivíduos da mesma faixa etária, apontaram prevalências de diarreia por RV-A que variaram de 20,7% a 30,9%,5 sendo este vírus, também, considerado uma importante causa de internação hospitalar.

A infecção por RV é autolimitada, apresentando-se de forma sintomática ou assintomática. Os quadros da doença variam de leves a graves, podendo levar à desidratação. Acomete indivíduos de todas as faixas etárias, com predominância em lactentes.6

Os RV-A pertencem ao gênero Rotavírus, família Reoviridae, cujo genoma é constituído por 11 segmentos de RNA de fita dupla. São classificados em genótipos, segundo um sistema binário, pela determinação das sequências dos genes que codificam as proteínas VP7 (tipos G) e VP4 (tipos P).6 Entretanto, recentemente, foi sugerido um sistema de classificação mais completo, baseado na sequência de todos os segmentos genômicos do vírus.7 As combinações de G e P mais comuns em todo mundo são: G1P[8], G2P[4] e G9P[8].5

Melhorias sanitárias e de higiene são desejáveis para a prevenção das doenças diarreicas, mas não são suficientes para impedir a infecção pelos RV-A. Desta forma, pesquisas foram voltadas para o desenvolvimento de uma vacina, com o objetivo de diminuir os casos severos da doença e, consequentemente, as internações e os óbitos, em todos os níveis socioeconômicos. Na última década, várias candidatas foram testadas sem sucesso até o desenvolvimento da vacina monovalente Rotarix® (GlaxoSmithKline, Rixensart, Belgium), preparada a partir de uma amostra atenuada de RV-A humano G1P[8].1

A vacina Rotarix® foi introduzida no Programa Nacional de Imunização (PNI), em março de 2006,8 tendo sido implantada, também, em outros 11 países da América Latina5. Embora a imunidade conferida pela vacina proteja contra os casos graves da doença, reinfecções por genótipos diferentes de RV-A podem ocorrer ao longo da vida, uma vez que tais vírus apresentam uma grande diversidade genética.9

Neste contexto, os estudos de caracterização genotípica são importantes para se conhecer o impacto da vacinação sobre os genótipos de RV-A circulantes na população e fornecer subsídios para reavaliação das formulações, na busca por uma vacina mais apropriada. Assim, o objetivo deste estudo foi avaliar a prevalência da infecção e a circulação dos genótipos de RV-A, antes e após a introdução da vacina oral contra rotavírus humano (VORH), bem como verificar uma possível mudança na idade de ocorrência da infecção por RV-A.

Métodos

Foi desenvolvido um estudo transversal, no qual foram analisadas 1.144 amostras fecais, provenientes de crianças de 0-5 anos, não hospitalizadas, com evidência clínica de DDA, atendidas em ambulatórios públicos e consultórios particulares, no período 2002-2011, no município de Juiz de Fora, MG.

A realização deste estudo teve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa Humana, da Universidade Federal de Juiz de Fora. Os espécimes fecais obtidos foram mantidos em ambiente refrigerado (4ºC) e encaminhados para o Laboratório de Virologia, onde, após cadastramento, foram armazenados a −20ºC, compondo um banco de amostras, na Universidade Federal de Juiz de Fora.

As suspensões fecais (10%, p/v), preparadas em tampão Tris-HCl-Ca+2, pH 7,2 e clarificadas (5.000 rpm por 20 minutos a 4ºC), foram submetidas à técnica de extração de RNA,10 seguida de eletroforese em gel de poliacrilamida (PAGE),11 para detecção de RV.

A caracterização genotípica das amostras positivas para RV-A foi realizada pela reação em cadeia de polimerase, precedida por transcrição reversa (RT-PCR), utilizando-se iniciadores consensuais para amplificação dos genes codificadores das proteínas VP7 e VP4, seguida de uma PCR multiplex seminested com iniciadores nucleotídicos específicos para os principais genótipos G (G1, G2, G3, G4, G8 e G9)12,13 e P (P[4], P[6], P[8] e P[9])14 de RV-A humanos.

Os dados relativos à prevalência e à distribuição etária das amostras positivas para RV-A foram armazenados no programa SPSS, versão 13.0. A comparação da taxa de detecção de RV-A em grupos etários e por período de estudo foi realizada pelo teste χ2, considerando-se significativos valores de p < 0,05.

Resultados

Para avaliar a possível influência da vacinação na prevalência das rotaviroses e na faixa etária acometida pela doença, o período de estudo foi dividido em pré-vacinal (2002-2006) e pós-vacinal (2007-2011). Embora 2006 tenha sido o ano de introdução da vacina, este foi considerado no período pré-vacinal (2002-2006), uma vez que a maioria (187/194 = 96,39%) das amostras foi obtida de crianças não elegíveis para a vacinação. Entretanto, para a análise dos genótipos circulantes (considerando-se que outros fatores, além da vacinação, possam interferir nesta dinâmica), o período estudado foi dividido em 2002-2005, 2006 e 2007-2011.

