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Influência da nifedipina no bloqueio neuromuscular produzido pelo atracúrio e pelo cisatracúrio: estudo em preparações nervo frênico-diafragma de rato

Influencia de la nifedipina en el bloqueo neuromuscular producido por atracurio y cisatracurio: estudio en preparación nervio frénico diafragma de ratón

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Os bloqueadores de canais de cálcio podem interagir com bloqueadores neuromusculares potencializando seus efeitos. Os estudos sobre essa interação mostram resultados controversos. Em alguns estudos essas drogas produziram bloqueio neuromuscular, ou contratura, ou nenhum efeito sobre as respostas musculares esqueléticas foi evidenciado. O estudo avaliou, em diafragma de rato, os efeitos da nifedipina sobre a resposta muscular e sua possível interação com os bloqueadores neuromusculares. MÉTODO: Foram utilizados 25 ratos, com peso entre 250 e 300 g sacrificados sob anestesia com pentobarbital (40 mg.kg -1) por via intraperitonial. A preparação foi montada de acordo com a técnica descrita por Bulbring. O diafragma foi mantido sob tensão, ligado a um transdutor isométrico e submetido à estimulação indireta de 0,1 Hz de freqüência. As contrações do diafragma foram registradas em fisiógrafo. Para avaliação dos efeitos das drogas na transmissão neuromuscular, estas foram adicionadas isoladamente ou associadas à preparação, nas seguintes concentrações: nifedipina (4 µg.mL-1); atracúrio (20 µg.mL-1); cisatracúrio (3 µg.mL-1). Nas preparações nervo frênico-diafragma avaliaram-se: 1) a amplitude das respostas do músculo diafragma à estimulação indireta, antes e 45 minutos após a adição da nifedipina e dos bloqueadores neuromusculares isoladamente e após a associação das drogas; 2) os efeitos da nifedipina nos potenciais de membrana (PM) e potenciais de placa terminal em miniatura (PPTM). RESULTADOS: A nifedipina empregada isoladamente não alterou a amplitude das respostas musculares, mas aumentou significativamente a atividade bloqueadora neuromuscular do atracúrio e do cisatracúrio. Não alterou o potencial de membrana e ocasionou aumento inicial na freqüência dos PPTM, seguido de bloqueio. CONCLUSÕES: A nifedipina na concentração empregada potencializou o bloqueio neuromuscular produzido pelo atracúrio e cisatracúrio. Estudos eletrofisiológicos demonstraram ação pré-sináptica e ausência de ação despolarizante sobre a fibra muscular.

ANIMAIS; BLOQUEADORES DE CANAIS DE CÁLCIO; BLOQUEADORES NEUROMUSCULARES, Não-despolarizantes


JUSTIFICATIVA Y OBJETIVOS: Los bloqueadores de canales de calcio pueden reaccionar con los bloqueadores neuromusculares potenciando sus efectos. Los estudios sobre esta interacción presentan resultados controvertidos. En algunos estudios estas drogas produjeron el bloqueo neuromuscular, o contractura, o no se observó ningún efecto sobre las respuestas musculares esqueléticas. El estudio evaluó los efectos de la nifedipina sobre la respuesta muscular y su posible relación con los bloqueadores neuromusculares en el diafragma del ratón. MÉTODO: Fueron utilizados 25 ratones, con peso entre 250 y 300 g sacrificadas con anestesia con pentobarbital (40 mg.kg-1) por vía intraperitoneal. La preparación fue montada de acuerdo con la técnica descripta por Bulbring. El diafragma fue mantenido bajo tensión, conectado con un transductor isométrico y sometido a estímulo indirecto de 0,1 Hz de frecuencia. Las contracciones del diafragma fueron registradas en un fisiógrafo. Para la evaluación de los efectos de las drogas en la transmisión neuromuscular, las mismas fueron añadidas aisladamente o asociadas a la preparación en las siguientes concentraciones: nifedipina (4 µg.mL-1); atracurio (20 µg.mL-1); cisatracurio (3 µg.mL-1 ). En las preparaciones nervio frénico-diafragma se evaluaron: 1) la amplitud de las respuestas del músculo diafragma al estímulo indirecto, antes y 45 minutos después de la adición de nifedipina y de los bloqueadores neuromusculares aisladamente y después de la asociación de las drogas; 2) los efectos de la nifedipina en los potenciales de la membrana (PM) y potenciales de la placa terminal en miniatura (PPTM). RESULTADOS: La nifedipina, cuando empleada aisladamente, no cambió la amplitud de las respuestas musculares, pero aumentó significativamente la actividad bloqueadora neuromuscular del atracurio y del cisatracurio, no cambió el potencial de membrana y produjo el aumento inicial en la frecuencia de los PPTM, seguida de bloqueo. CONCLUSIONES: La nifedipina, en la concentración empleada, potenció el bloqueo neuromuscular que el atracurio e cisatracurio produjeron. Estudios electrofisiológicos demostraron una acción presináptica y la ausencia de acción despolarizante sobre la fibra muscular.


