Acessibilidade / Reportar erro

Analgesia pós-operatória para cesariana: a adição de clonidina à morfina subaracnóidea melhora a qualidade da analgesia?

Analgesia postoperatória para cesárea: ¿la adición de clonidina a la morfina subaracnoidea mejora la calidad de la analgesia?

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: O mecanismo de ação analgésica a2-adrenérgico tem sido explorado há mais de 100 anos. A clonidina aumenta de maneira dose-dependente a duração dos bloqueios sensitivo e motor e tem propriedades antinociceptivas. O objetivo desse estudo foi avaliar se a adição de clonidina na dose de 15 e 30 µg à raquianestesia, para cesariana, com bupivacaína hiperbárica a 0,5% (12,5 mg) e morfina (100 µg), melhora a qualidade da analgesia pós-operatória. MÉTODO: Foi realizado um estudo prospectivo e aleatório com 60 pacientes divididas em três grupos: BM - bupivacaína hiperbárica a 0,5% (12,5 mg) e morfina (100 µg), BM15 - bupivacaína hiperbárica a 0,5% (12,5 mg), morfina (100 µg) e clonidina (15 µg) e BM30 - bupivacaína hiperbárica a 0,5% (12,5 mg), morfina (100 µg) e clonidina (30 µg), administradas separadamente. No peri-operatório, foram anotados o consumo de efedrina e a avaliação do recém-nascido pelo índice de Apgar. No pós-operatório, a dor foi avaliada na 12ª h pela Escala Analógica Visual, o tempo para solicitação de analgésicos e efeitos colaterais pós-operatórios, como prurido, náuseas, vômitos, bradicardia, hipotensão arterial e sedação. Os valores foram considerados significativos quando p < 0,05. RESULTADOS: Os grupos foram homogêneos. O consumo de efedrina e a avaliação pelo índice de Apgar não exibiram diferença estatística significativa entre os grupos. Os escores de dor e o tempo médio de analgesia mostraram diferença entre os grupos BM e BM15/BM30 e não houve diferença com relação à incidência de efeitos colaterais pós-operatórios. CONCLUSÕES: A adição de clonidina na raquianestesia com bupivacaína hiperbárica a 0,5% (12,5 mg) e morfina (100 µg) para cesariana, melhorou a qualidade da analgesia pós-operatória, sem aumentar a incidência de efeitos colaterais, sendo 15 µg de clonidina a dose sugerida.

ANALGESIA, Pós-Operatória; ANALGÉSICOS; CIRURGIA; CIRURGIA; TÉCNICAS ANESTÉSICAS, Regional


JUSTIFICATIVA Y OBJETIVOS: El mecanismo de acción analgésica alfa2-adrenérgico ha venido siendo investigado hace más de cien años. La clonidina aumenta de manera dosis-dependiente la duración de los bloqueos sensitivo y motor y tiene propiedades antinociceptivas. El objetivo de este estudio fue el de evaluar si la adición de clonidina en las dosis de 15 y 30 µg a raquianestesia, para cesárea, con bupivacaína hiperbárica a 0,5% (12,5 mg) y morfina (100 µg), mejora la calidad de la analgesia postoperatória. MÉTODO: Se realizó un estudio prospectivo, aleatorio con 60 pacientes y divididos en 3 grupos: BM - bupivacaína hiperbárica a 0,5% (12,5 mg) y morfina (100 µg), BM15 - bupivacaína hiperbárica a 0,5% (12,5 mg), morfina (100 µg) y clonidina (15 µg) y BM30 - bupivacaína hiperbárica a 0,5% (12,5 mg), morfina (100 µg) y clonidina (30 µg), administradas separadamente. En el perioperatorio, fueron anotados el consumo de efedrina y la evaluación del recién nacido por el índice de Apgar. En el postoperatório, el dolor se evaluó en la 12ª hora por la Escala Analógica Visual, el tiempo para la solicitación de analgésicos y efectos colaterales postoperatórios, como comezón, náuseas, vómitos, bradicardia, hipotensión arterial y sedación. Los valores fueron considerados significativos cuando p < 0,05. RESULTADOS: Los grupos fueron homogéneos. El consumo de efedrina y la evaluación por el índice de Apgar no exhibieron diferencia estadística significativa entre los grupos. Los rangos de dolor y tiempo promedio de analgesia indicaron una diferencia entre los grupos BM y BM15/BM30 y no hubo diferencia con relación a la incidencia de efectos colaterales postoperatórios. CONCLUSIONES: La adición de clonidina, la raquianestesia con bupivacaína hiperbárica a 0,5% (12,5 mg) y morfina (100 µg) para cesárea, mejoró la calidad de la analgesia postoperatória, sin aumentar la incidencia de efectos colaterales, siendo 15 µg de clonidina la dosis sugerida.


