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Hipertensão materna e crescimento infantil Como citar este artigo: Pinheiro TV, Goldani MZ, Bernardi JR. Maternal hypertension and infant growth. J Pediatr (Rio J). 2015;91:603-4.

Caro Editor,

O Jornal de Pediatria publicou em sua 91a edição um interessante artigo intitulado "Crescimento de prematuros de baixo peso até a idade de 24 meses corrigidos: efeito da hipertensão materna".11 Kiy AM, Rugolo LM, De Luca AK, Corrente JE. Growth of preterm low birth weight infants until 24 months corrected age: effect of maternal hypertension. J Pediatr (Rio J). 2015;91:256-262. Os autores combateram um problema muito importante no contexto de saúde infantil e materna ao redor do mundo, principalmente no que diz respeito ao impacto do período gestacional sobre a saúde e o padrão de doenças dos filhos ao longo da vida. Contudo, gostaríamos de destacar alguns pontos a fim de contribuir para esse assunto.

De acordo com a Força-Tarefa de Hipertensão na Gravidez, sabe-se que as doenças hipertensivas na gravidez são classificadas em: pré-eclâmpsia/eclâmpsia; hipertensão crônica; pré-eclâmpsia sobreposta à hipertensão crônica; e hipertensão gestacional.22 American College of Obstetricians and Gynecologists. Task Force on Hypertension in Pregnancy. Hypertension in pregnancy. Report of the American College of Obstetricians and Gynecologists' Task Force on Hypertension in Pregnancy. Obstet Gynecol. 2013;122:1122-31. Em nossa análise sistemática inédita, analisamos 45 trabalhos (de 2008 a 2015) sobre a associação entre doenças hipertensivas na gravidez e os resultados na saúde dos filhos em médio e longo prazo. Descobrimos que a elevada heterogeneidade nos resultados entre os estudos foi principalmente causada pela classificação diferente de hipertensão materna e pela qualidade dos ajustes feitos pelos autores. Assim, nesse trabalho, surgiram algumas perguntas metodológicas.

Primeiramente, os autores definiram dois grupos de estudo de acordo com a exposição ou não à síndrome hipertensiva gestacional; contudo, em seu estudo descritivo, não fica claro se as mulheres com hipertensão crônica também foram incluídas no grupo com hipertensão. É importante destacar que cada doença hipertensiva tem um quadro clínico diferente e complexo e diferentes consequências para os filhos. Portanto, é importante que os estudos abordem as doenças hipertensivas de maneira independente (ou seja, hipertensão crônica em comparação com a hipertensão gestacional em comparação com a pré-eclâmpsia) em sua análise.

Em segundo lugar, a respeito da seleção de amostras usada pelos autores, todas as crianças incluídas no estudo nasceram prematuramente (idade gestacional < 37 semanas) e apresentaram baixo peso ao nascer (BPN: 1.500 g a 2.499 g). Sabe-se que o nascimento prematuro e o BPN são acontecimentos anormais e os caminhos que levam a essas condições são majoritariamente patológicos;33 Greenwood C, Yudkin P, Sellers S, Impey L, Doyle P. Why is there a modifying effect of gestational age on risk factors for cerebral palsy?. Arch Dis Child Fetal Neonatal Ed. 2005;90:F141-F146. dessa forma, mães normotensas também devem ter sido expostas a condições adversas durante a gravidez. Portanto, ao restringir a amostra a neonatos prematuros com BPN, os autores consideram que as mães normotensas têm maior chance de apresentar essas outras condições adversas em comparação com a população média. A razão de chance (RC) de 0,47, com relação ao peso inadequado, e 0,20, com relação ao comprimento inadequado, em 24 meses descritos pelos autores reflete esse viés. O efeito protetor da hipertensão materna sobre o crescimento provavelmente resultou de causas não medidas de BPN e nascimento prematuro no grupo normotenso. Essas outras disfunções não medidas ou desconhecidas podem influenciar o crescimento infantil tanto quanto a hipertensão materna.

Em terceiro lugar, para reduzir o viés de seleção, os autores deveriam ter controlado o resultado das causas de nascimento prematuro e BPN, como infecção intrauterina, distúrbios nutricionais, fumo, consumo de álcool e drogas, violência, baixa situação socioeconômica e outras doenças crônicas. Contudo, os autores se limitaram a usar em seu modelo gestacional de regressão logística as variáveis: idade, sexo e adequação do peso ao nascer à idade gestacional; uma escolha de variáveis que, além de insuficiente, pode ser uma fonte de viés.

Concluindo, os estudos de coorte têm grande importância nas investigações científicas e o estudo feito pelos autores contribuirá para esse campo de pesquisa essencial. Entretanto, a análise dos estudos observacionais é extremamente desafiadora e deve ser feita com cuidado.

  • DOIs se referem aos artigos: http://dx.doi.org/10.1016/j.jped.2014.07.008, http://dx.doi.org/10.1016/j.jped.2015.07.005
  • Como citar este artigo: Pinheiro TV, Goldani MZ, Bernardi JR. Maternal hypertension and infant growth. J Pediatr (Rio J). 2015;91:603-4.

Referências

  • 1
    Kiy AM, Rugolo LM, De Luca AK, Corrente JE. Growth of preterm low birth weight infants until 24 months corrected age: effect of maternal hypertension. J Pediatr (Rio J). 2015;91:256-262.
  • 2
    American College of Obstetricians and Gynecologists. Task Force on Hypertension in Pregnancy. Hypertension in pregnancy. Report of the American College of Obstetricians and Gynecologists' Task Force on Hypertension in Pregnancy. Obstet Gynecol. 2013;122:1122-31.
  • 3
    Greenwood C, Yudkin P, Sellers S, Impey L, Doyle P. Why is there a modifying effect of gestational age on risk factors for cerebral palsy?. Arch Dis Child Fetal Neonatal Ed. 2005;90:F141-F146.

