Acessibilidade / Reportar erro

A farmacobotânica, ainda tem lugar na moderna anestesiologia?

¿La farmacobotánica, aún tiene lugar en la moderna anestesiología?

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Recentemente, o uso de chás medicinais - infusões, decoctos, tisanas, tinturas - ou medicamentos de origem vegetal vem sendo retomado de maneira sistemática e crescente na profilaxia e tratamento das doenças, ao lado da terapêutica convencional, na maioria dos países ocidentais. A presente revisão objetiva analisar as principais plantas que serviram como base de progresso para a moderna terapêutica anestesiológica através de sua utilização como modelos moleculares para síntese orgânica na moderna química fina de ponta, bem como fornecer mais embasamento sobre benefícios, potenciais efeitos adversos, interações e risco de efeitos colaterais que possam afetar o ato anestésico no paciente cirúrgico usuário habitual de fitoterapia. CONTEÚDO: Considerações anestesiológicas selecionadas são discutidas focalizando uma pequena revisão sobre ervas medicinais mais populares que foram essenciais no desenvolvimento de uma farmacologia anestesiológica e, ainda, as potenciais interações de plantas medicinais usadas por pacientes para tratar suas doenças ou controlar seus sintomas com drogas sintéticas usadas na anestesia. CONCLUSÕES: Enquanto a Medicina especializada fascina-se cada vez mais com a tecnologia avançada de novos fármacos e de fantásticos monitores, cresce em vários países o número de pacientes que desejam uma abordagem mais holística com rejeição dos modernos métodos de tratamento, optando por chás, meditações, dietas vegetarianas, anti-oxidantes, entre outros. Cabe ao anestesiologista avaliar quanto o conhecimento de farmacognosia e de farmacobotânica pode ajudá-lo na prática anestésica e, principalmente, na segurança de seu paciente.

ANESTESIOLOGIA; DROGAS; DROGAS


JUSTIFICATIVA Y OBJETIVOS: Recientemente, el uso de tés medicinales - infusiones, decocciones, tisanas, tinturas - o medicamentos de origen vegetal viene siendo retomado de manera sistemática y creciente en la profilaxis y tratamiento de las enfermedades al lado de la terapéutica convencional en la mayoría de los países occidentales. La presente revisión objetiva analizar las principales plantas que servirán como base de progreso para la moderna terapéutica anestesiólogica a través de su utilización como modelos moleculares para síntesis orgánica en la moderna química fina de punta, bien como suministrar más fundamento sobre beneficios, potenciales efectos adversos, interacciones y riesgo de efectos colaterales que puedan afectar el acto anestésico en el paciente cirúrgico usuario habitual de la fitoterapia. CONTENIDO: Son discutidas las consideraciones anestesiológicas seleccionadas, focalizando una pequeña revisión sobre hierbas medicinales más populares que fueron esenciales en el desenvolvimiento de una farmacología anestesiológica y aún, las potenciales interacciones de plantas medicinales usadas por pacientes para tratar sus enfermedades o controlar sus síntomas con drogas sintéticas usadas en la anestesia. CONCLUSIONES: En cuanto la Medicina especializada se fascina cada vez más con la tecnología avanzada de nuevos fármacos y de fantásticos monitores, crece en varios países el número de pacientes que desean una abordaje mas holística con rechazo de los modernos métodos de tratamiento, optando por tés, meditaciones, dietas vegetarianas, anti-oxidantes, entre otros. Cabe al anestesiologista evaluar cuanto el conocimiento de farmacognosia y de farmacobotánica puede ayudarlo en la práctica anestésica y, principalmente, en la seguridad de su paciente.


BACKGROUND AND OBJECTIVES: Recently, the use of medicinal teas - infusions, decoction, tisanes, dyeings - or drugs of vegetal origin are being systematically and increasingly revived to prevent and treat diseases together with conventional medicine in most Western countries. This review aimed at analyzing major herbs that were the basis for the progress of modern anesthetic therapy through their use as molecular models for organic synthesis in fine leading edge modern chemistry, as well as shedding more light on the advantages, potential adverse effects, interactions and risks for side-effects which may affect anesthesia in surgical patients users of phytotherapy. CONTENTS: Selected anesthesiologic considerations are discussed focusing a brief review of popular herbs essentials on the development of anesthetic pharmacology and the potential drug-herb interactions between synthetic drugs used in anesthesia and the medicinal herbs used by patients in their illness and symptoms management. CONCLUSIONS: While specialized Medicine is increasingly fascinated by the advanced technology of new drugs and fantastic monitors, there is an increasing trend in several countries for a more holistic approach and rejection of new treatment methods, with an option for teas, meditation, vegetarian diets and anti-oxidants, among others. It is the anesthesiologist’s role to evaluate how much pharmacognosy and pharmacobotany knowledge may help him in the anesthetic practice and, especially, in patients safety.

ANESTHESIOLOGY; DRUGS; DRUGS


ARTIGO ESPECIAL

A farmacobotânica, ainda tem lugar na moderna anestesiologia? * * Recebido do Departamento de Biofísica e Farmacologia, Centro de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, RN

¿La farmacobotánica, aún tiene lugar en la moderna anestesiología?

Nilton Bezerra do Vale, TSA

Professor Adjunto de Farmacologia e Anestesiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, RN

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Dr. Nilton Bezerra do Vale Av. Getúlio Vargas, 558/702 Petrópolis 59012-360 Natal, RN

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Recentemente, o uso de chás medicinais - infusões, decoctos, tisanas, tinturas - ou medicamentos de origem vegetal vem sendo retomado de maneira sistemática e crescente na profilaxia e tratamento das doenças, ao lado da terapêutica convencional, na maioria dos países ocidentais. A presente revisão objetiva analisar as principais plantas que serviram como base de progresso para a moderna terapêutica anestesiológica através de sua utilização como modelos moleculares para síntese orgânica na moderna química fina de ponta, bem como fornecer mais embasamento sobre benefícios, potenciais efeitos adversos, interações e risco de efeitos colaterais que possam afetar o ato anestésico no paciente cirúrgico usuário habitual de fitoterapia.

CONTEÚDO: Considerações anestesiológicas selecionadas são discutidas focalizando uma pequena revisão sobre ervas medicinais mais populares que foram essenciais no desenvolvimento de uma farmacologia anestesiológica e, ainda, as potenciais interações de plantas medicinais usadas por pacientes para tratar suas doenças ou controlar seus sintomas com drogas sintéticas usadas na anestesia.

