Acessibilidade / Reportar erro

Abscesso peridural após analgesia controlada pelo paciente por via peridural: relato de caso

Absceso peridural después de analgesia controlada por el paciente por vía peridural: relato de caso

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A analgesia peridural é freqüentemente utilizada para o controle da dor pós-operatória ou para tratamento da dor crônica em pacientes oncológicos. No entanto, não está isenta de complicações. Neste caso, relatamos a ocorrência de abscesso peridural em paciente jovem, hígida, que foi submetida a analgesia peridural em bomba de infusão controlada pela paciente, que apresentou abscesso peridural, sendo necessária descompressão cirúrgica. RELATO DO CASO: Paciente do sexo feminino, 24 anos, 56 kg, 1,65 m, estado físico ASA I, com história de lombalgia e dificuldade de flexão da coxa esquerda, foi submetida à cirurgia para liberação da musculatura posterior do quadril. Três dias após a alta hospitalar retornou ao hospital queixando-se de dor no local da incisão cirúrgica e durante a realização dos exercícios fisioterápicos. Foi internada e programada analgesia controlada pelo paciente (ACP) por via peridural, para possibilitar o tratamento fisioterápico. No centro cirúrgico foi feita sedação por via venosa com midazolam (2,5 mg) e fentanil (25 µg), anti-sepsia da pele e realizada punção peridural no espaço L3-L4. Após dose teste foram injetados ropivacaína a 0,75% (75 mg) e fentanil (100 µg) e passado cateter peridural em sentido cefálico, sem intercorrências. Foi instalada bomba de ACP contendo solução fisiológica a 0,9% (85 ml), bupivacaína a 0,5% (25 mg) e fentanil (500 µg), programada com fluxo constante de 4 ml.h-1 e bolus de 2 ml a cada 20 minutos. No 3º dia a paciente relatou incômodo no local da inserção do cateter, sendo o mesmo retirado. Havia discreta hiperemia no local. Após vinte e dois dias, a paciente retornou ao hospital com dor de grande intensidade na região lombossacra com irradiação para os membros inferiores e limitação dos movimentos. Não havia deficit neurológico ou sinais flogísticos no local da punção ou na ferida operatória. Foi feita hipótese de abscesso peridural e a ressonância nuclear magnética confirmou a presença do mesmo em L3-L4 (2 x 3 cm), realizada laminectomia, a cultura do material mostrou tratar-se de staphilococcus aureus. A paciente evoluiu bem, sem seqüela neurológica. CONCLUSÕES: A analgesia peridural, muitas vezes utilizada para o controle da dor pós-operatória ou da dor crônica, embora muito efetiva, não está livre de complicações, ainda que raras, como o abscesso peridural.

ANALGESIA, Pós-Operatória; COMPLICAÇÕES


JUSTIFICATIVA Y OBJETIVOS: La analgesia peridural frecuentemente es utilizada para el control del dolor pos-operatorio o para tratamiento del dolor crónico en pacientes oncológicos. No obstante no está exenta de complicaciones. En este caso, relatamos la ocurrencia de absceso peridural en una joven paciente, hígida, que fue sometida a analgesia peridural en bomba de infusión controlada por la paciente, que presentó absceso peridural, siendo necesaria descompresión quirúrgica. RELATO DE CASO: Paciente de sexo femenino, 24 años, 56 kg, 1,65 m, estado físico ASA I, con historia de lombalgia y dificultad de flexión del muslo izquierdo, fue sometida a cirugía para liberación de la musculatura posterior del cuadril o anca. Tres días después del alta hospitalar retornó al hospital quejándose de dolor en el local de la incisión quirúrgica y durante la realización de los ejercicios fisioterápicos. Fue internada y programada analgesia controlada por la paciente (ACP) por vía peridural, para posibilitar el tratamiento fisioterápico. En el centro quirúrgico fue hecha sedación por vía venosa con midazolam (2,5 mg) y fentanil (25 µg), anti-sepsia de la piel y realizada punción peridural en el espacio L3-L4. Después de la dosis test fueron inyectados ropivacaína a 0,75% (75 mg) y fentanil (100 µg) y pasado catéter peridural en sentido cefálico, sin interocurrencias. Fue instalada bomba de ACP conteniendo solución fisiológica a 0,9% (85 ml), bupivacaína a 0,5% (25 mg) y fentanil (500 µg), programada con flujo constante de 4 ml.h-1 y bolus de 2 ml a cada 20 minutos. En el 3º día la paciente relató incómodo en el local de la inserción del catéter, siendo el mismo retirado. Había discreta hiperemia local. Después de veintidós días, la paciente retornó al hospital con dolor de grande intensidad en la región sacrolumbar con irradiación para los miembros inferiores y limitación de los movimientos. No había deficit neurológico o señales flogísticos en el local de la punción o en la herida operatoria. Fue hecha hipótesis de absceso peridural y la resonancia nuclear magnética confirmó la presencia del mismo en L3-L4 (2 x 3 cm), realizada laminectomia, la cultura del material mostró tratarse de staphilococcus aureus. La paciente evoluyó bien, sin secuela neurológica. CONCLUSIONES: La analgesia peridural, muchas veces utilizada para el control del dolor pos-operatorio o del dolor crónico, aun cuando muy efectiva, no está libre de complicaciones, aunque raras, como el absceso peridural.


