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Tradução e validação da versão brasileira do questionário de qualidade de vida de crianças com paralisia cerebral - autorrelato Como citar este artigo: Braccialli LM, Almeida VS, Sankako AN, Silva MZ, Braccialli AC, Carvalho SM, et al. Translation and validation of the Brazilian version of the Cerebral Palsy Quality of Life Questionnaire for Children - child report. J Pediatr (Rio J). 2016;92:143-8.

Resumo

Objetivo:

Verificar as propriedades psicométricas da versão traduzida e adaptada culturalmente para o português do Brasil do instrumento Cerebral Palsy Quality of Life Questionnaire for Children – Child report.

Métodos:

Após a tradução e a adaptação cultural do instrumento para o português, o questionário foi respondido por 65 crianças com paralisia cerebral, entre nove e 12 anos. Os coeficientes de correlação intraclasse e alfa de Cronbach foram usados para avaliar a confiabilidade e consistência interna do instrumento e a validade do instrumento foi analisada pela relação entre CPQol-Child: self-report toole a Kidscreen-10 por meio do coeficiente de correlação de Pearson.

Resultados:

A consistência interna variou de 0,6579 a 0,8861, a confiabilidade intraobservador de 0,405 a 0,894 e a interobservador de 0,537 a 0,937. Verificou-se uma fraca correlação entre o domínio participação e saúde física da CPQol-Child e Kidscreen-10.

Conclusão:

A análise feita sugere que o instrumento usado tem aceitabilidade psicométrica para a população brasileira.

Palavras-chave
Qualidade de vida; Paralisia Cerebral; Criança

Abstract

Objective:

To verify the psychometric properties of the Cerebral Palsy: Quality of Life Questionnaire Children – child report (CPQol-Child) questionnaire, after it was translated and culturally adapted into Brazilian Portuguese.

Methods:

After the translation and cultural adaptation of the tool into Brazilian Portuguese, the questionnaire was answered by 65 children with cerebral palsy, aged 9–12 years. The intraclass correlation coefficient and Cronbach's alpha were used to assess the reliability and internal consistency of the tool and its validity was analyzed through the association between CPQol-Child: self-report tool and Kidscreen-10 using Pearson's correlation coefficient.

Results:

Internal consistency ranged from 0.6579 to 0.8861, the intraobserver reliability from 0.405 to 0.894, and the interobserver from 0.537 to 0.937. There was a weak correlation between the participation domain and physical health of CPQol-Child: self-report tool and Kidscreen-10.

Conclusion:

The analysis suggests that the tool has psychometric acceptability for the Brazilian population.

Keywords
Quality of life; Cerebral palsy; Child

Introdução

Paralisia cerebral (PC) é considerada um grupo de desordens do movimento e da postura que causa limitações nas atividades, devido a alterações não progressivas que ocorrem no cérebro fetal ou infantil, geralmente acompanhada de alterações sensoriais, cognitivas, de comunicação, percepção, de comportamento e/ou crises convulsivas.11 BaxM, Goldstein M, Rosenbaum P. Leviton A, Paneth N. Proposed definition and classification of cerebral palsy, April 2005. Execu-tive Committee for the Definition of Cerebral Palsy. Neurology. 2005;47:571-6. Ela é considerada a causa mais comum de deficiência motora na infância,22 Msal ME, Park JJ. Neurodevelopmental management strategies for children with cerebral palsy: optimizing function, promo-ting participation, and supporting families. Clin Obstet Gynecol. 2008;51:800-15. com incidência em países desenvolvidos de 2-2,5/1.000 crianças nascidas vivas.33 Surveillance of Cerebral Palsy in Europe. Surveillance of cerebral palsy in Europe (SCPE): a collaboration of cerebral palsy surveys and registers. Dev Med Child Neurol. 2000;42:816-24. No Brasil não existem dados precisos, porém alguns autores estimam sete para cada 1.000 nascidos vivos.44 Lima CL, Fonseca LF. Paralisia cerebral: neurologia, ortopedia e reabilitação. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2004.

