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Farmacodinâmica do cisatracúrio no transplante renal

Farmacodinámica del cisatracúrio en el transplante renal

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A escolha do cisatracúrio, especialmente nos doentes com insuficiência orgânica, parece ser benéfica, devido a sua eliminação órgão independente de Hofmann e menor tendência a liberar histamina. Este trabalho tem como objetivo determinar, em doentes portadores de insuficiência renal crônica, a farmacodinâmica do cisatracúrio durante o transplante renal. MÉTODO: Foram estudados 30 pacientes divididos em dois grupos, 15 com função renal normal submetidos a cirurgia bucomaxilo-facial e 15 portadores de insuficiência renal crônica submetidos a transplante renal sob anestesia geral com etomidato, sufentanil e sevoflurano em concentrações entre 0,5 e 1% de fração expirada. Receberam dose venosa de 0,15 mg.kg-1 de cisatracúrio na indução e 0,05 mg.kg-1 todas as vezes que T1 recuperava 25%. A função neuromuscular foi monitorizada de forma contínua por aceleromiografia utilizando o padrão de estimulação seqüência de quatro estímulos, através da estimulação supramáxima do nervo ulnar. RESULTADOS: Os resultados referentes à farmacodinâmica do cisatracúrio mostram que o início de ação (4,1 e 4,9 min), a duração clínica (68,9 e 75,4 min) e o índice de recuperação (20,2 e 28 min) foram semelhantes entre os grupos normal e insuficiência renal, respectivamente. Os tempos para a relação T4/T1 atingir 0,7 (34,3 e 51,4 min) e 0,9 (49,7 e 68,6 min) a partir do último 25% de T1 apresentaram diferença estatisticamente significante entre os grupos, com os maiores valores no grupo insuficiência renal. A razão de acumulação foi igual a 1,08. CONCLUSÕES: O início de ação, a duração clínica e o índice de recuperação são semelhantes entre os dois grupos, o tempo para a relação T4/T1 atingir 0,7 ou 0,9 foi maior no grupo insuficiência renal do que no grupo normal e o cisatracúrio não apresentou efeito acumulativo no grupo insuficiência renal.

BLOQUEADORES NEUROMUSCULARES; CIRURGIA


JUSTIFICATIVA Y OBJETIVOS: La escoja del cisatracúrio, especialmente en los enfermos con insuficiencia orgánica, parece ser benéfica, debido a su eliminación órgano independiente de Hofmann y menor tendencia a liberar histamina. Este trabajo tiene como objetivo determinar, en enfermos portadores de insuficiencia renal crónica, la farmacodinámica del cisatracúrio durante el transplante renal. MÉTODO: Fueron estudiados 30enfermos divididos en dos grupos, 15 con función renal normal sometidos a cirugía bucomaxilo-facial y 15 portadores de insuficiencia renal crónica sometidos a transplante renal bajo anestesia general con etomidato, sufentanil y sevoflurano en concentraciones entre 0,5 y 1% de fracción expirada. Recibieron dosis venosa de 0,15 mg.kg-1 de cisatracúrio en la inducción y 0,05 mg.kg-1 todas las veces que T1 recuperaba 25%. La función neuromuscular fue monitorizada de forma continua por aceleromiografia utilizando el patrón de estimulación secuencia de cuatro estímulos, a través de la estimulación supramáxima del nervio ulnar. RESULTADOS: Los resultados referentes a la farmacodinámica del cisatracúrio muestran que el inicio de acción (4,1 y 4,9 min), la duración clínica (68,9 y 75,4 min) y el índice de recuperación (20,2 y 28 min) fueron semejantes entre los grupos normal e insuficiencia renal, respectivamente. Los tiempos para la relación T4/T1 llegar a 0,7 (34,3 y 51,4 min) y 0,9 (49,7 y 68,6 min) a partir del último 25% de T1 presentaron diferencia estadísticamente significante entre los grupos, con los mayores valores en el grupo de insuficiencia renal. La razón de acumulación fue igual a 1,08. CONCLUSIONES: El inicio de acción, la duración clínica y el índice de recuperación son semejantes entre los dos grupos, el tiempo para la relación T4/T1 llegar a 0,7 ó 0,9 fue mayor en el grupo de insuficiencia renal de que en el grupo normal y el cisatracúrio no presentó efecto acumulativo en el grupo de insuficiencia renal.


BACKGROUND AND OBJECTIVES: Cisatracurium seems to be beneficial, especially for patients with organ dysfunction, due to organ-independent Hofmann elimination and a lower trend to histamine release. This study aimed at determining cisatracurium pharmacodynamic profile in renal transplantation. METHODS: Participated in this study 30 patients who were distributed in two groups: 15 healthy patients submitted to maxillofacial surgery, and 15 patients with chronic renal failure submitted to renal transplantation. All patients were anesthetized with etomidate, sufentanil and 0.5% to 1% sevoflurane . Intravenous cisatracurium was administrated after anesthetic induction and additional 0.05 mg.kg-1 was injected whenever T1 recovered 25%. Neuromuscular function was continuously monitored by acceleromyography using TOF stimulation, through supramaximal ulnar nerve stimulation. RESULTS: Onset time (4.1 and 4.9 min), clinical duration (68.9 and 75.4 min) and recovery time (20.2 and 28 min) were similar between normal and renal failure groups, respectively. Time spent until T4/T1 > 0.7 (34.3 and 51.4 min), and > 0.9 (49.7 and 68.6 min) since the last 25% recovery of T1 were statistically different between groups, with the higher values observed in the renal failure group. Accumulation ratio was 1.08. CONCLUSIONS: Onset, clinical duration and recovery time were comparable between groups. Time to T4/T1 > 0.7 and > 0.9 was longer in the renal failure group as compared to the normal group and cisatracurium did not show cumulative effects in the renal failure group.

