INTRODUÇÃO
Na região Neotropical, os morcegos representam 39% das espécies de mamíferos (Emmons & Feer, 1997). Apesar de no Brasil já terem sido registradas 174 espécies de morcegos (Paglia et al., 2012), certamente sua riqueza ainda não está totalmente conhecida e estudos faunísticos ainda são necessários, até mesmo em São Paulo, estado mais estudado. A região de Itirapina é uma das regiões paulistas onde o conhecimento da quiropterofauna ainda é incipiente. Poucos estudos foram desenvolvidos nessa região, existem dois trabalhos com a espécie hematófaga Desmodus rotundus em cavernas (Campanhã & Fowler, 1993, 1995), outro estudo com a espécie carnívora Chrotopterus auritus (Uieda et al., 2007) e um estudo mais recente sobre frugivoria de morcegos em Cecropia pachystachya (Sato et al., 2008).
A família Phyllostomidae apresenta uma grande diversidade de espécies, que pode ser percebida na variedade de hábitos alimentares (Gardner, 1977), de abrigos diurnos e modos de vôo (Wilson et al., 1996; Peters et al., 2006). Duas subfamílias de Phyllostomidae (Stenodermatinae e Desmodontinae) são conhecidas por se adaptarem a áreas amplamente modificadas (Fenton et al., 1992; Cosson et al., 1999; Gorrensen & Willig, 2004; Clarke et al., 2005). Por outro lado, a subfamília Phyllostominae costuma ser associada a áreas mais conservadas (Fenton et al., 1992; Gorrensen & Willig, 2004; Clarke et al. 2005)
Estudos ecológicos, como o de (Brosset et al. 1996) na Guiana Francesa e o de Schulze et al. (2000) na Guatemala, revelaram que os morcegos neotropicais vêm respondendo à perda de habitats, com a diminuição no número de espécies e no tamanho de suas populações. Comunidades de morcegos de áreas com florestas pouco alteradas ou sem nenhuma perturbação apresentaram diversidade de espécies de morcegos maior do que em áreas alteradas ou descaracterizadas (Cosson et al., 1999; Fenton et al., 1992; Medellin et al., 2000; Gorrensen & Willig, 2004).
O objetivo do presente trabalho foi estudar a estrutura de uma comunidade de morcegos no interior do Estado de São Paulo, conhecer a prevalência do vírus rábico em morcegos e verificar se os mesmos poderiam ser utilizados como indicadores de conservação ambiental da Estação Experimental de Itirapina. São apresentados também dados complementares sobre reprodução, alimentação e abrigos diurnos sobre algumas espécies.
MATERIAL E MÉTODOS
A Estação Experimental de Itirapina (EEI) (22°14'47"S, 47°49'34"W), administrada pelo Instituto Florestal do Estado de São Paulo, está localizada no município de Itirapina, região central do Estado de São Paulo, sudeste do Brasil. A Estação possui uma extensa área coberta por Eucalyptus spp. e por Pinus spp. O restante da área é composto de vegetação nativa típica de cerrado, além de espécies exóticas e nativas, onde há espécies frutíferas que podem ser utilizadas por morcegos e outros animais, como Cecropia pachystachya (Urticaceae), Solanum spp. (Solanaceae), Piper spp. (Piperaceae), Ficus guaranitica (Moraceae), Psidium guajava (Myrtaceae), Eryobotrya japonica (Rosaceae), Mangifera indica (Anacardiaceae) e Terminalia cattapa (Combretaceae). São encontrados ainda indivíduos de Pseudobombax grandiflorum (Malvaceae), Bauhinia sp. (Fabaceae) e Lafoensia glyptocarpa (Lythraceae) e agrupamentos de Musa sp. (Musaceae). A classificação das plantas foi feita de acordo com (Souza & Lorenzi 2005). Na parte central da EEI existe uma represa formada pelo barramento do Córrego Tibiriçá, afluente do Córrego da Água Branca, que por sua vez, é afluente do Ribeirão Itaqueri, que deságua na Represa do Lobo.
A área de estudo se situa na Bacia hidrográfica do Ribeirão do Lobo. Segundo (Nimer 1989), a região é caracterizada por duas estações bem definidas, sendo outubro a março os meses marcados por alto índice de pluviosidade e abril a setembro os meses com menores índices de pluviosidade.
