Acessibilidade / Reportar erro

Comparação entre três técnicas regionais de analgesia pós-operatória em crianças com ropivacaína

Comparación entre tres técnicas regionales de analgesia postoperatoria en niños con ropivacaina

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A dor pós-operatória acarreta um aumento nos gastos e gera insatisfação dos pais com relação à prescrição analgésica para os seus filhos. A ropivacaína apresenta larga margem de segurança em anestesia regional em pediatria. O objetivo deste estudo foi comparar a anestesia peridural sacra (PS) com o bloqueio dos nervos ileoinguinal/ileohipogástrico (BIHII) e com a infiltração da ferida operatória (IFO) utilizando a ropivacaína para a analgesia pós-operatória em crianças. MÉTODO: Foram estudadas 87 crianças do sexo masculino, com idade entre 1 e 5 anos, submetidas a herniorrafias inguinais eletivas unilaterais. As crianças receberam de forma aleatória a PS, o BIHII ou a IFO. Pesquisou-se a necessidade de analgésico no pós-operatório, o tempo necessário para a sua 1ª dose, a intensidade da dor e o grau de bloqueio motor. RESULTADOS: No Grupo da IFO observou-se maior necessidade de analgésicos, e maior intensidade de dor nas primeiras duas horas, quando comparada com a PS e com o BIHII. Apenas crianças submetidas a PS apresentaram bloqueio motor de grau leve. O tempo médio da necessidade da 1ª dose de analgésico foi semelhante entre os grupos. CONCLUSÕES: O BIHII apresentou superioridade sobre a IFO, sobretudo nas primeiras duas horas de pós-operatório. As três técnicas anestésicas podem ser utilizadas com segurança e eficácia no controle da dor pós-operatória de herniorrafia inguinal em crianças.

ANALGESIA, Pós-operatória; ANESTÉSICOS, Local; CIRURGIA, Pediátrica; TÉCNICAS ANESTÉSICAS; TÉCNICAS ANESTÉSICAS; TÉCNICAS ANESTÉSICAS; TÉCNICAS ANESTÉSICAS; TÉCNICAS ANESTÉSICAS


JUSTIFICATIVA Y OBJETIVOS: El dolor postoperatorio acarrea un aumento en los gastos y genera una insatisfacción de los padres en relación a la prescripción analgésica para sus hijos. La ropivacaína presenta un amplio margen de seguridad en anestesia regional en pediatría. El objetivo de este estudio fue el de comparar la anestesia peridural sacra (PS) con el bloqueo de los nervios ileoinguinal/ileohipogástrico (BIHII) y con la infiltración de la herida operatoria (IFO) utilizando la ropivacaína para la analgesia postoperatoria en niños. MÉTODO: Se estudiaron 87 niños del sexo masculino, con edad entre 1 y 5 años, sometidos a herniorrafias inguinales electivas unilaterales. Los niños recibieron aleatoriamente la PS, el BIHII o la IFO. Se investigó la necesidad de analgésico en el postoperatorio, el tiempo necesario para su primera dosis, la intensidad de dolor y el grado de bloqueo motor. RESULTADOS: En el grupo de la IFO se observó una mayor necesidad de analgésicos, y una mayor intensidad de dolor en las 1ª y 2ª horas, cuando se comparó con la PS y el BIHII. Apenas niños sometidos a PS presentaron bloqueo motor de grado moderado. El tiempo promedio de la necesidad de la primera dosis de analgésico fue similar entre los grupos. CONCLUSIONES: El BIHII presentó una superioridad sobre la IFO, especialmente en las primeras dos horas del postoperatorio. As tres técnicas anestésicas pueden ser utilizadas con seguridad y eficacia en el control de dolor postoperatorio de herniorrafia inguinal en niños.