NEUROMUSCULAR BLOCK; NEUROMUSCULAR BLOCK


ARTIGO CIENTÍFICO

Farmacodinâmica do cisatracúrio no transplante renal * * Recebido do Hospital Universitário Pedro Ernesto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e da Disciplina de Anestesiologia, Dor e Terapia Intensiva Cirúrgica da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)

Farmacodinámica del cisatracúrio en el transplante renal

Ismar Lima Cavalcanti, TSAI; Maria Angela Tardelli, TSAII; Rita de Cássia Rodrigues, TSAII

IResponsável pelo CET/SBA do Hospital Geral de Nova Iguaçu, RJ

IIProfessora Adjunta da Disciplina de Anestesiologia, Dor e Terapia Intensiva Cirúrgica da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, UNIFESP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Dr. Ismar Lima Cavalcanti Rua Alberto de Campos, 77 Cob. 1106 Ipanema 22471-020 Rio de Janeiro, RJ E-mail: ismarc@uol.com.br

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A escolha do cisatracúrio, especialmente nos doentes com insuficiência orgânica, parece ser benéfica, devido a sua eliminação órgão independente de Hofmann e menor tendência a liberar histamina. Este trabalho tem como objetivo determinar, em doentes portadores de insuficiência renal crônica, a farmacodinâmica do cisatracúrio durante o transplante renal.

MÉTODO: Foram estudados 30 pacientes divididos em dois grupos, 15 com função renal normal submetidos a cirurgia bucomaxilo-facial e 15 portadores de insuficiência renal crônica submetidos a transplante renal sob anestesia geral com etomidato, sufentanil e sevoflurano em concentrações entre 0,5 e 1% de fração expirada. Receberam dose venosa de 0,15 mg.kg-1 de cisatracúrio na indução e 0,05 mg.kg-1 todas as vezes que T1 recuperava 25%. A função neuromuscular foi monitorizada de forma contínua por aceleromiografia utilizando o padrão de estimulação seqüência de quatro estímulos, através da estimulação supramáxima do nervo ulnar.

RESULTADOS: Os resultados referentes à farmacodinâmica do cisatracúrio mostram que o início de ação (4,1 e 4,9 min), a duração clínica (68,9 e 75,4 min) e o índice de recuperação (20,2 e 28 min) foram semelhantes entre os grupos normal e insuficiência renal, respectivamente. Os tempos para a relação T4/T1 atingir 0,7 (34,3 e 51,4 min) e 0,9 (49,7 e 68,6 min) a partir do último 25% de T1 apresentaram diferença estatisticamente significante entre os grupos, com os maiores valores no grupo insuficiência renal. A razão de acumulação foi igual a 1,08.

CONCLUSÕES: O início de ação, a duração clínica e o índice de recuperação são semelhantes entre os dois grupos, o tempo para a relação T4/T1 atingir 0,7 ou 0,9 foi maior no grupo insuficiência renal do que no grupo normal e o cisatracúrio não apresentou efeito acumulativo no grupo insuficiência renal.

Unitermos: BLOQUEADORES NEUROMUSCULARES, Não-despolarizante: cisatracúrio; CIRURGIA, Urológica: transplante renal

RESUMEN

JUSTIFICATIVA Y OBJETIVOS: La escoja del cisatracúrio, especialmente en los enfermos con insuficiencia orgánica, parece ser benéfica, debido a su eliminación órgano independiente de Hofmann y menor tendencia a liberar histamina. Este trabajo tiene como objetivo determinar, en enfermos portadores de insuficiencia renal crónica, la farmacodinámica del cisatracúrio durante el transplante renal.

MÉTODO: Fueron estudiados 30enfermos divididos en dos grupos, 15 con función renal normal sometidos a cirugía bucomaxilo-facial y 15 portadores de insuficiencia renal crónica sometidos a transplante renal bajo anestesia general con etomidato, sufentanil y sevoflurano en concentraciones entre 0,5 y 1% de fracción expirada. Recibieron dosis venosa de 0,15 mg.kg-1 de cisatracúrio en la inducción y 0,05 mg.kg-1 todas las veces que T1 recuperaba 25%. La función neuromuscular fue monitorizada de forma continua por aceleromiografia utilizando el patrón de estimulación secuencia de cuatro estímulos, a través de la estimulación supramáxima del nervio ulnar.