No período de estudo foi observado um índice de positividade de 9,35% (107/1.144), com prevalência de DDA associada ao RV-A variando de 11,12% (90/809) no período que antecedeu a introdução da VORH a 5,07% (17/335), no período posterior à sua implantação, o que foi confirmado estatisticamente (p = 0,001).

As prevalências anuais de RV-A e a comparação com as coberturas vacinais alcançadas no período podem ser vistas na figura 1, onde a curva mostrou uma queda acentuada na ocorrência da rotavirose no ano de 2007.


Das 70 amostras positivas para RV-A, submetidas à caracterização molecular, 52 (74,3%) foram genotipadas. Destas, 63,5% (33/52) foram caracterizadas completamente, sendo identificado um total de sete combinações de genótipos G e P (tabela 1), com destaque para G1P[6] no período 2002-2005, e para G2P[4] a partir do ano de 2006. Por outro lado, 36,5% (19/52) foram caracterizadas parcialmente, destacando-se os genótipos G1 (7/19 = 36,8%) no período 2002-2005 e P[4] (4/19 = 21,1%) no ano de 2006. Mesmo após inúmeras tentativas, não foi possível caracterizar 25,7% (18/70) das amostras, a maioria delas obtidas no período 2007-2011.

A caracterização das amostras de RV-A revelou o predomínio de G1 no período 2002-2005 com uma queda significativa no período 2007-2011, entretanto, nenhuma amostra deste genótipo foi detectada no ano de introdução da vacina (2006). Amostras G2 não detectadas no período 2002-2005 prevaleceram a partir de 2006, enquanto amostras G9 foram detectadas nos períodos 2002-2005 e em 2006 (fig. 2).


No que diz respeito ao genótipo P, a figura 2 mostra que os tipos P[8] e P[4] foram detectados durante todo o período de estudo, sendo que P[8] foi predominante no período 2002-2005. O tipo P[4], entretanto, foi pouco detectado no período 2002-2005, mas prevaleceu no ano de introdução da vacina (2006), mantendo-se em proporções menores, no período 2007-2011. O tipo P[6] foi detectado nos períodos 2002-2005 e em 2006 (fig. 2).

A análise da distribuição das amostras positivas para RV-A, de acordo com a idade (tabela 2), mostrou uma redução significativa do número de casos de rotavirose em crianças de 0 a 36 meses, no período pós-vacinal. Embora todas as amostras fecais tenham sido obtidas de crianças de 0 a 5 anos, nas de 2002 (19/318) e 2003 (12/164) não havia informação precisa sobre a idade e, por esse motivo, as mesmas não foram incluídas na tabela 2.

Discussão

A introdução da VORH no PNI foi um grande avanço e pode ser uma medida eficaz para a redução dos casos severos de rotavirose e da morbimortalidade infantil.15 Entretanto, para avaliar o impacto da medida sobre a ocorrência da doença e sobre as flutuações dos diferentes genótipos de RV-A é necessária uma vigilância epidemiológica longitudinal contínua, pós-introdução da vacina.

A vacinação foi iniciada em 2006, atingindo apenas 56,48% da população-alvo na cidade. Em adição à baixa cobertura vacinal, deve-se considerar que, neste estudo, a maioria das amostras foi proveniente de crianças que estavam fora da faixa etária elegível para a vacinação, fato que explica, em parte, a prevalência dos RV-A ter sido semelhante à observada em 2005.

Em 2007, no entanto, foi observado um declínio significativo da taxa de detecção do vírus, corroborando dados encontrados por outros pesquisadores, no Brasil, neste mesmo ano. Esta diminuição foi concomitante com o aumento da cobertura vacinal no município, que atingiu 80,47% da população infantil elegível neste ano.16-18

A análise comparativa entre os períodos pré e pós-vacinação revelou uma redução significativa na prevalência de RV-A no período 2007-2011. Este achado corrobora outras pesquisas brasileiras, que relataram tendência semelhante,17-19 inclusive no âmbito hospitalar, onde a vacinação foi relacionada a uma redução global no número de consultas e internações por DDA.20 Esta redução na ocorrência da doença por RV-A é importante, pois implica na redução das comorbidades e nos encargos financeiros ao sistema de saúde brasileiro.

Apesar da redução observada, o período 2008-2011 apontou uma tendência de aumento gradativo na prevalência de RV-A, mesmo considerando-se o menor número de amostras obtidas nestes anos do estudo. Dados parcialmente semelhantes foram relatados em pesquisa realizada no Triângulo Mineiro, oeste do estado de Minas Gerais, onde a maior queda na prevalência de RV-A foi observada em 2009, mas com tendência de aumento no ano de 2010, em Uberlândia.21

Antes da introdução da VORH (2002-2005), amostras de RV-A do genótipo G1P[8] eram predominantes no Brasil.5 Neste mesmo período, também foi observada na cidade de Juiz de Fora, MG uma maior circulação de amostras G1, entretanto, com predomínio de G1P[6], seguido de G9P[8] e G1P[8].

