Acessibilidade / Reportar erro

Intoxicação hídrica durante histeroscopia: relato de caso

Intoxicación hídrica durante histeroscopia: relato de caso

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Intoxicação hídrica e distúrbios eletrolíticos produzindo toxicidade sistêmica podem ocorrer durante ressecção prostática transuretral e cirurgia histeroscópica, sendo em geral causados pelo volume de líquido e pela duração do procedimento. RELATO DO CASO: Apresenta-se um caso incomum de intoxicação hídrica em uma paciente de 42 anos submetida à ressecção endoscópica de mioma uterino submucoso, com descrição do diagnóstico e do tratamento. CONCLUSÕES: A intoxicação hídrica pode ser resultado de sobrecarga líquida, sendo importante o controle cuidadoso dos líquidos empregados e monitorização clínica.

CIRURGIA; COMPLICAÇÕES


JUSTIFICATIVA Y OBJETIVOS: Intoxicación hídrica y disturbios electrolíticos produciendo toxicidad sistémica pueden acontecer durante resección prostática transuretral y cirugía histeroscópica, siendo en general causados por el volumen de líquido y por la duración del procedimiento. RELATO DEL CASO: Se presenta un caso no frecuente de intoxicación hídrica en una paciente de 42 años sometida a resección endoscópica de un mioma uterino submucoso, con la descripción del diagnóstico y del tratamiento. CONCLUSIONES: La intoxicación hídrica puede ser resultado de recargo líquido, siendo importante el control cuidadoso de los líquidos empleados y monitorización clínica.


BACKGROUND AND OBJECTIVES: Water intoxication and electrolyte disturbances that produce systemic toxicity can be developed during transurethral prostatic resection procedures and hysteroscopic surgery. Usual causes are considered the fluid load and the duration of the operation. CASE REPORT: We present an unusual case of water intoxication in a 42 years old, female patient who underwent endoscopic resection of uterine submucuous myoma. The diagnosis and treatment is also described. CONCLUSIONS: Water intoxication may develop as a result of distending fluid overload, therefore careful fluid measurement and monitoring is crucial.

COMPLICATIONS; SURGERY


INFORMAÇÃO CLÍNICA

Intoxicação hídrica durante histeroscopia. Relato de caso* * Recebido do Hospital Anticancer de Atenas

Intoxicación hídrica durante histeroscopia. Relato de caso

Triga Argiro, MDI; Paraskeva Antia, MD, PhDI; Dimitrios K Filippou, MD, PhDII

IDept. of Anaesthesiology, Athens Anticancer Hospital "Agios Savvas", Athens, Greece

IIDept. of Surgery, Athens Oncological Hospital "Agii Anargiri", Athens, Greece

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Dimitrios K Filippou, MD, PhD 19 G.Moschopoulou str 17342 Agios Dimitrios, Athens, Greece Email: d_filippou@hotmail.com

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Intoxicação hídrica e distúrbios eletrolíticos produzindo toxicidade sistêmica podem ocorrer durante ressecção prostática transuretral e cirurgia histeroscópica, sendo em geral causados pelo volume de líquido e pela duração do procedimento.

RELATO DO CASO: Apresenta-se um caso incomum de intoxicação hídrica em uma paciente de 42 anos submetida à ressecção endoscópica de mioma uterino submucoso, com descrição do diagnóstico e do tratamento.

CONCLUSÕES: A intoxicação hídrica pode ser resultado de sobrecarga líquida, sendo importante o controle cuidadoso dos líquidos empregados e monitorização clínica.

Unitermos: CIRURGIA: Ginecológica; COMPLICAÇÕES: intoxicação hídrica

RESUMEN

JUSTIFICATIVA Y OBJETIVOS: Intoxicación hídrica y disturbios electrolíticos produciendo toxicidad sistémica pueden acontecer durante resección prostática transuretral y cirugía histeroscópica, siendo en general causados por el volumen de líquido y por la duración del procedimiento.

RELATO DEL CASO: Se presenta un caso no frecuente de intoxicación hídrica en una paciente de 42 años sometida a resección endoscópica de un mioma uterino submucoso, con la descripción del diagnóstico y del tratamiento.

CONCLUSIONES: La intoxicación hídrica puede ser resultado de recargo líquido, siendo importante el control cuidadoso de los líquidos empleados y monitorización clínica.

INTRODUÇÃO

Sobrecarga líquida, intoxicação hídrica, distúrbios eletrolíticos e toxicidade sistêmica podem estar presentes após a absorção de grandes quantidades de solução hipotônica de irrigação durante procedimentos endoscópicos. Tal síndrome é bem identificada durante procedimentos de ressecção prostática transuretral, mas também pode ocorrer durante procedimentos histeroscópicos 1,2. O desenvolvimento de sobrecarga líquida é influenciado por vários fatores, como tipo de líquido de irrigação, pressão de infusão, tipo e duração da cirurgia, e pode resultar em graves complicações cardiovasculares, respiratórias e do sistema nervoso central.