RESULTADOS: Los resultados referentes a la farmacodinámica del cisatracúrio muestran que el inicio de acción (4,1 y 4,9 min), la duración clínica (68,9 y 75,4 min) y el índice de recuperación (20,2 y 28 min) fueron semejantes entre los grupos normal e insuficiencia renal, respectivamente. Los tiempos para la relación T4/T1 llegar a 0,7 (34,3 y 51,4 min) y 0,9 (49,7 y 68,6 min) a partir del último 25% de T1 presentaron diferencia estadísticamente significante entre los grupos, con los mayores valores en el grupo de insuficiencia renal. La razón de acumulación fue igual a 1,08.

CONCLUSIONES: El inicio de acción, la duración clínica y el índice de recuperación son semejantes entre los dos grupos, el tiempo para la relación T4/T1 llegar a 0,7 ó 0,9 fue mayor en el grupo de insuficiencia renal de que en el grupo normal y el cisatracúrio no presentó efecto acumulativo en el grupo de insuficiencia renal.

INTRODUÇÃO

A insuficiência renal crônica é o resultado da degeneração irreversível da função renal. O empobrecimento da função excretora, metabólica e endócrina dos rins leva ao desenvolvimento da síndrome urêmica que se caracteriza por diversas alterações sistêmicas, com destaque para as metabólicas, neurológicas e musculares. O manuseio da insuficiência renal crônica inclui diversos tratamentos. Nos pacientes com destruição progressiva do tecido renal, a diálise e o transplante estão indicados para restabelecer a função renal. O transplante oferece a possibilidade de restabelecer a função renal e ainda corrigir as anormalidades metabólicas da uremia 1. Nos Estados Unidos da América, o transplante renal corresponde a um terço dos transplantes de órgãos sólidos 2.

A anestesia geral é a técnica mais freqüentemente utilizada para o transplante renal. Os bloqueadores neuromusculares fazem parte da anestesia geral com o objetivo de garantir o relaxamento muscular necessário à intubação traqueal, ventilação artificial e facilitação do campo cirúrgico 3.

As características farmacológicas, especialmente a peculiaridade de praticamente não depender dos rins para ser eliminado, tornam o cisatracúrio um agente potencialmente indicado em pacientes portadores de insuficiência renal 4.

Os estudos sobre a utilização de cisatracúrio em pacientes com insuficiência renal crônica, até agora publicados, não foram realizados em doentes submetidos a transplante renal, o que motivou a realização desta pesquisa.

O objetivo deste estudo foi determinar, em doentes portadores de insuficiência renal crônica, a farmacodinâmica do cisatracúrio, durante o transplante renal.

MÉTODO

Após aprovação pela Comissão de Ética em Pesquisa, trinta pacientes, com idades entre 16 e 65 anos foram informados sobre o estudo e concordaram por escrito em dele participar. Foram divididos em dois grupos de acordo com a função renal. No grupo controle (NL) foram incluídos pacientes com função renal normal, estado físico ASA I, submetidos a operações eletivas bucomaxilofaciais. No grupo insuficiência renal (IR) foram incluídos os pacientes com insuficiência renal crônica, estado físico ASA III e que seriam submetidos a transplante renal. Todos apresentavam depuração de creatinina menor que 10 ml.min-1 e foram dialisados até 24 horas antes da operação. Para inclusão neste grupo todos os doentes fizeram uso de azatioprina, ciclosporina e prednisolona.

Todos os pacientes foram avaliados clinicamente no período pré-operatório.

Foram realizados os seguintes exames complementares: hemoglobina, hematócrito, creatinina, eletrólitos (sódio, potássio e cálcio), albumina, glicemia de jejum, radiografia de tórax e eletrocardiograma. Foram explicados a todos os procedimentos planejados para o ato anestésico. A medicação pré-anestésica constou de midazolam (7,5 mg), por via oral, uma hora antes da operação.

A monitorização padronizada foi: cardioscopia, oximetria de pulso, multianálise de gases inspirados e expirados, pressão arterial invasiva, temperatura periférica e esofágica.

A função neuromuscular (FNM) foi monitorizada de forma contínua no membro superior contralateral ao do acesso venoso, por aceleromiografia, utilizando como padrão de estimulação a seqüência de quatro estímulos (SQE), através da estimulação supramáxima do nervo ulnar por dois eletrodos de superfície de 1 cm de diâmetro dispostos no punho. A instalação dos eletrodos de superfície era precedido pela limpeza, desengorduramento, tricotomia e secagem da pele. A amplitude da força de contração do músculo adutor do polegar, obtida como resposta à estimulação, foi registrada pelo monitor, utilizando o método de acelerometria. O membro monitorizado foi permanentemente imobilizado. A temperatura periférica foi mantida através do aquecimento por convecção, utilizando manta térmica.

O grau de bloqueio neuromuscular (BNM) foi quantificado por percentual da amplitude da resposta padrão inicial - T1/T0 - onde T1 representa a amplitude da primeira resposta a SQE e T0 a resposta padrão sem nenhum grau de BNM.

O acesso venoso foi feito em uma veia de grosso calibre, puncionada com cateter 16G, e utilizado para hidratação e administração de fármacos.