A necessidade de conhecer os efeitos da patologia sobre as condições de saúde e bem-estar tem resultado em inúmeros esforços para desenvolver instrumentos que avaliem a qualidade de vida (QV) dessas crianças,55 Davis E, Shelly A, Waters E, Davern M. Measuring the quality of life of children with cerebral palsy: comparing the conceptual differences and psychometric properties of three instruments. Dev Med Child Neurol. 2010;52:174-80. principalmente instrumentos em que o respondente é a própria criança, uma vez que parece haver uma discrepância entre o autorrelato de crianças e adolescentes e de seus cuidadores, principalmente nos aspectos emocionais.66 Prebianchi H. Medidas de qualidade de vida para crianças: aspectos conceituais e metodológicos. Psicol.: Teor. Prát. 2003;5:57-69.88 Varni J, BurwinkleT Sherman S. Health-related quality of life of children and adolescents with cerebral palsy: hearing the voices of the children. Dev Med Child Neurol. 2005;47:592 -7. Há evidências de que as crianças podem fazer o autorrelato de QV de forma confiável se o seu desenvolvimento emocional, sua capacidade cognitiva e o seu nível de leitura forem considerados,99 Dickinson HO, Parkinson KN, Ravens-Sieberer U, Schirripa G, Thyen U, Arnaud C, et al. Self-reported quality of life of 8-12-year-old children with cerebral palsy: a cross-sectional European study. Lancet. 2007;369:2171-8. porém deve haver a preocupação com a confiabilidade das informações de crianças muito novas, que apresentam déficit cognitivo ou com severo comprometimento de comunicação.

Atualmente, há disponíveis instrumentos genéricos, traduzidos e validados para o português, que avaliam QV de crianças, porém não abordam características especificas da paralisia cerebral. Na PC deve-se usar instrumento específico que aborde os sentimentos sobre equipamentos de tecnologia assistiva, os sentimentos sobre as intervenções médicas, terapêuticas e cirúrgicas, a satisfação com o acesso aos serviços e a aceitação na comunidade. Essas questões ultrapassam o escopo de um instrumento genérico, que geralmente omite informações da vida diária dessas crianças e não abordam o ponto de vista da criança com PC, que gera dúvida se corresponde à opinião delas.1010 Carlon S, Shields N, Yong K, Gilmore R, Sakzewski L, Boyd R. A systematic review of the psychometric properties of quality of life measures for school aged children with cerebral palsy. BMC pediatrics. 2010;10:81.1212 Waters E, Maher E, Salmon L, Reddihough D, Boyd R. Deve-lopment of a condition-specific measure of quality of life fo children with cerebral palsy: empirical thematic data reported by parents and children. Child Care Health Dev. 2005;31:127-35. Estudo feito em 20071111 ViehwegerE, RobitailS, RohonMA, JacquemierM, JouveJL, Bol-lini G, et al. Measuring quality of life in cerebral palsy children. Ann Readapt Med Phys. 2008;51:129-37. identificou apenas dois instrumentos específicos para avaliar qualidade de vida de crianças com PC, o Disabkids-Cerebral Palsy e o Cerebral Palsy Quality of Life Questionnaire Children (CPQol-Child).1212 Waters E, Maher E, Salmon L, Reddihough D, Boyd R. Deve-lopment of a condition-specific measure of quality of life fo children with cerebral palsy: empirical thematic data reported by parents and children. Child Care Health Dev. 2005;31:127-35.

O CPQol-Child foi considerado um instrumento com forte propriedades psicométricas para avaliar QV dessas crianças em idade escolar1010 Carlon S, Shields N, Yong K, Gilmore R, Sakzewski L, Boyd R. A systematic review of the psychometric properties of quality of life measures for school aged children with cerebral palsy. BMC pediatrics. 2010;10:81. e tem sido amplamente usado.

