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Lactato no líquido cefalorraquidiano: um marcador diferencial para meningite bacteriana e meningite viral em crianças Como citar este artigo: Nazir M, Wani WA, Malik MA, Mir MR, Ashraf Y, Kawoosa K, et al. Cerebrospinal fluid lactate: a differential biomarker for bacterial and viral meningitis in children. J Pediatr (Rio J). 2018;94:88-92.

Resumo

Objetivo:

Estudar o desempenho do lactato no líquido cefalorraquidiano como biomarcador para diferenciar a meningite bacteriana da meningite viral em crianças, e definir uma concentração de lactato ótima no líquido cefalorraquidiano que possa ser significativa para a diferenciação.

Métodos:

Foram estudadas crianças com achados clínicos compatíveis com meningite. O nível de lactato no líquido cefalorraquidiano e outros parâmetros convencionais do líquido cefalorraquidiano foram registrados.

Resultados:

Em um valor de corte de 3 mmol/L, o lactato no líquido cefalorraquidiano apresentou uma sensibilidade de 0,90, especificidade de 1,0, valor preditivo positivo de 1,0, valor preditivo negativo de 0,963, com uma precisão de 0,972. Os índices de probabilidade positivo e negativo foram 23,6 e 0,1, respectivamente. Para comparação entre a meningite bacteriana e viral, a área abaixo da curva do lactato no líquido cefalorraquidiano foi 0,979.

Conclusões:

Concluímos que o lactato no líquido cefalorraquidiano possui alta sensibilidade e especificidade na diferenciação da meningite bacteriana da meningite viral. Embora em um valor de corte de 3 mmol/L o lactato no líquido cefalorraquidiano possua alta precisão de diagnóstico da meningite bacteriana, os níveis médios na meningite viral permanecem basicamente abaixo de 2 mmol/L.

Palavras-chave
Cultura de LCR; Meningite pneumocócica; Marcadores de LCR

Abstract

Objective:

To assess the performance of cerebrospinal fluid (CSF) lactate as a biomarker to differentiate bacterial meningitis from viral meningitis in children, and to define an optimal CSF lactate concentration that can be called significant for the differentiation.

Methods:

Children with clinical findings compatible with meningitis were studied. CSF lactate and other conventional CSF parameters were recorded.

Results:

At a cut-off value of 3 mmol/L, CSF lactate had a sensitivity of 0.90, specificity of 1.0, positive predictive value of 1.0, and negative predictive value of 0.963, with an accuracy of 0.972. The positive and negative likelihood ratios were 23.6 and 0.1, respectively. When comparing between bacterial and viral meningitis, the area under the curve for CSF lactate was 0.979.

Conclusions:

The authors concluded that CSF lactate has high sensitivity and specificity in differentiating bacterial from viral meningitis. While at a cut-off value of 3 mmol/L, CSF lactate has high diagnostic accuracy for bacterial meningitis, mean levels in viral meningitis remain essentially below 2 mmol/L.

KEYWORDS
CSF culture; Pneumococcal meningitis; CSF markers

Introdução

Casos de meningite bacteriana (MB) aguda exigem diagnóstico e tratamento imediatos devido a taxas de mortalidade significativas.11 Bamberger DM. Diagnosis, initial management, and prevention of meningitis. Am Fam Physician. 2010;82:1491-8.,22 Erdem H, Elaldi N, Öztoprak N, Sengoz G, Ak O, Kaya S, et al. Mortality indicators in pneumococcal meningitis: therapeutic implications. Int J Infect Dis. 2014;19:13-9. O atraso no início de uma terapia adequada poderá piorar o prognóstico.11 Bamberger DM. Diagnosis, initial management, and prevention of meningitis. Am Fam Physician. 2010;82:1491-8. Embora a meningite bacteriana cause morbidez significativa e mortalidade apesar de avanços na terapia antibiótica, a meningite asséptica (MA) é basicamente uma condição benigna que exige apenas cuidado de apoio.33 Thigpen MC, Whitney CG, Messonnier NE, Zell ER, Lynfield R, Hadler JL, et al. Bacterial meningitis in the United States, 1998-2007. N Engl J Med. 2011;364:2016-25. Assim, a rápida diferenciação entre as meningites bacteriana e asséptica é importante para permitir o início precoce da terapia adequada. Apesar da disponibilidade de vacinas contra os organismos prevalentes, a MB continua a ser um problema de saúde com sequelas de longo prazo em crianças e adultos, especialmente em países com poucos recursos.44 Namani S, Milenković Z, Koci B. A prospective study of risk factors for neurological complications in childhood bacterial meningitis. J Pediatr (Rio J). 2013;89:256-62.,55 Scarborough M, Thwaites GE. The diagnosis and management of acute bacterial meningitis in resource-poor settings. Lancet Neurol. 2008;7:637-48.