BACKGROUND AND OBJECTIVES: Calcium channel blockers may interact with neuromuscular blockers, increasing its effects. Research studies about this interaction display controversial results. In some studies these drugs produced neuromuscular blockage, or contracture, or no effect at all was proved over skeletal neuromuscular response. This study assessed the nifedipine effects over muscular responses and its possible interaction with neuromuscular blockers in rat diaphragm. METHODS: A number of 25 rats were used, weighing between 250 and 300 g and sacrificed under anesthesia with intraperitoneal pentobarbital (40 mg.kg-1). Preparation was mounted according to the technique described by Bulbring. Diaphragm was kept under tension, connected to an isometric transducer and subjected to an indirect stimulation of 0.1 Hz frequency. Diaphragm contractions were registered on a physiograph. In order to evaluate the effect of these drugs on neuromuscular transmission, they were added separately or associated to the preparation, on the following concentrations: nifedipine (4 µg.mL-1); atracurium (20 µg.mL-1); cistracurium (3 µg.mL-1). On phrenic-nerve preparation, the assessed items were: 1) the extent of diaphragm muscle response to indirect stimulation, before and 45 minutes after adding nifedipine and neuromuscular blockers separately and after the association of both drugs; 2) nifedipine effects on membrane potentials (MP) and miniature end-plate potentials (MEPP). RESULTS: Employed separately, nifedipine did not alter the extent of muscular responses, but it did significantly increase the neuromuscular blocking activity of atracurium and cistracurium. Nifedipine did not alter the membrane potential and caused an initial increase on MEPP frequencies, followed by a blockage. CONCLUSIONS: Nifedipine, on the employed concentration, increased the neuromuscular blockage produced by atracurium and cistracurium. Electrophysiological studies demonstrate the existence of presynaptic action and absence of depolarizing action over the muscle fiber.

ANIMALS; CALCIUM CHANNEL BLOCKERS; NEUROMUSCULAR BLOCKERS, Nondepolarizing


ARTIGO CIENTÍFICO

Influência da nifedipina no bloqueio neuromuscular produzido pelo atracúrio e pelo cisatracúrio. Estudo em preparações nervo frênico-diafragma de rato* * Recebido do Departamento de Farmacologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Campinas (FCM – UNICAMP), Campinas, SP

Influencia de la nifedipina en el bloqueo neuromuscular producido por atracurio y cisatracurio. Estudio en preparación nervio frénico diafragma de ratón

Silmara Rodrigues de SousaI; Angélica de Fátima de Assunção Braga, TSAII; Glória Maria Braga Potério, TSAII; Franklin Sarmento da Silva BragaIII; Yolanda Christina S LoyolaI; Samanta Cristina Antoniassi FernandesI

IAluna do Curso de Pós-Graduação do Departamento de Farmacologia da FCM da UNICAMP

IIProfessora Associada do Departamento de Anestesiologia da FCM da UNICAMP

IIIProfessor Doutor do Departamento de Anestesiologia da FCM da UNICAMP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dra. Angélica de Fátima de Assunção Braga Rua Luciano Venere Decourt, 245 - Cidade Universitária 13084-040 Campinas, SP E-mail: franklinbraga@terra.com.br

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Os bloqueadores de canais de cálcio podem interagir com bloqueadores neuromusculares potencializando seus efeitos. Os estudos sobre essa interação mostram resultados controversos. Em alguns estudos essas drogas produziram bloqueio neuromuscular, ou contratura, ou nenhum efeito sobre as respostas musculares esqueléticas foi evidenciado. O estudo avaliou, em diafragma de rato, os efeitos da nifedipina sobre a resposta muscular e sua possível interação com os bloqueadores neuromusculares.