O trabalho de campo foi desenvolvido em duas fases: bimestralmente, no período de julho de 2001 a julho de 2003 e mensalmente, no período de agosto de 2005 a julho de 2006, com uma a cinco noites consecutivas de trabalho noturno por fase. O trabalho de campo foi realizado preferencialmente nas fases de lua nova ou em quarto minguante, quando há maior atividade noturna de diversas espécies de morcegos no período mais escuro da noite (Morrison, 1980; Uieda, 1992). Foram realizadas 58 sessões noturnas de capturas de morcegos (31 noites na estação seca e 27 na estação chuvosa), que habitualmente iniciavam ao entardecer (18:00 h) e eram finalizadas de cinco a sete horas depois. Para as capturas, foram utilizadas de quatro a doze redes de espera de 6, 7 e 11 m de comprimento, dispostas entre 0,3 e 2 m de altura. As redes foram dispostas transversalmente em trilhas, interceptando possíveis rotas de vôo dos morcegos, ou próximas a plantas com frutos ou com flores e foram vistoriadas em intervalos de 20 a 30 minutos. Os morcegos retirados das redes foram acomodados vivos em sacos de algodão numerados. Durante a sessão de captura, cada morcego foi examinado para a coleta de dados biológicos e morfométricos. A massa corporal foi obtida com auxílio de um dinamômetro e seu estágio de desenvolvimento (jovem ou adulto) foi determinado pela presença ou não de cartilagem nas junções metacarpo-falange dos ossos dos dedos das asas (Anthony, 1988). Fêmeas grávidas foram diagnosticadas através da apalpação do abdômen (Racey, 1988). O estado reprodutivo dos machos adultos foi indicado pela posição dos testículos na cavidade abdominal (sexualmente inativos) ou na bolsa escrotal evidente externamente (sexualmente ativos) (Kunz et al., 1983). O comprimento do antebraço foi medido com auxílio de paquímetro. Alguns indivíduos foram coletados, fixados em formol 10%, preservados em álcool 70% e depositados como espécimes-testemunho na Coleção Científica do Departamento de Zoologia, Universidade Estadual Paulista, campus de Botucatu e na Coleção Mastozoológica do Departamento de Zoologia da Universidade Federal do Paraná (DZUP).
Na Estação Experimental de Itirapina foram localizados cinco abrigos diurnos de morcegos: a) interior de um rancho abandonado (Uieda et al., 2007) perto da rodovia que corta a EEI; b) o forro de uma casa vizinha à EEI; c) uma fenda horizontal existente na plataforma de pesca na represa da própria EEI; d) telhado sem forro da casa de ferramentas; e) telhado sem forro da varanda de uma casa da EEI. Nos cinco abrigos, houve captura de morcegos com rede entomológica, rede de espera e pinça.
Para determinar se o esforço de amostragem despendido para a coleta de dados foi suficiente para se inventariar a maioria das espécies de morcegos da EEI, os dados foram plotados em uma curva de acumulação de espécies (Soberón & Llorente, 1993).
Parte dos exemplares das espécies mais comuns, capturada com mais freqüência, foi enviada para exame laboratorial de raiva, realizada pelos processos habituais de Imunofluorescência Direta e Prova Biológica em camundongos. Para isso, os morcegos foram coletados, congelados e encaminhados ao Laboratório de Diagnóstico de Raiva do Departamento de Higiene Veterinária e Saúde Pública da UNESP, campus de Botucatu.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Riqueza e curva de acumulação de espécies
Foram encontradas 16 espécies de morcegos na EEI (Tabela 1), num total de 720 morcegos. Dessas 16 espécies, 13 pertencem à Família Phyllostomidae, duas à Vespertilionidae e uma à Molossidae. Essa riqueza representa 9,2% das espécies brasileiras de morcegos (N = 174) (Paglia et al., 2012). A curva de acumulação de espécies atingiu uma estabilização com o esforço total de capturas (Fig. 1).
Tabela 1 Táxon, abundância absoluta e relativa de morcegos capturados na Estação Experimental de Itirapina, Itirapina, estado de São Paulo, nos períodos de agosto de 2001 a agosto de 2003 (Fase 1) e agosto de 2005 a julho de 2006 (Fase 2). Os dados estão separados por estações Seca (de abril a setembro) e Chuvosa (de outubro a março).