CONCLUSÕES: Enquanto a Medicina especializada fascina-se cada vez mais com a tecnologia avançada de novos fármacos e de fantásticos monitores, cresce em vários países o número de pacientes que desejam uma abordagem mais holística com rejeição dos modernos métodos de tratamento, optando por chás, meditações, dietas vegetarianas, anti-oxidantes, entre outros. Cabe ao anestesiologista avaliar quanto o conhecimento de farmacognosia e de farmacobotânica pode ajudá-lo na prática anestésica e, principalmente, na segurança de seu paciente.

Unitermos: ANESTESIOLOGIA; DROGAS: farmacobotânica, interação

RESUMEN

JUSTIFICATIVA Y OBJETIVOS: Recientemente, el uso de tés medicinales - infusiones, decocciones, tisanas, tinturas - o medicamentos de origen vegetal viene siendo retomado de manera sistemática y creciente en la profilaxis y tratamiento de las enfermedades al lado de la terapéutica convencional en la mayoría de los países occidentales. La presente revisión objetiva analizar las principales plantas que servirán como base de progreso para la moderna terapéutica anestesiólogica a través de su utilización como modelos moleculares para síntesis orgánica en la moderna química fina de punta, bien como suministrar más fundamento sobre beneficios, potenciales efectos adversos, interacciones y riesgo de efectos colaterales que puedan afectar el acto anestésico en el paciente cirúrgico usuario habitual de la fitoterapia.

CONTENIDO: Son discutidas las consideraciones anestesiológicas seleccionadas, focalizando una pequeña revisión sobre hierbas medicinales más populares que fueron esenciales en el desenvolvimiento de una farmacología anestesiológica y aún, las potenciales interacciones de plantas medicinales usadas por pacientes para tratar sus enfermedades o controlar sus síntomas con drogas sintéticas usadas en la anestesia.

CONCLUSIONES: En cuanto la Medicina especializada se fascina cada vez más con la tecnología avanzada de nuevos fármacos y de fantásticos monitores, crece en varios países el número de pacientes que desean una abordaje mas holística con rechazo de los modernos métodos de tratamiento, optando por tés, meditaciones, dietas vegetarianas, anti-oxidantes, entre otros. Cabe al anestesiologista evaluar cuanto el conocimiento de farmacognosia y de farmacobotánica puede ayudarlo en la práctica anestésica y, principalmente, en la seguridad de su paciente.

OS PRIMÓRDIOS

Se na teoria “darwinista” da evolução a vida originou-se no mar, não é menos verdade que o processo da fotossíntese em vegetais terrestres e aquáticos forneceu a biomassa indispensável ao suprimento energético da auto-reprodução vegetal e animal, através da interação dos fótons solares com o pigmento clorofila. A reação química fitossintética na folha de plantas terrestres e algas marinhas ensejou a passagem de seres unicelulares a pluricelulares mais complexos, com dispendioso gasto calórico e ainda os protegeu contra a radiação cósmica e solar na superfície do planeta através da atmosfera gasosa que ainda continua a circundar o planeta terra 1-3.

Nos últimos dez mil anos de história da civilização agrícola do Homo sapiens, os produtos vegetais fontes de alimentos glicídicos, lipídicos e protéicos constituíram a base energética e estrutural da cadeia alimentar, o que garantiria suas migrações para caça, plantio, colheita e guerra. Originaram-se também de plantas, os ingredientes de rituais religiosos, de festas comemorativas da vida, sexo e morte, além do emprego medicinal ou mágico por pajés e feiticeiros. Todos os estudiosos da história da Medicina são unânimes em afirmar que o primeiro terapeuta teria sido um agricultor ou um pajé, no uso tradicional ou ritual de chás, linimentos, inalações e fumigações para alívio de males internos dos semelhantes ou tratamento de ferimentos adquiridos na caça cotidiana e em guerra temporária.

O primeiro herbário médico registrado (2838-2698 a.C.) foi incrementado pelo imperador chinês Shen Nung que catalogou cerca de 365 ervas medicinais e venenos usados sob inspiração taoísta de Pan Ku, deus da criação: a ordenação do caos dependeria da ordenação de dois pólos opostos - yang - luz, céu, calor, esquerdo e o yin - trevas, terra, frio, direito. Por volta de 1500 a C., a base da medicina hindu já estava revelada em dois textos sagrados: Veda (Aprendizado) e Ayurveda ( Aprendizado de Longa Vida). O médico hindu Susruta já tinha a sua disposição 760 plantas medicinais, como a Cannabis indica, indutor do sono e Rauwolphia serpentina, sedativo que era tomado diariamente pelo pacifista e libertador da Índia até sua morte em janeiro de 1948: Mahatma Gandhi. No Ocidente (1553-1550 a.C.), o papiro encontrado na região egípcia de Luxor por Georg Ebers em 1873, descreve o uso terapêutico de mais de 700 plantas usadas pelos sacerdotes na mesma época em que Imhotep construía as grandes pirâmides. Hipócrates (364 anos a.C.) que substituiu o fatalismo dos deuses pela observação clínica no tratamento do doente, já preconizava uso de ópio (suco da cápsula da Papaver somniferum) que fora trazido do Oriente pelo conquistador Alexandre, o Grande. O rei grego Mitrídates (120-63 a.C.) experimentou venenos e possíveis antídotos em seus escravos. Dioscórides (100 a.C.) - pai da farmácia grega - já utilizava minerais, produtos de origem animal e mais de 700 plantas descritas no seu tratado Materia Medica.

Na era Cristã, destaca-se a obra de Avicena (980-1037) - os Cânones - que introduziu na Medicina árabe, o álcool, a cânfora, a noz-vômica (Strychnos nux vomica), a erva-cidreira (Melissa officinalis) e óleo de cróton (Codiacum variegatum). O suíço Paracelso (1493-1541) que se interessava por magia, alquimia, cabala e Medicina, afirmou terem as plantas, na sua forma, a indicação medicamentosa e popularizou o uso de ópio na Europa; foi o primeiro a descrever em galinhas o efeito soporífico do “óleo de vitríolo” (éter) que fora obtido pelo espanhol Lullius (1275) com adição de ácido sulfúrico em vinho envelhecido. Withering (1741-1799) introduziu na Inglaterra o uso do digital no tratamento da hidropsia, cujo glicosídeo ainda hoje é utilizado na insuficiência cardíaca congestiva (aumento do Ca++ intracelular por bloqueio da ATPase Na+ K+). Da casca amarga da Chinchona peruana já utilizada como antipirético na Europa desde 1640, Pelletier e Caventou (1820) isolaram os dois principais alcalóides: l- cinchonidina e a l-quinina, 1ª droga antimalárica efetiva contra Plasmadium falciparum e para tratar “palpitações”; posteriormente, daria origem ao antiarrítmico cardíaco do grupo I: a d-quinidina (Wenckebach, 1923) Em 1874, o Dr. Sinfrônio Olímpio César Coutinho estudou a planta brasileira Pilocarpus jaborandi, cujo alcalóide (pilocarpina) é ainda usado no tratamento do glaucoma. Em 1877, Gilette utiliza morfina por via oral para analgesia de parto. Antes da inalação do éter como anestésico em 1846 (Morton), o poder inebriante do álcool nas suas mais diversas formas de fermentados (vinho, cerveja etc) e, principalmente, dos destilados com maior teor etanólico (rum, uísque, cachaça, vodca, saquê etc) foi utilizado como agente único para “anestesiar” pacientes submetidos a dolorosas intervenções cirúrgicas. Em 1928, Fleming isola do fungo Penicillium notatum, o antibiótico que dividiria a história da Medicina em dois períodos: antes e depois da penicilina 1-7.

