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Associação de sepse neonatal tardia com atraso do neurodesenvolvimento nos primeiros dois anos de vida de recém-nascidos pré-termos de muito baixo peso

Resumos

OBJETIVO:

Estabelecer a influência da sepse tardia no neurodesenvolvimento de prematuros de muito baixo peso (MBP) recém-nascidos (RNs) de acordo com o agente etiológico.

MÉTODOS:

Coorte de RN com peso de nascimento < 1.500 g e idade gestacional < 32 semanas,internados na UTI da instituição dentro de 48 horas de vida, e atendidos no ambulatório de MBP para até dois anos de idade corrigida. Foram excluídos: a morte nas primeiras 72 h de vida, malformações congênitas e síndromes genéticas, filhos de mães HIV-positivas e infecção congênita, presença de sepse precoce, e os casos com mais de um microorganismo identificado em hemoculturas. RNs sépticos e não sépticos foram comparados quanto resultados neonatais, mortalidade e neurodesenvolvimento avaliados através das escalas Bayley (BSDI-II) aos 18-24 meses de idade corrigida.

RESULTADOS:

Um total de 411 RNs prematuros de muito baixo peso eram elegíveis, com idade gestacional = 29 ± 2,2 semanas e peso de nascimento = 1.041 ± 281 g. Sepse tardia ocorreu em 94 casos (22,8%). MBP RN com infecção causada por microrganismos Gram-positivos apresentaram atraso motor, quando comparado com o grupo sem sépsis - 68,8% vs 29,3% (OR 6; 1,6-21,8,p = 0,006), e atraso cognitivo, foi semelhante. Taxa de mortalidade global de infecção foi de 26,7%, e as taxas de mortalidade por grupo microorganismo foram: Staphylococcus coagulase negativa, 18,7%; Gram-positivos, 21,8%; Gram-negativas e fungos, 50%.

CONCLUSÃO:

A sepse neonatal tem uma influência significativa no atraso no desenvolvi mento neuropsicomotor aos dois anos de idade corrigida em prematuros de muito baixo peso RN e as infecções por germes gram-positivos estão associadas com atraso motor.

Prematuros; Muito baixo peso ao nascer; Sepse neonatal; Mortalidade; Neuro-desenvolvimento


OBJECTIVE:

To establish the influence of late-onset sepsis on neurodevelopment of preterm infants with very low birth weight (VLBW), according to the etiologic agent

METHOD:

This was a cohort of newborns with birth weight < 1,500 g and gestational age less than 32 weeks, admitted to the institutional intensive care unit (ICU) with up to 48 hours of life, and followed-up at the outpatient follow-up clinic for preterm infants with VLBW until 2 years of corrected age. Exclusion criteria: death within the first 72 hours of life, congenital malformations and genetic syndromes, children with congenital infection by the human immunodeficiency virus (HIV), congenital infection (STORCH), presence of early-onset spesis and cases with more than one pathogen growth in blood cultures. Septic and non-septic infants were compared regarding neonatal outcomes and mortality. Neurodevelopment was assessed using the Bayley Scale (BSDI-II) at 18 to 24 months of corrected age.

RESULTS:

411 preterm infants with VLBW were eligible; the mean gestational age was 29 ± 2.2 weeks and mean birth weight was 1,041 ± 281grams. Late-onset sepsis occurred in 94 preterm infants with VLBW (22.8%). VLBW infants with Gram-positive infection showed motor deficit when compared to the non-septic group, 68.8% vs. 29.3%, respectively (OR 6; 1.6-21.8, p = 0.006); the cognitive development was similar between the groups. The overall mortality rate from infection was 26.7%; considering the pathogens, the rates were 18.7% for coagulase-negative Staphylococcus, 21.8% for Gram-positive bacteria, and 50% for Gram-negative bacteria and fungi.

CONCLUSION:

Neonatal sepsis has a significant influence on late neurodevelopment at 2 years of corrected age in preterm infants with VLBW, and Gram-positive infections are associated with motor deficit.