BACKGROUND AND OBJECTIVES: Epidural analgesia is often used to control postoperative pain or to manage chronic pain in oncologic patients. However, it is not free from complications. This case reports a young healthy female patient submitted to epidural analgesia in patient-controlled infusion pump, which developed epidural abscess requiring surgical decompression. CASE REPORT: Female patient, 24 years of age, 56 kg, 1.65 m, physical status ASA I, with history of low back pain and difficulty to bend left thigh, submitted to posterior hip muscles surgical release. Three days after hospital discharge, patient returned referring pain at surgical incision site and during physical therapy. Patient was admitted to hospital and patient-controlled epidural analgesia (PCA) was prescribed to allow physical therapy. Patient was sedated in the operating room with intravenous midazolam (2.5 mg) and fentanyl (25 µg), skin was disinfected and epidural puncture was performed at L3-L4 interspace. After the test dose, 0.75% ropivacaine (75 mg) and fentanyl (100 µg) were injected and an epidural catheter was inserted in the cephalad direction without intercurrences. PCA pump containing 0.9% saline solution (85 ml), 0.5% bupivacaine (25 mg) and fentanyl (500 µg) was installed, with constant 4 ml.h-1 flow and 2 ml bolus at 20-minute intervals. In the 3rd day, patient referred discomfort at catheter insertion site and catheter was removed. There was mild local hyperemia. Twenty-two days later patient returned to hospital with severe lumbosacral movement-limiting pain irradiating to lower limbs. There were no neurological deficits or flogistic signs at puncture site or surgical wound. The hypothesis was epidural abscess confirmed by MRI at L3-L4 (2 x 3 cm). After laminectomy, material culture has revealed staphylococcus aureus. Patient evolved well without neurological sequelae. CONCLUSIONS: Epidural analgesia often used to control postoperative or chronic pain, although very effective, is not free from severe, although rare complications, such as epidural abscess.

ANALGESIA, Postoperative; COMPLICATIONS


INFORMAÇÃO CLÍNICA

Abscesso peridural após analgesia controlada pelo paciente por via peridural. Relato de caso* * Recebido do Centro de Ensino e Treinamento em Anestesiologia do Instituto Penido Burnier e Centro Médico de Campinas, SP

Absceso peridural después de analgesia controlada por el paciente por vía peridural. Relato de caso

Múcio Paranhos de Abreu, TSAI; Roberto de Góis Deda II; Luis Henrique CangianiIII; Hernando Mauro Diógenes AquinoII; Jair OrtizIV

IInstrutor do CET/SBA

IIME2 do CET/SBA

IIIME1 do CET/SBA

IVOrtopedista do Centro Médico de Campinas

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Dr. Múcio Paranhos de Abreu Av. Nossa Senhora de Fátima, 805/J73 Taquaral 13090-130 Campinas, SP

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A analgesia peridural é freqüentemente utilizada para o controle da dor pós-operatória ou para tratamento da dor crônica em pacientes oncológicos. No entanto, não está isenta de complicações. Neste caso, relatamos a ocorrência de abscesso peridural em paciente jovem, hígida, que foi submetida a analgesia peridural em bomba de infusão controlada pela paciente, que apresentou abscesso peridural, sendo necessária descompressão cirúrgica.

