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Grau de cumprimento dos Dez Passos da Iniciativa Unidade Básica Amiga da Amamentação e sua associação com a prevalência de aleitamento materno exclusivo

Resumos

OBJETIVO: Analisar a associação entre o grau de cumprimento dos Dez Passos da Iniciativa Unidade Básica Amiga da Amamentação (IUBAAM) e a prevalência de aleitamento materno exclusivo (AME) em menores de seis meses no município do Rio de Janeiro. MÉTODOS: Estudo transversal conduzido em amostra representativa de 56 unidades básicas de saúde deste município. A avaliação do grau de cumprimento dos Dez Passos da IUBAAM foi realizada por entrevista a profissionais, gestantes e mães, e os escores de desempenho gerados foram classificados em tercis. Para obtenção do desfecho, o AME, foi aplicado formulário de coleta de dados às mães de crianças menores de seis meses que demandaram estas unidades em novembro de 2007. Foram obtidas razões de prevalência do AME por regressão de Poisson com variância robusta. RESULTADOS: A prevalência de AME foi de 47,6%. Na análise multivariada, o tercil superior de desempenho apresentou uma prevalência de AME 34% maior (RP = 1,34; IC95% 1,24-1,44), e o segundo tercil, 17% maior (RP = 1,17; IC95% 1,08-1,27) que o inferior. A mãe não trabalhar fora gerou uma prevalência de AME superior em 75% (RP = 1,75; IC95% 1,53-2,01), e a assistência em unidade básica de saúde, em contraposição à saúde da família, em 10% (RP = 1,10; IC95% 1,03-1,19). A prevalência de AME caiu 1% a cada dia a mais do bebê (RP = 0,993; IC95%: 0,992-0,993). CONCLUSÃO: Diante da contribuição da IUBAAM à prática do AME, recomenda-se maior investimento na expansão e sustentabilidade desta iniciativa, bem como sua articulação com outras estratégias de promoção, proteção e apoio à amamentação.

Aleitamento materno; Estudos transversais; Avaliação de programas e projetos de saúde; Atenção básica à saúde


OBJECTIVE: To analyze the association between the degree of compliance with the ten steps of the Breastfeeding-Friendly Primary Care Initiative (BFPCI) and the prevalence of exclusive breastfeeding (EBF) in infants younger than six months in the city of Rio de Janeiro. METHODS: This was a cross-sectional study conducted in a representative sample of 56 primary health care units of this municipality. The assessment of compliance with the ten steps of the BFPCI was carried out by interviewing health care professionals, pregnant women, and mothers; the generated performance scores were classified into tertiles. To obtain the outcome, i.e., the EBF, a data collection questionnaire was applied to mothers of children younger than six months who were followed at these units in November of 2007. Prevalence ratios were obtained for the EBF using Poisson regression with robust variance. RESULTS: The prevalence of EBF was 47.6%. In the multivariate analysis, the upper tertile of performance showed a 34% higher prevalence of EBF (PR = 1.34, 95% CI: 1.24 to 1.44) and the second tertile was 17% higher (PR = 1.17, 95% CI: 1.08 to 1.27) than the first tertile. Mothers who did not work out of home had a 75% higher prevalence of EBF (PR = 1.75, 95% CI: 1.53 to 2.01); assistance in a basic health unit, as opposed to a family health unit, implied a 10% higher prevalence (PR = 1.10, 95% CI: 1.03 to 1.19). The prevalence of EBF decreased 1% for each day of the infant's life (PR = 0.993, 95% CI: 0.992 to 0.993). CONCLUSION: Given the contribution of BFPCI to the practice of EBF, a greater investment in the expansion and sustainability of this initiative is recommended, as well as its association with other strategies to promote, protect, and support breastfeeding.