Preterm; Very low birth weight; Neonatal sepsis; Mortality; Neurodevelopment


Introdução

A maior sobrevida dos pré-termos de muito baixo peso (PTMBP), nas últimas décadas, não tem sido acompanhada de redução do número de morbidades graves na UTI neonatal e no seguimento ambulatorial após a alta. Além de morbidades menores, é significativo o atraso grave no neurodesenvolvimento e/ou paralisia cerebrais, com elevados custos econômicos e sociais, particularmente nos países menos desenvolvidos.11. Mwaniki MK, Atieno M, Lawn JE, Newton CR. Long-term neurodevelopmental outcomes after intrauterine and neonatal insults: a systematic review. Lancet. 2012;379:445-52.

A associação de sepse neonatal e maior risco de atraso no neurodesenvolvimento nessa população, principalmente dificuldades no aprendizado, cognição, paralisia cerebral e déficits auditivo e visual, tem sido objeto de interesse no primeiro mundo.11. Mwaniki MK, Atieno M, Lawn JE, Newton CR. Long-term neurodevelopmental outcomes after intrauterine and neonatal insults: a systematic review. Lancet. 2012;379:445-52.

2. Adam-Chapman I, Stoll BJ. Neonatal infection and long-term neurodevelopment outcome in the preterm infant. Curr Opin Infect Dis. 2006;19:290-7.
- 33. Bassler D, Stoll BJ, Schmidt B, Asztalos EV, Roberts RS, Robertson CM, et al. Using a count of neonatal morbidities to predict poor outcome in extremely low birth weight infants: added role of neonatal infection. Pediatrics. 2009;123:313-8.

As infecções bacterianas e fúngicas continuam sendo uma causa importante de mortalidade neonatal. Aproximadamente 21% dos PTMBP apresentam sepse tardia, com altas taxas de mortalidade, principalmente por germes gram-negativos.44. Ballot DE, Nana T, Sriruttan C, Cooper PA. Bacterial bloodstream infections in neonates in a developing country. International Scholarly Research Network, ISRN Pediatrics. 2012;2012:508512. No entanto, dados a respeito do seguimento ambulatorial em pré-termos com sepse tardia são pouco explorados. Dessa forma, nosso objetivo consiste em estabelecer a influência da sepse tardia, de acordo com o agente etiológico, sobre o neurodesenvolvimento e mortalidade de pré-termos de muito baixo peso.

Metodologia

Estudo de coorte prospectivo conduzido de novembro de 2003 a maio de 2010 incluindo recém-nascidos PTMBP (peso de nascimento < 1.500 gramas e idade gestacional inferior a 32 semanas) admitidos na UTI da instituição até 48 horas de vida, e acompanhados no Ambulatório de Seguimento de Prematuros de Muito Baixo Peso. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, sob o registro de número 10-0300. Os pais ou responsáveis pelos participantes do estudo assinaram Termo de Consentimento Livre e Informado.

Foram excluídos os óbitos nas primeiras 72 horas de vida, recém-nascidos portadores de malformações congênitas maiores, síndromes genéticas e erros inatos do metabolismo, filhos de mães HIV positivo, com infecção congênita do grupo STORCH, e recém-nascidos com sepse precoce, além daqueles em que houve crescimento de mais de um germe nas hemoculturas.

Uma vez incluídos no estudo, os pacientes foram divididos em dois grupos, de acordo com a presença ou não de sepse tardia. Sepse tardia foi definida pela presença de hemocultura positiva com mais de 72 horas de vida,55. Downey LC, Smith PB, Benjamin DK. Risk factors and prevention of late-onset sepsis in premature infants. Early Hum Dev. 2012;86:S7-12. , 66. Lim WH, Lien R, Huang Y, Chiang M, Fu R, Chu S, et al. Prevalence and pathogen distribution of neonatal sepsis among very-low-birth-weight infants. Pediatr Neonatol. 2012;53:228-34. acompanhada de sinais clínicos (alterações no padrão respiratório, hipo/hipertermia, sintomas gastrointestinais ou circulatórios). As hemoculturas de todo o período de internação foram revisadas, sendo que os pacientes do grupo não séptico tinham hemoculturas negativas. Foram excluídas hemoculturas positivas para germes considerados contaminantes, incluindo Bacillus sp, Micrococcus sp e Bacteroides sp, de acordo com os critérios da ANVISA.77. Alcântara AP, Sousa FC, Carneiro IC, Meneses J, Miranda MM, Cechinel RB, et al. Critérios nacionais de infecções relacionadas à assistência à saúde: Neonatologia. Manual da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. 2010; 1-76. [cited 05 Mar 2013]. Available from: http://portal.anvisa.gov.br/wps/content/Anvisa+Portal/Anvisa/Inicio/Servicos+de+Saude/Assunto+de+Interesse/Aulas+Cursos+Cartazes+Publicacoes+e+Seminarios/Controle+de+Infeccao+em+Servicos+de+Saude/Manuais
Available from: http://por...
Nos casos de hemocultura positiva para Staphilococcus coagulase negativa (SCN), somente foram considerados como sepse aqueles recém-nascidos cujo quadro clínico e laboratorial fosse compatível com sepse (leucocitose e/ou leucopenia e/ou proteína C-reativa aumentada).88. Hemels MA, Nijman J, Leemans A, van Kooij BJ, van den Hoogen A, Benders MJ, et al. Cerebral white matter and neurodevelopment of preterm infants after coagulase-negative staphylococcal sepsis. Pediatr Crit Care Med. 2012;13:678-84.