RELATO DO CASO: Paciente do sexo feminino, 24 anos, 56 kg, 1,65 m, estado físico ASA I, com história de lombalgia e dificuldade de flexão da coxa esquerda, foi submetida à cirurgia para liberação da musculatura posterior do quadril. Três dias após a alta hospitalar retornou ao hospital queixando-se de dor no local da incisão cirúrgica e durante a realização dos exercícios fisioterápicos. Foi internada e programada analgesia controlada pelo paciente (ACP) por via peridural, para possibilitar o tratamento fisioterápico. No centro cirúrgico foi feita sedação por via venosa com midazolam (2,5 mg) e fentanil (25 µg), anti-sepsia da pele e realizada punção peridural no espaço L3-L4. Após dose teste foram injetados ropivacaína a 0,75% (75 mg) e fentanil (100 µg) e passado cateter peridural em sentido cefálico, sem intercorrências. Foi instalada bomba de ACP contendo solução fisiológica a 0,9% (85 ml), bupivacaína a 0,5% (25 mg) e fentanil (500 µg), programada com fluxo constante de 4 ml.h-1 e bolus de 2 ml a cada 20 minutos. No 3º dia a paciente relatou incômodo no local da inserção do cateter, sendo o mesmo retirado. Havia discreta hiperemia no local. Após vinte e dois dias, a paciente retornou ao hospital com dor de grande intensidade na região lombossacra com irradiação para os membros inferiores e limitação dos movimentos. Não havia deficit neurológico ou sinais flogísticos no local da punção ou na ferida operatória. Foi feita hipótese de abscesso peridural e a ressonância nuclear magnética confirmou a presença do mesmo em L3-L4 (2 x 3 cm), realizada laminectomia, a cultura do material mostrou tratar-se de staphilococcus aureus. A paciente evoluiu bem, sem seqüela neurológica.

CONCLUSÕES: A analgesia peridural, muitas vezes utilizada para o controle da dor pós-operatória ou da dor crônica, embora muito efetiva, não está livre de complicações, ainda que raras, como o abscesso peridural.

Unitermos: ANALGESIA, Pós-Operatória: analgesia controlada pelo paciente; COMPLICAÇÕES: abscesso peridural

RESUMEN

JUSTIFICATIVA Y OBJETIVOS: La analgesia peridural frecuentemente es utilizada para el control del dolor pos-operatorio o para tratamiento del dolor crónico en pacientes oncológicos. No obstante no está exenta de complicaciones. En este caso, relatamos la ocurrencia de absceso peridural en una joven paciente, hígida, que fue sometida a analgesia peridural en bomba de infusión controlada por la paciente, que presentó absceso peridural, siendo necesaria descompresión quirúrgica.

RELATO DE CASO: Paciente de sexo femenino, 24 años, 56 kg, 1,65 m, estado físico ASA I, con historia de lombalgia y dificultad de flexión del muslo izquierdo, fue sometida a cirugía para liberación de la musculatura posterior del cuadril o anca. Tres días después del alta hospitalar retornó al hospital quejándose de dolor en el local de la incisión quirúrgica y durante la realización de los ejercicios fisioterápicos. Fue internada y programada analgesia controlada por la paciente (ACP) por vía peridural, para posibilitar el tratamiento fisioterápico. En el centro quirúrgico fue hecha sedación por vía venosa con midazolam (2,5 mg) y fentanil (25 µg), anti-sepsia de la piel y realizada punción peridural en el espacio L3-L4. Después de la dosis test fueron inyectados ropivacaína a 0,75% (75 mg) y fentanil (100 µg) y pasado catéter peridural en sentido cefálico, sin interocurrencias. Fue instalada bomba de ACP conteniendo solución fisiológica a 0,9% (85 ml), bupivacaína a 0,5% (25 mg) y fentanil (500 µg), programada con flujo constante de 4 ml.h-1 y bolus de 2 ml a cada 20 minutos. En el 3º día la paciente relató incómodo en el local de la inserción del catéter, siendo el mismo retirado. Había discreta hiperemia local. Después de veintidós días, la paciente retornó al hospital con dolor de grande intensidad en la región sacrolumbar con irradiación para los miembros inferiores y limitación de los movimientos. No había deficit neurológico o señales flogísticos en el local de la punción o en la herida operatoria. Fue hecha hipótesis de absceso peridural y la resonancia nuclear magnética confirmó la presencia del mismo en L3-L4 (2 x 3 cm), realizada laminectomia, la cultura del material mostró tratarse de staphilococcus aureus. La paciente evoluyó bien, sin secuela neurológica.