Nos dois grupos a indução da anestesia foi feita com alfentanil (0,5 mg), por via venosa, acompanhado de pré-oxigenação com O2 a 100%, sob máscara, em sistema ventilatório com absorvedor de CO2. O fluxo de admissão de gases foi de 6 L.min-1. Após 3 minutos, seguiu-se a injeção venosa de (0,2 mg.kg-1 ) de etomidato. Os pacientes foram ventilados com oxigênio a 100% e sevoflurano entre 0,5 e 1% de fração expirada, sob máscara, por alguns minutos, enquanto um observador (número um) pesquisava o estímulo supramáximo que foi considerado como resposta padrão inicial. Após cinco minutos de resposta muscular estável a SQE foram injetados cisatracúrio na dose de 0,15 mg.kg-1 com velocidade de injeção de 10 segundos e sufentanil (1 µg.kg-1 ) por via venosa na mesma velocidade de injeção, seguido de sua infusão contínua na dose máxima de 0,5 µg.kg-1.h-1. Decorridos 3 minutos da injeção do cisatracúrio, procedeu-se à intubação traqueal.

A ventilação artificial controlada foi instituída, mantendo-se pressão expirada de CO2 (PET CO2 ) entre 34 e 38 mmHg.

O aquecimento dos pacientes foi controlado de modo a manter a temperatura esofágica entre 36 e 37 ºC.

A anestesia foi mantida com oxigênio a 100% e sevoflurano, entre 0,5 e 1% de fração expirada, e sufentanil na mesma velocidade de infusão. Quando a pressão arterial ou freqüência cardíaca excedia 20% dos valores basais do pré-anestésico, foi injetado sufentanil na dose de 0,2 µg.kg-1.

Para manutenção do bloqueio neuromuscular, no grupo IR foi administrado cisatracúrio na dose de 0,05 mg.kg-1, por via venosa, quando T1 recuperava 25% da contração inicial. No grupo NL não foram utilizadas doses de manutenção.

A pressão arterial sistólica, diastólica e a freqüência cardíaca foram anotadas nos seguintes momentos:

0 = pré-anestésico;

1 = 1 minuto após o final da injeção inicial do cisatracúrio;

2 = 3 minutos após o final da injeção inicial do cisatracúrio;

3 = imediatamente após a intubação traqueal;

4 = 5 minutos após o final da injeção inicial do cisatracúrio;

5 = quando T1 atingiu 0%;

6 = quando ocorreu a primeira recuperação de 25% de T1;

7 = quando ocorreu a última recuperação de 75% de T1;

8 = quando a relação T4/T1 atingiu 0,7;

9 = quando a relação T4/T1 atingiu 0,9.

Após a administração de cisatracúrio, foi observado o tempo para abolição total da resposta muscular (bloqueio de 100%, T1 = 0).

Ao final da operação foram registrados os tempos decorridos para recuperação de 25 e 75% da função neuromuscular e o tempo decorrido, considerando a última recuperação de T1 = 25%, para que a relação entre a altura de contração da última com a primeira resposta à seqüência de quatro estímulos fosse igual a 0,7 e 0,9.

A anestesia foi mantida até ocorrer recuperação de 100% da função neuromuscular. Todos os pacientes foram extubados na sala operatória.

Em todos os momentos em que foram anotados os dados referentes à monitorização da função neuromuscular foram também registrados os valores de pressão arterial, freqüência cardíaca, temperatura periférica e central.

Utilizou-se os seguintes conceitos para os parâmetros abaixo discriminados:

1) Início de ação: tempo decorrido para abolição de 100% da resposta muscular, T1 = 0, após o término da injeção do bloqueador neuromuscular;

2) Duração clínica: tempo decorrido, desde o final da administração do bloqueador neuromuscular até que a primeira resposta à seqüência de quatro estímulos recuperasse 25% do valor controle;

3) Índice de recuperação: intervalo de tempo decorrido entre a recuperação espontânea de 25% e 75% da resposta muscular;

4) Relação T4/T1 = 0,7 e 0,9: tempo decorrido, considerando a última recuperação de T1 = 25%, para que a relação entre a altura de contração da última com a primeira resposta à seqüência de quatro estímulos fosse igual a 0,7 e 0,9;

5) Razão de acumulação: duração da última dose de manutenção dividida pela duração da primeira dose de manutenção.

Os dados foram submetidos ao teste t de Student para idade, altura e índice de massa corporal, Qui-quadrado para gênero, Mann-Whitney U para parâmetros farmacocinéticos e Kruskal-Wallis para freqüência cardíaca e pressão arterial média. Adotou-se o nível de significância de 5% de probabilidade (p < 0,05).

RESULTADOS

Os dois grupos foram semelhantes quanto a idade, peso, altura, gênero e índice de massa corporal (Tabela I).

Revista Brasileira de Anestesiologia, 2002; 52: 3: 294 - 306

Farmacodinâmica do cisatracúrio no transplante renal

Ismar Lima Cavalcanti; Maria Angela Tardelli; Rita de Cássia Rodrigues

Os resultados referentes à farmacodinâmica do cisatracúrio mostram que o início de ação, a duração clínica e o índice de recuperação foram semelhantes entre os grupos. Os tempos para a relação T4/T1 atingir 0,7 e 0,9 a partir do último 25% de T1 apresentaram diferença estatisticamente significante entre os grupos, com os maiores valores no grupo insuficiência renal (Tabela II).