Os seguintes dados foram coletados e comparados entre os dois grupos: uso de corticoide antenatal, pré-eclâmpsia, sexo, idade gestacional (IG) - determinada pela IG obstétrica, nos casos ultrassonografia obstétrica nas primeiras 12 semanas de gestação ou IG pediátrica; obtida pelo método de Ballard.99. Ballard JL, Khoury JC, Weding K, Wang L, Eilers-Walsman BL. New Ballard score expanded to include extremely premature infants. J Pediatr (Rio J). 1991;119:417-23. Peso ao nascer, classificação quanto ao peso e idade gestacional - pequenos para idade gestacional (PIG), adequados para idade gestacional (AIG) e grandes para idade gestacional (GIG), de acordo com a curva de Alexander,1010. Alexander GR, Himes JH, Kaufman RB, Mor J, Kogan M. A United States National reference for fetal growth. Obstet Gynecol. 1996;87:163-8. tipo de parto, escore de APGAR de 5 minutos, escore SNAPPE II, tempo de internação, hemorragia peri-intraventricular e leucomalácea periventricular. Nos casos de hemorragia peri-intraventricular, o diagnóstico foi realizado através de ultrassonografia craniana, e apenas os casos com graus 3 e 4 da classificação Papile foram considerados para análise estatística, em decorrência de sua associação com distúrbios do de-senvolvimento.1111. Horbar JD, Carpenter JH, Badger GJ, Kenny MJ, Soll RF, Morrow KA, et al. Mortality and neonatal morbidity among infants 501 to 1500 grams from 2000 to 2009. Pediatrics. 2012;129:1019-26. Necessidade de suporte ventilatório, Doença da Membrana Hialina (DMH), Displasia Broncopulmonar (DBP) definida como dependência de oxigenioterapia com 28 dias de vida,1212. Jobe AH, Bancalari E. Bronchopulmonary dysplasia. Am J Resp Crit Care Med. 2001;163:1723-9. Persistência do Canal Arterial (PCA) diagnosticada através de ecocardiograma, retinopatia da prematuridade grave, de acordo com a classificação internacional graus 3 e 4 (ROP 3 e 4), neutropenia, transfusão de concentrado de hemácias e crises convulsivas também foram analisadas.

No seguimento ambulatorial, o neurodesenvolvimento aos 18 e 24 meses de idade corrigida foi avaliado pelas escalas BSDI-II- Bayley Scales of Infant and Todler Developmental II. Por ocasião da avaliação, a psicóloga foi mascarada aos grupos aos quais cada criança pertencia. As aplicações realizaram-se no ambulatório de seguimento, no mesmo dia da consulta de rotina das crianças. Os escores das escalas cognitiva/mental (MDI, Mental Developmental Index) e motora (PDI, Psicomotor Developmental IndexI foram considerados como: normal, para resultado maior ou igual de 85; atraso moderado, entre 70-84; e atraso grave, quando o resultado foi menor ou igual a 69.1313. Vohr BR, Stephens BE, Higgins RD. Are outcome of extremely preterm infants improving? Impact of Bayley assessment on outcomes J Pediatr (Rio J). 2012;161:222-8. Foram considerados com atraso grave no neurodesenvolvimento PTMBP com cegueira, surdez e paralisia cerebral, nos quais não é adequada a aplicação das Escala Bayley (Mental-MDI e Motora-PDI).