CONCLUSIONES: La analgesia peridural, muchas veces utilizada para el control del dolor pos-operatorio o del dolor crónico, aun cuando muy efectiva, no está libre de complicaciones, aunque raras, como el absceso peridural.

INTRODUÇÃO

A analgesia peridural é freqüentemente utilizada para o controle da dor pós-operatória ou para tratamento da dor crônica em pacientes oncológicos. Embora este procedimento não esteja isento de complicações, a maioria delas são bem conhecidas do anestesiologista, sendo de fácil controle 1,2. O abscesso peridural é uma complicação séria da analgesia peridural que, ainda que rara, resulta em alta morbidade, podendo ser letal 1. A incidência de abscesso peridural após inserção de cateter ainda não está bem definida, variando largamente nos vários estudos publicados 1,3-5. Estudo recente, realizado durante o período de um ano, apontou incidência de um abscesso peridural em 1930 procedimentos de analgesia peridural com cateter 1. Esta incidência seria de 0,05%.

A maioria dos trabalhos que relatam a ocorrência de abscesso peridural, estão relacionados com pacientes imunodeprimidos, portadores de Diabetes mellitus, insuficiência renal crônica ou pacientes oncológicos. Neste caso, relatamos a ocorrência de abscesso peridural em paciente jovem, hígida, que foi submetida à analgesia peridural em bomba de infusão controlada pela paciente, que evoluiu para descompressão cirúrgica do espaço peridural.

RELATO DO CASO

Paciente do sexo feminino, 24 anos, 56 quilos, 1,65 m, estado físico ASA I, com história de lombalgia e dificuldade de flexão da coxa esquerda, submeteu-se à cirurgia para liberação dos tendões dos músculos posteriores no quadril esquerdo.

Fazia uso de anticoncepcional oral e ao exame físico, apresentava-se em bom estado geral, eupnéica, corada, sem alterações nas auscultas cardíaca e pulmonar, com freqüência cardíaca de 69 bpm e PA de 140 x 80 mmHg.

Foi submetida à cirurgia sob anestesia geral venosa e inalatória, sem intercorrências, tendo alta com programação de exercícios fisioterápicos.

Três dias após a alta hospitalar retornou ao hospital queixando-se de dor no local da incisão cirúrgica e durante a realização dos exercícios fisioterápicos. A pedido do cirurgião a paciente foi internada, sendo programada analgesia controlada pelo paciente (ACP) por via peridural, para possibilitar o tratamento fisioterápico.

Após avaliação pré-anestésica e jejum de oito horas, a paciente foi encaminhada ao centro cirúrgico para realização da analgesia peridural com cateter. Após monitorização e venóclise, foi feita sedação por via venosa com midazolam (2,5 mg) e fentanil (25 µg). A seguir, com a paciente sentada, foi realizada anti-sepsia da pele com solução de digluconato de clorexedina a 0,5% e realizada punção peridural, única e mediana, no espaço L3-L4, com agulha descartável Tuohy 17G. Após teste positivo para perda de resistência, foram injetados 60 mg de lidocaína a 2% com epinefrina 1:200.000 (dose-teste) seguido de ropivacaína a 0,75% (75 mg) e fentanil (100 µg). Foi passado cateter peridural em sentido cefálico, sem intercorrências e realizado curativo oclusivo com micropore e gaze sobre o cateter. Foi instalada bomba de ACP contendo solução fisiológica a 0,9% (85 ml), bupivacaína a 0,5% (25 mg) e fentanil (500 µg), preparada pelo anestesiologista e programada para fluxo constante de 4 ml.h-1 e bolus de 2 ml a cada 20 minutos.