Breastfeeding; Cross-sectional studies; Evaluation of health programs and projects; Primary health care


ARTIGO ORIGINAL

Grau de cumprimento dos Dez Passos da Iniciativa Unidade Básica Amiga da Amamentação e sua associação com a prevalência de aleitamento materno exclusivo

Rosane Valéria Viana Fonseca RitoI,* * Autor para correspondência. E-mail: rosane.rito@gmail.com (R.V. Rito). ; Maria Inês Couto de OliveiraII; Alexandre dos Santos BritoIII

IDoutora em Saúde da Criança e da Mulher, Departamento de Nutrição e Dietética, Faculdade de Nutrição Emília de Jesus Ferreiro, Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói, RJ, Brasil

IIDoutora em Saúde Pública, Departamento de Epidemiologia e Bioestatística, Instituto de Saúde da Comunidade, UFF, Niterói, RJ, Brasil

IIIDoutor em Saúde Coletiva, Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil

RESUMO

OBJETIVO: Analisar a associação entre o grau de cumprimento dos Dez Passos da Iniciativa Unidade Básica Amiga da Amamentação (IUBAAM) e a prevalência de aleitamento materno exclusivo (AME) em menores de seis meses no município do Rio de Janeiro.

MÉTODOS: Estudo transversal conduzido em amostra representativa de 56 unidades básicas de saúde deste município. A avaliação do grau de cumprimento dos Dez Passos da IUBAAM foi realizada por entrevista a profissionais, gestantes e mães, e os escores de desempenho gerados foram classificados em tercis. Para obtenção do desfecho, o AME, foi aplicado formulário de coleta de dados às mães de crianças menores de seis meses que demandaram estas unidades em novembro de 2007. Foram obtidas razões de prevalência do AME por regressão de Poisson com variância robusta.

RESULTADOS: A prevalência de AME foi de 47,6%. Na análise multivariada, o tercil superior de desempenho apresentou uma prevalência de AME 34% maior (RP = 1,34; IC95% 1,24-1,44), e o segundo tercil, 17% maior (RP = 1,17; IC95% 1,08-1,27) que o inferior. A mãe não trabalhar fora gerou uma prevalência de AME superior em 75% (RP = 1,75; IC95% 1,53-2,01), e a assistência em unidade básica de saúde, em contraposição à saúde da família, em 10% (RP = 1,10; IC95% 1,03-1,19). A prevalência de AME caiu 1% a cada dia a mais do bebê (RP = 0,993; IC95%: 0,992-0,993).

CONCLUSÃO: Diante da contribuição da IUBAAM à prática do AME, recomenda-se maior investimento na expansão e sustentabilidade desta iniciativa, bem como sua articulação com outras estratégias de promoção, proteção e apoio à amamentação.

Palavras-chave: Aleitamento materno; Estudos transversais; Avaliação de programas e projetos de saúde; Atenção básica à saúde

Introdução

Muitas são as evidências sobre os benefícios da amamentação para a saúde materna e para o crescimento e o desenvolvimento saudáveis da criança.1 O aleitamento materno exclusivo (AME) tem um impacto ainda maior na prevenção da morbi-mortalidade infantil, em especial pelo seu efeito na redução das infecções do trato gastrointestinal.2

Em 1981, foi criada no Brasil a Política Nacional de Incentivo ao Aleitamento Materno, desenvolvendo ações coordenadas para a redução do desmame precoce. Na década de 1990, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) propuseram estratégias estimulando o estabelecimento de rotinas favoráveis ao aleitamento materno nas maternidades.3

Para envolver a atenção primária na promoção, proteção e apoio ao aleitamento materno, a Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro, em 1999, lançou a Iniciativa Unidade Básica Amiga da Amamentação (IUBAAM).4 Esta iniciativa foi fruto de revisão sistemática que trouxe evidência sobre ações desenvolvidas na atenção primária com efetividade na extensão da duração do AME.5 A IUBAAM preconiza a implantação de "Dez passos para o sucesso da amamentação na atenção básica à saúde". Os dois primeiros passos referem-se à estrutura que a unidade deve dispor para a sua atuação, e os demais remetem ao processo de orientação sobre o manejo da amamentação e de apoio às gestantes e mães para esta prática6 (fig. 1).


Desde 2000, a Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro (SMSDC-RJ) vem investindo na implantação da IUBAAM em sua rede primária de saúde com vistas a maximizar as oportunidades de promoção e apoio à prática da amamentação na assistência pré-natal e ao binômio mãe-filho. Desde 2003 as equipes de saúde vêm sendo capacitadas nos cursos de 24 horas da IUBAAM, que contemplam o manejo clínico e o aconselhamento individual e em grupo em amamentação, sendo acompanhadas pelas coordenações regionais de saúde ao longo do processo de credenciamento nessa iniciativa.7