MÉTODO: Foram utilizados 25 ratos, com peso entre 250 e 300 g sacrificados sob anestesia com pentobarbital (40 mg.kg -1) por via intraperitonial. A preparação foi montada de acordo com a técnica descrita por Bulbring. O diafragma foi mantido sob tensão, ligado a um transdutor isométrico e submetido à estimulação indireta de 0,1 Hz de freqüência. As contrações do diafragma foram registradas em fisiógrafo. Para avaliação dos efeitos das drogas na transmissão neuromuscular, estas foram adicionadas isoladamente ou associadas à preparação, nas seguintes concentrações: nifedipina (4 µg.mL-1); atracúrio (20 µg.mL-1); cisatracúrio (3 µg.mL-1). Nas preparações nervo frênico-diafragma avaliaram-se: 1) a amplitude das respostas do músculo diafragma à estimulação indireta, antes e 45 minutos após a adição da nifedipina e dos bloqueadores neuromusculares isoladamente e após a associação das drogas; 2) os efeitos da nifedipina nos potenciais de membrana (PM) e potenciais de placa terminal em miniatura (PPTM).

RESULTADOS: A nifedipina empregada isoladamente não alterou a amplitude das respostas musculares, mas aumentou significativamente a atividade bloqueadora neuromuscular do atracúrio e do cisatracúrio. Não alterou o potencial de membrana e ocasionou aumento inicial na freqüência dos PPTM, seguido de bloqueio.

CONCLUSÕES: A nifedipina na concentração empregada potencializou o bloqueio neuromuscular produzido pelo atracúrio e cisatracúrio. Estudos eletrofisiológicos demonstraram ação pré-sináptica e ausência de ação despolarizante sobre a fibra muscular.

Unitermos: ANIMAIS: ratos; BLOQUEADORES DE CANAIS DE CÁLCIO: nifedipina; BLOQUEADORES NEUROMUSCULARES, Não-despolarizantes: atracúrio, cisatracúrio.

RESUMEN

JUSTIFICATIVA Y OBJETIVOS: Los bloqueadores de canales de calcio pueden reaccionar con los bloqueadores neuromusculares potenciando sus efectos. Los estudios sobre esta interacción presentan resultados controvertidos. En algunos estudios estas drogas produjeron el bloqueo neuromuscular, o contractura, o no se observó ningún efecto sobre las respuestas musculares esqueléticas. El estudio evaluó los efectos de la nifedipina sobre la respuesta muscular y su posible relación con los bloqueadores neuromusculares en el diafragma del ratón.

MÉTODO: Fueron utilizados 25 ratones, con peso entre 250 y 300 g sacrificadas con anestesia con pentobarbital (40 mg.kg-1) por vía intraperitoneal. La preparación fue montada de acuerdo con la técnica descripta por Bulbring. El diafragma fue mantenido bajo tensión, conectado con un transductor isométrico y sometido a estímulo indirecto de 0,1 Hz de frecuencia. Las contracciones del diafragma fueron registradas en un fisiógrafo. Para la evaluación de los efectos de las drogas en la transmisión neuromuscular, las mismas fueron añadidas aisladamente o asociadas a la preparación en las siguientes concentraciones: nifedipina (4 µg.mL-1); atracurio (20 µg.mL-1); cisatracurio (3 µg.mL-1 ). En las preparaciones nervio frénico-diafragma se evaluaron: 1) la amplitud de las respuestas del músculo diafragma al estímulo indirecto, antes y 45 minutos después de la adición de nifedipina y de los bloqueadores neuromusculares aisladamente y después de la asociación de las drogas; 2) los efectos de la nifedipina en los potenciales de la membrana (PM) y potenciales de la placa terminal en miniatura (PPTM).

RESULTADOS: La nifedipina, cuando empleada aisladamente, no cambió la amplitud de las respuestas musculares, pero aumentó significativamente la actividad bloqueadora neuromuscular del atracurio y del cisatracurio, no cambió el potencial de membrana y produjo el aumento inicial en la frecuencia de los PPTM, seguida de bloqueo.

CONCLUSIONES: La nifedipina, en la concentración empleada, potenció el bloqueo neuromuscular que el atracurio e cisatracurio produjeron. Estudios electrofisiológicos demostraron una acción presináptica y la ausencia de acción despolarizante sobre la fibra muscular.