Os autores do CPQol-Child desenvolveram um instrumento com base na Classificação da Funcionalidade e Incapacidade (CIF), com o auxílio de uma equipe de especialistas internacionais, e preocuparam-se em verificar a opinião da criança e dos cuidadores. O questionário tem duas versões, o CPQol-Child Primary Caregiver Questionnaire (4-12 anos) e o CPQol-Child Child Report Questionnaire (9-12 anos). A versão CPQol-Child: Child Report Questionnaire (9-12 years) é respondida por crianças com paralisia cerebral entre nove e 12 anos e contém 53 questões distribuídas pelos domínios: bem-estar social e aceitação, funcionalidade, participação e saúde física, bem-estar emocional e autoestima, acesso a serviços e dor e impacto da deficiência.1212 Waters E, Maher E, Salmon L, Reddihough D, Boyd R. Deve-lopment of a condition-specific measure of quality of life fo children with cerebral palsy: empirical thematic data reported by parents and children. Child Care Health Dev. 2005;31:127-35.,1313 Waters E, Davis E, Mackinnon A. Psychometric properties of the quality of life questionnaire for children with CP. Dev Med Child Neurol. 2007;49:49-55. A versão para cuidadores já foi traduzida para diferentes línguas.1414 Wang HY, Cheng CC, Hung JW, Ju YH, Lin JH, LoSK. Lo Validating the Cerebral Palsy Quality of Life for Children (CP QOL-Child) questionnaire for use in Chinese populations. NeuropsycholRehabil. 2010;20:883-98.1717 Braccialli LM, Braccialli AC, Sankako AN, Dechandt ML, Almeida VS, Carvalho SM. Questionário de qualidade de vida de criancças com paralisia cerebral (CpQol-Child): traducão e adaptacão para língua portuguesa. J. Hum. Growth Dev. 2013;23:1-10. A Organização Mundial da Saúde recomenda a tradução e adaptação cultural de instrumentos já existentes, pois facilita a comparação de estudos feitos em diferentes países e a comunicação entre os pesquisadores.1818 World Health Organization. The World Health Organization Quality of Life Assessment (WHOQOL): position paper from the World Health Organization. SocSci Med. 1995;41:1403-9.

Nessa perspectiva, este estudo tem como objetivo verificar as propriedades psicométricas da versão traduzida e adaptada culturalmente para o português do Brasil do instrumento CPQol-Child Child Report Questionnaire- 9-12 years.

Material e métodos

Foi solicitada aos e autorizada pelos autores a tradução, adaptação cultural e validação para a língua portuguesa do instrumento CPQol-Child. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Filosofia e Ciências, com parecer N° 278/2009.

Participantes

Para o cálculo do tamanho amostral mínimo, para a validade considerou-se um coeficiente de correlação igual ou superior a 0,40; para a reprodutibilidade considerou-se um coeficiente de correlação intraclasse (ICC) igual ou superior a 0,40, um erro tipo I de 5% e um erro tipo II de 20% e acréscimo de 30% para possíveis recusas ou perdas, que resultou em uma amostra com tamanho mínimo de n = 62.1919 Hulley SB, Cummings SR, Browner WS, Grady D, Hearst N, Newman TB. Designing clinical research: an epidemiologic approach. Philadelphia, PA: Lippincott Williams & Wilkins; 2001.

A amostra inicial constava de 200 pacientes com paralisia cerebral, das diferentes regiões do país. Após a verificação dos critérios de inclusão e exclusão, foram selecionadas 65 crianças. Os fatores de inclusão foram ter entre 9 e 12 anos e diagnóstico de PC; os de exclusão foram apresentar déficit intelectual e não ter um sistema de comunicação eficiente.

No estudo foi usada uma amostra de conveniência devido às dificuldades de acesso aos participantes com as características necessárias. Segundo Mattar,2020 Mattar FN. Pesquisa de marketing: metodologia, planejamento. 5 ed. São Paulo: Atlas, 1999. uma amostra não probabilística é uma opção viável quando a população não está disponível para ser sorteada e quando existem limitações de tempo, recursos financeiros e materiais. Os responsáveis pelos participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e foi lido o Termo de Assentimento para as crianças que concordaram em participar. O Termo de Assentimento foi lido, explicado e solicitada à criança a participação voluntária. A concordância foi obtida de forma verbal ou não verbal, devido à dificuldade motora apresentada por grande parte dos participantes que impossibilitava a assinatura do documento.

Procedimentos

O processo de tradução e adaptação seguiu recomendações internacionais2121 Waters E, Davis E, Boyd R, Reddihough D, Mackinnon A, Graham HK, et al. Cerebral palsy quality of life questionnaire for children (CP QOL- Child) Manual. In: University D, (ed.), Children. Melbourne: Deakin University; 2006. 1-31.

22 Waters E, Davis E, Boyd R, Reddihough D, Mackinnon A, Graham HK, et al. Cerebral palsy quality of life for children translation guidelines. Melbourne: Deakin University; 2006. p. 16.
-2323 Guillemin F. Cross-cultural adaptation and validation of health status measures. Scand J Rheumatol. 1995;24:61-3. e foram cumpridas as seguintes etapas: tradução para o português; tradução conciliada; retrotradução; tradução final; pré-teste; adaptação cultural.