No período de 2003 a 2012 foram realizados 208 cursos, tendo sido capacitados 5.155 profissionais de saúde. Praticamente toda a rede da atenção primária conta com profissionais que já participaram dos cursos de 24 horas da IUBAAM, o que tem contribuído para o trabalho de promoção ao aleitamento materno realizado no município do Rio de Janeiro. Neste município, das 195 unidades primárias existentes na rede, 19 já receberam o título de Unidade Básica Amiga da Amamentação, o que representa 22% das 87 unidades credenciadas na IUBAAM no estado.8

Estas estratégias desenvolvidas na rede primária e hospitalar vêm gerando resultados positivos, como o aumento observado no Rio de Janeiro na prevalência do AME entre menores de seis meses, de 13,8% em 1996 para 33,3% em 2006.9 No entanto, ainda estamos distantes dos seis meses de AME preconizados pela OMS.10

Apesar da evolução no quantitativo de unidades credenciadas na IUBAAM e na prevalência do AME serem conhecidas no município do Rio de Janeiro, não se sabia em que extensão o conjunto da rede primária de saúde estava envolvida com esta iniciativa, nem em que medida esta iniciativa vinha contribuindo para a prática do AME. Este artigo teve como objetivo analisar a associação entre o grau de cumprimento dos Dez Passos da Iniciativa Unidade Básica Amiga da Amamentação na cidade do Rio de Janeiro e a prevalência de AME em crianças menores de seis meses assistidas pela rede de atenção primária de saúde deste município.

Métodos

Trata-se de estudo transversal de análise de implantação do Tipo 2, que relaciona as variações na implantação de uma intervenção (o grau de cumprimento dos Dez Passos para o Sucesso da Amamentação da IUBAAM) e os resultados observados (a prevalência de AME).11 Foi elaborado um modelo teórico de avaliação (fig. 2) que aborda as situações-problema que conduziram à criação da intervenção Iniciativa Unidade Básica Amiga da Amamentação, às atividades desenvolvidas nas unidades básicas sobre as populações alvo e aos resultados em curto, médio e longo prazos. Neste modelo, constam também variáveis intervenientes relacionadas ao contexto organizacional: o modelo de assistência e a localização da unidade por área de planejamento.


Esta pesquisa avaliativa foi conduzida entre outubro de 2007 e maio de 2008. Foi estudada uma amostra aleatória da rede básica de saúde, estratificada por regionais da cidade (as dez Áreas de Planejamento, AP) e por perfis das unidades. Esse perfil foi definido levando-se em conta o modelo de assistência e a demanda de pré-natal da unidade. A mediana do número mensal de consultas de pré-natal realizadas nessas unidades no primeiro semestre de 2007 foi utilizada como critério para classificação dessa demanda. Com base nesses parâmetros, foram criadas três categorias: unidades básicas com demanda de pré-natal acima da mediana (>162 consultas), unidades básicas com demanda de pré-natal abaixo da mediana (< 162 consultas) e unidades da saúde da família (Postos de Saúde da Família/Programa de Agentes Comunitários em Saúde - PSF/PACS). À época da pesquisa, essa rede era composta por 152 unidades: 79 unidades básicas (38 com demanda de pré-natal acima da mediana e 41 com demanda abaixo da mediana) e 73 unidades da saúde da família.

O sorteio da amostra aleatória das unidades de saúde foi realizado com base no cadastro das unidades referente ao ano de 2007 e considerou a proporção de unidades de saúde segundo o local (área de planejamento) e perfil das unidades (composição entre modelo de assistência e demanda de pré-natal). O plano amostral empregado resultou em uma amostra composta por 56 unidades, sobreamostrada em 3% considerando possíveis perdas, totalizando 58 unidades. Tamanho este capaz de estimar a média da variável de interesse (escore de desempenho da implantação da IUBAAM) com erro máximo aceitável de 5% ao nível de confiança de 95%, supondo que o centro da escala proposta (i.e. cinco) seria o valor esperado (média) do escore, e 1,2 seria o desvio-padrão dessa média, já que esses valores não eram previamente conhecidos.12

Para a construção do escore de desempenho da implantação da IUBAAM, foi utilizado o método de avaliação para credenciamento desta iniciativa.13 O cumprimento dos Dez Passos da IUBAAM é avaliado pela verificação da observância de parâmetros, em número que varia de dois a 11 por passo, compreendendo, no total, 55 parâmetros. Estes foram pontuados de forma inversamente proporcional à quantidade de parâmetros de cada passo, podendo a pontuação de cada passo variar de 0 a 1, gerando um escore final que poderia variar de 0 a 10 pontos. Os instrumentos de avaliação foram aplicados em cada unidade por dois avaliadores de nível superior credenciados, externos à área de planejamento, sob a supervisão da primeira autora deste artigo. Estes instrumentos consistiam de: questionários estruturados de entrevista ao gestor da unidade, a profissionais de saúde, a gestantes e a mães, bem como formulários de revisão de normas e rotinas escritas e de observação dos serviços pré-natais e de pediatria.