Resposta do autor: Hipertensão materna e crescimento infantil Como citar este artigo: Kiy AM, Rugolo LM. Author's reply: Maternal hypertension and infant growth. J Pediatr (Rio J). 2015;91:604-5.

Autoria SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Agradecemos os comentários e questionamentos sobre nosso estudo, que revelam a avaliação crítica e correta que foi feita com foco em um aspecto de preocupação nos estudos de coorte: possibilidade de viés de seleção.11 Grimes DA, Schulz KF. Cohort studies: marching towards outcomes. Lancet. 2002;359:341-345.

Aproveitamos esta oportunidade de discussão científica para esclarecer alguns aspectos metodológicos do estudo e suas limitações, que garantiram a validade externa dele e contribuíram para aprofundar o conhecimento sobre esse tema, ainda pouco estudado em nosso país: crescimento de prematuros de baixo peso; efeito da hipertensão materna.

O primeiro aspecto a ser comentado refere-se à classificação da hipertensão materna, que em nosso estudo foi efetuada pelo critério do National High Blood Pressure Education Program Working Group on High Blood Pressure in Pregnancy.22 Report of the National High Blood Pressure Education Program Working Group on high blood pressure in pregnancy. Am J Obstet Gynecol. 2000;183:S1-22. Conforme apresentado no primeiro parágrafo dos resultados, a pré-eclâmpsia foi a manifestação predominante no grupo das hipertensas, correspondeu a 80% (n = 63), o que é classicamente descrito na literatura.33 Duley L. The global impact of pre-eclampsia and eclampsia. Semin Perinatol. 2009;33:130-137. Os demais 20% desse grupo apresentaram hipertensão gestacional. Nenhuma gestante teve hipertensão crônica.

O segundo aspecto apontado é motivo de grande discussão na literatura: qual seria o grupo controle ideal nos estudos sobre prognóstico de prematuros?

Nos estudos sobre desenvolvimento, é importante avaliar o prejuízo dos prematuros em relação à população geral.44 Saigal S, Doyle LW. An overview of mortality and sequelae of preterm birth from infancy to adulthood. Lancet. 2008;371:261-269. Em relação ao crescimento, essa comparação é obtida pela análise dos escores Z das medidas antropométricas.

Nosso objetivo foi analisar o padrão de crescimento de prematuros de baixo peso e o efeito da hipertensão materna, com delineamento de um estudo de coorte. Assim, os grupos foram constituídos com base na exposição ou não à síndrome hipertensiva materna e foram excluídos os casos de gestações múltiplas, infecções/malformações congênitas, que são fatores clássicos associados a alterações do crescimento. As características neonatais não diferiram entre os grupos, bem como os fatores pós-natais que sabidamente influenciam no crescimento, como morbidade, internação e padrão alimentar. Para controlar possíveis fatores de confusão foram construídos modelos de regressão logística.

Embora a seleção de um grupo controle constituído por prematuros possa limitar a interpretação dos resultados, não consideramos que eles sejam atribuídos a viés de seleção. Os dados obtidos permitiram responder a pergunta do estudo sobre o efeito da hipertensão materna no crescimento de prematuros de baixo peso: não houve efeito de risco ou proteção. Ainda, foram evidenciados dois fatores de risco importantes e potencialmente evitáveis: adequação do peso ao nascer e crescimento no primeiro ano de vida; aspectos esses de relevância clínica, que contribuem para nortear a conduta obstétrica e pediátrica na prática diária.

Em relação ao terceiro questionamento, os autores consideram baixa possibilidade de viés de seleção, uma vez que a casuística desse estudo foi constituída por uma população atendida pelo Sistema Único de Saúde, bastante homogênea nas condições sociodemográficas, que não diferiram nos grupos estudados. Tabagismo não foi frequente, ocorreu em 10% das hipertensas e 20% das normotensas (p = 0,103). Há que se destacar dois aspectos de rigor metodológico em nosso estudo: o controle do efeito do tempo na evolução das medidas antropométricas e a avaliação da nutrição pós-natal, que sabidamente é importante fator modulador do crescimento nos primeiros anos de vida.55 Nzegwu NI, Ehrenkranz RA. Post-discharge nutrition and the VLBW infant: to supplement or not supplement? A review of the current evidence. Clin Perinatol. 2014;41:463-474.

Finalizando, a expectativa é que os aspectos aqui discutidos contribuam para melhorar a interpretação de nosso estudo e estimular a feitura de novos estudos para investigar outros fatores que podem influenciar no crescimento dos prematuros de baixo peso.

  • Como citar este artigo: Kiy AM, Rugolo LM. Author's reply: Maternal hypertension and infant growth. J Pediatr (Rio J). 2015;91:604-5.

Referências

  • 1
    Grimes DA, Schulz KF. Cohort studies: marching towards outcomes. Lancet. 2002;359:341-345.
  • 2
    Report of the National High Blood Pressure Education Program Working Group on high blood pressure in pregnancy. Am J Obstet Gynecol. 2000;183:S1-22.
  • 3
    Duley L. The global impact of pre-eclampsia and eclampsia. Semin Perinatol. 2009;33:130-137.
  • 4
    Saigal S, Doyle LW. An overview of mortality and sequelae of preterm birth from infancy to adulthood. Lancet. 2008;371:261-269.
  • 5
    Nzegwu NI, Ehrenkranz RA. Post-discharge nutrition and the VLBW infant: to supplement or not supplement? A review of the current evidence. Clin Perinatol. 2014;41:463-474.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2015
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