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O leite materno deve ser fortificado para crianças prematuras após terem alta para melhorar os resultados de neurodesenvolvimento? Como citar este artigo: Peralta-Carcelen M, Cloud HH. Should human milk for premature children be fortified after discharge to improve neurodevelopmental outcomes? J Pediatr (Rio J). 2016;92:111-2. ☆☆ ☆☆ Ver artigo de da Cunha et al. nas páginas 136-42.

Crianças prematuras apresentam maior risco de problemas de neurodesenvolvimento.11 Stephens BE, Vohr BR. Neurodevelopmental outcome of the pre-mature infant. Pediatr Clin North Am. 2009;56:631-46. O aleitamento materno exclusivo para todas as crianças, inclusive nascidos a termo, foi recomendado para a obtenção de benefícios à saúde, bem como para o bem-estar geral.22 Fewtrell MS, Morgan JB, Duggan C, Gunnlaugsson G, Hibberd PL, Lucas A, et al. Optimal duration of exclusive breastfeeding: what is the evidence to support current recommendations? Am J Clin Nutr. 2007;85:635S-8S. Além disso, a melhoria dos resultados do desenvolvimento foi relatada em crianças nascidas a termo exclusivamente amamentadas.33 Gertosio C, Meazza C, Pagani S, Bozzola M. Breast feeding: gamut of benefits. Minerva Pediatr. 2015, May [Epub ahead of print]. Em crianças prematuras, as vantagens do leite materno para a proteção contra enterocolite necrosante e sepse e seus efeitos tróficos foram bem estabelecidos.44 Johnson TJ, Patel AL, Bigger HR, Engstrom JL, Meier PP. Cost savings of human milk as a strategy to reduce the incidence of necrotizing enterocolitis in very low birth weight infants. Neonatology. 2015;107:271-6. Entretanto, foi reconhecido que em crianças prematuras somente o leite materno pode não favorecer o crescimento ideal, devido ao índice insuficiente de nutrientes nessas crianças.55 Ziegler EE. Human milk and human milk fortifiers. World Rev Nutr Diet. 2014;110:215-27. Neonatos prematuros nascem em um período de desenvolvimento significativo dos órgãos e estão em risco de deficiência de nutrientes essenciais e fatores tróficos que promovem o crescimento e o desenvolvimento do cérebro, como o uso de ácidos graxos poli-insaturados de cadeia longa e possivelmente outros.66 Anderson A, Swank P. Wildin S, Landry S, Smith K. Modeling analysis of change in neurologic abnormalities in children born prematurely: a novel approach. J Child Neurol. 1999;14:502-8. Sem o fortificante, as crianças prematuras poderão ter retardo do crescimento, que tem sido associado com o neurodesenvolvimento prejudicado.77 Ehrenkranz RA. Nutrition, growth and clinical outcomes. World Rev Nutr Diet. 2014;110:11-26. Portanto, tem sido recomendado que todos os neonatos prematuros com peso ao nascer < 1.800 g devem receber leite materno fortificado, adicionar uma fortificação de nutrientes complementares, com foco em proteínas e minerais, e principalmente vitaminas, durante a estada na unidade de terapia intensiva neonatal para garantir o crescimento adequado.88 Moro GE, Arslanoglu S, Bertino E, Corvaglia L, Montirosso R, Picaud JC, et al. XII. Human milk in feeding premature infants: consensus statement. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2015;61:S16-9. Esse fortificante recebeu diferentes componentes comercialmente disponíveis e produtos disponíveis de diferentes qualidades. Algumas unidades usam uma abordagem mais padronizada, ao passo que outras usam uma abordagem mais individualizada.99 Arslanoglu S. IV. Individualized fortification of human milk: adjustable fortification. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2015;61:S4-5.

A melhoria do resultado do neurodesenvolvimento e o uso de leite materno para crianças prematuras foram relatados em grandes estudos retrospectivos majoritariamente observacionais;1010 Vohr BR, Poindexter BB, Dusick AM, McKinley LT, Higgins RD, Langer JC, et al. Persistent beneficial effects of breast milk ingested in the neonatal intensive care unit on outcomes of extremely low birth weight infants at 30 months of age. Pediatrics. 2007;120:e953-9. uma análise mais recente não concluiu que houve melhoria do resultado do neurodesenvolvimento quanto ao uso de leite materno para crianças prematuras em suas metanálises.1111 Koo W, Tank S, Martin S, Shi R. Human milk and neurodeve-lopment in children with very low birth weight: a systematic review. Nutr J. 2014;13:94. Contudo, nessa análise, os estudos incluídos não tinham muitas informações sobre o uso de fortificantes. Um estudo1212 Kuschel CA, Harding JE. Multicomponent fortified human milk for promoting growth in preterm infants. CDS Rev. 2004;1:CD000343. relatou um paradoxo entre neonatos prematuros com leite materno que crescem menos durante a internação em comparação com neonatos alimentados com fórmulas, porém com melhor neurodesenvolvimento nos primeiros anos de vida; contudo, o grupo amamentado apresentou maior peso ao nascer, apesar do controle de restrição de crescimento e da situação socioeconômica.