A avaliação da estrutura foi realizada mediante aplicação dos formulários supracitados e da entrevista ao gestor da unidade e a dez membros da equipe de saúde, de diferentes categorias profissionais, selecionados ao acaso. A avaliação de processo comportou a entrevista a dez gestantes e dez mães de crianças menores de um ano de vida, selecionadas ao acaso entre a clientela assistida pela unidade nos dias de avaliação. Os critérios de inclusão para membros da equipe de saúde contemplaram atuar junto à clientela materno-infantil e trabalhar na unidade há pelo menos seis meses. A clientela deveria ter sido consultada na unidade por, pelo menos, duas vezes.

Para a avaliação do resultado, a prevalência de AME, foi aplicado um formulário de coleta de dados, na sala de pesagem das 56 unidades amostradas, a todas as mães de crianças menores de seis meses que demandaram estas unidades durante o mês de novembro de 2007. Profissionais previamente treinados que atuavam na rotina da sala de pesagem preencheram este formulário anotando o número de prontuário da criança e perguntando às mães: a data de nascimento da criança, o status atual de alimentação infantil, se trabalhavam fora do lar e se receberam ajuda na maternidade para amamentar.

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro, parecer 158A/2007. As entrevistas relativas à avaliação de estrutura e processo foram realizadas mediante assinatura de termo de consentimento livre e esclarecido, e a aplicação do formulário de coleta de dados na sala de pesagem mediante consentimento verbal.

Os dados dos questionários foram digitados no programa Epi-data. Os escores de desempenho gerados com a pontuação dos 55 parâmetros compreendidos na avaliação do cumprimento dos "Dez Passos para o Sucesso da Amamentação" da IUBAAM13 foram classificados em tercis: superior, intermediário e inferior.

O AME foi considerado como desfecho. A categorização do tipo de aleitamento praticado pela criança seguiu os parâmetros da OMS,14 sendo considerado AME quando a criança recebia apenas leite materno ou leite humano ordenhado, que pode estar recebendo vitaminas, suplementos minerais ou medicamentos.

Inicialmente, foi desenvolvida uma análise bivariada entre cada variável de exposição e o desfecho (tabela 1). Foram consideradas as seguintes variáveis de exposição: 1. escore de desempenho (em tercis); 2. modelo de assistência (unidade de saúde da família vs. unidade básica); 3. ajuda da maternidade (sim vs. não); 4. trabalho materno (sim vs. não); 5. idade da criança (menor de três meses vs. de três até seis meses). Foram realizados testes de hipóteses de Qui-quadrado e obtidas razões de prevalência (RP) brutas com seus respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%). Variáveis de exposição que, na análise bivariada, mostraram-se associadas ao desfecho com valor de p menor ou igual a 20% no teste de Qui-quadrado foram selecionadas para a análise multivariada.

O modelo final, utilizado para estimar medidas de associação com seus respectivos intervalos com 95% de confiança, foi composto pelas variáveis de exposição que obtiveram valor de p menor ou igual a 5%, sendo a idade da criança analisada como variável contínua (tabela 2). As razões de prevalência ajustadas foram obtidas por modelo de regressão de Poisson com variância robusta, pois o desfecho apresentou uma prevalência elevada.15

Resultados

Foram avaliadas 56 unidades, sendo 28 unidades básicas de saúde e 28 da saúde da família. Duas unidades da saúde da família inicialmente amostradas não foram pesquisadas, pois uma havia sido recentemente desativada, e outra não pode ser visitada por motivos de segurança pública. Destas 56 unidades amostradas e pesquisadas, duas já dispunham do título de Unidade Básica Amiga da Amamentação.