Figura 1 Curva de acumulação de espécies calculada para a comunidade de morcegos da Estação Experimental de Itirapina nos períodos de agosto de 2001 a agosto de 2003 e de agosto de 2005 a julho de 2006.
Artibeus lituratus apresentou o maior número de indivíduos capturados (32%) (Tabela 1) e todas as espécies frugívoras juntas representaram 68,4% do total (A. lituratus, Carollia perspicillata, Sturnira lilium, Platyrrhinus lineatus, Pygoderma bilabiatum, Vampyressa pusilla, Chiroderma villosum e Uroderma bilobatum). Além disso, foram encontradas duas espécies nectarívoras (Glossophaga soricina e Anoura caudifer) (21,4%), três insetívoras (Molossus rufus, Myotis nigricans e Eptesicus brasiliensis) (8,9%), uma onívora (Phyllostomus discolor) (0,5%), uma carnívora (Chrotopterus auritus) (0,1%) e uma hematófaga (Desmodus rotundus) (0,4%).
A amostragem de morcegos parece ter sido suficiente para conhecer a comunidade de quirópteros da EEI. Na curva de acumulação de espécies observa-se uma estabilização já na 13ª noite (Fig. 1). Na Fig. 1, nota-se o aparecimento de poucas espécies ocasionais à medida que se aumentou o esforço de captura. Essas espécies foram representadas por V. pusilla, P. bilabiatum, U. bilobatum e C. villosum. (Bergallo et al. 2003) sugeriram que a captura de 1.000 exemplares seria o número mínimo necessário para se alcançar uma verdadeira riqueza de espécies de uma determinada área. No presente estudo, a estabilização da curva foi alcançada com 720 indivíduos e a possibilidade de novas ocorrências de espécies, mantendo-se a mesma metodologia de coleta, parece ser pequena.
Estudos em que são realizados inventários de espécies de morcegos na região neotropical tendem a amostrar indivíduos da família Phyllostomidae em maior quantidade, como pode-se observar em estudos realizados na Costa Rica (Fleming et al., 1972), no México (Estrada & Coates-Estrada, 2002), no Peru (Ascorra et al., 1993) e no Brasil, nos Estados de Santa Catarina (Sipinski & Reis, 1995) e Paraná (Muller & Reis, 1992; Arnone & Passos, 2007). A baixa representatividade das outras famílias (como Vespertilionidae e Molossidae) pode estar relacionada com a metodologia utilizada. Os filostomídeos costumam ser os morcegos mais freqüentes em inventários baseados no uso de redes-de-neblina como única (ou principal) metodologia utilizada (Ascorra et al., 1993), uma vez que essas redes são dispostas transversalmente e entre 0,5 e 2 m de altura, nas trilhas que servem de rotas de vôo dos morcegos dessa família.
As espécies mais comuns da EEI, como A. lituratus, C. perspicillata, G. soricina, A. caudifer, P. lineatus e M. nigricans, foram também as mais frequentes ao longo do ano (Tabela 2) e podem ser consideradas como espécies residentes da Estação. Nossos dados mostram que S. lilium era uma espécie rara (2,5% das capturas) entre 2001 e 2003 e depois uma espécie comum (15,9% das capturas) entre 2005 e 2006. O rápido crescimento de sua população na EEI pode ter sido conseqüência de deslocamentos regionais, um maior esforço de captura e um melhor conhecimento da área por parte dos pesquisadores.
Tabela 2 Ocorrência de morcegos ao longo dos meses do ano na Estação Experimental de Itirapina nos períodos de agosto de 2001 a agosto de 2003 e agosto de 2005 a julho de 2006.

As espécies pouco comuns na EEI, encontradas em alguns meses do ano (Tabela 2), poderiam estar utilizando recursos efêmeros, disponíveis por um curto período de tempo. Na Costa Rica, (Heithaus et al. 1975) mencionaram que a ocorrência e abundância de determinadas espécies de morcegos estariam relacionadas com a disponibilidade de alimento. É possível que a presença de P. discolor e A. caudifer, em Itirapina, esteja relacionada com essa disponibilidade alimentar. A primeira espécie foi capturada apenas nos meses de janeiro, março e abril. Segundo (Sazima & Sazima 1977), P. discolor pode realizar migrações regionais, dependendo das variações na oferta de alimento. Com relação a A. caudifer, a maior taxa de capturas dessa espécie foi entre maio e julho, período de floração de L. glyptocarpa. Nesse mesmo período, um indivíduo de P. grandiflorum também estava em floração e por diversas vezes dois a três indivíduos de A. caudifer foram observados visitando suas flores. De modo geral, as visitas eram solitárias e ocorriam em intervalos de cerca de 30 minutos.