No século XIX, a superação do empirismo da alquimia pela química experimental permitiu a síntese laboratorial de novas substâncias orgânicas, o que seria fator determinante da revolução industrial e tecnológica para produção acelerada de novos medicamentos. A descoberta da uréia por Wöhler em 1828 e o postulado da quadrivalência do carbono proposto por Kekulé em 1857, serviriam de base à síntese da malonil-uréia (ácido barbitúrico) por Adolph von Bayer em 1864. A modificação dessa molécula embasaria a descoberta de novos barbitúricos mais lipossolúveis que, há 60 anos, fazem parte das história mercadológica e farmacológica da anestesia como hipnóticos, indutores anestésicos, amnésticos e anticonvulsivantes.

Na 1ª edição da Farmacopéia brasileira (1929), a maioria dos medicamentos eram ainda de origem vegetal, enquanto na última edição, as plantas medicinais não alcançam a taxa de 5% 4, apesar do Brasil apresentar a maior diversidade biológica do mundo, pois somente a Amazônia ostenta o patrimônio de 600.000 espécies vegetais, das quais apenas 5% foram estudadas. Os alcalóides têm se constituído em produtos de destaque na farmacognosia, na toxicologia e na Medicina. De origem vegetal, os alcalóides são de caráter básico e levorotatório, isto é, com isomeria óptica levógira similar à dos amino-ácidos componentes das membranas orgânicas. Sua aplicação sempre tem contribuído para o progresso da farmacologia anestesiológica por seus diversos efeitos, ou então, servindo como estrutura modelar para rearranjos moleculares para a composição química de novos agentes semi-sintéticos ou sintéticos de reconhecida importância anestesiológica: l-morfina, l-efedrina, l-atropina, l-escopolamina, l-cocaína, pilocarpina, estricnina, entre outros 1-7.

Recentemente, o uso de chás medicinais - infusões, decoctos, tisanas, tinturas - ou medicamentos de origem vegetal vem sendo retomado de maneira sistemática e crescente na profilaxia e tratamento das doenças ao lado da terapêutica convencional na maioria dos países ocidentais 8,9. Por outro lado, os potenciais pacientes cirúrgicos também têm utilizado drogas “naturais” do reino vegetal, seja como complemento alimentar, suplemento energético ou vitamínico, seja baseados em simples consulta à mídia, ou ainda, na busca de terapêuticas alternativas diante de eventuais falhas na cura de suas doenças através da farmacologia oficial. Médicos e pacientes nem sempre conseguem literatura adequada para avaliar devidamente as vantagens e os riscos desta terapêutica substituta, sobretudo quando seu maior emprego é estimulado por práticas médicas não convencionais, como Medicina chinesa, Medicina holística, terapêutica médica indiana, macrobiótica, entre outras. Também não devem ser esquecidas outras práticas terapêuticas menos nobres ligadas a curanderismo e charlatanismo que também prescrevem medicamentos dos reinos mineral, animal e vegetal. Sendo xenobióticos, os fitoterápicos empregados no período pré-operatório podem afetar o ato anestésico ao interagir com os agentes anestésicos, tanto na fase farmacocinética, quanto na farmacodinâmica 2-9.

A presente revisão objetiva analisar as principais plantas que serviram como base de progresso para a moderna terapêutica anestesiológica através de sua utilização como modelos moleculares para síntese orgânica na moderna química fina de ponta, bem como fornecer mais embasamento sobre benefícios, potenciais efeitos adversos, interações e risco de efeitos colaterais que possam afetar o ato anestésico no paciente cirúrgico usuário habitual de fitoterapia.

PLANTAS MAIS IMPORTANTES NA FORMAÇÃO DO ARSENAL MEDICAMENTOSO ANESTESIOLÓGICO

Ervas medicinais e/ou princípios de origem vegetal podem participar da tríade básica da anestesia: analgesia, amnésia e miorrelaxamento, aliados à manutenção de estabilidade autonômica 2,7.

Analgesia

A analgesia pode ser obtida pela injeção perineural de bloqueadores de canais de Na+ ou uso de drogas que interagem com proteína G em receptores peptídicos endógenos do SNC - µ, k, d - que facilitam a hiperpolarização celular (influxo de K+).

Papaver somniferum - Derivados: l-morfina (Sertürner, 1803) e tebaína. O alcalóide fenantrênico extraído da cápsula da papoula - morfina - é o mais importante analgésico da atualidade, cujo nome é uma homenagem a Morfeu, Deus do sonho. Sua distribuição comercial vem sendo controlada desde o século passado, inicialmente pela Liga das Nações e hoje pela ONU em função da capacidade de provocar abuso e dependência física. Na Ásia, estão as maiores plantações de papoula que suprem o comércio farmacêutico para controle da dor e também fomentam o tráfico ilícito de drogas. A morfina e, principalmente, seus análogos semi-sintéticos e sintéticos, garantem a estabilidade, qualidade e potência da anestesia analgésica e espinhal 2,7,10.

Erythroxylon coca - Derivado: l- cocaína (Niemann, 1860). O arbusto (E. coca) foi uma prenda ofertada em sonho pelo Deus andino Manco Capac ao avô de Atahualpa (rei-sol degolado pelo espanhol Pizarro em 1533) para que os camponeses incas, mascando suas folhas, revigorassem suas energias na sua labuta sob o ar rarefeito nos planaltos dos Andes (mais de 3000 m acima do nível do mar). O sal ácido (pH 4,0-5,0), anestésico local por extração em meio de HCl, foi retirado do vinho Mariani (Europa) e da coca-cola (USA) em 1903 e proibido pela Liga das Nações (1913) pelo risco de abuso. Freud fez uma monografia sobre a cocaína (Über Coca), enaltecendo a sua ação euforizante e o papa Leão XIII (1863-1865) chegou a dar uma comenda ao prof. Mariani como benfeitor da humanidade. Atualmente, o único emprego médico do alcalóide é para evitar sangramento nasal durante a intubação nasotraqueal (USA) em função de seus efeitos vasocontritor intrínseco (bloqueio de recaptação de catecolaminas endógenas) e analgésico local 2,7,10,11.