A unidade de melhor desempenho obteve um escore de 9,38, e a de pior desempenho de 3,00, sendo o escore mediano de 5,62. Os passos (fig. 1) mais cumpridos foram o 5 (orientar gestantes sobre a importância da amamentação na primeira hora após o parto e do alojamento conjunto), 4 (escutar as preocupações e vivências das gestantes e mães sobre a prática de amamentar, apoiando-as e fortalecendo sua autoconfiança) e 3 (orientar gestantes e mães sobre seus direitos e vantagens do AME até os seis meses e aleitamento materno complementado até os dois anos ou mais). O passo menos cumprido foi o 1 (ter norma escrita de aleitamento materno).

No momento da pesagem, na pré-consulta, foram colhidos dados de 4.092 crianças no primeiro semestre de vida. Foi encontrada uma prevalência de AME de 47,6% entre as crianças menores de seis meses usuárias da rede básica de saúde. Esta prática atingiu 76,1% das crianças no primeiro mês de vida, 51,7% no terceiro e apenas 17,5% no sexto.

Na análise bivariada (tabela 1), as crianças acompanhadas pelas unidades situadas no tercil superior de desempenho apresentaram uma maior prevalência de AME, seguidas das assistidas pelas unidades de desempenho intermediário, em relação àquelas do tercil inferior. O acompanhamento por unidades básicas gerou uma prevalência de AME um pouco superior à assistência por unidades da saúde da família. A ajuda prestada pela maternidade para amamentar, qualificada segundo a percepção das mães, não teve uma influência significativa sobre o AME. Apenas um quarto das mães (24,4%) que trabalhavam fora estava amamentando seu filho exclusivamente, contra a metade (51,6%) daquelas que não trabalhavam. A prevalência de AME entre os bebês menores de três meses foi quase o dobro daquela observada nos bebês entre três e seis meses.

Na análise multivariada (tabela 2), o tercil superior de desempenho apresentou uma prevalência de AME 34% maior (RP = 1,34; IC95% 1,24-1,44), e o segundo tercil 17% maior (RP = 1,17; IC95% 1,08-1,27) que o primeiro. A mãe não trabalhar fora de casa gerou uma prevalência de AME superior em 75% (RP = 1,75; IC95% 1,53-2,01), e estar sendo assistida nas unidades básicas de saúde, em contraposição às unidades da saúde da família, em 10% (RP = 1,10; IC95% 1,03-1,19). A prevalência de AME caiu 1% a cada dia a mais de vida do bebê (RP = 0,993; IC95%: 0,992-0,993).

Discussão

Como não existe um sistema de monitoramento do estágio de implantação da IUBAAM, foi necessário investigar o grau de cumprimento dos Dez Passos desta iniciativa na rede primária de saúde. Foi encontrado um nível intermediário de implantação da IUBAAM na rede básica do município do Rio de Janeiro, passados cerca de cinco anos desde o início da capacitação de suas equipes de saúde na iniciativa. O maior nível de prática dos passos 3, 4 e 5 revela que os profissionais vêm orientando a clientela sobre a importância das rotinas hospitalares de promoção da amamentação ao nascimento,3 e sobre seus direitos, favorecendo a prática da amamentação exclusiva por seis meses e continuada por dois anos ou mais, segundo as recomendações da UNICEF/OMS.10 Revela também que estas orientações vêm sendo prestadas dentro de um paradigma de aconselhamento,16 onde as gestantes e mães são ouvidas e apoiadas com vistas ao fortalecimento de sua autoconfiança. A mudança deste paradigma de abordagem pode vir a se refletir em outras ações assistenciais, indicando que a IUBAAM pode contribuir para o aprimoramento do diálogo entre a equipe de saúde e a clientela, tão necessário para a efetividade das ações desenvolvidas. Já a ausência de normas escritas (passo 1), observada na maior parte das unidades, denota a necessidade da formalização das práticas que vêm sendo instituídas.