As espécies mais freqüentes da EEI também o foram em outras regiões de sua distribuição geográfica. A espécie mais comum da EEI foi A. lituratus, com aproximadamente o dobro do número de indivíduos da segunda espécie mais capturada. Essa situação já foi registrada em outras localidades brasileiras, como nos municípios de Derrubadas, Maquiné e D. Pedro de Alcântara, no Rio Grande do Sul (Rui & Fabián, 1997), no Parque Municipal Arthur Thomas e no Parque Estadual de Campinhos, Paraná (Félix et al., 2001; Arnone & Passos, 2007), na Estação Ecológica de Caetetus, em São Paulo (Pedro et al., 2001), na área indígenas Kayapo, sul do Pará (Peters et al., 2006) e até mesmo no Paraguai, na Reserva Natural del Bosque Mbaracayú (Gorrensen & Willig, 2004). Artibeus lituratus é muito comum nas cidades (isso foi observado também no município de Itirapina), onde têm causado alguns incômodos ao homem, como as fezes nas paredes e chão das casas (Taddei, 1969; Bredt et al., 1996; Bredt & Uieda, 1996; Uieda et al., 2008). Segundo Reis et al. (2003), A. lituratus é uma espécie indicadora de ambientes alterados. Em seus estudos com pequenos fragmentos de vegetação, tal espécie representou 76% do total de coletas.
De modo geral, S. lilium e C. perspicillata têm sido consideradas como espécies comuns em diversas localidades da região neotropical, como na zona do Canal do Panamá e na região oeste da Costa Rica (Fleming et al., 1972) e no Brasil, na região de Intervales, São Paulo (Portfors et al., 2000; Passos et al., 2003), na Reserva da Serra do Caraça, Minas Gerais (Falcão et al., 2003) e nas Reservas Biológicas Poço das Antas e União, Rio de Janeiro (Mello & Schittini, 2005). A alta freqüência de C. perspicillata em uma dada localidade está frequentemente relacionada à abundância de espécies de Piper spp. (Fleming, 1988), o que parece ser o caso da EEI. A outra espécie frugívora comum (S. lilium) também se alimenta de Piper spp. e o fez com grande freqüência também na EEI.
Comentários sobre as espécies
Artibeus lituratus: Na EEI foram capturados 233 indivíduos de A. lituratus totalizando 32,4% do total. Esses morcegos foram capturados em todos os meses do ano, com maior freqüência na estação chuvosa (67,4%). Suas capturas ocorreram tanto em redes transversais, armadas em suas rotas de vôo, como, e, principalmente, nas que estavam associadas a plantas em frutificação, como C. pachystachya, E. japonica, Piper sp., M. indica, F. guaranitica e T. cattapa. A dieta de A. lituratus em Itirapina foi composta principalmente de C. pachystachya, mas nas fezes também foram encontrados materiais não identificados de outras espécies vegetais, fragmentos de insetos e pólen. O consumo de insetos e pólen já é conhecido na literatura para A. lituratus (Gardner, 1977; Sazima et al., 1994; Uieda et al., 2008). A presença de pólen em suas fezes indica que os indivíduos de Itirapina estavam também visitando plantas em floração.
Fêmeas grávidas de A. lituratus foram encontradas em todos os meses do ano, exceto julho e novembro. Indivíduos jovens foram observados em janeiro, fevereiro, maio, julho, agosto, setembro e outubro. Machos sexualmente ativos foram encontrados em quase todos os meses, com exceção de abril, maio e dezembro. Fleming et al. (1972), em um estudo realizado no Panamá, consideraram que essa espécie apresenta padrão reprodutivo estacionalmente poliestro, com dois períodos reprodutivos definidos estacionalmente ao longo do ano. Na EEI A. lituratus também pode ser definido como poliestro, mas com atividade reprodutiva durante o ano todo. Uma possível explicação pode estar no fato de o primeiro estudo, no Panamá, ter sido realizado em ambientes tropicais conservados, enquanto que este estudo, na EEI, foi realizado em ambiente altamente alterado.