Arundo donax - Derivados: lidocaína (Löfgren & Lundquist,1943) e triptamina (von Euler,1929). A aquirálica lidocaína foi sintetizada a partir de metilação de derivado de uma gramínea que “de tão amarga era rejeitada de ser ingerida até pelos próprios camelos” nos altiplanos asiáticos: a isogramínea. Avaliada clinicamente no pós-guerra por Gordh (1947), a lidocaína passou a ser o protótipo de novos anestésicos locais - grupo aminoamidas - não histaminérgicos, de metabolização hepática e de efeito mais prolongado 11-13.

Miorrelaxamento

Bloqueadores neuromusculares (BNM) interrompem a transmissão do impulso nervoso no receptor nicotínico (placa motora) proporcionando grau variado de paralisia muscular, de grande importância em cirurgia intra-abdominal. Plantas mais importantes que serviram de modelo estrutural para a síntese química 2,7,14,15:

Strychnos toxifera - derivado: alcurônio(nortoxiferina)

Grupo benzilisoquilínico

Chondodendron tomentosum - derivados: d-tubocurarina (King,1935), intocostrina (Griffith & Johnson, 1942), bebeerina (Scholtz,1913), kondrocurare (Vital Brasil, 1947)

Leontice lentopetalum - derivados da petalina (Stenlake,1981): atracúrio (Hughes,1981), composto pela mistura de dez estereoisômeros (3 cis e 7 trans), mivacúrio (Savarese, 1988) composto por três estereoisômeros (trans-trans, cis-trans, cis-cis), doxacúrio (Basta,1988) e o cisatracúrio (Stenlake,1993) com apenas um isômero cis. Nas doses clínicas, a liberação de histamina guarda relação direta com o número de isômeros na mistura final do BNM quinolínico, o que torna o cisatracúrio, o menos histaminérgico do grupo benzilisoquilínico.

Grupo amino-esteróide

Malouetia baquaertiana - principais derivados: pancurônio (Baird,1967) de ação prolongada, vecurônio (Agoston,1980), o mais cardioestável, rocurônio(Muir,1989), de mais rápida indução (± 1 minuto) e o rapacurônio (liberado pelo FDA em 1997) que foi retirado temporariamente do mercado americano pela Organon Co. (04/04/2001) devido à alta incidência de broncoespamos (> 3%) com cinco acidentes fatais.

Curiosidades: O mesmo explorador inglês - Sir Walter Raleigh - que levou as primeiras amostras do curare usado na caça por índios da região Amazônica (1596) para a Inglaterra, também levou folhas da Nicotiana tabacum da Virgínia (USA) para a corte inglesa elizabetiana em 1570 cujo hábito de fumar se expandiria para todo o império britânico, tornando o tabagismo o vício mais difundido na população adulta do mundo hodierno. Em 1618, o aventureiro inglês foi executado pela coroa espanhola... A flora da bacia dos rios mais importantes do planeta foram as fontes de extratos vegetais cujos modelos moleculares foram decisivos na síntese dos principais representantes de BNM adespolarizantes: do rio Amazonas, os gêneros Chondodendron e Strychnos (d-tubocurarina e nortoxiferina), do rio Nilo, o gên. Leontice (os isoquinolínicos) e do rio Congo, o gên. Malouetia (os amino-esteróides)

Adjuvantes Anestésicos

Alguns derivados semi-sintéticos e sintéticos de plantas medicinais ainda têm lugar de destaque para tratamento de estados hipodinâmicos, sobretudo no bloqueio químico simpático da anestesia espinhal, controle da ação vagal, descurarização, correção de arritmias e insuficiência cardíaca.

Ephedra sinica (ma huang) - Planta de regiões desérticas da China que apresenta como principais alcalóides no seu caule, a l-efedrina (30-90%), isolado por Nagai em 1887 e a psudoefedrina. A efedrina é uma amina adrenérgica a e b de ação hipertensora e cardioestimulante mista, mas provoca taquifilaxia no uso continuado; apresenta atividade estimulante central, midriátrica, broncodilatadora e descongestionante nasal. A interação pode provocar hipertensão arterial e disritmias na anestesia inalatória com halotano. De grande valia na correção de hipotensão arterial do bloqueio espinhal, especialmente na anestesia obstétrica, por menor redução da irrigação útero-placentária 2,16,17.

Curiosidade: Já sendo usada por Shen Nung por volta do ano 2700 a C. e na 2ª farmacopéia chinesa editada em 1552 por Li Shi-Chen - o Grande Herbário -, a planta ma huang era apresentada como antipirético, estimulante circulatório, anti-asmático e antitussígeno. Somente em 1927, Labat usa a efedrina no controle da hipotensão arterial da raquianestesia, quatro anos após Chen e Schmidt a terem introduzido na Medicina ocidental.

Atropa belladonna - A atropina proporciona bloqueio vagal muscarínico M1 e M2, assegurando correção da bradicardia provocada por drogas colinérgicas (opióides, pilocarpina, prostigmina) e cardiodepressoras (halotano, antagonista de Ca++, bloqueador b, bupivacaína), o controle da sialorréía e reversão da impregnação neuroléptica 2,7,18.

Curiosidade: A propriedade midriátrica e cicloplégica foi utilizada por damas das cortes européias para tornar os olhos mais bonitos e atraentes (do italiano: bella= bonita; donna=senhora); também a dificuldade de adaptar-se rapidamente à visão perto-longe tornava as usuárias mais populares com os mancebos presentes à festa devido à enorme dificuldade de enxergar quem era quem nos salões mal iluminados por velas e candelabros.

Physostigma venenosum (fava de Calabar ou noz de Eseré)- a fisostigmina (Jobst e Hesse, 1875) é uma amina terciária anticolinesterásica utilizada no tratamento da síndrome colinérgica central, na descurarização e como despertadora na sedação por benzodiazepínicos 2,7,17.

Curiosidade: A fava de Calabar (África Ocidental) era usada no teste da mentira para julgamento tribal de suspeitos de crime ou roubo; o que se julgava inocente, comia a poção rapidamente, o que provocava vômitos por sua ação irritativa do estômago; o criminoso ou ladrão, aterrorizado com o julgamento público e conhecedor da sabedoria do feiticeiro da tribo, bebia a poção lentamente e em pequenos tragos, o que permitia a absorção do alcalóide e exacerbação de graves efeitos colinérgicos centrais e periféricos.