RELATO DO CASO

Paciente do sexo feminino, 42 anos, 60 kg, estado físico ASA I, submetida à ressecção endoscópica de mioma uterino submucoso. Avaliação pré-operatória e exames laboratoriais normais. A monitorização padrão foi adotada na sala de cirurgia. Naquele momento, a pressão arterial e a freqüência cardíaca da paciente eram 110/70 mmHg e 72 bpm, respectivamente. Foi inserido um cateter 18G para administração de solução de Ringer com lactato a uma velocidade de 150 ml.h-1. Após a administração venosa de 10 mg de metoclopramida, a paciente foi oxigenada e a anestesia induzida pela administração venosa de 150 µg de fentanil e 180 mg de propofol. A inserção da máscara laríngea (número 4) foi facilitada por 40 mg de rocurônio. A manutenção da anestesia foi feita com 60% de óxido nitroso e 2% de sevoflurano em oxigênio. A paciente foi colocada em posição de litotomia e a entrada lateral do histeroscópio Hysteromat 3700, Wiest, foi conectada a uma infusão de água destilada sob pressão hidrostática de 70 a 100 mmHg.

O procedimento transcorreu sem intercorrências por 40 minutos e durante esse tempo a pressão arterial da paciente permaneceu em aproximadamente 120/70 mmHg, e a freqüência cardíaca em 60 a 70 bpm. Dez minutos antes do final do procedimento, a paciente desenvolveu hipertensão arterial e bradicardia (pressão arterial sistólica de 170 mmHg, pressão arterial diastólica de 110 mmHg e freqüência cardíaca de 110 bpm). Foram administrados 150 µg de fentanil por via venosa porque a ocorrência foi inicialmente atribuída à dor. Assim mesmo a paciente permaneceu hipertensa e taquicárdica.

O fato levantou suspeita de absorção excessiva de líquido hipotônico. Ao final do procedimento, a paciente foi colocada em decúbito dorsal e cefaloaclive e foi instalado um cateter vesical. A ausculta revelou estertores pulmonares e 20 mg de furosemida por via venosa foram imediatamente administrados. Ao mesmo tempo, a urina da paciente apresentava-se sanguinolenta devido à hemólise. Após a estabilização e remoção da máscara laríngea, a paciente foi transferida para a sala de recuperação pós-anestésica.

A análise do sangue revelou diminuição na concentração sérica de potássio, sódio e cálcio, além de hemodiluição. Mais especificamente, concentração de sódio estimada em 130 mmol/l (139 mmol/l), de potássio em 3.6 mmol/l (4.1 mmol/l), de cálcio em 7,2 mg/dl (8,2 mg/dl), e hematócrito em 28,8% (39,2%). Os valores pré-operatórios estão em parênteses. A hemólise foi confirmada por alta concentração sangüínea de bilirrubina [1,61 mg/dl (0,42 mg/dl)] e hemoglobina urinária elevada. A osmolalidade plasmática era 267 mOsmol/l. Os níveis sangüíneos de glicose estavam levemente elevados (150 mg/dl) em comparação aos valores pré-operatórios normais.

Na SRPA, a paciente começou a se queixar de parestesia e fraqueza muscular, que foram atribuídas à baixa concentração de cálcio plasmático. Foram administrados 500 mg de gluconato de cálcio por via venosa em uma hora. A paciente permaneceu na SRPA por duas horas e, após a diurese, a pressão arterial voltou aos valores normais e a ausculta pulmonar revelou importante melhora. Após o desaparecimento dos sintomas, a paciente foi transferida para a enfermaria onde novos exames laboratoriais revelaram aumento de hematócrito, sódio, potássio e cálcio séricos. Os resultados laboratoriais voltaram ao normal no dia seguinte.

DISCUSSÃO

A histeroscopia vem ganhando popularidade para procedimentos ginecológicos diagnósticos e terapêuticos. Embora as técnicas histeroscópicas exijam menos tempo cirúrgico, elas não são desprovidas de complicações, principalmente quando a histeroscopia é combinada com ressecção endometrial ou ablação através de eletrodiatermia 3. O líquido de irrigação pode ser absorvido através de vasos abertos ou das tubas uterinas para dentro da cavidade peritoneal e produzir uma síndrome semelhante à síndrome de ressecção prostática transuretral (SRTU). A incidência de sobrecarga líquida em procedimentos de ablação endometrial histeroscópica varia de 1% a 5% 4-6. Grandes quantidades de líquido de irrigação (2 litros ou mais) precisam ser absorvidas para que os sintomas apareçam.

