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“Efeitos da associação entre pequenas doses subaracnóideas de morfina e cetoprofeno venoso e oral em pacientes submetidas à cesariana” e  “Analgesia pós-operatória em cesarianas com a associação de morfina por via subaracnóidea e antiinflamatório não esteróide: dicoflenaco versus” cetoprofeno

CARTAS AO EDITOR

Efeitos da associação entre pequenas doses subaracnóideas de morfina e cetoprofeno venoso e oral em pacientes submetidas à cesariana

Analgesia pós-operatória em cesarianas com a associação de morfina por via subaracnóidea e antiinflamatório não esteróide: dicoflenaco versus cetoprofen o

Senhora Editora,

Li com interesse os artigos referenciados e recentemente publicados na Revista Brasileira de Anestesiologia1,2 e tenho alguns comentários a fazer:

I) No 50º Congresso Brasileiro de Anestesiologia, proferi palestra no módulo Medicina Baseada em Evidência - Anestesia em Obstetrícia "Analgesia Pós-Operatória: Como Fazê-la de Modo Seguro", na qual, após conceituar Medicina Baseada em Evidência (MBE), apresentei uma ampla iniciativa mundial para MBE, a Cochrane Collaboration cujo objetivo é identificar estudos aleatórios e controlados, relevantes em vários campos da Medicina e estimular os grupos a realizarem análises sistemáticas3. Para identificar os níveis de evidência para cada tratamento aplicado deve-se usar os estudos aleatórios e controlados como gold standard.

Um exemplo dos níveis de evidência é o que se segue:

Nível I - Evidência obtida de revisões sistemáticas de relevantes estudos aleatórios e controlados (com metanálise, quando for possível);

Nível II - Evidência obtida de um ou mais estudos aleatórios e controlados, bem conduzidos;

Nível III - Evidência obtida de estudos bem conduzidos, porém não controlados ou de estudos bem conduzidos, cohort, ou relatos de casos selecionados para servir de controle ao cohort preferentemente multicêntricos em diferentes épocas;

Nível IV - Opiniões de respeitadas autoridades baseadas na experiência clínica, estudos descritivos ou relatos de Comitês Especializados3,4.

Em seguida citei os artigos mais importantes levantados na literatura à respeito do tema, com as principais conclusões:

1) Em 1995 foram publicados os protocolos para o manuseio da dor aguda pós-operatória, cujo conhecimento é muito importante para todos os anestesiologistas e que estão facilmente disponíveis5;

2) O National Health and Medical Research Council (NHMRC), através de seu Health Care Advisory Committee publicou um documento6, o mais recente e, provavelmente, o melhor guia disponível para o tratamento da dor aguda em qualquer situação, baseado em protocolos anteriores publicados nos Estados Unidos pela Agency for Health Care Policy and Research (AHCPR), com dados obtidos do Cochrane Collaborative Group somente de estudos aleatórios e controlados em tópicos específicos e metanálises. Este documento apontou nível 1 de evidência apenas em poucas áreas, dentre elas: 1) analgesia peridural pós-operatória pode reduzir significativamente a morbidade pulmonar; 2) os opióides por via peridural são mais eficazes quando usados associados aos anestésicos locais para produzir ação analgésica sinérgica e reduzir a dose necessária e efeitos colaterais, do que quando usados isoladamente. Quando usados de forma isolada (os AL, ou os opióides) são menos eficazes; 3) embora os atuais AINE não reduzam a dor intensa quando usados isoladamente, sua eficácia como componente da analgesia multimodal é confirmada; 4) o paracetamol é um analgésico eficaz no pós-operatório e 60 mg de codeína produzem analgesia aditiva7.

II) Encerrando a palestra, citei um recente estudo prospectivo com 6000 casos, de segurança e eficácia da analgesia produzida pela administração subaracnóidea de morfina para controle da dor aguda pós-operatória intensa, inclusive com protocolos para as doses, que vão desde 0,2 mg para RTU, 0,4 mg (400 µg) para cesarianas e 0,8 mg para cirurgias de aneurisma de aorta abdominal e torácica. Foram detectados elevados índices de satisfação pessoal dos pacientes, baixos índices de efeitos colaterais e ausência de importantes complicações8.

III) Para encerrar meus comentários devo informar que, para analgesia pós-operatória em cesarianas, há mais de 15 anos, usamos 2 mg (200 µg) de morfina por via peridural associados a 2 ml (100 µg) de fentanil e 24 ml de anestésico local: lidocaína a 2%, posteriormente bupivacaína a 0,5%, atualmente levobupivacaína a 0,5% (total 28 ml) com ótima anestesia intra-operatória (avaliada pelo cirurgião) e analgesia pós-operatória também muito eficaz, com duração superior a 15 horas em mais de 80% das pacientes, sem complicações consideradas graves (depressão respiratória importante que necessitasse ventilação artificial, complicações neurológicas, seqüelas permanentes ou óbito). A necessidade de analgésicos (por solicitação da paciente), em nossos casos, é feita através da administração de dipirona ou paracetamol comprimidos. A satisfação pessoal das pacientes é muito gratificante. Temos mais de 10.000 casos (comunicação pessoal) e recomendamos como boa opção: fácil, segura e eficaz.

IV) Diante do exposto torna-se claro que doses de morfina por via subaracnóidea (28, 50 ou 100 µg)1,2 não são a melhor alternativa, pois são menos eficazes, menos duradouras, como mostram os ilustres articulistas, necessitam mais complementação parenteral potencialmente mais perigosas que a oral, e, finalmente, não são baseadas em evidências.

Atenciosamente.

Dr. Itagyba Martins Miranda Chaves, TSA

Co-responsável pelo CET do Hospital

Universitário de Juiz de Fora

Av. Independência, 1585/1403

36016-320 Juiz de Fora, MG

E-mail: itagybachaves@artnet.com.br

REFERÊNCIAS

01. Ganen EM, Módolo NSP, Ferrari F et al - Efeitos da associação entre pequenas doses subaracnóideas de morfina e cetoprofeno venoso e oral em pacientes submetidas à cesariana. Rev Bras Anestesiol, 2003;53:431;439.

02. Hirahara JT, Bliacheriene S, Yamaguchi ET et al - Analgesia pós-operatória em cesarianas com a associação de morfina por via subaracnóidea e antiinflamatório não esteróide: dicoflenaco versus cetoprofeno. Rev Bras Anestesiol, 2003;53:737-742.

03. Cousins MJ - IARS Review Course Lectures, 2001;15-25.

04. Stockall CA - Evidence-based Medicine and clinical guidelines: past, present and future. Can J Anaesth, 1999;46:105-108.

05. Practice Guidelines for Acute Pain Management in the Perioperative Setting. A Report by the American Society of Anesthesiology Task Force on Pain Management. Anesthesiology, 1995;82:1071-1081.

06. NHMRC Report. Acute Pain Management: the Scientific Evidence. NHMRC, Camberra, Australia, 1999.

07. Smith G, Power I, Cousins MJ - Acute pain - is there scientific evidence on which to base treatment? Br J Anaesth, 1999;82: 817-819.

08. Gwirtz KH, Young JV, Byers RS et al - The safety and efficacy of intrathecal opioid analgesia for acute postoperative pain: seven years experience with 5969 surgical patients at Indiana University Hospital. Anesth Analg, 1999;88:599-604.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Set 2004
  • Data do Fascículo
    Ago 2004
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