INTRODUÇÃO

Os bloqueadores de canais de cálcio são amplamente utilizados no tratamento de doenças cardiovasculares como angina pectoris, cardiomiopatias, hipertensão arterial e disritmias supraventriculares. Embora inúmeros estudos tenham sido realizados para investigar os efeitos dos bloqueadores de canais de cálcio nas respostas musculares e sua interação com bloqueadores neuromusculares (BNM), os resultados ainda são conflitantes. Alguns estudos mostraram que os bloqueadores de canais de cálcio produzem bloqueio neuromuscular 1-5, outros relataram contratura muscular 6,7 ou mesmo nenhum efeito na musculatura esquelética foi evidenciado 8-10. É pouco provável que em doses terapêuticas os bloqueadores de Ca++ possam determinar bloqueio neuromuscular, mas quando a margem de segurança da transmissão neuromuscular está comprometida pelo uso de BNM ou por doenças neuromusculares, pode haver exacerbação da paralisia muscular 11. Portanto trabalhos apontam para a interação entre bloqueadores de canais de cálcio e bloqueadores neuromusculares, com potencialização dos efeitos dos bloqueadores neuromusculares 2,4,8-10,12-14. A nifedipina é um bloqueador de canal de cálcio, derivado da dihidropiridina, disponível somente para uso por via oral, com potente atividade vasodilatadora periférica e coronariana, e mínimo efeito nos vasos de capacitância 15.

O objetivo deste estudo foi avaliar o efeito da nifedipina na transmissão neuromuscular e a sua influência no bloqueio neuromuscular produzido pelo atracúrio e pelo cisatracúrio.

MÉTODO

O estudo experimental e os procedimentos usados estão de acordo com os princípios éticos na experimentação animal adotado pelo Colégio Brasileiro de Experimentação Animal (COBEA) e foram aprovados pela Comissão de Ética em Experimentação Animal do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

Foram utilizados 25 ratos machos da linhagem Wistar, com peso entre 250 e 300 g sacrificados sob anestesia com pentobarbital (40 mg.kg-1), por via intraperitonial, e após sangria por secção dos vasos do pescoço, a preparação foi feita de acordo com a técnica descrita por Bulbring 16. Os hemidiafragmas com os nervos frênicos correspondentes foram retirados e fixados em cuba contendo 40 mL de solução nutritiva de Tyrode com a seguinte composição em mM: NaCl 137; KCl 2,7; CaCl2 1,8; NaHCO3 11,9; MgCl2 0,25; NaH2PO4 0,3 e glicose 11. A solução foi aerada constantemente com carbogênio (95% O2 + 5% CO2) e mantida a 37 ºC. O nervo foi colocado sobre eletrodos de platina ligados a um estimulador Grass S48. O diafragma foi mantido por sua porção tendinosa sob tensão constante (5 g) através de um fio ligado a um transdutor isométrico Load Cell BG50 GMS, e submetido à estimulação indireta de 0,1 Hz de freqüência e duração de 0,2 mseg e as variações de tensão produzidas pelas contrações do diafragma foram registradas em fisiógrafo Gould RS 3400. Formaram-se três grupos (n = 5) para avaliar os efeitos das drogas na transmissão neuromuscular, quando empregadas isoladamente: nifedipina (4 µg.mL-1); atracúrio (20 µg.mL-1); cisatracúrio (3 µg.mL-1). Em outros dois grupos (n = 5) foram estudados os efeitos das associações nifedipina aos dois bloqueadores neuromusculares (atracúrio e cisatracúrio) sobre a amplitude das respostas musculares. As respostas musculares a estimulação indireta foram registradas durante 45 minutos após a adição das drogas. Utilizou-se também a preparação nervo frênico-diafragma de rato (NFD) para o estudo dos efeitos da nifedipina nos potenciais de placa terminal em miniatura e nos potenciais de membrana. Foram avaliados: 1) a amplitude das respostas do músculo diafragma à estimulação indireta, antes e 45 minutos após a adição de nifedipina e dos bloqueadores neuromusculares isoladamente; 2) a amplitude das respostas do músculo diafragma à estimulação indireta, antes e 45 minutos após a adição da associação nifedipina - bloqueador neuromuscular; 3) os efeitos da nifedipina sobre os potenciais de membrana (PM) e potenciais de placa terminal em miniatura (PPTM). Os resultados foram expressos em média e desvio-padrão. Para análise estatística foram utilizados os testes t de Student e t de Student para amostras pareadas. Assumiu-se um nível de significância de 5% (a = 5%). O poder do teste foi calculado e obteve-se b > 20% (poder > 80%).

