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Comparação das técnicas transarterial e de estimulação de múltiplos nervos para bloqueio do plexo braquial por via axilar usando lidocaína com epinefrina

CARTA AO EDITOR

Comparação das técnicas transarterial e de estimulação de múltiplos nervos para bloqueio do plexo braquial por via axilar usando lidocaína com epinefrina

Agradeço a senhora editora, a oportunidade de acrescentar alguns comentários sobre o estudo em referência 1.

1. Na discussão 1 há registro sobre a avaliação exitosa de todos os nervos do antebraço após a primeira injeção anestésica. Não obstante, o estudo descreve a estimulação múltipla de nervos (EMN) com quatro injeções (nervos radial, ulnar, mediano e musculocutâneo do antebraço) e a técnica transarterial (TTA) com duas injeções (posterior e anterior à artéria axilar).

2. Considerando a TTA como a mais ou uma das mais eficientes técnicas 2,3, o estudo em pauta 1 obteve maior sucesso com a técnica da EMN, provavelmente pelos seguintes acontecimentos: as características com a TTA 1 foram punção perpendicular à pele; não foi no oco axilar (inviabilizada pela anatomia); apenas uma transfixação arterial e duas injeções; êxito de 83,3% enquanto que as características com EMN foram punção oblíqua à pele (30°); ponta da agulha mais proximal ao oco axilar; êxito de 92,5%. Observou-se que a TTA com duas transfixações arteriais posteriores e três injeções como realizado por Cockings e col. 3, no oco axilar, o sucesso foi de 99% assim como o foi o primeiro estudo de Imbelloni e col. 4. A transfixação arterial axilar enseja intercomunicação dos sub-compartimentos que albergam nervos isolados dentro da bainha neurovascular (BNV) do plexo braquial durante a trajetória da punção. Supõe-se assim, que com duas transfixações arteriais posteriores e três injeções o desfecho seja mais efetivo. E mais, a punção sendo oblíqua e no oco axilar, resulta no espraiamento da solução anestésica mais proximal 2, semelhando-se ao posicionamento de cateter curto, podendo atingir distalmente os cordões plexulares e, portanto, com folga, os nervos terminais axilar e musculocutâneo do antebraço, emergentes prematuros da BNV. Ao contrário, com a punção perpendicular e longe do oco axilar, esta farmacocinética é mais difícil de ocorrer livrando com grande freqüência, os dois nervos citados. Verificou-se que com o clássico posicionamento de abdução do braço 5,6, a cabeça umeral não constitui obstáculo ao espraiamento da solução anestésica. Entretanto, não podemos nos esquecer das aberrações anatômicas dos componentes plexulares que são, sem dúvida, os grandes responsáveis (vilões) pelos insucessos dos bloqueios anestésicos mesmo na performance de técnicas impecáveis.

3. A toxicidade dos anestésicos local (AL), depende da velocidade de absorção vascular in loco. Ao contrário do espaço intercostal, locais onde há boa quantidade de tecido gorduroso como no interior da BNV 7, grandes massas de AL (lipofílicos por natureza) e acrescidos de epinefrina 8, podem ultrapassar as doses máximas recomendadas9 sem os paraefeitos tóxicos 8. A toxicidade aos AL deve ser correlacionada à duas variáveis: concentração plasmática e síndrome toxicológica (sintomas e sinais clínicos). Em alguns casos, não há um paralelismo entre as duas, como ficou demonstrado 1,8,10. É bom lembrar que excessivas doses infiltrativas de AL com epinefrina são usadas em cirurgias plásticas estéticas sem manifestações clínicas de toxicidade. A vasoconstrição pela epinefrina, a expulsão da solução anestésica pela lipoaspiração imediata ou mesmo o seu extravio através das incisões cirúrgicas e remoções de grandes tecidos contendo importantes volumes da solução injetada, não propiciam com facilidade, concentrações plasmáticas tóxicas. Por outro lado, a absorção da solução anestésica tende a iniciar mais intensamente ao redor do 40° minuto atingindo a maior taxa em torno do 60° minuto após a injeção 8,10.

Atenciosamente.

Dr. Karl Otto Geier

REFERÊNCIAS

01. Imbelloni LE, Beato L, Cordeiro JA - Comparação das técnicas transarterial e de estimulação de múltiplos nervos para bloqueio do plexo braquial por via axilar usando lidocaína com epinefrina. Rev Bras Anestesiol, 2005;55:40-49.

