EDITORIAL
Retrobulbar ou peribulbar: uma questão de nomenclatura?
O trabalho de Soares e col. 1 publicado neste número da Revista Brasileira de Anestesiologia despertou antigas indagações a respeito das técnicas de anestesia em uso para cirurgia ocular: retrobulbar, peribulbar, extraconal, periconal e subtenoniana.
As técnicas de anestesia têm como objetivo depositar o anestésico local num determinado ponto, a partir do qual a difusão possa alcançar os nervos ciliares, que são responsáveis pela sensibilidade do globo ocular, o gânglio ciliar e os nervos motores, que inervam toda a musculatura responsável pela movimentação do mesmo. Assim, pode-se obter um curto período de latência, analgesia, bloqueio de reflexos autonômicos e imobilidades do globo ocular. Na dependência do volume injetado, o anestésico pode difundir-se para o segmento anterior do olho e prover analgesia das pálpebras e acinesia do músculo orbicular ocular. O efeito concentração e o poder de difusão também são importantes na determinação da latência.
A lidocaína a 2%, fármaco com alta difusibilidade, determina menor tempo de latência do que a bupivacaína e a ropivacaína. No trabalho de Soares e col. 1 onde foi utilizada a mesma concentração (0,5%) de bupivacaína racêmica, levobupivacaína e mistura enantiomérica de bupivacaína (S75/R25) não houve diferença significativa quanto ao volume anestésico mínimo (VAM) entre os três fármacos utilizados no bloqueio retrobulbar, mostrando perfis semelhantes quanto à difusão. Apesar dessas drogas, naquela concentração, não serem as mais utilizadas no bloqueio retrobulbar, mostra que elas apresentaram um bom índice de acertos quando o anestésico local foi depositado atrás do globo ocular.
Retro significa atrás e retrobulbar é atrás do bulbo, ou do globo ocular. Nessa técnica o anestésico local é depositado atrás do globo ocular, além do equador do mesmo. Deve-se esperar assim menor latência da analgesia, do bloqueio motor e menor índice de falhas.
Algumas complicações descritas (hematoma retrobulbar, perfuração do globo ocular e injeção na bainha do nervo óptico) tornam-se extremamente raras, observando-se detalhes técnicos como: o paciente manter o olho na posição primária; não cruzar, com a agulha, o plano sagital que passa pelo eixo visual; não introduzir a agulha mais do que 30mm; observar as contra-indicações do bloqueio; usar material adequado (agulhas não cortantes com bisel curto). Um estudo englobando 5000 casos de retrobulbar, mostrou apenas três casos de hematoma retrobulbar (0,06%) e nenhuma outra complicação 2. No estudo de Soares e col. 1 na técnica descrita, a agulha de 25 mm ultrapassa o equador ocular, sendo introduzida na direção do vértice do cone, caracterizando uma injeção retrobulbar.
O bloqueio peribulbar com dupla punção surgiu como alternativa mais segura do que o bloqueio retrobulbar. Preconizava-se a injeção ao redor do bulbo ocular, nas proximidades do equador do globo. Neste local a probabilidade da difusão do anestésico local para o segmento anterior é maior, daí a maior incidência de quemose, maior latência do bloqueio motor e a necessidade freqüente do uso do baroftalmo. Aprofundando-se mais a agulha a incidência de quemose e de falhas é menor.
A probabilidade maior de perfuração do globo ocular com dupla punção fez surgir trabalhos preconizando o uso de uma única punção ínfero-lateral e maiores volumes, utilizando-se agulhas de 25mm de comprimento. Interessante de se observar é que a palpação do ponto ínfero-lateral, na maioria das vezes o ponto de injeção, corresponde ao equador do globo. Assim, a introdução da agulha já alcança o polo posterior e o anestésico é depositado no espaço retrobulbar. Isso eqüivale dizer que quando o índice de falhas, a latência e os volumes forem menores, está se fazendo bloqueio retrobulbar.
Outro aspecto deve ser considerado é que a injeção retrobulbar promove proptose mais acentuada do que a peribulbar. A proptose mostra que o anestésico não está sendo injetado no forâmen óptico, constituindo-se em sinal útil na profilaxia de complicações 3.
Fato importante é que o que se relaciona com a introdução da agulha além do equador do globo ultrapassando a porção membranosa do cone. Na dependência do tipo de agulha utilizada, a perfuração da membrana é perceptível, especialmente em pacientes jovens. Assim, ao ultrapassá-la a injeção tomará preferencialmente a direção do cone músculo-membranoso, banhando o espaço retrobulbar.
Pelo exposto, é necessário definir a nomenclatura e detalhar minuciosamente a técnica anestésica no método para que se observe os resultados de acordo com a exata colocação da agulha, que no caso do artigo de Soares e col. não deixou dúvidas tratar-se de anestesia retrobulbar, técnica comum em alguns artigos sendo, entretanto rotulada como peribulbar.
Unitermos: TÉCNICAS ANESTÉSICAS, Regional: peribulbar, retrobulbar
Dr. Luiz M. Cangiani, TSA
Membro do Conselho Editorial
Chefe do Deptº de Anestesiologia e Terapia da Dor do Centro Médico de Campinas
Av. Andrade Neves, 611
13013-161 Campinas, SP
REFERÊNCIAS
01. Soares LF, Barros ACM, Almeida GP et al - Volume anestésico mínimo para bloqueio retrobulbar extraconal: comparação entre soluções a 0,5% de bupivacaína racêmica, de levobupivacaína e da mistura enantiomérica S75/R25 de bupivacaína. Rev Bras Anestesiol, 2005;55:263-268.
02. Cangiani LM, Ferreira AA, Vanetti LFA et al - Incidência de complicações do bloqueio retrobulbar: análise de 5000 casos. Rev Bras Anestesiol, 1995;45:(Supp20):27-31.
03. Teixeira JMS, Vanetti LFA, Cangiani LM et al - Proptose: um sinal útil para a realização dos bloqueios retrobulbar e peribulbar. Rev Bras Anestesiol, 2005;49:14-18.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
30 Jun 2005 -
Data do Fascículo
Jun 2005