Acessibilidade / Reportar erro

Efeitos de concentrações crescentes de lidocaína hiperbárica, administradas no espaço subaracnóideo, sobre a medula espinhal e as meninges: estudo experimental em cães

CARTAS AO EDITOR

Efeitos de concentrações crescentes de lidocaína hiperbárica, administradas no espaço subaracnóideo, sobre a medula espinhal e as meninges. Estudo experimental em cães

Senhor Editor,

Trabalho recentemente publicado na RBA com doses crescentes de lidocaína hiperbárica (5%, 7,5% e 10%, todas com solução glicosada a 7,5%) demonstrou que a concentração de 5% é segura para a prática da raquianestesia e que concentrações superiores a 7,5% determinaram alterações histológicas sobre a medula espinhal, mas não sobre as meninges 1. Este trabalho experimental veio corroborar a minha idéia de que a lidocaína hiperbárica nas concentrações de 1,5% e 2% é segura para raquianestesia 2 e que não pode ser retirada do arsenal do anestesiologista. A cirurgia evoluiu, e, portanto, a Anestesiologia não pode se dar ao luxo de não possuir um anestésico para procedimentos de curta duração, como cura cirúrgica de incontinência urinária, cistoscopia, curetagem, procedimentos anorretais e outros.

Em estudo epidemiológico foram identificados diversos fatores de riscos no desenvolvimento de sintomas neurológicos temporários (SNT) com a lidocaína como: cirurgia ambulatorial, obesidade e posição de litotomia 3. Trinta pacientes, estado físico ASA I e II, foram aleatoriamente selecionados para receberem 30 mg de lidocaína hiperbárica a 1,5% ou 2%, submetidos à raquianestesia com agulha 27G ponta de Quincke para procedimentos em regime ambulatorial e na posição de litotomia. Os pacientes foram examinados quanto ao bloqueio sensitivo, bloqueio motor, duração do bloqueio e os pacientes contatados às 24, 48 e 72 horas após os procedimentos com relação ao aparecimento de SNT. Não houve diferença entre a latência, dispersão cefálica da anestesia, graus de bloqueio motor e duração da cirurgia, porém a maior concentração da lidocaína (2%) proporcionou duração significativamente mais longa. Não foi observado nenhum caso de SNT ou seqüela neurológica permanente.

A lidocaína é um dos mais versáteis anestésicos locais, sendo utilizada para infiltração, bloqueio de nervos periféricos, anestesia peridural, raquianestesia e anestesia tópica. A lidocaína por via venosa tem valor como antidisrítmico, analgésico e supressão da tosse. É potente, com rápido início de ação e duração moderada. A lidocaína foi lançada para raquianestesia em 1948, na concentração de 2% com glicose a 10%, proporcionando anestesia satisfatória para citoscopia e procedimentos perineais 4. Em 1954, o laboratório Astra introduziu a solução de lidocaína a 5% hiperbárica para raquianestesia conquistando aceitação mundial.

Em 1991, foram relatados quatro casos de síndrome de cauda eqüina associada a lidocaína 5%, microcateter, tetracaína a 1% e cateter de peridural 5. Observe que as doses empregadas extrapolaram àquelas habitualmente empregadas na prática clínica. Em 1993, foram relatados os primeiros casos de SNT após raquianestesia com lidocaína 5% 6. Embora diversos estudos documentem a presença de SNT, sua exata etiologia não foi ainda definida. Dados laboratoriais indicam o potencial neurotóxico da lidocaína 7 e esta neurotoxicidade é concentração dependente 2,8. Diversos estudos mostraram que a incidência de SNT não diminuiu com soluções de 2%, 1% ou 0,5% 9-11, mas que o limite da dose total pode ter efeito benéfico 12. A incidência de SNT após baixas doses de lidocaína (20 mg) associada ao fentanil (25 µg) foi significativamente menor do que com a dose convencional (50 mg) 12. Em outro trabalho utilizando lidocaína a 3% com dose entre 30 e 45 mg para cirurgias anorretais, foi confirmado a baixa incidência desses problemas 13.