RESULTADOS

A nifedipina na concentração estudada e empregada isoladamente em preparação NFD, não causou redução na amplitude das respostas musculares a estimulação elétrica indireta (Figura 1).


Nas preparações tratadas com nifedipina o bloqueio neuromuscular produzido pelo atracúrio foi de 64,19% ± 9,37%, sendo significativamente maior (p = 0,0053) do que quando o atracúrio foi empregado isoladamente (45,02% ± 6,33%) (Figura 2). O bloqueio produzido pela associação nifedipina:cisatracúrio foi de 74,04% ± 10,12%, significativamente maior (p = 0,0038) do que o observado com o cisatracúrio empregado isoladamente (48,01 ± 10,33%) (Figura 3).



Não se observou efeito significativo da nifedipina sobre os potenciais de membrana. Os efeitos sobre os potenciais de placa terminal em miniatura caracterizaram-se inicialmente por um aumento na freqüência, observado 30 minutos após a adição da droga, seguido de bloqueio aos 60 minutos (Figura 4).


DISCUSSÃO

Há evidências de que os bloqueadores de canais de cálcio podem interagir e potencializar os efeitos dos bloqueadores neuromusculares, comumente utilizados em anestesia geral 4,9,12,17-20.

Estes efeitos foram demonstrados experimentalmente, em preparações isoladas, em animal intacto, e também foram confirmados na clínica, em paciente portador de distrofia muscular de Duchenne que desenvolveu quadro de insuficiência respiratória aguda após a administração de verapamil para tratamento de flutter atrial 2-4,8-14,17,18,21, assim como pela maior dificuldade na reversão do bloqueio neuromuscular em paciente tratado cronicamente com verapamil, sendo essas intercorrências atribuídas à propriedade bloqueadora neuromuscular do verapamil 22. O emprego da preparação isolada nervo – músculo (in vitro), adequadamente aerada e em temperatura mantida constante, possibilita a avaliação dos efeitos da nifedipina e bloqueadores neuromusculares, nas respostas musculares à estimulação indireta, excluindo-se outros fatores que possam interferir na transmissão neuromuscular. Além disso experimentos realizados em ratos são considerados mais adequados para investigar eventos pós-sinápticos, quando comparados aos desenvolvidos em cães 9.

Embora os efeitos dos bloqueadores de canais de cálcio tenham sido extensivamente investigados nos músculos cardíaco, liso vascular, respiratório e intestinal, existem poucos estudos sobre a ação dessas drogas na atividade neuromuscular. O músculo esquelético contém canais de cálcio tipo lento, similar ao observado nos músculos cardíaco e liso vascular, com locais especiais de ligação para os bloqueadores de canais de cálcio. Estes canais, nos músculos liso vascular e cardíaco, encontram-se situados sobre toda a membrana muscular e são muito sensíveis aos bloqueadores de canais de cálcio, enquanto que no músculo esquelético são menos sensíveis e situam-se no sistema tubular transverso 23. Devido a essas particularidades alguns processos fisiológicos na junção neuromuscular ou no músculo podem ser alterados por estas drogas.

A escolha da dose dos bloqueadores neuromusculares foi estabelecida em projeto piloto, ajustando-a até a obtenção de um bloqueio neuromuscular que se instalava progressivamente durante 45 minutos. A concentração de nifedipina utilizada no estudo foi de 4 µg.mL-1, determinada a partir de dados apresentados nos estudos de Bikhazi e col. 9. Seu emprego isolado não produziu comprometimento da transmissão neuromuscular, resultado semelhante ao observado em outros trabalhos1,9. Esses autores relataram em experimentos realizados in vitro e em in vivo que a nifedipina e o verapamil produziram mínima ou nenhuma alteração nas respostas musculares a estímulos isolados. No entanto esses resultados são contrários aos de Del Pozo e Baeyens 5, que estudaram em preparação nervo frênico-diafragma de rato, os efeitos de várias concentrações de nifedipina, verapamil e diltiazem, e observaram diminuição concentração-dependente das respostas do músculo diafragma a estimulação indireta. Resultados similares também foram evidenciados em outros estudos experimentais utilizando outros bloqueadores de canais de cálcio 2-4,17.