02. Cockings E, Moore PL, Lewis RC - Transarterial brachial plexus blockade using high doses of 1.5% mepivacaine. Reg Anesth, 1987;12:159-164.

03. King RS, Urquhart B, Urquart B et al - Factors influencing the success of brachial plexus block. Reg Anesth, 1990;15: (Suppl):63.

04. Imbelloni LE, Pinto AL, Neumann CR - Bloqueio do plexo braquial pela via transarterial com altas doses de lidocaína a 1,6%. Rev Bras Anestesiol, 1989;39:273-276.

05. Winnie AP, Tay CH, Patel KP et al - Pharmacokinetics of local anesthetics during plexus blocks. Anesth Analg, 1977:56: 852-861.

06. Thompson GE, Rorie DK - Functional anatomy of the brachial plexus sheaths. Anesthesiology, 1983;59:117-122.

07. Beck H, Lierse W, Dziadzka A et al - Axillary block of the brachial plexus: a new anatomical view of fat and septa distribution and the clinical relevancy. Reg Anesth, 1990;15:(Suppl):51.

08. Palve H, Kirvela O, Olin H et al - Maximum recommended doses of lignocaine are not toxic. Br J Anaesth, 1995;74:704-705.

09. Scott DB - "Maximum recommended doses" of local anaesthetic drugs. Br J Anaesth, 1989;63:373-374.

10. Geier KO - Analgesia regional periférica com lidocaína em paciente queimado. Relato de caso. Rev Bras Anestesiol, 2004;54:247-251.

Réplica

Senhor Editor,

Agradecemos os comentários de Otto Geier, um dos mais importantes estudiosos da anestesia regional no Brasil, sobre nosso trabalho 1. Originariamente, os bloqueios periféricos foram realizados com parestesia ou com um acesso “cego” (perda da resistência). Para produzir parestesia, a agulha utilizada para o bloqueio deve estar em contato direto com o nervo. O acesso transarterial é identificado com a entrada da agulha dentro da artéria. Esta técnica tem sido descrita de várias formas, como bem mostrou Geier em sua carta, punção perpendicular à pele, punção oblíqua à pele, punção mais proximal ao oco axilar, uma ou mais transfixação da artéria, depósito anterior ou posterior de grandes volumes de anestésicos local, depósito anterior e posterior de igual volume com diferentes índices de sucessos.

Em uma época que não havia o conceito de espaço neurovascular axilar 2, Accardo e Adriani 3 em 1949 empregaram uma técnica de múltiplas injeções para assegurar uma extensão homogênea do bloqueio, de tal modo que bloqueava individualmente os quatro ramos terminais do plexo braquial (musculocutâneo, radial, mediano e ulnar). Posteriormente, estudando cadáveres congelados, foi elaborado o conceito de distribuição perivascular do anestésico local como explicação para o bloqueio incompleto 4. Thompson e Rorie 5 descreveram a existência de septos conjuntivos no espaço axilar, levando a uma anestesia incompleta, e Partridge e col 6 observaram que estes septos eram incompletos. Durante esta época, ambas as técnicas, injeção única ou múltipla, coexistiram sem que uma se mostrasse melhor que a outra.

Na década de oitenta foi introduzida a neuroestimulação elétrica 7. Com o uso do estimulador de nervos periféricos, não se necessita que a agulha entre em contato direto com o nervo nem que ocorra transfixação da artéria. Em teoria, o uso do estimulador de nervo diminui o potencial de complicações pós-traumática do nervo, hemorragia ou mesmo toxicidade do anestésico local. O estímulo causado pelo estimulador resulta numa resposta motora específica. Desta forma, cada nervo pode ser estimulado, localizado e bloqueado individualmente, com aumento do sucesso do bloqueio, fato observado em nosso trabalho 1. O uso do neuroestimulador permite a injeção fracionada do anestésico local de modo dirigido e se diferencia da técnica de parestesia por agulha, pela baixa probabilidade de traumatismo direto no nervo. Diversos trabalhos foram realizados com esta técnica, demonstrando, como em nosso trabalho, que a extensão e a qualidade da anestesia do membro superior com o bloqueio axilar era superior localizando os quatros ramos terminais, apesar do maior tempo para a realização da técnica, porém com menor período de latência 8,9. Da mesma forma, os resultados foram melhores com a estimulação de dois nervos em comparação com a neuroestimulação e injeção única 10. Procurando responder quantas estimulações são necessárias para um melhor resultado, foi demonstrado que com quatro estímulos obteve-se 100% de sucesso, com três estímulos, 90%, com dois estímulos, 60%, e com um estímulo, 40% 11. Além disso, os autores não encontraram uma menor aceitação do procedimento com múltiplos estímulos em relação ao estímulo único.