Carollia perspicillata: Essa espécie foi a segunda mais freqüente na amostragem, com 108 indivíduos capturados (15%) em quase todos os meses do ano, com exceção de dezembro (Tabela 2). Seus indivíduos foram capturados principalmente em trilhas onde indivíduos de Piper spp. eram abundantes, mas também foram comuns em todas as outras áreas amostradas da EEI. A estreita relação entre C. perspicillata e espécies de Piper é bem conhecida na literatura especializada (e.g., Fleming et al., 1977; Fleming, 1981; Marinho-Filho, 1991; Passos et al., 2003; Mello et al., 2004a, b; Lima & Reis, 2004). Em áreas onde espécies de Piper são comuns, principalmente em bordas das trilhas, C. perspicillata é habitualmente abundante, como encontrado no Rio de Janeiro por (Peracchi & Albuquerque 1971) e Mello et al. (2004a), em Londrina por (Lima & Reis 2004), na Costa Rica por (Fleming 1981, 1988), no Peru por (Wilson et al. 1996) e no México por (Estrada & Coates-Estrada 2002).
Fêmeas grávidas foram encontradas em janeiro, março, abril, maio, agosto, setembro e outubro. Machos sexualmente ativos foram capturados nos meses de julho, setembro e outubro. Jovens foram encontrados em janeiro, abril, maio, junho, julho, setembro, outubro e novembro. Esses dados sugerem que C. perspicillata da EEI apresenta praticamente um padrão contínuo de reprodução.
Platyrrhinus lineatus: Platyrrhinus lineatus representou 10,4% do total de morcegos capturados. Diversos indivíduos foram coletados em redes dispostas próximas às embaúbas (C. pachystachya) e bananeiras e aparentemente estavam utilizando-as como fonte de alimento e/ou abrigo, respectivamente. Em algumas ocasiões, as folhas das bananeiras foram cuidadosamente examinadas e não foram observados indivíduos desta espécie utilizando-as como abrigo diurno. Na região de Botucatu, indivíduos machos dessa espécie foram observados ocasionalmente utilizando folhas de bananeira como abrigo diurno (W. Uieda, obs. pess.). Não temos observações de suas visitas às flores e aos frutos das bananeiras.
Na EEI, fêmeas grávidas foram encontradas em janeiro, março, maio, setembro e outubro. Por outro lado, machos sexualmente ativos só foram observados em março e junho e indivíduos jovens, em março e maio. No Rio de Janeiro, (Peracchi & Albuquerque 1971) encontraram fêmeas grávidas de P. lineatus apenas nos meses de dezembro, janeiro e março. Na EEI, essa espécie é visivelmente poliestra.
Sturnira lilium: Sturnira lilium representou 10% do total de morcegos capturados na EEI. Essa espécie foi pouco amostrada entre 2001 e 2003, porém, foi muito freqüente nas amostragens entre 2005 e 2006, tornando-se a segunda espécie mais comum nesse período. Segundo (Marinho-Filho 1991), (Estrada & Coates-Estrada 2002) e Passos et al. (2003), S. lilium é pouco exigente em relação ao estado de conservação dos ambientes florestais, uma vez que na maioria das vezes sua presença está associada às espécies de Solanaceae, freqüentemente citadas como plantas dos primeiros estágios de sucessão ecológica.
Na EEI, fêmeas grávidas foram capturadas em fevereiro, setembro, novembro e dezembro, enquanto que os machos sexualmente ativos foram capturados apenas em outubro. Indivíduos jovens foram encontrados em janeiro, fevereiro, maio, junho, agosto, setembro e novembro. Os resultados obtidos no presente estudo concordam com Fleming et al. (1972) que encontraram um padrão estacionalmente poliestro para S. lilium no Panamá.
Uroderma bilobatum: Apenas um indivíduo de U. bilobatum foi amostrado na EEI, uma fêmea grávida, capturada às 22h20min de janeiro de 2002, em uma rede armada próxima às árvores frutíferas. O morcego não apresentava indícios aparentes de ter se alimentado na área. Devido ao tamanho do feto, percebido visualmente pelo tamanho do abdômen e por apalpação, suspeitamos que a sua prenhez encontrava-se em estágio final.