A ocorrência de óbito durante a internação neonatal e no seguimento ambulatorial, diagnóstico de atraso no neurodesenvolvimento de forma geral, e de acordo com os germes identificados nas hemoculturas após 72 horas de vida, foram os principais desfechos avaliados.

Análise estatística

A estimativa de tamanho da amostra foi baseada na incidência de eventos neurológicos encontrada no grupo com sepse clínica de um importante estudo multicêntrico,1414. Stoll BJ, Hansen NI, Adams-Chapman I, Fanaroff AA, Hintz SR, Vohr B, et al. Neurodevelopmental and growth impairment among extremely low-birth-weight infants with neonatal infection. JAMA. 2004;292:2357-65. que avaliou recém-nascidos de muito baixo peso estratificados em diversas categorias de infecção, chegando a tamanho amostral de 124 recém-nascidos no grupo sem sepse e 31 pacientes com sepse neonatal, com finalidade de detectar um risco duas vezes maior de desfechos neurológicos no grupo com sepse neonatal em relação ao grupo sem exposição ao fator de risco, considerando um alfa 0,05 e poder de 80%.

Na análise multivariada, as variáveis para controle esco-lhidas foram aquelas que apresentaram diferença estatística ou ligeiramente superior a 0,05 na análise univariada, quando comparados os grupos com desfecho neurológico e sem desfecho. Foi realizada regressão logística para cada grupo de desfechos neurológicos, considerando cada grupo de sépticos por germe.

O programa estatístico empregado foi o SPSS (Statistical Package for Social Science) versão 18.0. Foram realizados Qui-quadrado, teste t, Mann-Whitney e regressão logística, considerando-se como significativo p < 0,05.

Resultados

Foram admitidos, consecutivamente, 411 PTMBP. A idade gestacional foi de 29 ± 2,2 semanas, e o peso de nascimento, 1.041 ± 281 gramas, com predominância do gênero feminino (53,5%). Sepse tardia esteve presente em 94 PTMBP, uma incidência de 22,8%. PTMPB com sepse tardia foram os mais doentes: necessitaram de um maior tempo de suporte ventilatório, maior tempo de internação, maior incidência de displasia broncopulmonar, crises convulsivas e transfusão de concentrado de hemácias (tabela 1).

Tabela 1
Características dos pré-termos de muito baixo peso de acordo com a presença de sepse tardia

A taxa de óbito na UTI Neonatal dos pacientes incluídos no estudo foi de 28% (n = 114), e no ambulatório, 1,5% (n = 6). A avaliação do neurodesenvolvimento pelas escalas Bayley II foi realizada em 213 pacientes, 90% da coorte de recém-nascidos sépticos e 74% daqueles não sépticos (fig. 1). Dentre os pacientes, 13 apresentaram atraso muito grave que impedia a execução das tarefas durante a aplicação: três devido à cegueira, três pela surdez e sete pela paralisia cerebral. Para fins de análise, eles foram incluídos no grupo com atraso grave.

Figura 1
Fluxograma da coorte de pré-termos de muito baixo peso.

Apresentaram atraso no desenvolvimento motor 78 crianças (30%), sendo 22 (9,7%) do grupo não séptico. Alterações de tônus muscular foram identificadas em 24 crianças. A hipertonia foi a disfunção mais frequente entre os casos (17 foram avaliadas como hipertônicas e sete como hipotônicas), afetando principalmente os MMSS e/ou os MMII, ou ainda um hemicorpo. Em 10 crianças avaliadas, foram identificados quatro casos de hemiparesia espástica à esquerda, quatro de quadriparesia espástica e dois de diparesia espástica.

Dentre os PTMBP com maior comprometimento motor, identificaram-se déficits em marcos fundamentais do desenvolvimento motor amplo, como na sustentação da cabeça e do tronco, já que duas crianças não adquiriram controle cervical e duas não obtiveram a aquisição da posição sentada de forma independente aos 24 meses. Outra importante limitação funcional na motricidade ampla se refere à marcha independente, a qual não foi adquirida por 12 crianças aos 24 meses, sendo que, em 8 destas, isso era possível apenas com o uso de apoio (ajuda de terceiros e/ou andador). Entre as que caminhavam de forma independente, observou-se padrão atípico em 10 casos, sendo três com marcha ceifante, três com marcha instável e com aumento no polígono de sustentação, duas com pés valgos, uma com marcha digitígrada e uma em padrão de tesoura.