Revista Brasileira de Anestesiologia, 2002; 52: 3: 294 - 306

Farmacodinâmica do cisatracúrio no transplante renal

Ismar Lima Cavalcanti; Maria Angela Tardelli; Rita de Cássia Rodrigues

Nos pacientes submetidos a transplante renal a utilização do cisatracúrio não mostrou efeito acumulativo (Tabela III).

Revista Brasileira de Anestesiologia, 2002; 52: 3: 294 - 306

Farmacodinâmica do cisatracúrio no transplante renal

Ismar Lima Cavalcanti; Maria Angela Tardelli; Rita de Cássia Rodrigues

A freqüência cardíaca permaneceu estável no grupo normal e no grupo insuficiência renal (Tabela IV).

Revista Brasileira de Anestesiologia, 2002; 52: 3: 294 - 306

Farmacodinâmica do cisatracúrio no transplante renal

Ismar Lima Cavalcanti; Maria Angela Tardelli; Rita de Cássia Rodrigues

No grupo normal, houve queda de 24% e 19% na pressão arterial média nos momentos 4 e 5, quando comparados com o momento 0. As variações na pressão arterial média dos pacientes com insuficiência renal crônica não apresentaram significância estatística no transcurso da anestesia (Tabela V).

Revista Brasileira de Anestesiologia, 2002; 52: 3: 294 - 306

Farmacodinâmica do cisatracúrio no transplante renal

Ismar Lima Cavalcanti; Maria Angela Tardelli; Rita de Cássia Rodrigues

DISCUSSÃO

A experiência clínica demonstrou que o isômero 1R-cis,1’R-cis atracúrio (cisatracúrio) presente em aproximadamente 15% da mistura racêmica que compõe o atracúrio, apresentava menor tendência de liberação de histamina e maior potência relaxante muscular quando comparada ao atracúrio, confirmando o que antes havia sido encontrado em pesquisas com animais 6.

A eliminação de Hofmann é responsável por 77% da depuração corporal total e a eliminação órgão-dependente por 23%. A depuração renal, um dos componentes da depuração órgão-dependente, é 16% da depuração corporal total 7.

A aceleromiografia é um método comparável à mecanomiografia que é considerada o método-padrão de monitorização em pesquisas que envolvem o estudo de bloqueadores neuromusculares. A utilização da aceleromiografia em estudos clínicos na fase IV é considerada uma monitorização adequada 8.

O início de ação de um bloqueador neuromuscular é definido como o tempo decorrido entre a injeção do bloqueador neuromuscular e a ocorrência de depressão de T1> 95% 8, sofrendo interferência da perfusão da junção neuromuscular, da potência do bloqueador neuromuscular, da dose empregada, da forma de administração, do tipo de anestesia e do padrão de estimulação 9-11.

Em nossas observações, o início de ação do cisatracúrio, embora maior no grupo IR, não diferiu estatisticamente entre os grupos, resultado semelhante ao encontrado por Boyd e col. 12 e Soukup e col. 13 que consideraram este parâmetro como depressão de T1> 95%. Entretanto, nos estudos de Boyd e col. 12 e de Hunter e col. 14, quando avaliado o tempo para depressão de 90% de T1, foi observado diferença estatisticamente significante entre os grupos com os maiores tempos nos pacientes com insuficiência renal crônica. Resultado semelhante foi obtido por Dahaba e col. 15 que adotaram como padrão de início de ação a depressão de 100% da resposta motora.

Os autores que têm encontrado diferença significante no início de ação do bloqueio neuromuscular entre pacientes com e sem insuficiência renal explicam seus resultados consubstanciados na diferença do comportamento hemodinâmico entre os grupos. A diminuição do débito cardíaco em resposta aos agentes anestésicos, nos pacientes com insuficiência renal, responderia pela diminuição de oferta do bloqueador neuromuscular à junção neuromuscular 12,16. Considerando que os dois grupos de nosso estudo não apresentaram alterações nos parâmetros cardiovasculares no transcorrer da indução da anestesia, isto justificaria a semelhança observada no início de ação. Em todos estudos comparativos onde foi avaliada a farmacodinâmica do cisatracúrio, incluindo nossa pesquisa, o início de ação no grupo com insuficiência renal crônica sempre foi maior, independentemente da significância estatística. Hunter 16 sugere que esse comportamento poderia ser conseqüência do discreto aumento do volume de distribuição nos doentes portadores de insuficiência renal crônica.

O tempo para o início de ação do bloqueio neuromuscular relaciona-se inversamente com a dose administrada do bloqueador neuromuscular. O tempo para o bloqueio máximo diminui acentuadamente com doses entre uma e três vezes a DE95. Acima de três vezes a DE95 não ocorre diminuição evidente do tempo para 100% de bloqueio com o aumento da dose 17,18.

Quando comparamos nosso estudo com o de Dahaba e col. 15 que também consideram como início de ação o tempo para 100% de bloqueio da resposta motora, observamos que os valores diferem em 2 minutos. No estudo de Dahaba e col. 15 foi utilizada duas vezes a DE95 enquanto que no nosso estudo utilizamos três vezes a DE95.

