EDITORIAL
Analgesia preemptiva, um assunto controverso
Trabalhos experimentais publicados em 1992 e 1993, sobre a sensibilização periférica, a sensibilização central e a analgesia preemptiva 1-3 criaram grande expectativa para a aplicação clínica destes conceitos no controle da dor pós-operatória.
Prevenir o desenvolvimento de sensibilização central seria melhor do que tratar a dor estabelecida, e este é o conceito de analgesia preemptiva. Além do momento do tratamento, novos fármacos com ação específica sobre a sensibilização central poderiam ser disponibilizados 4.
Desde então, diversos estudos clínicos foram realizados buscando comprovar na clínica a eficácia da analgesia preemptiva e exibiram resultados controversos.
Em uma primeira fase os estudos não possuíam o desenho correto, e muitos concluíram sobre a existência de analgesia preemptiva, comparando administrar analgésico antes do estímulo nocivo, com não administrar analgésico. É evidente que administrar analgésico é melhor que não administrá-lo, mas a verdadeira questão é comparar a administração de analgésico antes do estímulo nocivo e depois, e comprovar que a administração antes do estímulo melhora a evolução da dor pós-operatória, seja na sua intensidade ou sua duração.
Quando o modelo de estudo correto foi adotado e intervenções cirúrgicas maiores incluídas, o efeito preemptivo virou quimera. Estudos analisaram opióides, antiinflamatórios não hormonais, anestésicos locais, isolados ou associados, por diversas vias, sem evidências cabais do efeito preemptivo 5.
Entretanto, a idéia atraente de que é possível com uma única dose de um fármaco isolado evitar a sensibilização central continua viva no imaginário dos anestesiologistas, e muitos em conversas do dia-a-dia, afirmam praticar a analgesia preemptiva.
A importância da analgesia preemptiva é indiscutível, a necessidade de evidências sobre sua efetividade ou sua impossibilidade é imperativa e pesquisadores em nosso país e no mundo trabalham nesta linha. Nesse número da Revista Brasileira de Anestesiologia há mais um estudo clínico sobre este assunto, enriquecendo a linha de pesquisa dos autores, que já produziram outros trabalhos importantes sobre ela 6. O efeito de analgesia preemptiva da S(+)cetamina, antagonista do receptor N-Metil-d-aspartato, em pacientes submetidas à histerectomia abdominal foi avaliado.
Convido os leitores a observar atentamente o modelo correto para estudar analgesia preemptiva, estimulando novos grupos a fazê-lo.
Qual de nós não gostaria de poupar o paciente da dor pós-operatória com medidas que impedissem a sensibilização central? Mas para que estejamos autorizados a indicar métodos ou fármacos com essa finalidade, há que haver evidências de sua eficácia, fato que ainda aguarda comprovação.
É importante considerar, que o questionamento sobre a tática de analgesia preemptiva, não ameaça de nenhuma maneira a importância de tratar e controlar a dor pós-operatória atuando antes que o paciente sinta dor. Entretanto essas medidas não podem ser denominadas, indiscriminadamente, de analgesia preemptiva.
Unitermos: ANALGESIA: pós-operatória, preemptiva
Dra. Judymara Lauzi Gozzani, TSA
Editor Chefe da Revista Brasileira de Anestesiologia
REFERÊNCIAS
01. Treede RD, Meyer RA, Raja SN et al - Peripheral and central mechanisms of cutaneous hyperalgesia. Prog Neurobiol, 1992;38:397-421.
02. Davis KD, Meyer RA, Campbell JN - Chemosensitivity and sensitization of nociceptive afferents that innervate the hairy skin of monkey. J Neurophysiol, 1993;69:1071-1081.
03. Woolf CJ, Chong MS - Prremptive analgesia: treating postoperative pain by preventing the establishment of central sensitization. Anesth Analg, 1993;77:1-18.
04. Woolf CJ - A new strategy for the treatment of inflammatory pain. Drugs, 1994;47:1-9.
05. Moiniche S, Kehlet H, Dahl JB - A qualitative and quantitative systematic review of preemptive analgesia for postoperative pain relief. Anesthesiology, 2002;96:725-741.
06. Garcia JBS, Issy AM, Salomão R et al - Preemptive analgesia with epidural bupivacaine plus fentanyl in gynaecological surgery - effects on serum interleukin-6 concentrations. Acute Pain, 2002;4:25-28.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
01 Mar 2005 -
Data do Fascículo
Fev 2005