Gostaríamos de frisar a importância dos comentários de Geier, não só sobre a forma de abordar o plexo braquial via axilar, mas também seus comentários sobre a toxicidade dos anestésicos locais nesses compartimentos, demonstrando que grandes massas de anestésicos locais acrescidos ou não de epinefrina 12, podem ultrapassar as doses máximas recomendadas 13 sem os efeitos tóxicos 1,12,14. De qualquer forma, é importante assinalar que se deve evitar insistência excessiva em localizar os quatros ramos terminais do plexo braquial, pois isto pode resultar em insatisfação para o paciente. Entretanto, baseado na literatura atual, deve-se lembrar que quatro localizações são melhores que três, três melhores do que duas e duas melhores que uma. Desta forma, o uso do estimulador de nervos periféricos deve ser estimulado.

Atenciosamente.

Dr. Luiz Eduardo Imbelloni, TSA

Dra. Lúcia Beato, TSA

Dr. José Antonio Cordeiro

REFERÊNCIAS

01. Imbelloni LE, Beato L, Cordeiro JA - Comparação das técnicas transarterial e de estimulação de múltiplos nervos para bloqueio do plexo braquial por via axilar usando lidocaína com epinefrina. Rev Bras Anestesiol, 2005;55:1:40-49.

02. Winnie AP, Collins VJ - The subclavian perivascular technique of brachial plexus anesthesia. Anesthesiology, 1964;25:353-363.

03. Accardo NJ, Adriani J - Brachial plexus block: a simplified technique using the axillary route. South Med J, 1949;42:920-923.

04. Vester-Andersen T, Broby-Johansen U, Bro-Rasmussen F - Perivascular axillary block. VI: the distribution of gelatine solution injected into the axillary neurovascular sheath of cadavers. Acta Anaesthesiol Scand, 1986;30:18-22.

05. Thompson GE, Rorie DK - Functional anatomy of the brachial plexus sheaths. Anesthesiology, 1983;59:117-122.

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07. Pither CE, Raj P, Ford DJ - The use of peripheral nerve stimulator for regional anesthesia. Reg Anesth, 1985;10:49-58.

08. Koscielniak-Nielsen ZJ, Stens-Pedersen HL, Knudesen Lippert F - Readiness for surgery after axillary block: single or multiple injection techniques. Eur J Anaesthesiol, 1997;14:164-171.

09. Koscielniak-Nielsen ZJ, Nielsen PR, Nielsen SL et al - Comparison of transarterial and multiple nerve stimulation techniques for axillary block using a high dose of mepivacaine with adrenaline. Acta Anaesthesiol Scand, 1999;43:398-404.

10. Inberg P, Annila I, Annila P - Double-injection method using peripheral nerve stimulator is superior to single injection in axillary plexus block. Reg Anesth Pain Med, 1999;24:509-513.

11. Serradell Catalan A, Moncho Rodrigues JM, Santos Carnes JA et al - Anestesia de plexo braquial por via axilar. Cuántas respuestas buscamos com neuroestimulación? Rev Esp Anestesiol Reanim, 2001;48:356-363.

12. Misra U, Pridie AK, McClymont C et al- Plasma concentrations of bupivacaine following combined sciatic and femoral 3 in 1 nerve blocks in open knee surgery. Br J Anaesth, 1991;66:310-313.

13. Palve H, Kirvela O, Olin H et al - "Maximum recommended doses" of lignocaine are not toxic. Br J Anaesth, 1995;74: 704-705

14. Imbelloni LE, Pinto AL, Neumann CR - Bloqueio do plexo braquial pela via transarterial com altas doses de lidocaína a 1,6%. Rev Bras Anestesiol, 1989;39: 273-276.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Out 2005
  • Data do Fascículo
    Ago 2005
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