Pygoderma bilabiatum: Uma fêmea jovem de P. bilabiatum foi capturada em maio de 2003 e outra, também jovem, em junho de 2006. Ambos os indivíduos foram capturados em redes que interceptavam as trilhas próximas ao lago da EEI, o primeiro por volta das 22h00min e o segundo por volta das 23h00min. Aparentemente não haviam se alimentado e poderiam estar apenas de passagem pelo local.
Vampyressa pusilla: Apenas duas fêmeas jovens de V. pusilla foram encontradas na EEI e ambas foram capturadas próximas à árvore de F. guaranitica, em duas noites seguidas (25 e 26 de maio de 2006). Ambas capturas ocorreram no início da noite. Esta espécie é considerada como especialista em Ficus (Pedro et al., 1997) e sua raridade na EEI pode estar relacionada com a escassez de suas fontes de alimento, uma vez que poucas figueiras foram encontradas na área. Nas fezes dos indivíduos foram encontradas sementes de F. guaranitica e de Cucurbitaceae não identificada. Cabe salientar que a figueira da EEI não estava em frutificação no período da coleta de V. pusilla. Pode ser que esses indivíduos estivessem verificando a oferta de frutos desta figueira, cuja frutificação ocorreu em setembro. Em Botucatu, a frutificação de F. guaranitica ocorre habitualmente entre os meses de junho a agosto (W. Uieda, não publicado).
Chiroderma villosum: Em fevereiro de 2006, um indivíduo macho adulto de C. villosum foi encontrado morto às 22h40min, emaranhado em rede armada em uma trilha próxima à represa. Ao examinar o morcego, observamos ferimentos no abdômen e no topo da cabeça, que aparentavam ser marcas de dentes causadas por um gato, que aparentemente se afastou do morcego com a nossa aproximação. (Bredt et al. 1996) comentaram que gatos domésticos podem matar morcegos enquanto emaranhados em redes. Nas comunidades ribeirinhas da região amazônica, esse tipo de predação tem ocorrido com frequência onde esses felinos são comuns, dificultando o trabalho de inventário das espécies e de manejo dos morcegos hematófagos (W. Uieda, não publicado).
Glossophaga soricina: Na EEI, G. soricina representou 14,9% do total de morcegos capturados (Tabela 1). Essa espécie parece ser residente da EEI, uma vez que apareceu em nossa amostragem em quase todos os meses do ano, com exceção de março e abril. Em junho, indivíduos de G. soricina foram observados visitando flores de L. glyptocarpa, uma espécie considerada quiropterófila por (Dobat & Peikert-Holle 1985). O néctar dessa planta parece ser uma fonte habitual de alimento para esta espécie. Nas áreas urbanas de Botucatu, esses morcegos foram também freqüentemente observados visitando as flores de L. glyptocarpa (Uieda et al. 2003) entre maio e julho, período de floração dessa planta. Na EEI, G. soricina também se alimentou de frutos, principalmente de C. pachystachya. Dois abrigos diurnos dessa espécie foram encontrados em duas edificações da Estação. Ambas as edificações eram prédios antigos e ainda utilizados como escola e como casa de ferramentas. Seus agrupamentos utilizavam o madeiramento do telhado e se mantinham pendurados pelos pés, habitualmente sem contato corporal entre eles. Diversos indivíduos foram capturados em redes dispostas próximas à um desses abrigos (casa de ferramentas).
Fêmeas grávidas de G. soricina foram capturadas em janeiro, fevereiro, julho, outubro, novembro e dezembro. Machos sexualmente ativos foram encontrados em maio, julho e outubro. Indivíduos jovens estavam presentes praticamente o ano todo. No Panamá, essa espécie foi considerada por Fleming et al. (1972) como estacionalmente poliestra e aparentemente os dados obtidos na EEI corroboram com esses autores.