Desde 1998 utilizo as soluções de lidocaína a 1,5% e a 2% com glicose a 8% 2. Comparando 4 mL de lidocaína a 1,5% hiperbárica (60 mg) com o mesmo volume de lidocaína a 2% hiperbárica (80 mg) foi demonstrado que a dispersão e a duração da raquianestesia foram mais dependentes da dose do que da concentração do anestésico local, não tendo sido observado nenhum caso de SNT, nem lesão neurológica definitiva 2.

Nesse estudo piloto, com apenas 30 pacientes, não foi observado nenhum caso de SNT com baixas doses de ambas as soluções de lidocaína hiperbárica em posição de litotomia e em regime ambulatorial. Estudos aleatórios e duplamente encobertos são necessários para definitivamente podermos voltar a utilizar a lidocaína hiperbárica com a mesma segurança e tranqüilidade que tínhamos em anos anteriores.

Atenciosamente,

Luiz Eduardo Imbelloni, TSA

Av. Epitácio Pessoa, 2.356/203

22.411-070 – Rio de Janeiro, RJ

E-mail: dr.imbelloni@terra.com.br

REFERÊNCIAS

01. Pires SRO, Ganem EM, Marques M et al. – Efeitos de concentrações crescentes de lidocaína hiperbárica, administradas no espaço subaracnóideo, sobre a medula espinhal e as meninges. Estudo experimental em cães. Rev Bras Anestesiol, 2006;56:253-262.

02. Imbelloni LE, Carneiro ANG – Estudo comparativo entre lidocaína a 1,5% e a 2% com glicose para raquianestesia. Rev Bras Anestesiol, 1999;49:9-13.

03. Freedman JM, Li DK, Drasner K et al. – Transient neurologic symptoms after spinal anesthesia: an epidemiologic study of 1,863 patients. Anesthesiology 1998;89:633-641.

04. Gordh T Xylocaine. – A new local analgesia. Anaesthesia, 1949;4:4.

05. Rigler ML, Drasner K, Krejcie TC et al. – Cauda equina syndrome after continuous spinal anesthesia. Anesth Analg, 1991;72:275-281.

06. Schneider M, Ettlin T, Kaufmann M et al. – Transient neurologic toxicity after hyperbaric subarachnoid anesthesia with 55 lidocaine. Anesth Analg, 1993;76:1154-1157.

07. Drasner K, Sakura S, Chan V et al. – Persistent sacral sensory deficit induced by intrathecal local anesthetic infusion in the rat. Anesthesiology, 1994;80:847-852.

08. Bainton C, Strichartz G – Concentration dependence of lidocaine-induced irreversible conduction loss in frog nerve. Anesthesiology, 1994;81:657-667.

09. Pollock JE, Neal JM, Stephenson CA et al. – Prospective study of the incidence of transient radicular irritation in patients undergoing spinal anesthesia. Anesthesiology, 1996;84:1361-1367.

10. Pollock JE, Liu SS, Neal JM et al. – Dilution of spinal lidocaine does not alter the incidence of transient neurologic symptoms. Anesthesiology, 1999;90:445-450.

11. Tong D, Wong J, Chung F et al. – Prospective study on incidence and functional impact of transient neurologic symptoms associated with 1% versus 5% hyperbaric lidocaine in short urologic procedures. Anesthesiology, 2003;98:485-494.

12. Ben-David B, Maryanovsky M, Gurevitch A et al. – A comparison of minidose lidocaine-fentanyl and conventional-dose lidocaine spinal anesthesia. Anesth Analg, 2000;91:865-870.

13. Morisaki H, Masuda J, Kaneko S et al. – Transient neurologic syndrome in one thousand forty-five patients after 3% lidocaine spinal anesthesia. Anesth Analg, 1998;86:1023-1026.