Embora a cultura continue a ser o padrão de base para o diagnóstico, os resultados demoram muitos dias.66 Jansen GJ, Mooibroek M, Idema J, Harmsen HJ, Welling GW, Degener JE. Rapid identification of bacteria in blood cultures by using fluorescently labeled oligonucleotide probes. J Clin Microbiol. 2000;38:814-7. O diagnóstico rápido é feito por meio da avaliação de marcadores convencionais no LCR: contagem de leucócitos, açúcar, proteína e coloração de gram.77 Seehusen DA, Reeves MM, Fomin DA. Cerebrospinal fluid analysis. Am Fam Physician. 2003;68:1103-8. Contudo, a meningite às vezes apresenta-se com manifestações atípicas no LCR e as culturas poderão nem sempre ser positivas ou estar disponíveis para o diagnóstico precoce.88 Durand ML, Calderwood SB, Weber DJ, Miller SI, Southwick FS, Caviness VS, et al. Acute bacterial meningitis in adults. A review of 493 episodes. N Engl J Med. 1993;328:21-8. Nos últimos anos, foi proposto que o lactato no LCR poderá ser um bom marcador que pode diferenciar a meningite bacteriana da meningite parcialmente tratada e da meningite asséptica.99 Cunha BA. Distinguishing bacterial from viral meningitis: the critical importance of the CSF lactic acid levels. Intensive Care Med. 2006;32:1272-3. Entretanto, outros pesquisadores têm sugerido que o lactato no LCR não oferece informações adicionais clinicamente úteis em relação aos marcadores convencionais no LCR.1010 Gastrin B, Briem H, Rombo L. Rapid diagnosis of meningitis with use of selected clinical data and gas-liquid chromatographic determination of lactate concentration in cerebrospinal fluid. J Infect Dis. 1979;139:529-33.,1111 Ruuskanen O, Stahlberg ML, Korvenranta H, Nikoskelainen J, Irjala K. CSF lactate in bacterial meningitis with minimal CSF abnormalities. Acta Paediatr Scand. 1985;74:292-3. A precisão do diagnóstico relatado de lactato no LCR para o diagnóstico diferenciado de MB e MA tem variado em todos os estudos.1010 Gastrin B, Briem H, Rombo L. Rapid diagnosis of meningitis with use of selected clinical data and gas-liquid chromatographic determination of lactate concentration in cerebrospinal fluid. J Infect Dis. 1979;139:529-33.,1111 Ruuskanen O, Stahlberg ML, Korvenranta H, Nikoskelainen J, Irjala K. CSF lactate in bacterial meningitis with minimal CSF abnormalities. Acta Paediatr Scand. 1985;74:292-3. Este estudo prospectivo foi feito para avaliar o nível de lactato no LCR, como um biomarcador para diferenciar a MB da MV (meningite viral) em crianças e definir uma concentração de lactato ótima no LCR que possa ser significativa para a diferenciação.

Métodos

Fizemos um estudo prospectivo que incluiu crianças com meningite entre um mês e 15 anos, atendidas no departamento de emergência do hospital SKIMS (Sher-I-Kashmir Institute of Medical Sciences), Kashmir, por aproximadamente dois anos (janeiro de 2014 a dezembro de 2015). Incluímos crianças que tiveram achados clínicos compatíveis com meningite (por exemplo, febre, dores de cabeça, vômito, rigidez na nuca, consciência reduzida). Amostras de sangue foram colhidas e uma punção lombar foi feita após a avaliação clínica inicial. Foram feitos exames bioquímicos e citológicos de amostras do LCR, inclusive contagem de leucócitos, contagem de neutrófilos, nível de glicose, concentração de proteína e lactato. Foi feita cultura de LCR para meningite bacteriana; reação em cadeia da polimerase (PCR) do LCR para o vírus do herpes simples e sorologia para meningite viral. Em amostras de sangue coletadas na mesma época, fez-se contagem de leucócitos séricos, glicose sérica e hemocultura. Excluímos crianças com quaisquer das seguintes características: gravemente doente, intervenção neurocirúrgica recente, trauma, qualquer foco de infecção não relacionado à meningite e crianças que haviam tomado antibióticos antes da internação.