Anoura caudifer: Grande parte dos indivíduos de A. caudifer foi capturada na estação seca (Tabela 2), coincidindo com o período de floração de L. glyptocarpa e de P. grandiflorum. Na EEI, fêmeas grávidas foram encontradas nos meses de março, junho, setembro e novembro. Machos sexualmente ativos foram capturados em março, julho, outubro e novembro. Indivíduos jovens estiveram presentes em maio, junho, julho, setembro e outubro. Em São Paulo, Taddei (1980) considerou essa espécie como estacionalmente poliestra, mas (Wilson 1979) verificou uma assincronia no seu ciclo reprodutivo. Nossos dados sustentam uma estratégia reprodutiva estacionalmente poliestra para esta espécie na EEI.
Phyllostomus discolor: Apesar dos quatro indivíduos de P. discolor terem sido capturados nas duas estações do ano, as coletas ocorreram em meses consecutivos, março, abril e maio (Tabela 2), indicando que a presença deles em Itirapina ocorreu em apenas um período do ano. Um indivíduo macho encontrado em abril de 2002 e outra fêmea capturada em março de 2003 eram jovens. A fêmea encontrada em maio de 2006 estava lactante.
Desmodus rotundus: Três indivíduos de D. rotundus foram capturados no mesmo local da EEI, na trilha situada entre um fragmento de Cerrado e uma plantação de Eucalyptus sp. Em um rancho abandonado, foi observado em julho de 2001 um cavalo com cicatrizes no pescoço, que indicavam que o animal havia sido sangrado anteriormente por D. rotundus. Nessa ocasião, foi observada uma colônia de D. rotundus com mais de 100 indivíduos em uma caverna de uma fazenda próxima, mas fora da EEI. É possível que os indivíduos capturados tenham vindo dessa colônia e utilizavam a Estação como rota de deslocamento entre seu abrigo diurno e suas fontes de alimentos, em fazendas vizinhas.
Chrotopterus auritus: Foi capturado em julho de 2001 apenas uma fêmea não grávida se abrigando num rancho abandonado da EEI. Nas fezes desse morcego carnívoro foram encontradas sementes de Solanaceae, Piperaceae e Urticaceae, além de pêlos e fragmentos de ossos de roedores e fragmentos de besouros (Uieda et al., 2007). A ingestão de partes vegetais não é uma característica comum dessa espécie, porém, já foi citada por outros autores na literatura (Ruschi, 1953; Medellin, 1989).
Myotis nigricans: Um fato interessante na ocorrência de M. nigricans na EEI é a predominância de indivíduos machos. Segundo Wilson & LaVal (1974), esta espécie forma haréns e agrupamentos de machos subalternos ou solteiros. Um abrigo diurno de M. nigricans foi localizado nos espaços entre o bueiro de concreto e o madeiramento da plataforma de pesca da represa da EEI em 23 de março de 2003. No agrupamento principal foram observados oito morcegos, lado a lado, em estreito contato corporal, e apoiados na superfície de concreto do bueiro. Alguns indivíduos isolados apoiavam seu ventre na superfície de concreto e seu dorso, voltado para cima em contato com o madeiramento. Foram capturados quatro indivíduos dos oito observados. Todos eram machos adultos e apenas um estava sexualmente ativo.
Machos ativos foram encontrados em janeiro, março, junho e outubro. Jovens estiveram presentes em julho e agosto. A única fêmea capturada na EEI era adulta e não grávida e foi coletada em outubro de 2005.
Eptesicus brasiliensis: Na EEI, indivíduos de E. brasiliensis foram capturados em ambas estações do ano e o horário de captura variou entre 18:00 e 01:00 h. Todas as capturas ocorreram em áreas próximas entre si, sempre em redes instaladas em trilhas. As três fêmeas capturadas eram adultas, sendo uma grávida (capturada em janeiro de 2002) e duas não grávidas (em janeiro de 2006). Os três indivíduos machos capturados eram adultos e sexualmente inativos (julho de 2001, agosto de 2005 e junho de 2006).
Molossus rufus: Os molossídeos eram habitualmente observados voando alto (mais de 30 metros), por sobre a copa das árvores. Diversas vezes, suas vocalizações foram também percebidas durante as sessões noturnas de atividade ao longo do ano. Os cinco indivíduos de M. rufus da amostragem foram capturados em uma rede armada ao entardecer de fronte ao forro de uma casa nas proximidades da EEI. Diversos indivíduos foram observados saindo do forro da casa e voando em direção à Estação, onde aparentemente forrageavam.
