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Manobra de recrutamento alveolar em anestesia: como, quando e por que utilizá-la

CARTAS AO EDITOR

Manobra de recrutamento alveolar em anestesia: como, quando e por que utilizá-la

Sra. Editora,

Foi com grande interesse que li o artigo referenciado. Gostaria de parabenizar os autores pela invejável iniciativa. Preocupado em esclarecer alguns aspectos, me ocorreu fazer algumas observações:

1) Os autores atribuíram o colapso alveolar à anestesia geral com ventilação mecânica associada à volumes correntes entre 12 e 15 mL.kg-1. É verdade que altos volumes correntes podem causar hiperinsuflação alveolar, compressão de capilar pulmonar adjacente e inadequada troca gasosa, porém esse tipo de ventilação vem sendo utilizado há vários anos sem, no entanto, existirem evidências de prejuízo ao paciente durante a cirurgia. Hedenstierna 1 chama a atenção como principais causas de colapso alveolar a perda do tônus muscular e o uso de altas frações inspiradas de oxigênio (FiO2). Áreas de atelectasia ocorrem em quase 90% de todos os pacientes anestesiados, seja sob ventilação espontânea, seja após paralisia muscular, com e sem óxido nitroso e ainda sob anestesia geral venosa ou inalatória 1. 2) O método CPAP (pressão positiva contínua nas vias aéreas), referido pelos autores como o mais utilizado na literatura, é factível apenas em pacientes sob ventilação espontânea. Smith e col. 2 utilizaram níveis de 12 ± 2 cmH2O em anestesia geral sob ventilação espontânea para cirurgia oncológica de mama com aumento dos níveis de PaO2 e diminuição da PaCO2, contrastando com os níveis de 30 a 40 cmH2O referidos no trabalho supracitado. Uma opção aos pacientes que tenham planejamento para relaxamento muscular durante a cirurgia seria a realização da indução anestésica com CPAP e a sua manutenção com baixos níveis de PEEP (pressão expiratória final positiva) 3. 3) Os autores defenderam a pesquisa da PaO2 e da relação PaO2/FiO2 como monitores da eficácia das trocas gasosas pulmonares e ainda referiram como ventilação inadequada a ausência da PEEP. Em um estudo utilizando pacientes obesos e não-obesos, Yoshino e col. 4 demonstraram que a diminuição da relação PaO2/FiO2 foi observada apenas em pacientes obesos e com sobrepeso, ventilados sem a realização da manobra de recrutamento alveolar (MRA) e sem o uso da PEEP. 4) O uso da PEEP parece realmente complementar a ação da MRA, porém é importante lembrar que após a descontinuação da PEEP pode ocorrer recolapso alveolar e esse efeito já pode ser observado dentro de um minuto após cessar a PEEP 1. Ao se utilizar FiO2 de 40% em nitrogênio após MRA as áreas de atelectasia reaparecem lentamente 1. Wetterslev e col. 5 afirmaram que é incerto se a MRA pode diminuir a incidência de hipoxemia tardia, pneumonia e outras complicações. Mais estudos são necessários para definir o momento ideal para aplicação da MRA e seu real papel na evolução mais favorável dos pacientes no pós-operatório. 5) Existem outros métodos que também servem para profilaxia do colapso alveolar 1: o uso da PEEP isoladamente, a manutenção do tônus muscular e o uso de níveis mais baixos FiO2. Níveis de PEEP entre 5 e 10 cmH2O têm sido advogados por alguns autores como efetivos em recrutar áreas já colapsadas 3,6. A redistribuição do fluxo sangüíneo pulmonar causado pela PEEP pode limitar a sua eficácia 1. O tônus muscular pode ser mantido com o uso da cetamina e com aplicação de estimulação elétrica em nervo frênico 1. O efeito protetor da cetamina é prejudicado quando ocorre associação desta com os bloqueadores neuromusculares 1. Evitando-se a realização da indução anestésica sob máscara com oxigênio a 100% não ocorre colapso alveolar durante a anestesia 1. O uso de óxido nitroso com a finalidade de diminuir a FiO2 não impede a formação de atelectasia por absorção 1 e estudos em animais já mostraram que sua absorção na mistura com oxigênio é quase tão rápida quanto o oxigênio a 100% 4.

Gostaria de cumprimentar os autores pelo belíssimo estudo que nos alertou para a possibilidade de otimização de nossa técnica anestésica com a finalidade de beneficiar o paciente.