Os micro-organismos encontrados foram: S. coagulase negativo (44 - 46,8%), S. aureus (22 - 23,4%), Candida (1 - 12%), Klebsiella (6 - 6,4%), Enterobacter (2 - 2%), Pseudomonas (2 - 2%), Streptococos agalactiae (2 - 2%), E. coli (1 - 1%), Enterococus (1 - 1%), Streptococos viridans (1 - 1%), Acinetobacter (1 - 1%), Cepacea (1 - 1%) e S. epidermidis (1 - 1%). Para fins de análise, os pacientes foram agrupados em "sepse por germe gram-positivo", "sepse por germe stafilococcus coagulase negativo" e "sepse por germe gram-negativo e fungos".

Infecção por germes gram-negativos e fungos apresentou pior resultado quando analisado o desfecho óbito ou atraso motor grave: 10,7% dos pacientes com o desfecho apresentavam sepse pelo germe vs 4,5% dos pacientes sem esse desfecho (p = 0,046). No entanto, essa diferença não se manteve na análise multivariada (OR 3,76; 0,77-18,30; p = 0,1), predominando como fator de risco a menor idade gestacional e a duração da internação. Infecção por germes gram-positivos apresentou atraso motor entre os PTMBP sobreviventes - 68,8% vs 29,3%; já a cognição foi similar (tabela 2). Esse resultado manteve-se na análise multivariada, havendo associação entre atraso motor e sepse por gram-positivos (tabela 3) OR 6; 1,6-21,8; p = 0,006; ajustado para tipo de parto, pré-eclâmpsia materna, uso de corticoide pré-natal, transfusão CHAD, leucomalácia, ROP, SNAPPE II, tempo de internação e idade gestacional, fatores conhecidamente associados a atraso.

Tabela 2
Neurodesenvolvimento no seguimento de PTMBP de acordo com o agente infeccioso
Tabela 3
Neurodesenvolvimento aos dois anos de idade corrigida por grupo de patógenos em neonatos com sepse - análise multivariadaa

No desfecho mortalidade geral secundária a infecção ocorreram 26,7% de óbitos. Avaliando-se a taxa de mortalidade por germe individualmente, houve 18,7% no grupo SCN; 21,8% no grupo gram positivos; 50% no grupo gram negativo e fungos.

Discussão

Reforçamos o achado de que sepse neonatal tardia está associada com atraso no neurodesenvolvimento nos primeiros dois anos de vida em recém-nascidos pré-termos de muito baixo peso. Estudos anteriores já sugeriam que neonatos com quadro de sepse seriam mais propensos a ter paralisia cerebral, menores escores cognitivos e motores e déficit visual.1414. Stoll BJ, Hansen NI, Adams-Chapman I, Fanaroff AA, Hintz SR, Vohr B, et al. Neurodevelopmental and growth impairment among extremely low-birth-weight infants with neonatal infection. JAMA. 2004;292:2357-65. Neste estudo salientamos o envolvimento particular da infecção por germes gram-positivos, com risco seis vezes maior para atraso motor nessa população.

Hipóteses têm sido formuladas para justificar o atraso no neurodesenvolvimento em recém-nascidos com sepse, especialmente a precoce. As teorias mais aceitas associam a resposta inflamatória sistêmica, com ativação de citocinas e radicais livres, com subsequente dano à substância branca, provavelmente devido à astrogliose e perda de pré-oligodendrócitos.88. Hemels MA, Nijman J, Leemans A, van Kooij BJ, van den Hoogen A, Benders MJ, et al. Cerebral white matter and neurodevelopment of preterm infants after coagulase-negative staphylococcal sepsis. Pediatr Crit Care Med. 2012;13:678-84. Já a associação da sepse tardia a desfechos desfavoráveis no neurodesenvolvimento pode ser explicada como resultado dessa resposta inflamatória sistêmica, aumentando a presença de comorbidades associadas com piores desfechos (hipotensão, coagulação intravascular disseminada, doença pulmonar crônica, hemorragia peri-intraventricular severa) e morte.22. Adam-Chapman I, Stoll BJ. Neonatal infection and long-term neurodevelopment outcome in the preterm infant. Curr Opin Infect Dis. 2006;19:290-7.