Ao ser verificado em que medida os avanços na prática dos Dez Passos para o Sucesso da Amamentação se associavam com o AME, foi encontrada não só uma associação entre ambas, como também um aumento dessa associação em função do aumento no grau de cumprimento da IUBAAM, categorizado em tercis de desempenho. Resultado seme-lhante foi encontrado por Oliveira et al.6 ao serem comparadas unidades de desempenho regular e fraco na IUBAAM, onde a prevalência de AME foi superior nas primeiras (38,6% vs. 23,6%, p < 0,001). A capacitação da equipe na IUBAAM vem sendo uma estratégia importante para a implantação desta iniciativa. Caldeira et al.,17 em estudo controlado em Minas Gerais, randomizou dez unidades para serem capacitadas na IUBAAM e dez para constituírem o grupo controle, demonstrando o impacto desta estratégia na duração mediana da amamentação exclusiva. Já foram observados, também, efeitos da IUBAAM na saúde infantil. Cardoso et al.,18 em investigação realizada em unidade básica do Rio de Janeiro, comparando os períodos pré e pós-certificação na IUBAAM, observaram um aumento na prevalência de AME, um aumento de consultas de rotina com bebês assintomáticos e uma redução das consultas cuja queixa principal era a diarreia ou a infecção das vias respiratórias.

Já o trabalho materno mostrou-se um fator de risco para o AME, sendo a variável que apresentou a maior intensidade de associação com o desfecho. Este resultado foi consistente com o encontrado por Damião19 no Rio de Janeiro, onde o trabalho materno reduziu em 41% a chance do AME em crianças menores de quatro meses. Também em estudo de coorte conduzido em Pelotas, o trabalho materno aumentou a chance da interrupção do AME aos três meses em 76%.20

Em 2009, a estratégia de saúde da família estava em período inicial de estruturação física e dos processos de trabalho na cidade do Rio de Janeiro, cobrindo apenas 3,5% da população, a pior cobertura entre as capitais do país. Já em 2012, esta estratégia passou a alcançar 35% da população carioca, cerca de 2,2 milhões de pessoas, com investimento maciço na capacitação de suas equipes na IUBAAM.8 A conjuntura da época pode ser um dos fatores que levou a assistência em unidade básica a gerar uma prevalência de AME superior em 10,4% à encontrada nas unidades de saúde da família.

A ajuda fornecida pela maternidade para amamentar não mostrou associação significativa com o desfecho. No entanto, uma das limitações do presente estudo foi esta ajuda ter sido categorizada segundo a percepção materna, não estando disponível a identificação do hospital de nascimento para sua caracterização enquanto Hospital Amigo da Criança, critério utilizado em outras pesquisas para aferir a qualidade da assistência hospitalar à amamentação.21,22 Além desta hipótese de viés de informação, outra fonte de explicação para a falta de associação observada seria que as puérperas com mais dificuldades no processo de estabelecimento da lactação na maternidade podem ter sido alvo de mais ajuda para amamentar, e estes problemas com a amamentação podem ter perdurado após a alta hospitalar, prejudicando o AME.

Outra limitação a ser ressaltada foi a impossibilidade de ajuste por outras variáveis associadas ao AME segundo a literatura, como características maternas escolaridade, idade, primiparidade22; peso da criança ao nascer23; sexo da criança24; renda familiar, 20 e condição de vida25; pois na presente pesquisa de avaliação do grau de cumprimento dos Dez Passos da IUBAAM no Rio de Janeiro estas variáveis não foram coletadas. No entanto, pode-se supor que a distribuição destas variáveis entre mães e crianças assistidas pelas unidades primárias pesquisadas não tenha variado substancialmente, pois nenhuma delas era voltada para o atendimento à clientela de risco, e todos eram serviços do SUS voltados para a população de baixo nível socioeconômico.

No presente estudo, a idade da criança variou de maneira inversa ao AME, de forma consistente à verificada em pesquisas nacionais,26 bem como em investigações realizadas no município de Joinville27 e na rede básica do município do Rio de Janeiro. 28 Apesar dos avanços conquistados, tanto no Brasil29 quanto no Rio de Janeiro,9 ainda estamos distantes dos seis meses de AME preconizados pela OMS.10

Recomenda-se, portanto, um maior investimento na expansão e sustentabilidade da IUBAAM, bem como sua articulação estreita com estratégias hospitalares e com outras de promoção, proteção e apoio à amamentação, para que esta atuação conjunta possa exercer um efeito sinérgico na prática do aleitamento materno,30 em especial na sua forma exclusiva nos primeiros seis meses de vida.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Recebido em 22 de outubro de 2012; aceito em 26 de fevereiro de 2013

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    Autor para correspondência.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Out 2013
    • Data do Fascículo
      Out 2013

    Histórico

    • Recebido
      22 Out 2012
    • Aceito
      26 Fev 2013
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