Soluções eletrolíticas não podem ser usadas para irrigação porque dispersam a corrente do eletrocautério. A água propicia grande visibilidade, mas grandes quantidades podem ser absorvidas devido à sua hipotonicidade. O líquido mais comum usado para irrigação é a glicina a 1,5% (230 mOsmol/l) ou uma mistura de sorbitol a 2,7% e manitol a 0,54% (195 mOsmol/l) 7. Como todos os líquidos são hipotônicos, ainda pode ocorrer absorção e intoxicação hídrica. O cirurgião neste caso utilizou água destilada devido à falta de solução de glicina.

A hipertensão arterial é um sinal precoce de sobrecarga líquida e, fato observado nesta paciente. A absorção de líquidos dilui a proteína sérica diminuindo a pressão oncótica plasmática e resultando no acúmulo de líquido no espaço intersticial dos pulmões. Nesse caso, a paciente não se queixou de dispnéia apesar da presença de achados na ausculta. Intoxicação hídrica aguda também pode ocasionar hiponatremia por diluição levando a graves alterações de ECG (bradicardia, ritmo nodal, alargamento do complexo QRS, alterações na onda ST-T e taquicardia ventricular) ou edema encefálico quando a concentração de sódio plasmático é < 120 mmol/l.

Nesse caso, a hiponatremia foi leve e não afetou o ECG. A diminuição do nível de potássio também foi leve sem conseqüências clínicas. A hiperglicemia leve foi atribuída à resposta ao estresse. A hipocalcemia por diluição já foi descrita na literatura como um efeito adverso de sobrecarga líquida durante SRTU ou procedimentos histeroscópicos e pode levar a tetania ou até parada cardíaca 8,9. A hipocalcemia resultou em sintomas de fraqueza muscular, fadiga e dormência das mãos, o que reflete tetania latente. A absorção de líquido hipotônico também pode levar a hemólise aguda que foi evidenciada nesse caso pelo aparecimento de hemoglobina na urina e pela elevação da concentração de bilirrubina sérica.

A cirurgia histeroscópica pode provocar graves complicações como resultado da sobrecarga líquida, sendo muito importante o controle cuidadoso dos líquidos empregados e a monitorização clínica.

AGRADECIMENTOS

A paciente nos deu seu consentimento por escrito para a publicação deste estudo.

Apresentado em 17 de março de 2004

Aceito para publicação em 17 de agosto de 2004

  • 01. Hahn RG - The transurethral resection syndrome. Acta Anaesthesiol Scand, 1991;35:557-567.
  • 02. D'Agosto J, Ali NM, Maier D - Absorption of irrigating solution during hysteroscopic metroplasty. Anesthesiology, 1990;72:379-380.
  • 03. Daniell JF, Kurtz BR, Ke RW - Hysteroscopic endometrial ablation using the rollerball electrode. Obstet Gynecol, 1992;80:329-332.
  • 04. Magos AL, Baumann R, Lockwood GM et al - Experience with the first 250 endometrial resections for menorrhagia. Lancet, 1991;337:1074-1078.
  • 05. Sturdee D, Hoggart B - Problems with endometrial resection. Lancet, 1991;337:1474.
  • 06. Dwyer N, Hutton J, Stirrat GM - Randomised controlled trial comparing endometrial resection with abdominal hysterectomy for the surgical treatment of menorrhagia. Br J Obstet Gynaecol, 1993;100:237-243.
  • 07. Williamson KM, Mushambi M - Complications of hysteroscopic treatments of menorrhagia. Br J Anaesth, 1996;77:305-308.
  • 08. Krohn JS - Dilutional hypocalcemia in association with dilutional hyponatremia. Anesthesiology, 1993;79:1136-1138.
  • 09. Malone PR, Davies JH, Standfield NJ et al - Metabolic consequences of forced diuresis following prostatectomy. Br J Urol, 2001;58:406-411.
  • Endereço para correspondência
    Dimitrios K Filippou, MD, PhD
    19 G.Moschopoulou str
    17342 Agios Dimitrios, Athens, Greece
    Email:
  • *
    Recebido do Hospital Anticancer de Atenas
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Jan 2005
    • Data do Fascículo
      Dez 2004

    Histórico

    • Recebido
      17 Mar 2004
    • Aceito
      17 Ago 2004
    Sociedade Brasileira de Anestesiologia R. Professor Alfredo Gomes, 36, 22251-080 Botafogo RJ Brasil, Tel: +55 21 2537-8100, Fax: +55 21 2537-8188 - Campinas - SP - Brazil
    E-mail: bjan@sbahq.org