As definições de caso de meningite estão dispostas no fluxograma representado abaixo (fig. 1). Na ausência de etiologia viral comprovada, a meningite foi considerada viral nos casos em que a cura foi obtida sem qualquer tratamento com antibiótico, além da terapia antiviral.

Figura 1
Fluxograma para diagnóstico de meningite em crianças.

Os seguintes dados foram registrados em relação aos pacientes estudados: dados demográficos (idade, sexo, peso), número total de pacientes internados, número de crianças excluídas e razões, histórico de saúde, achados clínicos e resultados dos testes feitos. O estudo foi aprovado pelo comitê de ética do hospital. O consentimento informado por escrito foi obtido de todos os pais/responsáveis.

Os programas usados para análise estatística foram o SPSS (SPSS estatística para Windows, Versão 20.0. NY, EUA) e o XLSTAT 2016 (Microsoft® Excel/XLSTAT© 2016, Addinsoft, Inc., Brooklyn, NY, EUA). Os resultados foram expressos como a média (IC de 95%). Os valores médios foram comparados com o teste não paramétrico de Mann-Whitney e o limite de relevância estatística foi estabelecido em p < 0,05. A eficiência do diagnóstico de lactato diferente no LCR foi expressa como sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo e valor preditivo negativo. O poder discriminativo dos diversos parâmetros estudados foi determinado por meio de curvas de característica de operação do receptor (ROC).1212 McNeil BJ, Hanley JA. Statistical approaches to the analysis of receiver operating characteristic (ROC) curves. Med Decis Mak. 1984;4:137-50.

Resultados

Durante o período do estudo, 378 pacientes foram elegíveis para uma punção lombar. A MB foi diagnosticada em 60 (15,8%) e 156 (41,3%) atenderam aos critérios de meningite viral. Os 162 (42,8%) que não se encaixaram em qualquer dos grupos foram excluídos, descartou-se a possibilidade de meningite. Ambos os grupos foram comparáveis em termos de características básicas (tabela 1). A cultura de LCR foi positiva em 19 (31,7%) pacientes e a hemocultura apresentou resultados positivos em nove (15%). As seguintes bactérias foram identificadas em culturas de LCR: Streptococcus pneumoniae (12), Haemophilus influenza (uma), Klebsiella pneumonia (quatro), E. coli (dois). As bactérias identificadas na hemocultura foram Streptococcus pneumoniae (cinco), Klebsiella pneumonia (três), E. coli (uma). A coloração de gram foi positiva em 16 (26,7%) pacientes com MB. Entre os 156 pacientes com MV, a meningite por herpes foi identificada em seis por meio de PCR. Os níveis de LCR de diferentes parâmetros estão resumidos na tabela 1. A figura 2 apresenta a eficiência do diagnóstico de lactato no LCR e a figura 3 apresenta a comparação em diagrama de caixa do lactato no LCR nas meningites bacteriana e viral. Em um valor de corte de 3 mmol/L, o lactato no LCR apresentou uma sensibilidade de 0,90, especificidade de 1,0, valor preditivo positivo de 1,0, valor preditivo negativo de 0,963, com uma precisão de 0,972. Para comparação entre a MB e a MV, a área abaixo da curva (AUC) do lactato no LCR foi 0,979. A média do lactato no LCR (IC de 95%) em pacientes com sangue positivo e negativo e/ou cultura de LCR foi de 6,22 (5,05-7,39) e 5,84 (4,90-6,79) mmol/L, respectivamente (p = 0,24). Não houve diferença estatisticamente significativa nas concentrações de lactato no LCR entre pacientes com meningite bacteriana gram-positiva e gram-negativa [6,91 (5,22-8,61) em comparação com 5,05 (3,65-6,45) mmol/L] (p = 0,116).

Tabela 1
Características demográficas, clínicas e do LCR dos pacientes
Figura 2
Eficácia do diagnóstico de lactato no LCR.FN, falso negativo; FP, falso positivo; TN, verdadeiro negativo; TP, verdadeiro positivo.
Figura 3
Comparação em diagrama de caixa do lactato no LCR em MB e MV.MB, meningite bacteriana, MV, meningite viral.