O uso de fortificantes no leite materno durante a estada na unidade de terapia intensiva neonatal (UTIN) apresentou melhoria no crescimento em neonatos prematuros;1212 Kuschel CA, Harding JE. Multicomponent fortified human milk for promoting growth in preterm infants. CDS Rev. 2004;1:CD000343. contudo, estudos sobre resultados do neurodesenvolvimento de longo prazo não são conclusivos. Uma análise observou especificamente os efeitos de fortificantes no leite materno após a alta com relação ao desenvolvimento1313 Young L, Embleton ND, McCormick FM, McGuire W. Multinutrient fortification of human breast milk for preterm infants following hospital discharge. CDS Rev. 2013;2:CD004866. e não encontrou diferenças no resultado do neurodesenvolvimento.

Existem fortificantes de leite materno divulgados para uso em leite materno de neonatos prematuros;55 Ziegler EE. Human milk and human milk fortifiers. World Rev Nutr Diet. 2014;110:215-27. além disso, alguns hospitais usam fórmulas em pó para prematuros para fornecer minerais e outros nutrientes necessários para crianças prematuras. O custo dos fortificantes comercialmente disponíveis é alto, além dos problemas com uma possível contaminação ou o uso excessivo de fortificantes e os efeitos sobre a saúde no longo prazo.

Esse artigo de da Cunha et al.1414 da Cunha RD, Lamy Filho F, Rafael EV, Lamy ZC, de Queiroz AL. Breast milk supplementation and preterm infant development after hospital discharge: a randomized clinical trial. J Pediatr (Rio J). 2016;92:136-42. relata um ensaio clínico randomizado que usa uma fórmula em pó (Nestlé®, Vevey, Suíça) no leite materno em comparação com o leite materno sem suplementação em neonatos inferiores a 1.500 g após terem alta do berçário. Esse estudo tem diversos pontos fortes, como usar um modelo randomizado válido e avaliadores de desenvolvimento cegos em relação ao grupo de intervenção. Entretanto, existem variáveis que serão difíceis de controlar. Neonatos prematuros representam uma população heterogênea cujo cuidado nutricional poderá ter de ser cuidadosamente individualizado. Além disso, há uma grande variação entre o conteúdo do leite materno de uma mãe para outra. Embora tenha sido um estudo randomizado, o conteúdo do leite materno não foi analisado, portanto é possível uma grande variabilidade entre as diferentes mães incluídas no estudo. Se foram usados fortificantes de maior qualidade e suplementação de vitaminas e minerais do leite materno, os resultados poderão ter sido estatisticamente significativos entre os grupos.

Embora não descrito no estudo, podemos supor que os neonatos foram alimentados diretamente no peito e apenas crianças suplementadas receberam leite materno extraído por outros meios.

Este estudo aborda uma importante questão sobre se a fortificação do leite materno deve ser recomendada após a alta para neonatos prematuros pelas vantagens teóricas de mais proteína e conteúdo de nutrientes para melhorar os resultados de neurodesenvolvimento. Isso se torna particularmente importante em neonatos nascidos em prematuridade extrema com internação mais longa que poderão ter um déficit acumulado significativo de nutrientes antes da alta. É possível que, com diretrizes mais novas sobre fortificação durante a estada na UTIN, as crianças não estejam em desvantagem, como presumimos. Várias investigações são contínuas e visam à qualidade e duração da fortificação de leite materno. Além disso, a fortificação após a alta tem suas dificuldades, considerando o alto custo dos fortificantes com multicomponentes, talvez disponibilidade limitada e possível contaminação durante a mistura, principalmente em áreas com recursos limitados e, talvez, até mesmo desencorajando o aleitamento materno quando os neonatos estão em casa.

Resta-nos a dúvida sobre se é necessário fortificar o leite materno para neonatos prematuros após a alta para melhorar os resultados de neurodesenvolvimento. Contudo, podemos ficar tranquilos com esse estudo: se existe uma indicação clínica para fotificação, isso não deve interferir no aleitamento materno exclusivo, método desejado de alimentação de prematuros considerando todas as vantagens que a aleitamento materno fornece.

  • Como citar este artigo: Peralta-Carcelen M, Cloud HH. Should human milk for premature children be fortified after discharge to improve neurodevelopmental outcomes? J Pediatr (Rio J). 2016;92:111-2.
  • ☆☆
    Ver artigo de da Cunha et al. nas páginas 136-42.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2016
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