Réplica

Senhor Editor,

Com relação às considerações efetuadas pelo Dr. Imbelloni gostaria de ressaltar que:

  • Neste modelo experimental em cães a lidocaína hiperbárica a 5% não desencadeou lesão sobre o tecido nervoso porque a injeção do anestésico local foi rápida, realizada em 10 segundos

    1, o que favoreceu a sua dispersão no líquor. Entretanto, em outra pesquisa, com o mesmo modelo experimental, na qual a lidocaína hiperbárica a 5% foi introduzida no espaço subaracnóideo de cães em injeções lentas (60 segundos), cuja finalidade foi dificultar a dispersão do anestésico no líquor, houve lesão de tecido nervoso em 25% dos animais estudados

    2.

  • Já está bem estabelecido que a lidocaína hiperbárica a 5% não deve ser utilizada em situações que favoreçam o seu acúmulo ou que propiciem a má distribuição, porque pode desencadear a síndrome da cauda eqüina (SCE), como descrito após a injeção subaracnóidea deste fármaco por meio de microcateter

    3,4 e de agulhas de ponta de lápis

    5,6 em injeções lentas

    5.

  • Os fatores etiológicos potencialmente capazes de desencadear neurotoxicidade (altas doses e concentração de anestésico local) não são os mesmos que determinam os sintomas neurológicos temporários (SNT). Exames que possibilitam a avaliação da condução dos impulsos nervosos mostram que estes estão irreversivelmente alterados quando há neurotoxicidade

    7 e que são normais em pacientes com SNT

    8. Acredita-se que o SNT esteja associado à lidocaína porque este anestésico determina bloqueio neuromuscular intenso, propiciando estiramento músculo-esquelético quando o paciente assume a posição de litotomia, provocando o quadro clínico do SNT

    9,10.

Atenciosamente,

Eliana Marisa Ganem, TSA

Depto. de Anestesiologia da FMB de Botucatu

REFERÊNCIAS

01. Pires SRO, Ganem EM, marques M et al – Efeitos de concentrações crescentes de lidocaína hiperbárica, administradas no espaço subaracnóideo, sobre a medula espinhal e as meninges. Estudo experimental em cães. Rev Bras Anestesiol, 2006;56:253-262.

02. Silva DM, Ganem EM, Marques M – Lidocaína hiperbárica a 5% administrada pela via subaracnóidea com agulha de Quincke em diferentes velocidades de injeção. Efeitos sobre a medula e meninges. Rev Bras Anestesiol, 2004;54:(Suppl):249A.

03. Rigler ML, Drasner K, Krejcie TC et al – Cauda equina syndrome after continuous spinal anesthesia. Anesth Analg, 1991;72:275-281.

04. Schell RM, Brauer FS, Cole DJ et al – Persistent sacral nerve root deficits after continuous spinal anaesthesia. Can J Anaesth, 1991;38:908-911.

05. Beardsley D, Holman S, Gantt R et al – Transient neurologic deficit after spinal anesthesia: local anesthetic mal distribution with pencil point needles? Anesth Analg, 1995;81:314-320.

06. Gerancher JC – Cauda equina syndrome following a single spinal administration of 5% hyperbaric lidocaine through a 25-gauge Whitacre needle. Anesthesiology, 1997;87:687-689.

07. Vianna PT, Resende LA, Ganem EM et al – Cauda equina syndrome after spinal tetracaine: electromyografic evaluation 20 years follow-up. Anesthesiology, 2001;95:1290-1291.

08. Pollock JE, Burkhead D, Neal JM et al – Spinal nerve function in five volunteers experiencing transient neurologic symptoms after lidocaine subarachnoid anesthesia. Anesth Analg, 2000;90:658-665.

09. Hampl KF, Heinzmann-Wiedmer S, Luginbuehl I et al – Transient neurological symptoms after spinal anesthesia: a lower incidence with prilocaine and bupivacaine than with lidocaine. Anesthesiology, 1998;88:529-633.

10. Pollock LE, de Jong RH – Hyperbaric lidocaine for spinal anesthesia? Am J Anesthesiol, 1997;24:161-165.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Set 2006
  • Data do Fascículo
    Out 2006
Sociedade Brasileira de Anestesiologia R. Professor Alfredo Gomes, 36, 22251-080 Botafogo RJ Brasil, Tel: +55 21 2537-8100, Fax: +55 21 2537-8188 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: bjan@sbahq.org