Discussão

Os resultados neurológicos da meningite bacteriana normalmente são pobres, o que ressalta a importância do diagnóstico e do tratamento precoces.1313 Peltola H, Roine I. Improving the outcomes in children with bacterial meningitis. Curr Opin Infect Dis. 2009;22:250-5. Felizmente, a meningite bacteriana é menos comum do que a meningite asséptica, em uma série de 3295 crianças com pleocitose, apenas 4% apresentaram meningite bacteriana.1414 Nigrovic LE, Kuppermann N, Macias CG, Cannavino CR, Moro-Sutherland DM, Schremmer RD, et al. Clinical prediction rule for identifying children with cerebrospinal fluid pleocytosis at very low risk of bacterial meningitis. JAMA. 2007;297:52-60. A incidência de MB em nosso estudo foi de 15,8%. A idade média dos pacientes do grupo com MB era significativamente menor do que a do grupo com MV. Em outras palavras, a MB em nosso estudo foi mais prevalente em faixas etárias mais baixas. Essa observação foi de acordo com o estudo de vigilância feito em Louisville, Kentucky,1515 Haddy RI, Perry K, Chacko CE, Helton WB, Bowling MG, Looney SW, et al. Comparison of incidence of invasive Streptococcus pneumoniae disease among children before and after introduction of conjugated pneumococcal vaccine. Pediatr Infect Dis J. 2005;24:320-3. que concluiu que os mais afetados com a MB pneumocócica são os indivíduos com menos de dois anos, que também foram o organismo etiológico mais comum em nosso estudo.

Rigidez na nuca, febre e estado mental alterado estão entre os sinais e sintomas mais comumente relatados em adultos com meningite bacteriana,88 Durand ML, Calderwood SB, Weber DJ, Miller SI, Southwick FS, Caviness VS, et al. Acute bacterial meningitis in adults. A review of 493 episodes. N Engl J Med. 1993;328:21-8. apesar de um ou mais desses sinais e sintomas normalmente não se apresentarem.1616 Thomas KE, Hasbun R, Jekel J, Quagliarello VJ. The diagnostic accuracy of Kernig's sign, Brudzinski's sign, and nuchal rigidity in adults with suspected meningitis. Clin Infect Dis. 2002;35:46-52.,1717 Aronin SI, Peduzzi P, Quagliarello VJ. Community-acquired bacterial meningitis: risk stratification for adverse clinical outcome and effect of antibiotic timing. Ann Intern Med. 1998;129:862-9. A febre (90%) foi relatada como o sintoma mais comum, seguida de vômito (43,3%) e alterações no estado mental (30%). A rigidez na nuca (20%) e o sinal de Brudzinski (20%) foram os sinais mais comuns apresentados. Observamos, no geral, a tríade clássica presente apenas em 20% dos pacientes com meningite bacteriana. Van de Beek et al., em uma série, relataram que todas as três características estavam presentes em apenas 44% de 696 adultos com meningite bacteriana comprovada,1818 van de Beek D, de Gans J, Spanjaard L, Weisfelt M, Reitsma JB, Vermeulen M. Clinical features and prognostic factors in adults with bacterial meningitis. N Engl J Med. 2004;351:1849-59. porém a ausência de todas as três excluiu o diagnóstico, com uma sensibilidade de 99%. Berkley et al. observaram que 50-90% dos pacientes com meningite bacteriana relataram rigidez no pescoço.1919 Berkley JA, Versteeg AC, Mwangi I, Lowe BS, Newton CR. Indicators of acute bacterial meningitis in children at a rural Kenyan district hospital. Pediatrics. 2004;114:e713-9. Thomas et al. ainda concluíram que o valor diagnóstico pobre de rigidez no pescoço não melhora com os sinais de Kernig ou Burdzinski porque nenhum deles tem uma sensibilidade de mais de 10%.1616 Thomas KE, Hasbun R, Jekel J, Quagliarello VJ. The diagnostic accuracy of Kernig's sign, Brudzinski's sign, and nuchal rigidity in adults with suspected meningitis. Clin Infect Dis. 2002;35:46-52.