Digitalis lanata - digoxina: glicosídeo inibidor da ATPase Na+/K+ miocárdica usado como cardiotônico (inotropismo positivo com menor consumo de ATP) e no tratamento de taquiarritmias (efeito anti-adrenérgico) 2,7.

Curiosidade: O êxito inicial no tratamento de uma mulher edemaciada - hidropsia - pelo inglês Withering, justificou a sua indicação inicial como diurético por efeito primário nos rins e não como decorrente da melhora hemodinâmica em função de maior inotropismo cardíaco. Somente com a moderna opção terapêutica dos vasodilatadores, o digital perdeu seu lugar de único fármaco efetivo no tratamento da insuficiência cardíaca congestiva 2.

POTENCIAIS INTERAÇÕES DE FITOTERÁPICOS COM A ANESTESIA

Uso crônico de chás e suplementos dietéticos podem interferir no ato anestésico à medida que seus efeitos potenciam ou inibam a hipnose, a analgesia e o miorrelaxamento, ou ainda, interfiram na estabilidade cardiovascular. A visita pré-anestésica ou a consulta anestésica devem ser utilizadas para inquirir o paciente ou seus familiares sobre o tipo de planta, erva ou produto vegetal usado, tempo de uso e quantidade. Na dúvida quanto à possível interação tóxica no sistema nervoso central (SNC), sistema cardiovascular (SCV), da cascata da coagulação ou das funções hepáticas, renais e digestivas, o bom senso manda que se suspenda a sua ingestão de uma a duas semanas antes da cirurgia 19-23.

A própria dieta do paciente pode interferir no seu humor, facilidade de induzir o sono e manter seu bem-estar. Assim, dieta habitual à base de lentilhas, soja, trigo e batata favorece a atividade ansiolítica benzodiazepínica no SNC, sobretudo se o paciente é vegetariano e abstinênio de carne vermelha e embutidos ricos em tirosina (precursora de catecolaminas). Como a serotonina é mediadora do sono de ondas cerebrais lentas, a ingestão habitual de produtor lácteos, carne branca de ave, nozes e banana (ricos em triptofânio), de açúcares (facilita a sua absorção intestinal) e, ainda, de vegetais ricos em K+ (alface, espinafre, água de coco etc), facilita a indução do sono e o efeito dos hipnóticos 2,7,24-31.

Potenciaçialização do Efeito Hipnótico

Esta interação é mais importante para potencial hipóxia pós-operatória decorrente de depressão respiratória por sedação residual, sobretudo nos pacientes idosos e obesos submetidos à anestesia geral. Podem ser observados diferentes graus de sedação decorrentes da combinação com hipnótico-sedativo usado no ato anestésico.

Valeriana officinalis (valeriana) - Extrato total das raízes desta planta européia apresenta óleos essenciais que atuam no receptor GABAA responsável pelo efeito hipnótico (indutor de sono) e ansiolítico. Pode potenciar efeito de hipnóticos e de analgésicos opióides 24-27.

Piper methysticum (kava-kava) - Os rizomas desta planta nativa de ilhas do pacífico detêm 5 a 8% de kava-lactonas que por atuação no sistema límbico, apresenta atividade miorrelaxante, anticonvulsivante, analgésica e ansiolítica. As lactonas potenciam álcool, barbituratos, benzodiazepínicos e antidepressivos 28,29.

Hypericum perforatum (erva de São João) - O extrato desta planta européia tem propriedades antidepressivas por inibição da recaptação neuronal de monoaminas e por apresentar atividade IMAO. Além de potenciar os antidepressivos clássicos, há relatos de prolongamento de efeito de hipnóticos usados concomitantemente 4,30.

Cannabis sativa (maconha): D9 e D8 - tetrahidrocanabinol apresentam efeitos hipnótico, sedativo, analgésico, anticonvulsivante, amnéstico, antiemético e redutor da pressão intra-ocular, além do efeito alucinógeno. Os canabinóides provocam sonolência associada à taquicardia, xerostomia e reação de pânico ao despertar 29,30.

Chás hipnóticos: Pimpinella anisum (erva-doce), Melissa officinalis (erva-cidreira), Cybopoghon citratus (capim-santo, cidrão), Passiflora edulis (maracujá) e Matricaria chamomilla (camomila) usados como chás, apresentam discreta ação sedativa (óleos essenciais? flavanóides? cisterpenos?), podendo prolongar o efeito dos hipnóticos 22,23,32.

Álcool etílico, extraído de plantas por fermentação (baixo teor < 12%) e por destilação (< 60%) em alambique (método árabe) foi considerado na Europa medieval como elixir da vida (aqua vitae). Condenado na Bíblia, Torat e, sobretudo, no Corão, o etanol também foi descrito como indutor de crime na época elizabetana (século XVI), chegando até a sua proibição total nos USA - a lei seca - de 1929 a 1933, sem êxito. Quando associado ao tabagismo, o alcoolismo é uma dependência de tratamento dificílimo. Na realidade, apesar da euforia inicial, seu efeito principal é deprimir o SNC de maneira dose-dependente, potenciando todos os hipnóticos, sedativos, analgésicos e anestésicos gerais 24.

Diminuição do Efeito Hipnótico

Coffea arabica - Planta originária da Etiópia que se expandiu pelo império Otamano com finalidades médicas ou religiosas, como “vinho muçulmano”, pois o vinho alcoólico é proibido pelo Corão. Bem adaptada ao Brasil, suas sementes produzem cafeína - metilxantina bloqueadora da fosfodiesterase com efeito despertador. A leve dependência a seu efeito estimulante é mundialmente aceita sem restrições. Excesso de “cafezinho” é reconhecido clinicamente como causador de insônia e gastrite. Esta xantina é usada como coadjuvante na analgesia da cefaléia pós-raqui, estimulante respiratório em neonatologia e como coadjuvante na redução de episódios de apnéia noturna do adulto. Outras plantas também são produtora de metil-xantinas, embora com menor quantidade de cafeína: Paulinea cupana (guaraná), Theobroma cacao (cacau), Ilex paraguariensis (chá-mate), Cola acuminata (coca-cola), Thea sinensis (chá preto) 33.

Ephedra sinica (ma huang) - Planta chinesa com efeito adrenérgico misto que pode ser usado como estimulante, descongestionante nasal e pode provocar ataque de pânico, crise hipertensiva e disritmias cardíacas. É contra-indicada em parturientes em uso do retrator uterino metil-ergonovina, em portadores de feocromocitoma e usuários de IMAO 16,17,22,23.