BACKGROUND AND OBJECTIVES: The mechanism of action of alpha2-adrenergic analgesia has been explored for more than one hundred years. The increased duration of the sensitive and motor blockades caused by clonidine is dose-dependent and has antinociceptive properties. The objective of this study was to evaluate whether the addition of 15 to 30 µg of clonidine to spinal anesthesia for cesarean sections with 0.5% hyperbaric bupivacaine (12.5 mg) and morphine (100 µg) improves the quality of postoperative analgesia. METHODS: We realized a prospective, randomized study that included 60 patients divided in 3 groups: BM - 0.5% hyperbaric bupivacaine (12.5 mg) and morphine (100 µg), BM15 - 0.5% hyperbaric bupivacaine (12.5 mg), morphine (100 µg), and clonidine (15 mg), and BM30 - 0.5% hyperbaric bupivacaine (12.5 mg), morphine (100 µg), and clonidine (30 µg), administered separately. In the perioperative period the use of ephedrine and the newborn's Apgar score were recorded. In the postoperative period, the pain was evaluated in the 12th h by the VAS, the length of time it took the patient to ask for analgesics, and the postoperative side effects, such as pruritus, nausea, vomiting, bradycardia, hypotension, and sedation. The values were considered significant when p < 0.05. RESULTS: The groups were homogenous. The use of ephedrine and the evaluation by the Apgar score did not show statistically significant differences among the different groups. The pain scores and the average time to start analgesia showed differences among the groups BM and BM15/BM30, and there were no differences regarding the incidence of postoperative side effects. CONCLUSIONS: The addition of clonidine to spinal anesthesia with 0.5% hyperbaric bupivacaine (12.5 mg) and morphine (100 µg) for cesarean section improved the quality of the postoperative analgesia without increasing the incidence of side effects. We suggest that the dose of 15 µg of clonidine should be used.

ANALGESIA, Postoperative; ANALGESICS; ANESTHETIC TECHNIQUES, Regional; SURGERY, Obstetric


ARTIGO CIENTÍFICO

Analgesia pós-operatória para cesariana. A adição de clonidina à morfina subaracnóidea melhora a qualidade da analgesia?* * Recebido do Hospital Monte Sinai, Hospital agregado ao CET/SBA da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Juiz de Fora, MG.

Analgesia postoperatória para cesárea. ¿la adición de clonidina a la morfina subaracnoidea mejora la calidad de la analgesia?

José Francisco Nunes Pereira das Neves TSAI; Giovani Alves Monteiro, TSAII; João Rosa de AlmeidaIII; Roberto Silva Sant'AnnaIII; Rodrigo Machado Saldanha, TSAIV; José Mariano Soares de Moraes, TSAV; Emerson Salim NogueiraVI; Fernando Lima CoutinhoVI; Mariana Moraes Pereira das NevesVII; Fernando Paiva AraújoVII; Paula Brazilio NóbregaVII

ICo-responsável pelo CET/SBA da UFJF, Membro do Comitê de Anestesia Locorregional da SBA, Anestesiologista do Hospital Monte Sinai

IICo-responsável pelo CET/SBA da UFJF, Anestesiologista do Hospital Monte Sinai

IIIAnestesiologista do Hospital Monte Sinai

IVInstrutor do CET/SBA da UFJF, Anestesiologista do Hospital Monte Sinai

VResponsável pelo CET/SBA da UFJF, Chefe do Serviço de Anestesiologia do Hospital Monte Sinai

VIME1 do CET/SBA da UFJF

VIIGraduanda de Medicina, Estagiária do Serviço de Anestesiologia do Hospital Monte Sinai

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dr. José Francisco Nunes Pereira das Neves Rua da Laguna, 372 Jardim Glória 36015-230 Juiz de Fora, MG E-mail: jfnpneves@terra.com.br

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: O mecanismo de ação analgésica a2-adrenérgico tem sido explorado há mais de 100 anos. A clonidina aumenta de maneira dose-dependente a duração dos bloqueios sensitivo e motor e tem propriedades antinociceptivas. O objetivo desse estudo foi avaliar se a adição de clonidina na dose de 15 e 30 µg à raquianestesia, para cesariana, com bupivacaína hiperbárica a 0,5% (12,5 mg) e morfina (100 µg), melhora a qualidade da analgesia pós-operatória.