Nossos resultados mostraram que, no geral, o histórico clínico e o exame têm uma baixa precisão de diagnóstico quando usados individualmente. Essa observação estava de acordo com os achados de estudos anteriores em crianças e adultos.2020 Waghdhare S, Kalantri A, Joshi R, Kalantri S. Accuracy of physical signs for detecting meningitis: a hospital-based diagnostic accuracy study. Clin Neurol Neurosurg. 2010;112:752-7.,2121 Sakushima K, Hayashino Y, Kawaguchi T, Jackson JL, Fukuhara S. Diagnostic accuracy of cerebrospinal fluid lactate for differentiating bacterial meningitis from aseptic meningitis: a meta-analysis. J Infect. 2011;62:255-62. Dessa forma, o ônus do diagnóstico final reside no exame do LCR e no isolamento bacteriano por meio de culturas, em um caso clinicamente compatível. Nigrovic et al. relataram que a avaliação combinada do histórico, a microscopia do LCR e a bioquímica do LCR apresentaram uma sensibilidade de 100% e uma especificidade de 66% na diferenciação entre MB e MV em crianças.1414 Nigrovic LE, Kuppermann N, Macias CG, Cannavino CR, Moro-Sutherland DM, Schremmer RD, et al. Clinical prediction rule for identifying children with cerebrospinal fluid pleocytosis at very low risk of bacterial meningitis. JAMA. 2007;297:52-60. Contudo, a manifestação atípica do exame do LCR, inclusive cultura negativa e coloração de gram negativa, pode resultar no diagnóstico perdido de meningite bacteriana. Estudos em adultos observaram que suplementar o lactato no LCR para exames de rotina do LCR pode estimar a chance de meningite bacteriana mais satisfatoriamente em um período muito curto.2121 Sakushima K, Hayashino Y, Kawaguchi T, Jackson JL, Fukuhara S. Diagnostic accuracy of cerebrospinal fluid lactate for differentiating bacterial meningitis from aseptic meningitis: a meta-analysis. J Infect. 2011;62:255-62.,2222 Huy NT, Thao NT, Diep DT, Kikuchi M, Zamora J, Hirayama K. Cerebrospinal fluid lactate concentration to distinguish bacterial from aseptic meningitis: a systemic review and meta-analysis. Crit Care. 2010;14:R240.

O mecanismo do aumento na concentração de lactato no LCR de pacientes com meningite não está claro, porém tem sido relacionado à glicólise anaeróbica do tecido do cérebro devido a uma diminuição no fluxo de sangue cerebral e um aumento do oxigênio.2323 Menkes JH. The causes for low spinal fluid sugar in bacterial meningitis: another look. Pediatrics. 1969;44:1-3. Observamos um aumento estatisticamente significativo do lactato no LCR em pacientes com MB em comparação com pacientes com MV. Em um valor de corte de 3 mmol/L, o lactato no LCR apresentou alta sensibilidade, especificidade e precisão para diferenciar a MB da MV. Os valores de corte estudados com relação à concentração do lactato no CSF variam de 2,1 a 4,44 mmol/L, em diferentes estudos feitos com adultos e crianças.2222 Huy NT, Thao NT, Diep DT, Kikuchi M, Zamora J, Hirayama K. Cerebrospinal fluid lactate concentration to distinguish bacterial from aseptic meningitis: a systemic review and meta-analysis. Crit Care. 2010;14:R240.,2424 Mekitarian Filho E, Horita SM, Gilio AE, Nigrovic LE. Cerebrospinal fluid lactate level as a diagnostic biomarker for bacterial meningitis in children. Int J Emerg Med. 2014;7:14. Embora a epidemiologia da meningite bacteriana difira de acordo com a idade,2525 Wenger JD, Hightower AW, Facklam RR, Gaventa S, Broome CV. Bacterial meningitis in the United States, 1986: report of a multistate surveillance study. The Bacterial Meningitis Study Group. J Infect Dis. 1990;162:1316-23. estudos têm demonstrado que o valor diagnóstico do lactato no LCR é semelhante em crianças e adultos.2121 Sakushima K, Hayashino Y, Kawaguchi T, Jackson JL, Fukuhara S. Diagnostic accuracy of cerebrospinal fluid lactate for differentiating bacterial meningitis from aseptic meningitis: a meta-analysis. J Infect. 2011;62:255-62. Huy et al., em uma análise sistemática sobre a avaliação da concentração do lactato no líquido cefalorraquidiano para distinguir a meningite bacteriana da asséptica, relataram uma sensibilidade que varia de 0,86 a 1,00 (média, 0,96; intervalo de confiança [IC] de 95%, 0,95 a 0,98) e uma especificidade que variou amplamente de 0,43 a 1,00 (média, 0,94; IC de 95%, 0,93 a 0,96). A média do índice de probabilidade positivo (LR+) foi calculada em 14,53 (IC de 95%, 8,07 a 26,19) e o índice de probabilidade negativo (LR-) em 0,07 (IC de 95%, 0,05 a 0,09).2222 Huy NT, Thao NT, Diep DT, Kikuchi M, Zamora J, Hirayama K. Cerebrospinal fluid lactate concentration to distinguish bacterial from aseptic meningitis: a systemic review and meta-analysis. Crit Care. 2010;14:R240.