A paciente evoluiu sem dor na região da cirurgia, possibilitando a realização dos exercícios fisioterápicos. Aproximadamente 24 horas após o início da analgesia peridural, a paciente já se queixava de dor no local de inserção do cateter. Devido aos bons resultados analgésicos para a realização da fisioterapia, ausência de sinas flogísticos no local de inserção do cateter e ausência de febre, deficit neurológico ou sinais meníngeos, o cateter foi mantido até 82 horas, quando foi então retirado integralmente, por solicitação da paciente, devido à dor no local do mesmo. Ao exame, havia discreta hiperemia no orifício de inserção do cateter, sem saída de secreções.

Recebeu alta hospitalar no 4º dia, apresentando dor lombar de pequena intensidade, apenas quando realizava exercícios.

Vinte e dois dias após, a paciente retornou ao hospital com dor de grande intensidade na região lombossacral com irradiação para os membros inferiores. Não havia sinais flogísticos no local da punção e nem na ferida operatória. Não havia deficit neurológico. Foram realizados dois exames de hemograma: no 8º e 16º dias após a alta hospitalar, que apresentavam-se normais. Negava história de febre. Encontrava-se extremamente agitada devido à dor. Foi tentado tratamento clínico com cetoprofeno, tramadol, meperidina e morfina, sem resposta.

Depois de colhidos os exames laboratoriais (hemograma, VHS, Proteína C Reativa e Urina I), foi realizada tomografia computadorizada da região lombossacral evidenciando pequeno abaulamento de disco intervertebral na região L5-S1, que segundo o ortopedista, não justificava a dor. O ultra-som de abdômen e a avaliação ginecológica apresentavam-se normais. O leucograma atual (vinte oito dias após a analgesia peridural) já mostrou discreta leucocitose (14.600 leucócitos) com desvio à esquerda (5% de bastonetes e 79% de segmentados), dosagem de proteína C reativa elevada (180 mg.l-1) e velocidade de hemossedimentação com 54 mm na primeira hora. Foi feita hipótese de abscesso peridural. A realização de ressonância nuclear magnética confirmou a presença de abscesso peridural na região de L3-L4 medindo 2 x 3 cm (Figura 1A e 1B). A paciente foi submetida a laminectomia descompressiva sob anestesia geral e iniciou-se antibioticoterapia com cefazolina. A cultura do material mostrou tratar-se de staphilococcus aureus. A ferida foi mantida aberta para cicatrização em segunda intenção.


Revista Brasileira de Anestesiologia, 2004; 54: 1: 78 - 83

Abscesso peridural após analgesia controlada pelo paciente por via peridural. Relato de caso

Múcio Paranhos de Abreu; Roberto de Góis Deda; Luis Henrique Cangiani; Hernando Mauro Diógenes Aquino; Jair Ortiz

A paciente evoluiu bem, recebendo alta hospitalar retornando ao hospital para curativos periódicos. Não houve seqüela neurológica.

DISCUSSÃO

O abscesso peridural é uma complicação rara, com incidência que varia de 1/50.000 admissões hospitalares a 1-2/10.000 em pacientes admitidos em hospital 6. Os fatores de risco para desenvolver abscesso após anestesia peridural, estão relacionados com a presença de diabetes mellitus, insuficiência renal crônica, câncer, corticoterapia, herpes zoster e artrite reumatóide 7. Geralmente o diagnóstico precoce é difícil, especialmente nos pacientes hígidos, devido à natureza ambígua dos sinais e sintomas que se apresentam 8. Dor na região de inserção do cateter, irradiando para membros inferiores, de caráter progressivo e associado à febre, são os sintomas mais comuns. Perda de força muscular em extremidades, deficit sensitivo, disfunção vesical ou intestinal e paralisia também aparecem como sintomas de abscesso peridural 6. A presença de deficit neurológico facilita o diagnóstico e a ressonância nuclear magnética (RNM) é o exame de escolha para confirmar o mesmo 9. No presente caso, a paciente foi classificada como ASA I, e referiu como única manifestação, dor no local de inserção do cateter, que progrediu lentamente, A ausência de febre ou deficit neurológico, dificultou o estabelecimento do diagnóstico precocemente.