MÉTODO: Foi realizado um estudo prospectivo e aleatório com 60 pacientes divididas em três grupos: BM – bupivacaína hiperbárica a 0,5% (12,5 mg) e morfina (100 µg), BM15 – bupivacaína hiperbárica a 0,5% (12,5 mg), morfina (100 µg) e clonidina (15 µg) e BM30 – bupivacaína hiperbárica a 0,5% (12,5 mg), morfina (100 µg) e clonidina (30 µg), administradas separadamente. No peri-operatório, foram anotados o consumo de efedrina e a avaliação do recém-nascido pelo índice de Apgar. No pós-operatório, a dor foi avaliada na 12ª h pela Escala Analógica Visual, o tempo para solicitação de analgésicos e efeitos colaterais pós-operatórios, como prurido, náuseas, vômitos, bradicardia, hipotensão arterial e sedação. Os valores foram considerados significativos quando p < 0,05.

RESULTADOS: Os grupos foram homogêneos. O consumo de efedrina e a avaliação pelo índice de Apgar não exibiram diferença estatística significativa entre os grupos. Os escores de dor e o tempo médio de analgesia mostraram diferença entre os grupos BM e BM15/BM30 e não houve diferença com relação à incidência de efeitos colaterais pós-operatórios.

CONCLUSÕES: A adição de clonidina na raquianestesia com bupivacaína hiperbárica a 0,5% (12,5 mg) e morfina (100 µg) para cesariana, melhorou a qualidade da analgesia pós-operatória, sem aumentar a incidência de efeitos colaterais, sendo 15 µg de clonidina a dose sugerida.

Unitermos: ANALGESIA, Pós-Operatória; ANALGÉSICOS: clonidina, morfina; CIRURGIA: Obstétrica: cesariana; TÉCNICAS ANESTÉSICAS, Regional: subaracnóidea.

RESUMEN

JUSTIFICATIVA Y OBJETIVOS: El mecanismo de acción analgésica a2-adrenérgico ha venido siendo investigado hace más de cien años. La clonidina aumenta de manera dosis-dependiente la duración de los bloqueos sensitivo y motor y tiene propiedades antinociceptivas. El objetivo de este estudio fue el de evaluar si la adición de clonidina en las dosis de 15 y 30 µg a raquianestesia, para cesárea, con bupivacaína hiperbárica a 0,5% (12,5 mg) y morfina (100 µg), mejora la calidad de la analgesia postoperatória.

MÉTODO: Se realizó un estudio prospectivo, aleatorio con 60 pacientes y divididos en 3 grupos: BM - bupivacaína hiperbárica a 0,5% (12,5 mg) y morfina (100 µg), BM15 - bupivacaína hiperbárica a 0,5% (12,5 mg), morfina (100 µg) y clonidina (15 µg) y BM30 - bupivacaína hiperbárica a 0,5% (12,5 mg), morfina (100 µg) y clonidina (30 µg), administradas separadamente. En el perioperatorio, fueron anotados el consumo de efedrina y la evaluación del recién nacido por el índice de Apgar. En el postoperatório, el dolor se evaluó en la 12ª hora por la Escala Analógica Visual, el tiempo para la solicitación de analgésicos y efectos colaterales postoperatórios, como comezón, náuseas, vómitos, bradicardia, hipotensión arterial y sedación. Los valores fueron considerados significativos cuando p < 0,05.

RESULTADOS: Los grupos fueron homogéneos. El consumo de efedrina y la evaluación por el índice de Apgar no exhibieron diferencia estadística significativa entre los grupos. Los rangos de dolor y tiempo promedio de analgesia indicaron una diferencia entre los grupos BM y BM15/BM30 y no hubo diferencia con relación a la incidencia de efectos colaterales postoperatórios.

CONCLUSIONES: La adición de clonidina, la raquianestesia con bupivacaína hiperbárica a 0,5% (12,5 mg) y morfina (100 µg) para cesárea, mejoró la calidad de la analgesia postoperatória, sin aumentar la incidencia de efectos colaterales, siendo 15 µg de clonidina la dosis sugerida.

INTRODUÇÃO

O mecanismo de ação analgésica a2-adrenérgico tem sido explorado há mais de 100 anos1.