Erytroxylon coca - Planta andina cujo alcalóide, a cocaína, aspirada pelo nariz como pó ou inalada a sua fumaça por pirólise do “crack” a 90 ºC, exerce efeito estimulante, convulsivante, anoréxico e afrodisíaco. Sua aspiração aumenta a toxicidade cardíaca da cetamina e do halotano (taquidisritmias) com ou sem convulsão com elevado risco de edema agudo de pulmão e parada cardíaca. Cocaína constitui importante droga de abuso com graves implicações sociais 22,23,34,35.

Panax ginseng (ginseng) - A raiz age como “adaptogênico psicológico” reduzindo fadiga e estresse; pode provocar hipertensão arterial e taquicardia em interação com efedrina e insônia após doses mais elevadas, sobretudo em usuários de estimulantes menores contendo xantinas (café, guaraná, coca-cola etc) 29,31.

Aumento do Bloqueio Neuromuscular

As toxinas botulínica e saxitoxina elevam o risco de hipóxia por deficiente recuperação dos efeitos paralisantes do curare (BNM) ou por acentuar a ação residual dos anestésicos inalatórios ou venosos.

Clostridium botulinum (bactéria anaeróbica) - a toxina botulínica desta bactéria bloqueia a liberação pré-sináptica de acetilcolina potenciando o efeito paralisante respiratório dos BNM 2,14.

Gonyaulax catanella, tamerensis (algas da maré vermelha) - ingestão do peixe envenenado com a toxina saxitoxina provoca o bloqueio do portão da entrada do canal de sódio da membrana nervosa (efeito adespolarizante), potenciando a ação miorrelaxante dos BNM 2,14.

Aumento da Toxicidade Cardiovascular

O desequilíbrio hemodinâmico é mais evidente na anestesia geral inalatória com o halotano ou na venosa com a cetamina pelo aparecimento de graves distúrbios cardiocirculatórios, sobretudo graves disritmias 32-34.

Ephedra sinica (ma huang) - Adrenérgico de efeito misto que pode ser usado como estimulante, descongestionante nasal e para corrigir quadro hipotensivo da anestesia espinhal. Pode provocar ataque de pânico e crise hipertensiva. Graves disritmias cardíacas têm sido relatadas em pacientes em uso do alcalóide, quando digitalizados e durante a anestesia com o halotano ou cetamina. É contra-indicada em parturientes em uso do retrator uterino metil-ergonovina, portadores de feocromocitoma e usuários de IMAO 16,17,33.

Erytroxylon coca - Planta de origem andina cujo alcalóide, a cocaína (pó aspirado ou fumaça inalada do “crack”) aumenta a toxicidade cardíaca da cetamina e do halotano por intensa estimulação simpática, podendo a hipertensão arterial e taquiarritmias serem acompanhadas de convulsão e hipóxia com elevadíssimo risco de vida: edema agudo de pulmão e parada cardíaca 23,33,34.

Nicotiana tabacum - Sementes da planta foram levadas do Brasil para França por Andre Thevet em 1556 que a denominou “nicotiana” em homenagem a Jean Nicot que lhe descrevera as propriedades medicinais e prazerosas (1559). Das suas folhas foi extraída a nicotina (Posselt & Reiman,1828), um estimulante médio responsável pela mais difundida dependência química socialmente aceita. Usado cronicamente, o alcalóide determina aumento de carboxihemoglobinemia; uso crônico provocar estados patológicos como DPOC, coronariopatia que dificultam o ato anestésico, além de provocar câncer (componentes cancerígenos da fumaça) e baixo peso fetal por vasoconstrição útero-placentária 2,23.

Panax ginseng (ginseng) - A raiz do ginseng asiático é rica em ginsenosídeos (5-7%) que melhoram a performance intelectual (anti-estresse) e funciona como “adaptogênico psicológico”. Panaxanos podem reduzir a glicose do sangue e melhorar a função imunológica. Também podem provocar hipertensão arterial e taquicardia em hipertensos e cardíacos descompensados ou em interação com usuários de efedrina e cocaína ou de estimulantes menores (xantinas) 19,29,35.

Cannabis sativa - Inalação da fumaça do cigarro (“baseado”, “dollar”, “fininho”) de flores, folhas ou resina (haxixe) que é rica em canabidióis psicoativos que provoca alucinação, hiperemia conjuntival e taquicardia (estimulação simpática) 22,23.

Claviceps purpurea - Fungo que contamina os grãos do centeio pela presença de ergotamina que pode induzir a doença de Santo Antônio (ergotismo) ao provocar isquemia dos membros inferiores e alucinações (precussor do LSD-25). Uso venoso do derivado metilado - metilergonovina - como retrator urterino pós-parto pode provocar taquicardia, hipertensão, vômitos e interagir toxicamente com halotano, cetamina e efedrina (taquiarritmias) 22,23,33.

Datura stramonium, arborea, fastuosa - Vulgarmente denominadas “império-roxo”, maxixe-brabo”, “zabumba”, são ricas em l-hioscina e hioscinamina dotados de atividade atropínica que pode provocar taquicardia, boca e pele secas, agitação e alucinação 2,7,18.

Hypericum perforatum (Erva de São João) - Antidepressivo, com atividade IMAO e bloqueadora da recaptação de monoaminas cerebrais, pode aumentar a pressão arterial, bem como causar agitação, confusão mental e sonolência no paciente cirúrgico 4,19.

Glycyrrhiza glabra (alcaçuz) - Extrato do rizoma pode provocar hipertensão arterial, edema, hipocalemia (arritmogênica?) e alteração plaquetária, por inibição do metabolismo do cortisol e aldosterona 19,29,30.

Maior Risco de Sangramento

Mais importante em usuários de terapêutica anticoagulante, portadores de discrasia e no emprego de bloqueio anestésico espinhal, especialmente no uso de catéteres para injeção de anestésico local

Ginkgo biloba (gingko) - As folhas desta árvore chinesa de até 1000 anos são ricas em terpenos lactonas (bioflavonoides-6%) com propriedades vasodilatadoras e glicosídeos flavonas (23%) utilizadas em várias patologias do idoso (amnésia, retinopatia, claudicação etc). Pode aumentar o risco de sangramento, especialmente em pacientes sob terapêutica fibrinolítica por inibição do PAF 36,37.

Allium sativum (alho) - O alho (liliácea) apresenta propriedades fibrinolítica, antiplaquetária, antioxidante, hipotensora (presença de prostaglandinas) e redutora de colesterol 38,39.

Zingiber officinale (gengibre) - Planta asiática (zingiberácea) que inibe a agregação plaquetária, além de apresentar efeito antiemético e discreto efeito analgésico 40,41.