A semelhança de estudos anteriores, a nifedipina potencializou o bloqueio neuromuscular produzido pelo atracúrio e pelo cisatracúrio. Concentrações (in vitro) ou doses (in vivo) de verapamil ou nifedipina que isoladamente apresentaram pequeno ou nenhum efeito na resposta muscular aumentaram a potência do atracúrio, vecurônio e pancurônio, evidenciado por diminuição da DE50 dessas drogas, efeito esse considerado mais que aditivo 1,9.

Embora as razões para essa interação e potencialização do bloqueio neuromuscular, não estejam totalmente esclarecidas, vários mecanismos têm sido propostos. Alguns trabalhos realizados in vivo e in vitro sugerem que os bloqueadores de canais de cálcio impedem o influxo de cálcio através da membrana dos canais lentos de cálcio, alterando a concentração de cálcio e de adenosina monofosfato cíclico (cAMP) pré-sináptica, prejudicando a mobilização e a liberação do neurotransmissor e conseqüentemente inibindo a transmissão neuromuscular e a contração muscular 3,4,14,17-19,24-27. Essas drogas também apresentam atividade anestésica local, que pode contribuir para o efeito depressor na contração muscular, provavelmente devido a sua ação no canal rápido de sódio 15,17,21.

Tem sido relatado na literatura que o verapamil reduz a liberação de acetilcolina na terminação nervosa motora, sugerindo uma ação pré-sináptica 4,21,25. Em outros trabalhos várias explicações têm sido propostas para os efeitos diretos do verapamil no músculo esquelético. Essa droga ao atuar em canais de cálcio no músculo esquelético previne a entrada de cálcio nas células musculares, prejudicando o mecanismo de ativação e conseqüentemente o processo de excitação-contração 13,28,29. Alternativamente, Chiarandini e Bentley 30 relataram que o verapamil em preparação isolada de sapo bloqueia a resposta muscular induzida pela acetilcolina e sugere que de modo semelhante aos bloqueadores neuromusculares não-despolarizantes, pode ter um efeito sobre os canais iônicos ativados pela acetilcolina na placa terminal, refletindo um efeito pós-juncional 1,30. Por outro lado os resultados sobre os efeitos inibitórios do verapamil nas respostas musculares à estimulação indireta são maiores do que em relação às obtidas com os estímulos diretos, o que pode significar que o bloqueador de canal de cálcio também atua diretamente no nervo 3,19.

Na avaliação dos potenciais bioelétricos, observou-se que a nifedipina na concentração empregada não altera o potencial de membrana das fibras musculares, demonstrando, portanto que não possui ação despolarizante sobre a fibra muscular esquelética. Observou-se, no entanto, influência nos potenciais de placa terminal em miniatura (pptms) o que pode ser atribuído a uma possível ação pré-sináptica.

Os anestesiologistas podem em algum momento se deparar com essa interação, quando da realização de anestesia em pacientes em uso crônico de bloqueadores de canais de cálcio ou mesmo diante da necessidade do uso dessas drogas para tratamento de intercorrências cardiocirculatórias durante o ato anestésico-cirúrgico. Resultados de estudos in vitro com a associação de bloqueadores de canais de cálcio e bloqueadores neuromusculares, sugerem que a interação entre esses dois grupos de drogas podem diferir de acordo com a forma de uso do bloqueador de canal de cálcio. Nos pacientes em uso crônico de antagonistas de canais de cálcio, essas drogas podem se acumular nos músculos e grande parte do bloqueio pode ser atribuído ao antagonista de cálcio. Sua administração durante a anestesia pode aumentar temporariamente o grau de bloqueio neuromuscular, sem, no entanto, prolongar sua duração 9. Os resultados mostram que a nifedipina na concentração empregada potencializou o bloqueio neuromuscular produzido pelo atracúrio e cisatracúrio. As alterações do potencial de placa terminal em miniatura exteriorizam uma ação pré-sináptica e a ausência de efeito no potencial de membrana demonstra não possuir ação despolarizante sobre a fibra muscular.

Apresentado em 26 de setembro de 2005

Aceito para publicação em 09 de dezembro de 2005

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  • Endereço para correspondência:
    Dra. Angélica de Fátima de Assunção Braga
    Rua Luciano Venere Decourt, 245 - Cidade Universitária
    13084-040 Campinas, SP
    E-mail:
  • *
    Recebido do Departamento de Farmacologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Campinas (FCM – UNICAMP), Campinas, SP
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Maio 2006
    • Data do Fascículo
      Abr 2006

    Histórico

    • Aceito
      09 Dez 2005
    • Recebido
      26 Set 2005
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