Sepse tardia foi diagnosticada em 22,8% de nossos PTMBP, semelhante a estudos prévios,22. Adam-Chapman I, Stoll BJ. Neonatal infection and long-term neurodevelopment outcome in the preterm infant. Curr Opin Infect Dis. 2006;19:290-7. , 1515. Schlapbach JL, Aebischer M, Adams M, Natalucci G, Bonhoeffer J, Latzin P, et al. Impact of sepsis on neurodevelopmental outcome in a Swiss national cohort of extremely premature infants. Pediatrics. 2011;128:e348-57. assim como o predomínio de agentes gram-positivos (70,2%) e germe mais comum, o SCN (46,8% de todos os casos de sepse, 66,6% das infecções por gram-positivos) também é muito próximo de grande estudo conduzido pelo NICHD (National Institute of Child Health and Human Development Neonatal Research Network), no qual 70% das infecções foram causadas por germes gram-positivos e o SCN foi responsável por 48% das infecções, e 68% daquelas causadas por gram-positivos.1616. Stoll BJ, Hansen N, Fanaroff AA, Wright LL, Carlo WA, Ehrenkranz RA, et al. Late-onset sepsis in very low birth weight neonates: the experience of the NICHD neonatal research network. Pediatrics. 2002;110:285-91.

Dentre os PTMBP com sepse tardia acompanhados até os 24 meses de idade corrigida, 6,1% apresentavam atraso grave no neurodesenvolvimento, e 3,2%, paralisia cerebral. As taxas de mortalidade por sepse e por germe (26,7% geral, 18,7% no grupo SCN; 21,8% no grupo gram-positivos, 50% no grupo gram-negativos e fungos) estão em concordância com o estudo de Stoll e colaboradores,1616. Stoll BJ, Hansen N, Fanaroff AA, Wright LL, Carlo WA, Ehrenkranz RA, et al. Late-onset sepsis in very low birth weight neonates: the experience of the NICHD neonatal research network. Pediatrics. 2002;110:285-91. no qual a taxa de mortalidade geral por sepse foi 18%, SCN 9%, outros gram-positivos 11,2%, gram-negativos 36% e fungos 32%, demonstrando que podemos utilizar indicadores de infecção de grandes centros internacionais.

A infecção por SCN como fator de risco para atraso no neurodesenvolvimento apresenta dados conflitantes.88. Hemels MA, Nijman J, Leemans A, van Kooij BJ, van den Hoogen A, Benders MJ, et al. Cerebral white matter and neurodevelopment of preterm infants after coagulase-negative staphylococcal sepsis. Pediatr Crit Care Med. 2012;13:678-84. , 1515. Schlapbach JL, Aebischer M, Adams M, Natalucci G, Bonhoeffer J, Latzin P, et al. Impact of sepsis on neurodevelopmental outcome in a Swiss national cohort of extremely premature infants. Pediatrics. 2011;128:e348-57. Em nosso estudo, não encontramos diferença nos escore motor e cognitivo para recém-nascidos que haviam apresentado sepse tardia por SCN, à semelhança de estudo prévio.88. Hemels MA, Nijman J, Leemans A, van Kooij BJ, van den Hoogen A, Benders MJ, et al. Cerebral white matter and neurodevelopment of preterm infants after coagulase-negative staphylococcal sepsis. Pediatr Crit Care Med. 2012;13:678-84. Em função disso, tivemos a preocupação de avaliar os recém-nascidos sépticos por gram-positivos, excluindo-se o SCN, e, nessa situação, evidenciamos atraso motor significativo, mesmo após controlar para variáveis como hemorragia peri-intraventricular e leucomalácea. Schlapbach et al.1515. Schlapbach JL, Aebischer M, Adams M, Natalucci G, Bonhoeffer J, Latzin P, et al. Impact of sepsis on neurodevelopmental outcome in a Swiss national cohort of extremely premature infants. Pediatrics. 2011;128:e348-57. encontraram risco de atraso no neurodesenvolvimento duas vezes maior na presença de sepse por outros gram-positivos.