Atenciosamente,

Fabiano Timbó Barbosa, TSA

REFERÊNCIAS

01. Hedenstierna G – Atelectasis and gas exchange during anaesthesia. Electromedica, 2003;71:70-73.

02. Smith RA, Bratzke EC, Miguel RV – Constant positive airway pressure reduces hypoventilation induced by inhalation anesthesia. J Clin Anesth, 2005;17:44-50.

03. Rusca M, Proietti S, Schnyder P et al – Prevention of atelectasis formation during induction of general anesthesia. Anesth Analg, 2003;97:1835-1839.

04. Yoshino J, Akata T, Takahashi S – Intraoperative changes in arterial oxygenation during volume-controlled mechanical ventilation in modestly obese patients undergoing laparotomies with general anesthesia. Acta Anaesthesiol Scand, 2003;47: 742-750.

05. Wetterslev J, Hansen EG, Roikjaer O et al – Optimizing preoperative compliance with PEEP during upper abdominal surgery: effects on perioperative oxygenation and complications in patients without preoperative cardiopulmonary dysfunction. Eur J Anaesth, 2001;18:358-365.

06. Coussa M, Proietti S, Schnyder P et al – Prevention of atelectasis formation during the induction of general anesthesia in morbidly obese patients. Anesth Analg, 2004;98:1491-1495.

Réplica

Sra. Editora,

É com satisfação que recebi a carta do Dr. Fabiano. Agradeço os elogios feitos e gostaria de acrescentar alguns comentários:

  1. Realmente os altos volumes correntes são causadores de hiperdistensão e colapso alveolares de forma cíclica como foi citado no nosso artigo. Ele tem razão ao afirmar que em pacientes anestesiados não existem evidências de prejuízo com a utilização de altos volumes, caso esses pacientes não tenham nenhuma doença pulmonar, porém é sabido que esses altos volumes quando utilizados por tempo prolongado são causadores de volutrauma, devendo assim ser evitados em qualquer situação.

  2. O CPAP realmente só é possível se utilizar em pacientes com ventilação espontânea, logo só poderia ser utilizado nos pacientes anestesiados quando estes já tivessem em processo de desmame da prótese ventilatória, próximos da extubação. É provável que em pacientes sem doença pulmonar, os níveis de pressão para obter recrutamento sejam menores que 30 a 40 cmH

    2O, como citado pelo Dr. Fabiano no trabalho de Smith e col. Esses níveis de pressão de 30 a 40 cmH

    2O citados por nós foram utilizados em pacientes com SDRA, ou seja, pacientes com complacência pulmonar reduzida

    1,2.

  3. Defendemos a avaliação da PaO

    2 ou da relação PaO

    2/FiO

    2 como modo de verificar a eficácia do recrutamento alveolar por ser o método mais simples e de baixo custo comparativamente com o outro método descrito na literatura, que é a tomografia de tórax. A conclusão feita por Yoshino e col. observando que pacientes obesos e com sobrepeso, ventilados sem realização de manobra de recrutamento ou uso de PEEP, evoluíram com diminuição da relação PaO

    2/FiO

    2 vai de encontro aos resultados da literatura. Quando existem fatores que alteram a mecânica ventilatória ou doenças pulmonares, maior é a probabilidade de formação de atelectasias e maior a importância da ventilação adequada.

  4. O Dr. Fabiano está correto com relação ao fato de que "mais estudos são necessários para definir o momento ideal para a aplicação da manobra de recrutamento alveolar e seu real papel na evolução dos pacientes", indo de encontro às nossas conclusões de que o uso rotineiro da manobra de recrutamento em anestesia não pode ser recomendado por não ter embasamento em estudos com alto nível de evidência.

  5. O uso da PEEP e baixa FiO

    2 são, sem dúvida, métodos eficazes na profilaxia do colapso alveolar.

Tentamos com essa revisão da literatura trazer para o conhecimento do anestesiologista práticas de terapia intensiva que podem ajudar a solucionar algumas complicações anestésicas. Agradecemos muito ao Dr. Fabiano pela oportunidade de discutirmos novamente este tema.

Domingos Dias Cicarelli, TSA

REFERÊNCIAS

01. Carvalho CRR – Ventilação Mecânica I. Clínicas Brasileiras de Medicina Intensiva, 1ª Ed, São Paulo, Atheneu, 2000.

02. Carvalho CRR – Ventilação Mecânica II. Clínicas Brasileiras de Medicina Intensiva, 1ª Ed, São Paulo, Atheneu, 2000.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Maio 2006
  • Data do Fascículo
    Jun 2006
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