A caracterização molecular das amostras detectadas em 2006 mostrou o predomínio de amostras G2P[4], reforçando relatos de trabalhos realizados em diferentes estados do Brasil e em outros países.17,22-24 No ano em que a vacina G1P[8] foi implantada no SUS (Sistema Único de Saúde), observou-se uma alta prevalência de RV-A, associada a uma baixa cobertura vacinal e maior circulação de amostras do genótipo G2. Pouco detectadas no país desde 1996, tais amostras reemergiram em 2006, confirmando, assim, a observação de que estas apresentam uma característica de circulação, em intervalos de 10 anos.22

As amostras de RV-A G2P[4] podem ter sido reintroduzidas no Brasil, em 2005, por estados que fazem fronteira com países da América do Sul, que reportaram a doença associada ao genótipo G225 e outros que não adotaram a vacinação.24 O longo período sem circular ou de pouca circulação deste genótipo teria criado condições favoráveis ao acúmulo de indivíduos imunologicamente susceptíveis,26 o que pode explicar a alta prevalência da infecção, mesmo com a utilização da VORH.

Estudos de reatividade cruzada da VORH realizados na América Latina mostraram resposta heterotípica, apenas, contra amostras G3, G4 e G9.15 Porém, a avaliação da resposta contra amostras G2 pode ter sido prejudicada pela baixa circulação deste genótipo, durante os estudos de triagem.15 Pesquisas recentes20,27 corroboraram esta tese, mostrando evidências da eficácia da vacina contra o genótipo G2P[4], principalmente em crianças de seis a 11 meses, com declínio da proteção a partir de 12 meses de idade.

A partir de 2007, a prevalência da infecção diminuiu. Amostras G2 continuaram predominantes, cocirculando principalmente com amostras G1, ambas em menor proporção que em 2006 e 2005, respectivamente, em conformidade com relatos de outros autores.24 Neste período, além da proteção homotípica anti G1 e heterotípica contra os demais genótipos conferida pela vacina, deve-se considerar, também, o contingente de indivíduos já sensibilizados contra amostras do genótipo G2, acumulados na população.17,22,24

Assim, a reemergência de amostras G2 pode ser atribuída tanto às flutuações características deste genótipo, bem como a uma possível vantagem seletiva proporcionada pela vacina. No entanto, a constatação de que amostras G2 foram predominantes neste período, mesmo em países onde a VORH ainda não havia sido implantada,23,25,28 reforça a tese da flutuação temporal da mesma. Portanto, é imprescindível a continuidade de estudos sequenciais para avaliar as variações genotípicas de RV-A, na ótica da vigilância epidemiológica.

Uma percentagem das amostras positivas não foi caracterizada, a maioria delas detectadas no período 2007-2011, apesar das várias tentativas de genotipagem. Esta dificuldade foi observada anteriormente18 e pode estar associada à presença de inibidores nos espécimes fecais e/ou pelo envolvimento de diferentes genótipos G e P de RV-A, não incluídos da reação de PCR, selecionados pela pressão dos anticorpos elicitados pela vacina.

Estudos referentes ao período pós-vacinal tem se concentrado em verificar a influência da vacinação sobre a prevalência da infecção e a caracterização dos genótipos circulantes, com poucos relatos sobre uma possível alteração na faixa etária de maior ocorrência da infecção. Neste contexto, este estudo mostrou que, no período pré-vacinal, a rotavirose era observada em crianças de 0 a 60 meses, com destaque para a faixa etária de 13 a 24 meses. Por outro lado, no período pós-vacinal, houve uma redução significativa na taxa de positividade em crianças de 0 a 36 meses, mesmo considerando a perda de dados relativa aos anos de 2002-2003. Resultado semelhante foi observado, também, em crianças hospitalizadas, mostrando uma redução significativa de internação por doença diarreica associada aos RV-A, na faixa etária de 0 a 23 meses.29 No conjunto, estes resultados sugerem que a vacinação influenciou, consideravelmente, na redução da infecção e da doença grave por RV-A, no grupo etário de 0 a 12 meses, antes considerado o de maior vulnerabilidade. Neste aspecto, deve-se considerar, ainda, que esta queda inclua a imunidade de rebanho, induzida pela vacinação em massa contra RV-A nas crianças não vacinadas, como relatado, recentemente, por outros autores.30

Este estudo revelou uma queda significativa na prevalência de RV-A no período 2007-2011, principalmente na faixa etária de 0 a 36 meses, bem como uma redução na circulação de genótipos não-G2, predominantes no período 2002-2005, no município, após a implantação da vacina.

Financiamento

FAPEMIG e PROPESQ-UFJF.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Recebido em 26 de novembro de 2012; aceito em 6 de fevereiro de 2013

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    Autor para correspondência.
    E-mail:
    mluziars@yahoo.com.br (M.L. Rosa e Silva).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Out 2013
    • Data do Fascículo
      Out 2013

    Histórico

    • Recebido
      26 Nov 2012
    • Aceito
      06 Fev 2013
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