A clonidina é um composto imidazólico, agonista parcial de receptores a2-adrenérgicos pré-sinápticos com propriedades ansiolíticas e hipnóticas2. Como adjuvante das técnicas neuroaxiais, a clonidina aumenta de maneira dose-dependente a duração dos bloqueios sensitivo e motor3, por um mecanismo que afeta principalmente os receptores adrenérgicos sinápticos3-5 e tem propriedades antinociceptivas. No controle da dor pós-operatória, pode ser usada como fármaco adjuvante tanto para opióides sistêmicos como espinhais6-8.

O objetivo desse estudo foi avaliar se a adição de clonidina na dose de 15 e 30 µg, a raquianestesia para cesariana, com bupivacaína hiperbárica a 0,5% (12,5 mg) e morfina (100 µg), melhora a qualidade da analgesia pós-operatória.

MÉTODO

Após aprovação pela Comissão de Ética e consentimento pós-informado, foi realizado um estudo prospectivo e aleatório, em que foram incluídas 60 pacientes submetidas à raquianestesia para cesariana. Foram divididas em três grupos: BM – bupivacaína hiperbárica a 0,5% (12,5 mg) e morfina (100 µg), BM15 – bupivacaína hiperbárica a 0,5% (12,5 mg), morfina (100 µg) e clonidina (15 µg) e BM30 – bupivacaína hiperbárica a 0,5% (12,5 mg), morfina (100 µg) e clonidina (30 µg). Na chegada à sala de cirurgia, foi realizada monitorização de rotina (PANI, ECG, FC e SpO2), punção venosa com cateter 18G, hidratação com solução de Ringer com lactato (10 mL.kg-1) e posicionamento para punção subaracnóidea em decúbito lateral esquerdo ou sentada, de acordo com a preferência do anestesiologista. Foi feita raquianestesia nos espaços L3-L4, com agulha de Quincke 27G e administradas bupivacaína (1 mL.15 s-1), morfina e clonidina de acordo com o método e injetados separadamente. Os episódios de hipotensão arterial no intra-operatório foram tratados com efedrina (5 mg) a cada dois minutos, sendo anotada a dose utilizada e o recém-nascido avaliado pelo índice de Apgar no 1º e 5º minutos.

No pós-operatório foram avaliadas na 12ª hora, por um observador que desconhecia a que grupo pertencia a paciente, anotando-se a intensidade da dor pós-operatória, o tempo de analgesia e a presença de efeitos colaterais. A avaliação da dor pós-operatória foi realizada com auxílio da escala analógica visual (VAS) de 0 a 10 cm (0 = sem dor e 10 = pior dor possível), o tempo de analgesia, período entre o início da anestesia e a solicitação de analgésicos pela paciente, que passavam a receber dipirona (15 mg.kg-1), por via venosa a cada seis horas e a presença de efeitos colaterais (avaliados até a 12ª hora de pós-operatório), como prurido, náuseas, vômitos, bradicardia (freqüência cardíaca menor que 50 bpm), hipotensão arterial (diminuição maior que 20% dos valores pré-operatórios) e sedação (considerada clinicamente relevante quando a paciente não podia ser facilmente acordada). Foram excluídas as pacientes que necessitaram de analgésicos ou sedativos no intra-operatório.

Para análise estatística dos dados foram utilizados os testes de ANOVA (dados demográficos, consumo de efedrina), Tau de Kendall e Correlação de Spearman (avaliação do recém-nascido pelo índice de Apgar, avaliação de dor pós-operatória com VAS), Levene (tempo médio de analgesia) e Qui-quadrado (incidência de efeitos colaterais). Os valores foram considerados significativos quando p < 0,05.

RESULTADOS

Os grupos foram comparáveis quanto à idade, peso e altura (Tabela I).

O consumo de efedrina não mostrou diferença significativa entre os grupos (Tabela II).

O índice de Apgar foi semelhante na análise estatística entre os grupos (Tabela III). A avaliação da dor pós-operatória na 12ª hora pela escala analógica visual (Tabela IV) e o tempo médio de analgesia pós-operatória (Figura 1) mostraram diferença estatística significativa entre o grupo-controle (BM) e os grupos contendo clonidina (BM15 e BM30).


Os efeitos colaterais pós-operatórios estão representados na tabela V.

DISCUSSÃO

A adição de fármacos aos anestésicos locais é utilizada para melhorar a qualidade da anestesia subaracnóidea9.

A clonidina subaracnóidea tem sido utilizada em doses que variam de 15 a 400 µg, isolada ou em combinação com diferentes anestésicos locais e opióides, os efeitos anestésicos e analgésicos são qualificados e quantificados de diferentes maneiras5.