Primeiramente dois tradutores independentemente traduziram o CPQol-Child do inglês para o português. Ambos tinham fluência no inglês e no português e como língua nativa o português. As seguintes orientações foram dadas aos tradutores: usar linguagem natural e aceitável para um público amplo; fazer uma tradução clara, simples e compreensível; evitar frases longas; focar a equivalência conceitual, em vez de tradução literal; considerar a idade dos respondentes e a forma como irão compreender os itens; não usar gíria ou termos de difícil compreensão; evitar duplo negativo.2121 Waters E, Davis E, Boyd R, Reddihough D, Mackinnon A, Graham HK, et al. Cerebral palsy quality of life questionnaire for children (CP QOL- Child) Manual. In: University D, (ed.), Children. Melbourne: Deakin University; 2006. 1-31.

Posteriormente as duas traduções foram comparadas e resultaram em uma tradução conciliada que consistiu em uma versão consensual com a adequação e reconciliação dos itens. Nessa etapa solicitou-se a colaboração de uma equipe de pesquisadores experientes em pesquisa com crianças com PC. Eles tinham que analisar item por item, escolher a melhor tradução e sugerir outra tradução se necessário. Eles foram orientados a focar nas diferenças culturais e linguísticas que poderiam causar dificuldades quando a versão em inglês fosse transformada para o português.

A seguir solicitou-se a um tradutor nativo em inglês e fluente em português que fizesse a retrotradução, isto é, retornou para a lingual inglesa a tradução conciliada, que foi encaminhada aos autores do questionário original para que identificassem e corrigissem as discrepâncias existentes em relação à equivalência semântica, idiomática e conceitual.

Na quarta etapa, foi feita a revisão e a comparação da versão retrotraduzida corrigida pelos autores do questionário com a versão original inglesa que gerou a tradução final que foi usada no pré-teste.

No pré-teste a versão final foi usada com seis crianças com PC para verificar se todos os itens eram compreensíveis e satisfatórios. Para testar a equivalência cultural, as questões que não apresentaram boa compreensão foram novamente discutidas e reformuladas pelos pesquisadores e usadas com outro grupo de seis crianças até que todos os itens fossem compreendidos por 90% dos entrevistados.2424 de Soárez PC, Kowalski CC, Ferraz MB, Ciconelli RM. Tradução para português brasileiro e validacão de um questionário de avaliaçcão de produtividade. Rev Panam Salud Publica. 2007;22:21-8.

Após finalização dessa etapa, fizeram-se contato e convite aos pesquisadores de universidades brasileiras que trabalhavam com crianças com PC para auxiliar no estudo. Após o aceite foram feitas reuniões para treinamento dos aspectos teóricos e metodológicos de aplicação do questionário. No treinamento os entrevistadores foram treinados para fazer a leitura de cada questão para a criança e solicitar sua resposta, que era anotada no questionário. Eles não deviam fazer intervenção ou comentário sobre a questão ou resposta. Em cada região do país as entrevistas foram feitas por uma dupla de pesquisadores. Como não houve intervenção, explicação ou comentários durante as entrevistas, a diferença de avaliadores não interferiu nas respostas obtidas.

Para a coleta de dados foi feito um mapeamento do número de crianças com diagnóstico de paralisia cerebral e a faixa etária dessas crianças. Foram identificadas 200 crianças que atendiam os critérios estabelecidos, porém 65 famílias concordaram com que suas crianças participassem do estudo. Durante a coleta, cada criança foi entrevistada três vezes por dois entrevistadores: E1 e E2. O entrevistador E1 fez a primeira entrevista, em que era respondida a versão em português do instrumento CPQol-Child: autorrelato (fig. 1)[somente online]e foi preenchido um questionário com informações sobre: gênero, idade, grau de instrução e nível de classificação da criança no Sistema de Classificação da Função Motora Grossa (GMFCS). Após um intervalo de 30 a 60 minutos, o entrevistador E2 fazia uma segunda entrevista, na qual a criança respondia novamente a versão em português do CPQol-Child. Após 14 dias era feita a terceira entrevista pelo entrevistador E1, na qual os participantes respondiam as versões em português do CPQOL-Child e do Kidscreen-10.

Foi usada a versão traduzida e validada para o português do Brasil do questionário Kidscreen-10 para verificar a validade de construto. Optou-se por esse instrumento, pois tem-se mostrado eficaz para a avaliação genérica de qualidade de vida de crianças saudáveis, bem como daquelas que apresentam condições crônicas. Esse instrumento tem padrão de qualidade internacional e foi usado pelas autoras do CPQol-Child para validação do instrumento original em língua inglesa e tem sido usado nas traduções para as diferentes línguas e culturas.