Soukoup e col.13, que utilizaram três vezes a DE95, encontraram valores aproximadamente um minuto abaixo daqueles observados nesta pesquisa. Poderíamos inferir que esta diferença de resultados seria conseqüência do fato de que Soukoup e col. 13 consideraram como início de ação a abolição igual ou maior que 95% da resposta muscular inicial enquanto que adotamos como padrão a abolição de 100%.

Os agentes anestésicos inalatórios interferem com a farmacodinâmica dos bloqueadores neuromusculares por ação direta na junção neuromuscular ou indiretamente por modificar a farmacocinética destes agentes como resultado das alterações hemodinâmicas que promovem. Os anestésicos inalatórios causam relaxamento muscular de modo dose-dependente 19.

Soukoup col.13, durante a indução, administraram 1 CAM de isoflurano associado ao óxido nitroso a 60%. A participação do efeito do halogenado no início de ação deve ter sido secundária uma vez que não houve tempo para o equilíbrio entre a concentração expirada do isoflurano e o compartimento muscular 11.

Nossos resultados não foram influenciados pelo agente inalatório uma vez que a utilização de sevoflurano em concentrações abaixo de 0,5 CAM é comparável à anestesia venosa total quando considerado seu efeito sobre a função neuromuscular 20.

O tiopental pode causar diminuição do débito cardíaco e prolongar o início de ação dos bloqueadores neuromusculares 12,16.

Nesta pesquisa, a utilização do etomidato promoveu estabilidade hemodinâmica excluindo a possibilidade de interferência do débito cardíaco sobre o início de ação 21-23.

O início de ação modifica-se também em função da freqüência do estímulo empregado na monitorização da função neuromuscular. A supressão da resposta muscular é mais rápida quando se utiliza freqüências de estimulação mais elevadas (1Hz) e mais lenta com freqüências mais baixas (0,1 Hz) 24. A interferência do padrão de estimulação sobre o início de ação não foi um fator que deva ser considerado para comparação dos resultados das pesquisas sobre a farmacodinâmica do cisatracúrio uma vez que todos empregaram como padrão de estimulação a seqüência de quatro estímulos.

A duração clínica, ou duração 25 é definida como o tempo, em minutos, desde a administração do bloqueador neuromuscular até que a primeira resposta à seqüência de quatro estímulos recupere 25% do valor controle 8.

Os estudos que avaliaram a duração de ação do cisatracúrio em pacientes com insuficiência renal, incluindo esta pesquisa, registraram tempo de recuperação maior embora sem significância estatística quando comparado aos valores dos pacientes normais 12,13,15.

O estudo farmacocinético do cisatracúrio em pacientes com insuficiência renal terminal demonstrou diminuição de 13% na depuração quando comparada aqueles com função renal normal. Esta diferença apresentou alta significância estatística (p < 0,005) 5. Este resultado contrasta com o do atracúrio onde a depuração é similar nos dois grupos 25. O t½b do cisatracúrio é aproximadamente 4 minutos mais longo nos doentes renais crônicos 4. Estas diferenças farmacocinéticas confirmam os achados dos estudos farmacodinâmicos das características de recuperação do cisatracúrio em pacientes normais em comparação com doentes com insuficiência renal. Poderiam sugerir, na depuração do cisatracúrio, alguma participação dos rins e menor dependência da eliminação de Hofmann.

A duração de ação do cisatracúrio, à semelhança dos outros bloqueadores neuromusculares, se prolonga com o aumento da dose administrada, entretanto este efeito não é tão dependente da dose como ocorre com os agentes aminoesteróides 26. Assim, a administração de 0,1 mg.kg-1, 0,2 mg.kg-1, 0,25 mg.kg-1 e 0,4 mg.kg-1, em adultos sadios, resulta em duração clínica de 45, 68, 79 e 91 minutos, respectivamente, quando comparado ao atracúrio 26,27.

Os estudos não apresentam uniformidade de resultados quando se avaliam os tempos obtidos para a duração clínica em relação à dose empregada de cisatracúrio. Os resultados de Boyd e col. 12 e Soukoup e col. 13 mostram tempos semelhantes, entre 45 e 50 minutos, embora as doses avaliadas tenham sido diferentes, 0,1 e 0,15 mg.kg-1, respectivamente. Nossos resultados, empregando a dose de 0,15 mg.kg-1, apresentam duração clínica cerca de 20 minutos maiores nos dois grupos. Esta diferença poderia ser atribuída ao fato do isoflurano aumentar o fluxo sangüíneo muscular mais que o sevoflurano o que promoveria maior remoção do bloqueador neuromuscular da placa motora 28.

O índice de recuperação é definido como o tempo transcorrido para a recuperação da resposta ao estímulo único entre 25% e 75% do controle. Esta medida representa a fase inicial da recuperação do bloqueio neuromuscular 8. Geralmente, nesta faixa de recuperação do bloqueio neuromuscular, ocorre uma relação linear entre o logaritmo da concentração plasmática e o efeito do fármaco 29.