No grupo de M. rufus, capturados no mês de abril, havia duas fêmeas adultas (uma grávida e outra não grávida) e uma jovem. Quanto aos dois machos, um era jovem e outro era um adulto sexualmente ativo. Essa espécie não apareceu em outras sessões de captura, uma vez que não foram feitas novas amostragens em edificações da vizinhança da Estação.
Prevalência da raiva em morcegos de Itirapina
A prevalência da raiva foi analisada em 10 (62,5%) das 16 espécies encontradas na EEI e em 67 (9,3%) dos 720 morcegos capturados em mais de quatro anos de estudos (Tabela 3). A grande maioria dessas espécies já foi diagnosticada portando vírus rábico em outras regiões do Brasil (Uieda et al., 1996), porém essa positividade não foi observada na EEI. A prevalência da raiva em morcegos capturados em cavernas varia de 0,1 a 0,5%, enquanto que em morcegos capturados durante as migrações, varia de 2 a 3% (Kotait, 1996). A prevalência em morcegos enviados aos laboratórios oficiais e submetidos aos processos habituais têm sido relativamente alta, entre 4 a 10% (Kotait, 1996). Consideramos nossa amostragem submetida a exame laboratorial como relativamente alta (quase 10%), porém, todas as amostras apresentaram resultado negativo. Nossos dados sugerem que, se houve circulação do vírus da raiva nas populações de morcegos da EEI entre 2001 e 2006, essa circulação viral deve ter sido tão baixa que não foi detectada pela nossa amostragem.
Tabela 3 Prevalência da raiva em morcegos da Estação Experimental de Itirapina nos períodos de agosto de 2001 a agosto de 2003 e agosto de 2005 a julho de 2006.
Espécies de Morcegos | Machos | Fêmeas | Total (%) | Positividade para Raiva |
---|---|---|---|---|
Artibeus lituratus | 10 | 10 | 20 (29,8) | 0 |
Carollia perspicillata | 2 | 12 | 14 (20,9) | 0 |
Glossohaga soricina | 5 | 6 | 11 (16,4) | 0 |
Myotis nigricans | 9 | 0 | 9 (13,4) | 0 |
Platyrrhinus lineatus | 2 | 2 | 4 (6,0) | 0 |
Phyllostomus discolor | 3 | 0 | 3 (4,5) | 0 |
Anoura caudifer | 2 | 0 | 2 (3,0) | 0 |
Desmodus rotundus | 1 | 1 | 2 (3,0) | 0 |
Sturnira lilium | 1 | 0 | 1 (1,5) | 0 |
Pygoderma bilabiatum | 0 | 1 | 1 (1,5) | 0 |
Total | 35 | 32 | 67 | 0 |
Conservação
No presente estudo, as cinco espécies mais comuns (A. lituratus, C. perspicillata, G. soricina, S. lilium e P. lineatus) totalizaram mais de 80% das capturas. Espécies como A. lituratus, S. lilium e G. soricina costumam ser muito abundantes em áreas antropizadas, pois não são exigentes em relação ao ambiente e recursos (Peracchi & Albuquerque, 1971; Estrada & Coates-Estrada, 2002), podendo utilizar como alimento até mesmo espécies exóticas introduzidas pelo homem em arborizações urbanas (Rodrigues et al., 1994).
(Fenton et al. 1992) encontraram uma diversidade maior de filostomíneos em áreas não perturbadas comparadas com áreas perturbadas. Quando se trata de riqueza de espécies, não há basicamente diferenças entre esses dois tipos de ambientes. Outros estudos apontam os filostomíneos como indicadores de florestas intactas ou com alto grau de preservação, pois são capturados principalmente nestes locais (Fenton et al., 1992; Estrada & Coates-Estrada, 2002; Gorrensen & Willig, 2004; Peters et al., 2006). No presente estudo, apenas duas espécies de filostomíneos (C. auritus e P. discolor) foram encontradas, o que provavelmente indica que esta área é um ambiente altamente alterado e antropizado.
Segundo Medellin et al., (2000), o que indica o estado de conservação de um local não é a existência de determinadas espécies, como as da subfamília Phyllostominae, e sim, a abundância em que elas aparecem. Por esse critério, a EEI pode também ser considerada uma área altamente alterada uma vez que apenas um exemplar de C. auritus (0,1% do total de morcegos capturados) e quatro de P. discolor (0,6%) foram capturados ao longo do estudo.