O GMFCS é um sistema de classificação do nível da função motora de crianças com PC que tem sido usado internacionalmente e permite a estratificação em cinco níveis de habilidades. O nível I representa a melhor habilidade motora grossa e o nível V a pior função com base na faixa etária da criança avaliada.2525 Gorter JW, Rosenbaum PL, Hanna SE, Palisano RJ, Bartlett DJ, Russell DJ, et al. Limb distribution, motor impairment, and functional classification of cerebral palsy. Dev Med Child Neurol. 2004;46:461-7.

Foi feita a digitação dos dados brutos no programa SPSS (IBM Corp. Released 2013. IBM SPSS Statistics for Windows, versão 22.0. NY, EUA) para verificar o escore de pontuação para cada questionário e o domínio para posterior análise estatística.

Análise estatística

Fizeram-se estatística descritiva para caracterizar a população do estudo e testes para verificar a confiabilidade inter e intraobservadores e a consistência interna do instrumento.

A confiabilidade interobservador foi avaliada com base em medições feitas em um mesmo momento por entrevistadores diferentes e a intraboservadores por meio de teste e reteste que consistiu em preencher o questionário duas vezes, com um tempo suficiente entre eles para excluir o efeito de memória, mas não muito tempo para evitar a mudança de qualidade de vida.1111 ViehwegerE, RobitailS, RohonMA, JacquemierM, JouveJL, Bol-lini G, et al. Measuring quality of life in cerebral palsy children. Ann Readapt Med Phys. 2008;51:129-37. Verificou-se a consistência interna do instrumento, que consiste em verificar se as medidas repetidas dentro de uma mesma escala são convergentes, o que significa que eles estão voltados para a mesma direção, se os itens em cada dimensão formam um todo coerente e se a correlação aproximada interna entre os itens é relativamente forte.1111 ViehwegerE, RobitailS, RohonMA, JacquemierM, JouveJL, Bol-lini G, et al. Measuring quality of life in cerebral palsy children. Ann Readapt Med Phys. 2008;51:129-37.

Os coeficientes de correlação intraclasse (ICC) e alfa de Cronbach foram usados para avaliação da confiabilidade e consistência interna do instrumento.22 Msal ME, Park JJ. Neurodevelopmental management strategies for children with cerebral palsy: optimizing function, promo-ting participation, and supporting families. Clin Obstet Gynecol. 2008;51:800-15.,1313 Waters E, Davis E, Mackinnon A. Psychometric properties of the quality of life questionnaire for children with CP. Dev Med Child Neurol. 2007;49:49-55. O coeficiente de correlação intraclasse foi considerado excelente quando ICC ≥ 0,75; satisfatório quando 0,4 ≤ ICC < 0,75 e pobre ICC < 0,41919 Hulley SB, Cummings SR, Browner WS, Grady D, Hearst N, Newman TB. Designing clinical research: an epidemiologic approach. Philadelphia, PA: Lippincott Williams & Wilkins; 2001. e foram considerados significativos valores de p < 0,05. Para o valor de alfa de Cronbach, para comparar grupos de indivíduos, recomendam-se medidas com confiabilidade acima de 0,5.2626 Maroco J, Garcia-Marques T. Qual a fiabilidade do alfa de Cron-bach? Questõesantigas e soluções modernas. Laboratório de Psicologia. 2006;4:65-90.

A validade de construto foi analisada por meio do coeficiente de correlação de Pearson.

Resultados

Na tabela 1 verificam-se os dados referentes às características demográficas das crianças com paralisia cerebral. Houve uma predominância do gênero masculino e com nível I no GMFCS, apesar de terem sido entrevistadas crianças de todos os estratos.

Tabela 1
Características demográficas das crianças

A confiabilidade do questionário CPQol-Child foi adequada, com coeficiente alfa de Cronbach maior do que 0,5 para todos os domínios, para os dois avaliadores. Apenas o domínio "Acesso a serviços" teve valores inferiores a 0,7 (tabela 2).