Panax ginseng (ginseng) - Pode reduzir a adesividade plaquetária e deve ser evitado em pacientes sob terapêutica de heparina, anticoagulante oral e os salicilatos 35,42,43.

Salix alba (salgueiro) - Planta européia (espirácea) de cujo extrato foi extraída a salicilina em 1829 por Leroux, da qual a síntese do ácido salicílico ocorreria apenas em 1899 (Hoffman da Bayer); além de antipirético e antiinflamatório, inibe irreversivelmente a ciclooxigenase plaquetária (antitromboxane A2), aumentando o risco de sangramento durante uma semana 44.

CONCLUSÕES

Uso habitual de fitoterápicos, complemento alimentar com produtos de origem vegetal ou opção dietética vegetariana devem fazer parte de questionário na visita pré-anestésica ou na consulta anestésica, sobretudo na população feminina, para que sejam estabelecidas medidas preventivas para eventuais interações medicamentosas e incrementadas medidas de segurança per e pós-operatórias. Na ausência de conhecimento farmacognósico atualizado, uma boa determinação preventiva para o usuário habitual das plantas medicinais com potencial de interação, seria a suspensão do fitoterápico por 1 a 2 semanas antes da cirurgia programada 4,19,24,43-47.

Atentar que a cultura leiga dominante apresenta viés ecológico “verde” de risco incrementado pela mídia: o remédio “natural” extraído de planta deve ser mais seguro do que o sintético. Em primeiro lugar, o princípio ativo varia de planta a planta em função da biodiversidade, código genético, condições climáticas, mudanças sazonais, índice pluviométrico, luminosidade, lençol freático, condições do solo, etc. Um bom exemplo ocorreu no Brasil no século XIX. Objetivando melhor controle do tratamento da malária, Dom Pedro I trouxe do Peru para plantar em Campos do Jordão mudas de Chinchona para extração do antimalárico das cascas; entretanto, obteve-se apenas uma quantidade desprezível de quinina. Em segundo lugar, deve ser mostrada a existência de plantas sabidamente tóxicas e produtoras de venenos mortais, mesmo sob cuidados médicos intensivos em UTI ou CTI, como a abrina do jequeriti (Abrus precatorius), a ricina da mamoma (Ricinus communis), a “manipueira” - linamarina e cianeto - da mandioca-brava (Manihot utilissima), a saxitoxina das algas Gonyaulax, a toxina do pinhão-de purga (Jathropa curcas) e o oxalato de cálcio do cacto “comigo-ninguém-pode” (Diffenbachia picta), entre outras. Finalmente, há necessidade de serem realizados mais estudos e testes melhor controlados com produtos de origem vegetal, visando obter parâmetros mais confiáveis em relação ao risco e/ou à segurança perioperatória de plantas medicinais. É de conhecimento corrente que produtos de origem vegetal estão relacionados dentre os mais potencialmente liberadores de histamina na prática anestésica como penicilina, vancomicina, d-tubocurarina, cocaína, procaína, salicilina, morfina, entre outros 2,9,15,44-47.

Os derivados vegetais de uso no tratamento homeopático não proporcionam risco de monta na interação medicamentosa no ato anestésico em função da pequena dose administrada. A dose mínima “efetiva” decresce no processo de dinamização ao nível milesimal, isto é, muito abaixo da janela terapêutica.

Enquanto a Medicina especializada fascina-se cada vez mais com a tecnologia avançada de novos fármacos e de fantásticos monitores, cresce em vários países o número de pacientes que desejam uma abordagem mais holística com rejeição dos modernos métodos de tratamento, optando por chás, meditações, dietas vegetarianas, anti-oxidantes, entre outros. Cabe ao anestesiologista avaliar quanto o conhecimento de farmacognosia e de farmacobotânica pode ajudá-lo na prática anestésica e, principalmente, na segurança de seu paciente.