O índice de recuperação é uma medida objetiva do grau de acúmulo dos bloqueadores neuromusculares 30. Bozo 30 classifica os bloqueadores neuromusculares com alto acúmulo aqueles com índice de recuperação entre 40 e 45 minutos, com acúmulo mínimo aqueles com valores entre 12 e 14 minutos e ausência de acúmulo entre 7 e 10 minutos. À exceção de alguns autores 13,27 que registraram 9 e 12 minutos para o índice de recuperação em pacientes hígidos, em outros estudos onde o cisatracúrio foi avaliado em pacientes com função renal normal ou insuficiente, incluindo o nosso, os valores situam-se mais próximos a 20 minutos 12,15,26,31. Estes valores classificariam o cisatracúrio como um bloqueador com possibilidade de algum efeito acumulativo, segundo a classificação proposta por Bozo 30.

Enquanto, sob o ponto de vista farmacodinâmico, se diz que um bloqueador neuromuscular não se acumula quando o índice de recuperação 25 a 75% é independente da dose e da duração do bloqueio, na prática clínica o termo não acumulativo se refere à duração de ação inalterada com doses repetidas 30.

A considerar a duração clínica, o efeito acumulativo pode ser medido objetivamente com a razão de acumulação. A razão de acumulação é a duração da última dose de manutenção dividida pela duração da primeira dose de manutenção. Quanto mais próxima de 1 a relação e quanto mais alto o número de doses de repetição, menor será a acumulação de um bloqueador neuromuscular 30.

O efeito acumulativo pode ser explicado do ponto de vista farmacocinético. A recuperação dos bloqueadores neuromusculares é paralela à diminuição de sua concentração plasmática. Após dose única de um bloqueador neuromuscular com pequeno grau de metabolização plasmática, a concentração plasmática diminui rapidamente devido a redistribuição dos compartimentos centrais para os compartimentos periféricos. Com as doses de manutenção, a quantidade de bloqueador neuromuscular nos compartimentos periféricos limita esta fase de distribuição. Assim sendo, a diminuição das concentrações plasmáticas é o resultado do metabolismo e da excreção do fármaco. Apresentam este perfil, o pancurônio, o pipecurônio, o doxacúrio e, em menor grau, o vecurônio e o rocurônio. A análise farmacocinética dos bloqueadores neuromusculares não despolarizantes com maior grau de metabolização plasmática, como o mivacúrio, o atracúrio e o cisatracúrio, demonstra que não há uma clara fase de distribuição, com uma rápida diminuição da concentração plasmática. O resultado é que a recuperação do bloqueio depende mais do metabolismo do que da redistribuição, por isso a recuperação destes fármacos é similar entre a primeira dose e as doses de repetição 30. Na análise da literatura pertinente à utilização do cisatracúrio não encontramos referência sobre o valor da razão de acumulação deste agente. A aplicação deste conceito nos nossos resultados demonstra, no grupo com insuficiência renal, razão de acumulação igual a 1,08 quando foram consideradas duas ou mais doses de repetição. A partir deste resultado poder-se-ia concluir que, nas condições estudadas, não há efeito acumulativo com cisatracúrio no paciente com insuficiência renal.

A recuperação total de um bloqueador neuromuscular pode ser definida como o estado em que qualquer teste clínico (por exemplo a capacidade de levantar a cabeça por cinco segundos) ou o modelo de estimulação nervosa (como a relação T4/T1 > 0,7) produz uma resposta indiferenciada daquela observada em doentes que emergem de uma anestesia geral comparável onde não foi utilizado bloqueador neuromuscular 30.

A incidência de bloqueio residual, definido como relação T4/T1 < 0,7, na sala de recuperação está entre 0 e 10% para bloqueadores neuromusculares de duração intermediária e entre 20 e 50% para os de longa duração 32-41.

Até recentemente, uma relação T4/T1 > 0,7 era aceita como padrão de recuperação adequada do bloqueio neuromuscular por traduzir capacidade vital e esforço inspiratório normal 42,43. Na vigência de relação T4/T1 = 0,7, podem ocorrer sinais e sintomas de bloqueio neuromuscular residual tais como diplopia, diminuição da força ao aperto de mão, incapacidade de sentar sem ajuda e intensa fraqueza facial 44. Eriksson e col. 45,46 demonstraram que apenas a relação T4/T1 = 0,9 se relaciona com resposta ventilatória normal à hipoxemia. O tônus do esfíncter esofágico superior está significativamente reduzido, com possibilidade de regurgitação de conteúdo gástrico, na presença de uma relação T4/T1 de 0,8. Todavia, a dificuldade na deglutição desaparece apenas com uma relação T4/T1> 0,9 47. Além disso, faz-se necessário atingir uma relação T4/T1 = 0,9 para assegurar um controle normal da ventilação durante o pós-operatório imediato 48.

Neste estudo, nos dois grupos, o valor registrado para a relação T4/T1> 0,7 situou-se abaixo dos dados da literatura, mesmo quando comparado com aqueles que utilizaram 0,1 mg.kg-1 12,13,27,49,50. Os menores valores observados podem ser explicados pela diferença no método de avaliação do tempo da recuperação T4/T1> 0,7. Enquanto consideramos como o intervalo entre a recuperação de 25% de T1 até a relação T4/T1> 0,7 8, os autores citados consideraram este tempo a partir da injeção do cisatracúrio.