Tabela 2
Consistência interna da versão em português do CP QOL-Child: autorrelato

Na tabela 3 são apresentados os resultados da confiabilidade intra e interobservador para cada domínio do CPQol-Child. A confiabilidade intraobservador foi significativa para todos os domínios, foi considerada excelente para funcionalidade (ICC ≥ 0,75) e satisfatória para bem-estar social e a aceitação, participação de saúde física, o bem-estar emocional e a autoestima, acesso a serviços e dor e impacto da deficiência (0,4 ≤ ICC < 0,75). A confiabilidade interobservador foi significativa para todos os domínios, foi considerada excelente para bem-estar emocional e autoestima e acesso a serviços (ICC ≥ 0,75) e considerado satisfatório para bem-estar social e aceitação, funcionalidade, participação e saúde física e dor e impacto da deficiência (0,4 ≤ ICC < 0,75).

Tabela 3
Confiabilidade intra e interobservador de cada domínio da versão em português do CP QOL-Child: autorrelato avaliada pelo coeficiente de correlação intraclasse

Na tabela 4 verifica-se uma fraca correlação entre o domínio participação e saúde física da CPQol-Child e do Kidscreen-10.

Tabela 4
Correlação entre os domínios CP QOL-Child: autorrelato e Kidscreen-10

Discussão

O estudo possibilitou oferecer a versão em língua portuguesa do questionário CPQol-Child, um instrumento específico que avalia QV de crianças com PC que possibilitará mensurar e comparar a QV de crianças brasileiras a partir do autorrelato e poderá contribuir para estabelecer parâmetros de políticas públicas na saúde e educação, como também verificar a eficácia de ações terapêuticas e preventivas desenvolvidas e uszadas com essa população.

A metodologia usada seguiu recomendações de especialistas2222 Waters E, Davis E, Boyd R, Reddihough D, Mackinnon A, Graham HK, et al. Cerebral palsy quality of life for children translation guidelines. Melbourne: Deakin University; 2006. p. 16.-2323 Guillemin F. Cross-cultural adaptation and validation of health status measures. Scand J Rheumatol. 1995;24:61-3. e garantiu uma versão do instrumento adequada aos aspectos culturais da população brasileira e equivalente à versão original em língua inglesa.

Quanto às características dos participantes do estudo, teve-se a preocupação de garantir a representatividade da população brasileira e dos diferentes tipos de PC, apesar de uma predominância de participantes da Região Sudeste. Observa-se que o estudo englobou participantes das diferentes regiões do país para garantir que a caracterísitca multicutural do Brasil não resultasse em dificuldades de compreensão de algumas perguntas e na emissão das respostas.1717 Braccialli LM, Braccialli AC, Sankako AN, Dechandt ML, Almeida VS, Carvalho SM. Questionário de qualidade de vida de criancças com paralisia cerebral (CpQol-Child): traducão e adaptacão para língua portuguesa. J. Hum. Growth Dev. 2013;23:1-10.

Os resultados do estudo indicaram que a versão em língua portuguesa do CPQol-Child: autorrelato apresentou confiabilidade e validade para avaliação da qualidade de vida de crianças brasileiras com paralisia cerebral na faixa entre nove e 12 anos.

Vários autores têm enfatizado a importância da validação de questionário para crianças por meio de autorrelato, uma vez que crianças e adolescentes têm diferentes graus de percepção de si mesmos e do mundo e, portanto, uma visão diferente sobre sua qualidade de vida. A percepção dos adultos, mesmo os que convivem de forma direta com as crianças, apresenta, em geral, baixo índice de correlação com a autoavaliação da criança.66 Prebianchi H. Medidas de qualidade de vida para crianças: aspectos conceituais e metodológicos. Psicol.: Teor. Prát. 2003;5:57-69.,77 Eiser C. Children's quality of life measures. Arch Dis Child. 1997;77:350-4.,2727 Mc Manus V, Corcoran P Perry IJ. Participation in everyday acti-vities and quality of life in pre-teenage children living with cerebral palsy in South West Ireland. BMC Pediatr. 2008;8:50-9. Deve-se ressaltar que fatores como idade; severidade do comprometimento motor e funcionalidade interferem na qualidade de vida de pessoas com paralisia cerebral e com o aumento da idade o nível de participação dessas crianças nas atividades diminui, ao mesmo tempo em que sua capacidade de reflexão aumenta, o que interfere na sua percepção em relação a sua qualidade de vida.2828 Shikako-Thomas K, Lach L, Majnemer A, Nimigon J, Cameron K, Shevell M. Quality of life from the perspective of adolescents with cerebral palsy: "I justthink I'm a normal kid. Ijust happen to have a disability''. Qual Life Res. 2009;18:825-32.