Apresentado em 22 de setembro de 2001

Aceito para publicação em 29 de novembro de 2001

  • 01. Margotta R - História Ilustrada da Medicina, 1ª Ed, São Paulo, Editora Manole, 1998;8-170.
  • 02. Rocha e Silva M - Fundamentos da Farmacologia e suas Aplicações à Terapêutica. 2ª Ed, São Paulo, Edart, 1968;2-38.
  • 03. Farmacopéia Brasileira. São Paulo, Ed Edart, 1987.
  • 04. Gruenwald J, Brendler T, Jaenicke C - PDR for Herbal Medicines. 1st Ed, New Medical Economics Co, Monvale, 1998; 826-827.
  • 05. Vale NB - Sesquicentenário da anestesia obstétrica. Rev Bras Anestesiol, 1998;48:424-440.
  • 06. Vale NB - Centenário da raquianestesia cirúrgica. Rev Bras Anestesiol, 1998;48:507-520.
  • 07. Vale NB - Princípios de farmacodinâmica de drogas anestésicas. Rev Bras Anestesiol, 1994;44:13-23.
  • 08. Eisenberg DM, Kessler RC, Foster C - Unconventional medicine in the United States. N Engl Med, 1993;328:146-252.
  • 09. Eisenberg D, Davis RB, Ettner SL et al - Trends in alternative medicine use in the United States, 1990-1997: results of a follow-up national survey. JAMA, 1998;280:1569-1575.
  • 10. Gutstein HB, Akil H - Opioid Analgesics, em: Hardman JG, Limbird LE, Gilman AG - Godman & Gilman´s The Pharmacological Basis of Therapeutics, 10th Ed, New York, McGraw-Hill, 2001; 569.
  • 11. Sten L - Xylocaine (lidocaine, lignocaine), its discovery and Gordhs contribution to its clinical use. Acta Anaesthesiol Scand, 1998;42:(Suppl113):12.
  • 12. Gordh T - Xylocaine, a new local analgesic. Anaesthesia, 1949;4:4.
  • 13. Catterall WA, Mackie K - Local Anesthetics, em: Hardman JG, Limbird LE, Gilman AG - Godman & Gilman´s The Pharmacological Basis of Therapeutics, 10th Ed, New York, McGraw-Hill, 2001;367.
  • 14. Taylor P - Agents Acting at the Neuromuscular Junction and Autonomic Ganglia, em: Hardman JG, Limbird LE, Gilman AG - Godman & Gilman´s The Pharmacological Basis of Therapeutics, 10th Ed, New York, McGraw-Hill, 2001;193.
  • 15. Brown NJ, Roberts II JL - Histamine, Bradikinin and their Antagonists, em: Hardman JG, Limbird LE, Gilman AG - Godman & Gilman´s The Pharmacological Basis of Therapeutics, 10th Ed, New York, McGraw-Hill, 2001;645.
  • 16. Gurley BJ, Wang P, Garnder SF - Ephedrine-type alkaloid content of nutritional supplements containing Ephedra sinica (Ma huang) as determined by high performance liquid chromatography. J Pharm Sci, 1998;87:1547-1553.
  • 17. Ralston DH, Snhider SM, Lorimier AA - Effect of equipotent ephedrine, metaraminol, mephentemine, and methoxamine on uterine blood flow in pregnant ewe. Anesthesiology, 1974;40: 354-370.
  • 18. Brown HJ, Taylor P - Muscarinic Receptor Agonists and Antagonist, em: Hardman JG, Limbird LE, Gilman AG - Godman & Gilman´s The Pharmacological Basis of Therapeutics, 10th Ed, New York, McGraw-Hill, 2001;155.
  • 19. Leak JA - Perioperatiove considerations in the management of the patient taking herbal medicines. Curr Op Anaesthesiology, 2000;13:321-325.
  • 20. Vale NB - Interações medicamentosas na anestesia regional. Rev Bras Anestesiol, 1994;44:95-102.
  • 21. Vale NB - Interação dos anestésicos halogenados. Rev Bras Anestesiol, 1994;44:187-194.
  • 22. Ramanathan J, D´Alessio JG - Drug Interactions in Obstetric Patients, em: Datta S - Common Problems in Obstetric Anesthesia. St Louis, Ed Mosby, 1995;133.
  • 23. Vale NB - Interações medicamentosas na anestesia venosa. Rev Bras Anestesiol, 1997;47:465-476.
  • 24. Charney D, Mihic SJ, Harris RA - Hypnotics and Sedatives em: Hardman JG, Limbird LE, Gilman AG - Godman & Gilman´s The Pharmacological Basis of Therapeutics, 10th Ed, New York, McGraw-Hill, 2001;399.
  • 25. Lindhal O, Lindwell L - Double blind study of a valerian preparation. Pharmacol Biochem Behav, 1989;32:1065-1066.
  • 26. Leathwood PD, Chauffard F, Heck E et al - Aqueous extract of valerian root improves sleep quality in man. Pharmacol Biochem Behav, 1982;17:65-71.
  • 27. Capasso A, DeFco V, Desimom F - Pharmacological effects of aqueous extracts of Valerian adescendens Physiother Res Int, 1996;10:309-312.
  • 28. Anon P - Piper methysticum (kava-kava). Altern Med Rev, 1998;3:458-460.
  • 29. Almeida JC, Grimsley EW - Coma from the health food store: interaction between kava kava and alprazolam. Ann Int Med, 1996;125:940-941.
  • 30. Leak J - Herbal medicine: is it an alternative or an unknown? A brief review of popular herbs used by patients in a pain and symptoms management practice setting. Current Review of Pain, 1995;3:226-236.
  • 31. Vale NB - Manipulações Psicofarmacológicas de Preparações de Passiflora edulis - Tese de Mestrado defendida na Escola Paulista de Medicina, 1983.
  • 32. Undem BJ, Lichtenstein LM - Drugs Used in Treatment of Asthma em: Hardman JG, Limbird LE, Gilman AG - Godman & Gilman´s The Pharmacological Basis of Therapeutics, 10th Ed, New York, McGraw-Hill, 2001;745.
  • 33. Hoffman BB - Cathecolamines, Sympathicomimetics Drugs, and Adrenergics Receptor Antagonists, em: Hardman JG, Limbird LE, Gilman AG - Godman & Gilman´s The Pharmacological Basis of Therapeutics, 10th Ed, New York, McGraw-Hill, 2001;215.
  • 34. Vale NB - Cocaína e anestesia: interface do uso médico e não médico. Rev Bras Anestesiol, 1992;42:103-105.
  • 35. Lui CX, Xiao PG - Recent advances on ginseng research in China. J Ethnopharmacol, 1992; 36:27-38.
  • 36. Braquet P - BN 52021 and related compounds: a new series of highly specific PAF-Acether receptor antagonists isolated from Ginkgo biloba Blood Vessels, 1985;16:559-572.
  • 37. Braquet P, Bourgain RH - Anti-anaphylactic properties of BN 52021: a potent platelet activating factor antagonist. Adv Exp Med Biol, 1987;215:215-235.
  • 38. Beaglchole R - Garlic for flavor, not cardioprotection. Lancet, 1996;348:1186-1187.
  • 39. Bordia A - Effect of garlic on human platelet aggregation in vitro Atherosclerosis, 1978;30: 355-360.
  • 40. Phillips S, Ruggier R, Hutchinson S - Zingiber officinalis (ginger): an antiemetic for day surgery. Anaesthesia, 1993;48:715-717.
  • 41. Arfeen Z, Owen H, Plummer J et al - A double-blind random controlled trial of ginger for the prevention of postoperative nausea and vomiting. Anaesth Intensive Care, 1995;23:449-452.
  • 42. Kuo SC, Teng CM, Lee JG et al - Antiplatelet components of Panax ginseng Plant Med, 1990; 56:164-167.
  • 43. Greenspan EM - Ginseng and vaginal blending. JAMA, 1983; 249:2018.
  • 44. Roberts LJ, Morrow JD - Analgesic-Antipyretic and Antiinflamatory Agents and Drugs Employed in the Treatment of Gout, em: Hardman JG, Limbird LE, Gilman AG - Godman & Gilman´s The Pharmacological Basis of Therapeutics, 10th Ed, New York, McGraw-Hill, 2001;687.
  • 45. Fugh-Berman A - Herb-drug interactions. Lancet, 2000;355: 134-138.
  • 46. Kouparis LS - Harmless herbs: a cause for concern? Anaesthesia, 2000;55:101-102.
  • 47. Miller LG - Herbal medicinals: selected clinical considerations focusing on known or potential drug-herb interactions. Arch Int Med, 1998;158:2200-2211.
  • Endereço para correspondência
    Dr. Nilton Bezerra do Vale
    Av. Getúlio Vargas, 558/702 Petrópolis
    59012-360 Natal, RN
  • *
    Recebido do Departamento de Biofísica e Farmacologia, Centro de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, RN
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Out 2005
    • Data do Fascículo
      Jun 2002

    Histórico

    • Recebido
      22 Set 2001
    • Aceito
      29 Nov 2001
    Sociedade Brasileira de Anestesiologia R. Professor Alfredo Gomes, 36, 22251-080 Botafogo RJ Brasil, Tel: +55 21 2537-8100, Fax: +55 21 2537-8188 - Campinas - SP - Brazil
    E-mail: bjan@sbahq.org