A intensificação da atividade anestésica local é decorrente do bloqueio do impulso nervoso nas fibras A-delta e C, aumento na condutância ao potássio em neurônios isolados, hiperpolarizando-os e por um mecanismo de vasoconstrição mediado por receptores a2-adrenérgicos pós-sinápticos que reduz a absorção e permite maior tempo de contato do anestésico com o tecido neural1,2,10-12.

Como os opióides lipofílicos, é possível conseguir analgesia pela administração sistêmica, peridural ou subaracnóidea da clonidina; no entanto, a analgesia é mais potente após a administração neuroaxial indicando o local de ação espinhal e favorecendo a administração por essa via1.

A analgesia é decorrente de sua ação em locais periféricos, supra-espinhais e sobretudo espinhais, por meio da ativação de receptores a2-pós-sinápticos das vias descendentes noradrenérgicas, ativação de neurônios colinérgicos, mediados pela acetilcolina, liberação de óxido nítrico, havendo forte correlação entre a concentração de clonidina no líquido cefalorraquidiano e a atividade analgésica1,2,6,8,10,11,13,14. A ação analgésica inibe o aparecimento da sensibilização central produzida pela estimulação repetida de fibras aferentes C, o que resulta em liberação central de substância P, neurocinina A, glutamato e aspartato, que uma vez liberados podem agir em receptores AMPA, NMDA e metabotrópico, impedindo o fenômeno de facilitação central na medula espinhal e de plasticidade sináptica2.

As citocinas pró-inflamatórias podem modular a dor indiretamente, alterando a transmissão de substâncias neuroativas, como óxido nítrico, radicais livres, prostaglandinas e aminoácidos excitatórios da micróglia e astrócitos7. A interleucina-6 (IL-6), a principal citocina pró-inflamatória, é produzida precocemente, duas a quatro horas após a lesão tecidual e representa o estímulo primário na fase aguda, que dura 24 a 36 horas7. A clonidina diminui os níveis de IL-6 porque reduz a atividade da adenilciclase, reduzindo os níveis de monofosfato cíclico de adenosina7. A atividade antinociceptiva ocorre para a dor somática e visceral11,15.

Na gravidez, a interação entre os altos níveis de endorfina com a clonidina pode ser responsável pelos efeitos benéficos durante o trabalho de parto5.

Apesar da grande variedade de doses encontradas na literatura, alguns estudos5 mostraram que doses entre 15 e 30 µg, administradas por via subaracnóidea, prolongaram muito o bloqueio sensitivo e melhoraram a qualidade da analgesia pós-operatória, em cirurgia ginecológica, artroscopia de joelho e herniorrafia inguinal.

Esse estudo mostrou na avaliação do quadro álgico pós-operatório pela VAS que os níveis diminuíram muito do grupo BM para o grupo BM15. Do BM15 para BM30, houve pequena diminuição, porém sem diferença estatística significativa. O tempo de analgesia pós-operatória mostrou aumento nos grupos em que a clonidina foi adicionada, confirmando os dados da literatura evidenciando que a combinação de fármacos a2-adrenérgicos com opióides, por via subaracnóidea, prolongou a duração da analgesia1.

A clonidina diminuiu a pressão arterial, inibindo a atividade neural simpática pré-ganglionar da medula espinhal e por ação no tronco encefálico16.

Em anestesia obstétrica, as doses de clonidina variam de 15 a 200 µg e produzem efeitos hipotensivos, porque ela é ligeiramente hipobárica à temperatura corporal, ocorrendo difusão rostral, sobretudo após a injeção subaracnóidea com a paciente na posição sentada5.

A hipotensão arterial por a2-agonista é corrigida com facilidade pela administração de a1-adrenérgicos, como a efedrina, que apresenta resposta vasoconstritora aumentada na presença desse fármaco11. O consumo de efedrina não mostrou diferença entre os grupos, sugerindo que não houve maior tendência para hipotensão arterial nos grupos em que foi utilizada a clonidina.

Os efeitos colaterais não mostraram diferenças entre os grupos. A adição de clonidina nas doses estudadas não promoveu importantes ações sistêmicas, como sedação, hipotensão arterial e bradicardia, que em geral ocorrem quando são utilizadas doses de 1 a 2 µg.kg-1 9.

Com o método empregado neste estudo, pode-se concluir que a adição de clonidina à raquianestesia com bupivacaína a 0,5% hiperbárica (12,5 mg) e morfina (100 µg) para cesariana, melhorou a qualidade da analgesia pós-operatória, sem aumentar a incidência de efeitos colaterais, sendo 15 µg de clonidina a dose mínima eficaz.