Os dados indicaram um elevado grau de consistência interna e resultados semelhantes aos encontrados na versão original do CPQol-Child: autorrelato.1313 Waters E, Davis E, Mackinnon A. Psychometric properties of the quality of life questionnaire for children with CP. Dev Med Child Neurol. 2007;49:49-55.

O menor valor obtido no ICC no teste-reteste (0,405) foi para o domínio "Dor e impacto da deficiência". No entanto, o ICC interobservador para esse domínio teve valor maior (0,675), o que pode indicar o fato de o questionamento ser direcionado a um estado subjetivo que pode ter se alterado no período de 14 dias, tempo necessário entre a primeira e segunda avaliação. O domínio "Bem-estar emocional e autoestima", que apresentou valor 0,600 na avaliação intraobservador, também se refere à avaliação subjetiva que pode apresentar alterações em período pequeno. No entanto, o valor obtido para o domínio "Acesso a services" na avaliação intraobservador pode indicar haver uma dificuldade de compreensão desse domínio pelos participantes do estudo.

Em relação à validade de construto, a fraca correlação encontrada para o domínio participação e saúde física difere dos resultados do estudo de Davis et al.,55 Davis E, Shelly A, Waters E, Davern M. Measuring the quality of life of children with cerebral palsy: comparing the conceptual differences and psychometric properties of three instruments. Dev Med Child Neurol. 2010;52:174-80. que verificaram uma correlação moderada. No entanto, conforme os autores afirmaram, existem diferenças conceituais entre os dois instrumentos que comumente são usados para avaliar qualidade de vida de crianças com paralisia cerebral que podem ter interferido nos resultados. O CPQol-Child é um instrumento específico para avaliar QV de crianças com PC e tem como objetivo compreender como o a criança se sente sobre aspectos da sua vida em relação a diferentes domínios, enquanto o Kidscreen-10 é um instrumento genérico sobre QV em saúde de crianças de fácil aplicação, porém tem apenas um escore resumido. A avaliação de QV relacionada à saúde por meio de um único valor pode perder informações relativas a alguns aspectos físicos e psicossociais.2929 Ravens-Sieberer U, Erhart M, Rajmil L, Herdman M, Auquier P, Bruil J, et al. Reliability, construct and criterion validity of the KIDSCREEN-10 score: a short measure for children and adolescents' well-being and health-related quality of life. Qual Life Res. 2010;19:1487-500.

O estudo apresentou limitações, principalmente em relação à falta de dados complementares sobre as características socioeconômicas, a distribuição heterogênea da amostra entre as regiões e a predominância de crianças com nível I e II da GMFCS. Houve uma perda amostral maior em algumas regiões do país, por não atenderem aos critérios de inclusão e exclusão no estudo. A predominância de crianças desses níveis ocorreu porque as crianças com PC mais grave muitas vezes apresentam comorbidades associadas, como déficit intelectual e severos problemas de comunicação, que inviabilizaram a participação no estudo. Porém, acredita-se que o questionário possa ser usado com segurança e confiabilidade em qualquer região do país desde que os respondentes atendam aos critérios estabelecidos no manual de uso.

A versão brasileira do CPQol-Child apresentou propriedades psicométricas adequadas, é um instrumento confiável, compreensível e de fácil aplicação para avaliar a qualidade de vida de crianças brasileiras com paralisia cerebral por meio de autorrelato.

O acesso ao questionário pode ser feito por meio de registro no site http://www.cpqol.org.au/questionnaires_manuals.html.

Agradecimentos

A Elizabeth Waters e sua equipe pela autorização para tradução do instrumento. Ao CNPq pelo apoio financeiro.

Apêndice A. Material adicional

Pode consultar o material adicional para este artigo na sua versão eletrónica disponível em doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.jpedp.2015.12.005.

References

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  • Como citar este artigo: Braccialli LM, Almeida VS, Sankako AN, Silva MZ, Braccialli AC, Carvalho SM, et al. Translation and validation of the Brazilian version of the Cerebral Palsy Quality of Life Questionnaire for Children - child report. J Pediatr (Rio J). 2016;92:143-8.
  • Financiamento
    Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2016

Histórico

  • Recebido
    3 Nov 2014
  • Aceito
    27 Maio 2015
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