Nossa taxa de mortalidade por germes gram-negativos e fungos foi de 50%. Estudos prévios também apresentaram elevada mortalidade associada à infecção por gram-negativo ou fungo.22. Adam-Chapman I, Stoll BJ. Neonatal infection and long-term neurodevelopment outcome in the preterm infant. Curr Opin Infect Dis. 2006;19:290-7. , 1717. Friedman S, Richardson SE, Jacobs SE, O' Brien K. Systemic Candida infection in extremely low birth weight infants: short term morbidity and long term neurodevelopmental outcome. Pediatr Infect Dis J. 2000;19:499-504. , 1818. Benjamin DK, Stoll BJ, Fanaroff AA, McDonald SA, Oh W, Higgins RD, et al. Neonatal candidiasis among extremely low birth weight infants: risk factors, mortality rates, and neurodevelopmental outcomes at 18 to 22 months. Pediatrics. 2006;117:84-92. A infecção fúngica se associa à paralisia cerebral moderada a grave, maior propensão à cegueira e surdez e atraso no neurodesenvolvimento com 18 meses,1818. Benjamin DK, Stoll BJ, Fanaroff AA, McDonald SA, Oh W, Higgins RD, et al. Neonatal candidiasis among extremely low birth weight infants: risk factors, mortality rates, and neurodevelopmental outcomes at 18 to 22 months. Pediatrics. 2006;117:84-92. sendo que 60% dos sobreviventes ao episódio de infecção fúngica têm atraso no neurodesenvolvimento.1919. Benjamin DK, Stoll BJ, Gantz MG, Walsh MC, Sánchez PJ, Das A, et al. Neonatal candidiasis: epidemiology, risk factors, and clinical judgment. Pediatrics. 2010;126:e865-73. No entanto, em nosso estudo, a maior incidência de atraso motor grave nesse grupo específico não se manteve após a análise multivariada, possivelmente devido ao pequeno número de pacientes com sepse fúngica comprovada (apenas 11 pré-termos). Futuros estudos direcionados a esse objetivo deverão ser desenhados.

A nossa preocupação em determinar a repercussão do germe no neurodesenvolvimento foi limitada ao número de hemoculturas positivas e variedade de germes encontrados. O volume de sangue obtido para as hemoculturas é rotineiramente pequeno, o que interfere na sensibilidade das mesmas, especialmente na sepse precoce.2020. Schelonka R, Chai M, Yoder B, Hensley D, Ascher D. Volume of blood required to detect common neonatal pathogens. J Pediatr (Rio J). 1996;129:275-8. Uma limitação de nosso estudo é não ter uma avaliação da intensidade da reação inflamatória em cada um dos recém-nascidos infectados, para fazer uma correlação com atraso do neurode-senvolvimento, já que em estudo prévio foram observados elevados níveis de citocinas pró-inflamatórias e comprometimento do neurodesenvolvimento.2121. Silveira RC, Procianoy RS. High plasma cytokine levels, white matter injury and neurodevelopment of high risk preterm infants: assessment at two years. Early Hum Dev. 2011;87:433-7. Entretanto, um aspecto extremamente relevante de nosso estudo foi a avaliação do neurodesenvolvimento, excluindo-se aqueles PTMBP com sepse precoce e focando nos desfechos da sepse tardia. A sepse precoce é muito relacionada com corioamnionite materna, e esta com leucomalácea periventricular, causa bem descrita de paralisia cerebral e déficit cognitivo.88. Hemels MA, Nijman J, Leemans A, van Kooij BJ, van den Hoogen A, Benders MJ, et al. Cerebral white matter and neurodevelopment of preterm infants after coagulase-negative staphylococcal sepsis. Pediatr Crit Care Med. 2012;13:678-84. , 2222. Wu YW, Colford Jr JM. Chorioamnionitis as a risk factor for cerebral palsy: A meta-analysis. JAMA. 2000;284: 1417-24.

Em nossa coorte de pré-termos de muito baixo peso, a sepse tardia esteve associada a atraso no neurodesenvolvimento, sendo que os pré-termos com sepse por gram-positivos tiveram maior incidência de atraso motor. O manejo na UTI neonatal e no seguimento deve antecipar medidas terapêuticas, e o seguimento após a alta hospitalar deverá identificar precocemente os déficits e garantir intervenção adequada.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao mestre e estatístico Luciano Santos Pinto Guimarães pelo auxílio nas análises dos dados, e pelo auxílio na assistência no seguimento dos pacientes às medicas pediatras e neonatologistas: Ana Claudia W. Benjamin e Rosanna Nejedlo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    jan-feb 2014

Histórico

  • Recebido
    05 Abr 2013
  • Aceito
    28 Maio 2013
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