Apresentado em 21 de outubro de 2005

Aceito para publicação em 11 de abril de 2006

  • 01. Eisenach JC, De Kock M, Klimscha W Alpha 2-adrenergic agonists for regional anesthesia: a clinical review of clonidine (1984-1995). Anesthesiology, 1996;85:655-674.
  • 02. Fonseca NM, Oliveira CA Efeito da clonidina associada à bupivacaína a 0,5% hiperbárica na anestesia subaracnóidea. Rev Bras Anestesiol, 2001;51:483-492.
  • 03. Rochette A, Raux O, Troncin R et al Clonidine prolongs spinal anesthesia in newborns: a prospective dose-ranging study. Anesth Analg, 2004;98:56-59.
  • 04. Duma A, Urbanek B, Sitzwohl C et al Clonidine as an adjuvant to local anaesthetic axillary brachial plexus block: a randomized, controlled study. Br J Anaesth, 2005;94:112-116.
  • 05. Strebel S, Gurzeler JA, Schneider MC et al - Small-dose intrathecal clonidine and isobaric bupivacaine for orthopedic surgery: a dose-response study. Anesth Analg, 2004;99:1231-1238.
  • 06. Schechtmann G, Wallin J, Meyerson B et al Intrathecal clonidine potentiates suppression of tactile hypersensitivity by spinal cord stimulation in a model of neuropathy. Anesth Analg, 2004;99:135-139.
  • 07. Wu CT, Jao SW, Borel CO et al The effect of epidural clonidine on perioperative cytokine response, postoperative pain, and bowel function in patients undergoing colorectal surgery. Anesth Analg, 2004;92:502-509.
  • 08. Forster JG, Rosenberg PH Small dose of clonidine mixed with low-dose ropivacaine and fentanyl for epidural analgesia after total knee arthroplasty. Br J Anaesth, 2004;93:670-677.
  • 09. Davis BR, Kopacz DJ Spinal 2-chloroprocaine: the effect of added clonidine. Anesth Analg, 2005;100:559-565.
  • 10. Alves TCA, Braz JRC Efeitos da associação da clonidina à ropivacaína na anestesia peridural. Rev Bras Anestesiol, 2002;52:410-419.
  • 11. Braz JRC, Koguti ES, Braz LG et al Efeitos da associação da clonidina à bupivacaína hiperbárica na anestesia subaracnóidea alta. Rev Bras Anestesiol, 2003;53:561-572.
  • 12. Vieira AM, Schnaider TB, Costa FA et al Analgesia e sedação da associação da clonidina e ropivacaína a 0,75% por via peridural no pós-operatório de colecistectomia aberta. Rev Bras Anestesiol, 2003;53:586-590.
  • 13. Roelants F, Lavand'homme PM, Mercier-Fuzier V Epidural administration of neostigmine and clonidine to induce labor analgesia. Anesthesiology, 2005;102:1205-1210.
  • 14. Paech MJ, Pavy TJG, Orlikowski CEP et al Postcesarean analgesia with spinal morphine, clonidine, or their combination. Anesth Analg, 2004;98:1460-1466.
  • 15. Benhamou D, Thorin D, Brichant J-F et al Intrathecal clonidine and fentanyl with hyperbaric bupivacaine improves analgesia during cesarean section. Anesth Analg, 1998;87:609-613.
  • 16. Klimscha W, Chiari A, Krafft P et al Hemodynamic and analgesic effects of clonidine added repetitively to continuous epidural and spinal blocks. Anesth Analg, 1995;80:322-327.
  • Endereço para correspondência:
    Dr. José Francisco Nunes Pereira das Neves
    Rua da Laguna, 372 Jardim Glória
    36015-230 Juiz de Fora, MG
    E-mail:
  • *
    Recebido do Hospital Monte Sinai, Hospital agregado ao CET/SBA da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Juiz de Fora, MG.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Jul 2006
    • Data do Fascículo
      Ago 2006

    Histórico

    • Aceito
      11 Abr 2006
    • Recebido
      21 Out 2005
    Sociedade Brasileira de Anestesiologia R. Professor Alfredo Gomes, 36, 22251-080 Botafogo RJ Brasil, Tel: +55 21 2537-8100, Fax: +55 21 2537-8188 - Campinas - SP - Brazil
    E-mail: bjan@sbahq.org