A infecção do espaço peridural pode ocorrer no momento da inserção do cateter peridural 10 ou através de contaminação subseqüente que poderia ocorrer por três vias diferentes 11: através da contaminação da pele e subseqüente disseminação pelo cateter; por disseminação hematológica; ou ainda pela contaminação da seringa 12 ou da solução anestésica 7.

Na literatura pesquisada, foi relatado apenas um caso de infecção durante a inserção do cateter, cuja bactéria infectante foi também detectada através de swab nasal do anestesiologista 10.

As medidas que o anestesiologista deve tomar para diminuir o risco de contaminação durante a inserção do cateter incluem o uso de técnica rigorosamente asséptica, uso de gorro, máscara facial e luvas estéreis, calçadas após rigorosa antissepsia das mãos.

A antissepsia da pele do paciente deverá ser realizada com agentes bactericida adequados, aguardando o tempo de ação necessário para que este seja efetivo. Estudos revelaram que nenhum microorganismo cresceu em cultura após serem expostos em solução de clorexedina a 0,5% com etanol a 80% 6.

Outro estudo mostrou que apesar da observação rigorosa da técnica asséptica, agulhas de punção peridural ou raquianestesia poderiam vir contaminadas com diversos agentes, que uma vez levados ao espaço peridural ou subaracnóideo, poderiam levar às manifestações clínicas de infecção 13.

A contaminação da solução analgésica para infusão peridural também pode favorecer o processo de infecção no espaço peridural 6. Estudos recentes mostraram que ocorre aumento do risco de infecção quando a infusão de solução analgésica era administrada através de seringas de 60 ml em comparação com àquelas administradas através de bolsas contendo solução analgésica, em sistema fechado de infusão 14.

No presente caso, único em nosso serviço, todas as medidas de assepsia e anti-sepsia foram observadas rigorosamente: utilização de gorro, máscara facial e luvas estéreis, após lavagem cuidadosa das mãos, assim como a anti-sepsia da pele da paciente com clorexedina a 5%, realizados em ambiente cirúrgico. Não houve nenhuma dificuldade técnica na punção peridural ou durante a inserção do cateter, sendo realizada punção única, sem intercorrências.

Deve-se dar especial atenção à assepsia durante a manipulação do cateter ou da solução analgésica, enquanto o paciente estiver portando o cateter peridural, pois a infecção poderá ocorrer durante todo o período de internação do paciente.

O Staphilococcus aureus é o microorganismo mais comumente encontrado nas culturas de abscesso peridural 1,15.

O diagnóstico precoce, a descompressão e desbridamento do espaço peridural, associados à antibioticoterapia adequada concorrem para o sucesso do tratamento de abscesso peridural 16,17.

Apesar dos grandes benefícios obtidos com a utilização do cateter peridural no controle da dor pós-operatória, os riscos, embora raros, como o abscesso peridural, não podem ser desprezados. Se não forem tratados precocemente, a partir do abscesso peridural, outras complicações podem surgir, a exemplo das compressões medulares e das lesões nervosas, graves e irreversíveis. Essas complicações também são raras 6. Além disso, o desenvolvimento de abscesso peridural gera custos financeiros tanto para o paciente, quanto para o hospital: prolongamento do tempo de internação hospitalar; necessidade de exames de alto custo financeiro, como a RNM; descompressão cirúrgica e desbridamento do espaço peridural, antibioticoterapia; além do risco de ocorrer seqüelas neurológicas irreversíveis.

A observação das técnicas rigorosamente assépticas para inserção do cateter peridural, realizados em área hospitalar limpa (centro cirúrgico), bem como a manipulação cuidadosa e asséptica do cateter e da solução analgésica, contribuem para evitar essa temível complicação que é o desenvolvimento do abscesso peridural.

Concluímos que a analgesia peridural, muitas vezes utilizada para o controle da dor pós-operatória ou da dor crônica, embora muito efetiva, não está livre de complicações, ainda que raras, como o abscesso peridural.