Observamos que a AUC da concentração de lactato no LCR foi 0,979, indicou um nível de precisão geral excelente.2626 Akobeng AK. Understanding diagnostic tests 3: receiver operating characteristic curves. Acta Paediatr. 2007;96:644-7. Essa observação estava de acordo com a literatura anterior, com AUCs que variam de 0,977 a 0,988.2222 Huy NT, Thao NT, Diep DT, Kikuchi M, Zamora J, Hirayama K. Cerebrospinal fluid lactate concentration to distinguish bacterial from aseptic meningitis: a systemic review and meta-analysis. Crit Care. 2010;14:R240.,2727 Kleine TO, Zwerenz P, Zofel P, Shiratori K. New and old diagnostic markers of meningitis in cerebrospinal fluid (CSF). Brain Res Bull. 2003;61:287-97. Os índices de probabilidade positivos e negativos foram 23,6 e 0,1, respectivamente. Sakushima et al., em sua análise sistemática, observaram que o lactato no LCR apresentou índice de probabilidade positivo (LR+) de 22,9 (IC de 95%: 12,6-41,9), índice de probabilidade negativo (LR-) de 0,07 (IC de 95%: 0,05-0,12) e razões de chance de diagnóstico de 313 (IC de 95%: 141-698). Eles concluíram que o índice de probabilidade negativo muito baixo significa que a falta de lactato no LCR é um fator particularmente bom para descartar a meningite bacteriana.2121 Sakushima K, Hayashino Y, Kawaguchi T, Jackson JL, Fukuhara S. Diagnostic accuracy of cerebrospinal fluid lactate for differentiating bacterial meningitis from aseptic meningitis: a meta-analysis. J Infect. 2011;62:255-62.

Em nosso estudo, não houve diferença significativa no lactato no LCR em pacientes com MB gram-positiva ou gram-negativa. Como a concentração de lactato no LCR não é específica para a MB nem para qualquer bactéria específica em pacientes com MB, os resultados sempre devem ser interpretados em linha com achados clínicos e resultados de ensaios convencionais, inclusive concentrações de proteína, células, glicose no LCR e um exame microbiológico do LCR.2828 Posner JB, Plum F. Independence of blood and cerebrospinal fluid lactate. Arch Neurol. 1967;16:492-6. Além disso, o lactato no LCR não pode ser usado para fazer a escolha da seleção de antibióticos, que deve ter como base os resultados do exame de esfregaço microscópio e/ou da cultura de bactérias.

Nosso estudo apresentou várias limitações. Apenas uma única medição do lactato foi feita na internação hospitalar, não foram feitas avaliações repetidas para monitorar o tratamento e a resposta. Além disso, não foram feitas comparações diretas com marcadores séricos convencionais nem com algum biomarcador do LCR (como a proteína C reativa [PCR]).

Concluímos que o lactato no LCR tem alta sensibilidade e especificidade para diferenciar a MB da MV. Embora em um valor de corte de 3 mmol/L o lactato no LCR tenha alta precisão de diagnóstico da MB, os níveis médios na MV permanecem basicamente abaixo de 2 mmol/L. Pesquisas adicionais que incluíram estudos de custo-benefício devem ser feitas para investigar a eficácia do lactato no LCR como um marcador de diagnóstico da MB e para avaliar o impacto econômico de usar essa técnica como um ensaio de rotina no hospital para distinguir a MB da MV.

  • Como citar este artigo: Nazir M, Wani WA, Malik MA, Mir MR, Ashraf Y, Kawoosa K, et al. Cerebrospinal fluid lactate: a differential biomarker for bacterial and viral meningitis in children. J Pediatr (Rio J). 2018;94:88-92.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2018

Histórico

  • Recebido
    4 Dez 2016
  • Aceito
    24 Fev 2017
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