Diferente de outros autores 12,13 encontramos valor da relação T4/T1> 0,7 maior no grupo com insuficiência renal crônica, sendo a diferença estatisticamente significante. O mesmo resultado foi observado para o valor da relação T4/T1> 0,9. Entretanto, não encontramos dados na literatura sobre a avaliação da relação T4/T1> 0,9.

Algumas considerações devem ser feitas para auxiliar a procura de explicações para o maior tempo que observamos, no grupo renal, na recuperação final do bloqueio neuromuscular avaliada pela relação T4/T1> 0,7 e/ou T4/T1> 0,9.

A seqüência de quatro estímulos é um padrão de estimulação que determina o grau de bloqueio neuromuscular de modo mais sensível que o estímulo simples e é comparável ao tétano de 50 Hz 43.

A depressão da resposta muscular ao estímulo simples e a fadiga da seqüência de quatro estímulos resultam da ligação dos bloqueadores a diferentes sítios. Bowman 51 sugeriu que a fadiga pode ser a expressão da ligação do bloqueador neuromuscular ao receptor pré-sináptico enquanto a resposta ao estímulo simples parece ser mais função de ligações pós-sinápticas.

Estudos miográficos e eletrofisiológicos indicam que a fadiga pode resultar tanto de efeitos pré-sinápticos como de pós-sinápticos, na dependência do bloqueador neuromuscular empregado 52. Com base nos sítios pré- e pós-sinápticos, os agentes bloqueadores neuromusculares poderiam ser diferenciados em dois grupos. Aparentemente, drogas que discriminam pouco entre os sítios pré e pós-sinápticos diferenciam pouco entre contrações isoladas e tetânicas como o pancurônio e o vecurônio. Entretanto, agentes com maior poder discriminativo entre os sítios pré-sináptico (atracúrio) e pós-sináptico (hexametônio) discriminam melhor entre as contrações isoladas e tetânicas 53.

A fadiga, expressa nas relações T4/T1 = 0,7 e 0,9, encontrada nos resultados desta pesquisa poderia, supostamente, ser explicada utilizando a teoria da capacidade discriminativa dos bloqueadores neuromusculares sobre contrações isoladas e tetânicas.

Os agentes que são capazes de diferenciar bem os sítios pré e pós-sinápticos são os que têm maior capacidade discriminativa sobre contrações isoladas e tetânicas. Por outro lado, as drogas que atuam semelhantemente nos sítios pré e pós-sinápticos têm pequena capacidade de discriminar as contrações isoladas das tetânicas 53.

A diferenciação entre os dois grupos de comportamentos eletrofisiológicos dos bloqueadores neuromusculares se faz pela observação de que para os agentes que discriminam bem os sítios pré e pós-sinápticos (isoquinolínicos) é necessário aumentar substancialmente a concentração na qual o composto atua na contração tetânica para que ele passasse também a afetar a contração isolada, fato que não ocorre com os agentes que pouco discriminam os sítios (esteróides). Desta maneira, poderíamos dizer que o primeiro grupo afeta a margem de segurança da transmissão neuromuscular em apenas um componente enquanto que o segundo grupo em seus dois componentes 53.

O cisatracúrio, por sua estrutura isoquinolínica, poderia apresentar comportamento de discriminar bem os sítios pré e pós-sinápticos; e, por ser um dos isômeros componentes do atracúrio, teria comportamento semelhante, expresso pela maior afinidade por receptores pré-sinápticos.

Além disso, o grupo renal diferiu do controle pelo uso de imunossupressores e corticosteróides. A interação com imunossupressores e bloqueadores neuromusculares é controversa. A ciclosporina potencializa o atracúrio e o vecurônio e está associada com o aumento da incidência de insuficiência respiratória no pós-operatório 54,55. A azatioprina não interfere com o grau de bloqueio neuromuscular. O tratamento crônico com altas doses de corticosteróides prolonga a recuperação do bloqueio induzido pelo vecurônio 56.

Concluímos que o início de ação, a duração clínica e o índice de recuperação são semelhantes entre os grupos normal e insuficiência renal, o tempo para a relação T4/T1 atingir 0,7 ou 0,9 foi maior no grupo insuficiência renal e nos pacientes com insuficiência renal crônica, o cisatracúrio não parece acumular-se.

Apresentadoem 15 de agosto de 2001

Aceito para publicação em 29 de outubro de 2001

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  • Endereço para correspondência
    Dr. Ismar Lima Cavalcanti
    Rua Alberto de Campos, 77 Cob. 1106 Ipanema
    22471-020 Rio de Janeiro, RJ
    E-mail:
  • *
    Recebido do Hospital Universitário Pedro Ernesto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e da Disciplina de Anestesiologia, Dor e Terapia Intensiva Cirúrgica da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Out 2005
    • Data do Fascículo
      Jun 2002

    Histórico

    • Aceito
      29 Out 2001
    • Recebido
      15 Ago 2001
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