Apresentado em 26 de março de 2003

Aceito para publicação em 12 de junho de 2003

  • 01. Wang LP, Hauerber J, Schimidt JF - Incidence of spinal epidural abscess after epidural analgesia. Anesthesiology, 1999;91: 1928-1936.
  • 02. Rygnestad T, Borchgrevink PC, Eide E - Postoperative epidural infusion of morphine and bupivacaine is safe on surgical wards: organization of the treatment, effects and side effects in 2.000 consecutive patients. Acta Anaesthesiol Scand, 1997;41: 868-876.
  • 03. Dahgren N, Törnebrandt K - Neurological complications after anaesthesia: a follow-up of 18.000 spinal and epidural anaesthetics performed over three years. Acta Anaesthesiol Scand, 1995;39:872-880.
  • 04. Strong WE - Epidural abscess associated with epidural catheterization: a rare event? Report two cases with markedly delayed presentation. Anesthesiology, 1991;74:943-946.
  • 05. Kindler C, Seeberger M, Siegmund M et al - Extradural abscess complicating lumbar extradural anaesthesia and analgesia in an obstetric patient. Acta Anaesthesiol Scand, 1996;40: 858-861.
  • 06. Phillips JMG, Stedeford JC, Hartsilver E et al - Epidural abscess complicating insertion of epidural catheters. Br J Anaesth, 2002;89:778-782.
  • 07. NganKee WD, Jones MR, Thomas P et al - Extradural abscess complicating extradural anaesthesia for caesarean section. Br J Anaesth, 1992;69:647-652.
  • 08. Fine PG, Hare BD, Zahniser JC - Epidural abscess following epidural catheterization in a chronic pain patient: a diagnostic dilemma. Anesthesiology, 1988;69:422-424.
  • 09. Ernetell M, Holtas S, Norlin K et al - Magnetic resonance imaging in the diagnosis of spinal epidural abscess. Scand J Infect Dis, 1988;20:323-327.
  • 10. North JB, Broph BP - Epidural abscess; a hazard of spinal epidural anaesthesia. Aust N Z J Surg. 1979;49:484-485.
  • 11. Holt HM, Anderson SS, Anderson O et al - Infections following epidural catheterization. J Hosp Inf. 1995;30:253-260.
  • 12. James FM, George RH, Naiem H et al - Bacteriological aspects of epidural analgesia. Anesth Analg, 1976;55:187-190
  • 13. Radler C, Lass-Flörl C, Puhringer F et al - Bacterial contamination of needles used for spinal and epidural anaesthesia. Br J Anaesth, 1999;83:657-658.
  • 14. Dawson SJ, Samll H, Logan MN et al - Case control study of epidural catheter infection in a district general hospital. Commun Dis Public Health, 2000;3:300-302.
  • 15. Hlavin ML, Kaminski HJ, Ross JS et al - A ten year perspective. Neurosurgery, 1990;27:177-184.
  • 16. Dysart RH, Balakrishnan V - Conservative management of extradural abscess complicating spinal extradural anaesthesia for caesarean section. Br J Anaesth, 1997;78: 591-593.
  • 17. Bengtsson M, Nettelbland H, Sjoberg F - Extradural catheter - related infections in patients with infected cutaneous wounds. Br J Anaesth, 1997;79:668-670.
  • Endereço para correspondência
    Dr. Múcio Paranhos de Abreu
    Av. Nossa Senhora de Fátima, 805/J73 Taquaral
    13090-130 Campinas, SP
  • *
    Recebido do Centro de Ensino e Treinamento em Anestesiologia do Instituto Penido Burnier e Centro Médico de Campinas, SP
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Maio 2004
    • Data do Fascículo
      Fev 2004

    Histórico

    • Aceito
      12 Jun 2003
    • Recebido
      26 Mar 2003
    Sociedade Brasileira de Anestesiologia R. Professor Alfredo Gomes, 36, 22251-080 Botafogo RJ Brasil, Tel: +55 21 2537-8100, Fax: +55 21 2537-8188 - Campinas - SP - Brazil
    E-mail: bjan@sbahq.org