BACKGROUND AND OBJECTIVES: Postoperative pain increases cost and generates dissatisfaction among parents regarding to the analgesics prescribed to their children. Ropivacaine has a broad safety margin to be used for regional block in pediatric patients. The aim of this study was to compare caudal epidural block (CE) with ilioinguinal/iliohypogastric nerve block (IINB) and infiltration of surgical wound (ISW) with ropivacaine for postoperative analgesia in children. METHODS: Eighty-seven children, all males, ages 1 to 5, who underwent elective unilateral inguinal herniorrhaphy participated in this study. Children were randomly assigned to receive CE, IINB, or ISW. The need for postoperative analgesia, length of time until the first dose, severity of pain, and degree of the motor blockade were evaluated. RESULTS: The need for analgesia and pain severity in the first two hours were greater for the ISW Group when compared with the CE and IINB Groups. Only the children in the CE Group presented a mild motor blockade. The mean length of time until de 1st dose of analgesic was similar in all groups. CONCLUSIONS: Ilioinguinal/iliohypogastric nerve block was superior to ISW, especially in the first two hours after the surgery. The three anesthetic techniques can be safely and effectively used to control postoperative pain in inguinal herniorrhaphy in children.

ANALGESIA, Postoperative; ANESTHETIC TECHNIQUES; ANESTHETIC TECHNIQUES; ANESTHETIC TECHNIQUES; ANESTHETIC TECHNIQUES; ANESTHETIC TECHNIQUES; ANESTHETICS, Local; SURGERY, Pediatric


ARTIGO CIENTÍFICO

Comparação entre três técnicas regionais de analgesia pós-operatória em crianças com ropivacaína* * Recebido do Instituto Materno-Infantil Professor Fernando Figueira (IMIP), Recife, PE

Comparación entre tres técnicas regionales de analgesia postoperatoria en niños con ropivacaina

Ana Maria Menezes Caetano, TSAI; Gilliatt Hanois FalboII; Luciana Cavalcanti LimaIII

IResponsável pelo CET/SBA do IMIP

IICirurgião Pediátrico do IMIP

IIIMestre em Saúde Materno-Infantil e Anestesiologista do IMIP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dra. Ana Maria Menezes Caetano Rua Feliciano José de Farias, 160/1101 Boa Viagem 51030-450 Recife, PE E-mail: anamariacaetano@terra.com.br

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A dor pós-operatória acarreta um aumento nos gastos e gera insatisfação dos pais com relação à prescrição analgésica para os seus filhos. A ropivacaína apresenta larga margem de segurança em anestesia regional em pediatria. O objetivo deste estudo foi comparar a anestesia peridural sacra (PS) com o bloqueio dos nervos ileoinguinal/ileohipogástrico (BIHII) e com a infiltração da ferida operatória (IFO) utilizando a ropivacaína para a analgesia pós-operatória em crianças.

MÉTODO: Foram estudadas 87 crianças do sexo masculino, com idade entre 1 e 5 anos, submetidas a herniorrafias inguinais eletivas unilaterais. As crianças receberam de forma aleatória a PS, o BIHII ou a IFO. Pesquisou-se a necessidade de analgésico no pós-operatório, o tempo necessário para a sua 1ª dose, a intensidade da dor e o grau de bloqueio motor.

RESULTADOS: No Grupo da IFO observou-se maior necessidade de analgésicos, e maior intensidade de dor nas primeiras duas horas, quando comparada com a PS e com o BIHII. Apenas crianças submetidas a PS apresentaram bloqueio motor de grau leve. O tempo médio da necessidade da 1ª dose de analgésico foi semelhante entre os grupos.

CONCLUSÕES: O BIHII apresentou superioridade sobre a IFO, sobretudo nas primeiras duas horas de pós-operatório. As três técnicas anestésicas podem ser utilizadas com segurança e eficácia no controle da dor pós-operatória de herniorrafia inguinal em crianças.

Unitermos: ANALGESIA, Pós-operatória; ANESTÉSICOS, Local: ropivacaína; CIRURGIA, Pediátrica: herniorrafia inguinal unilateral; TÉCNICAS ANESTÉSICAS, Regional, Infiltrativa, bloqueio ileoinguinal, ileohipogástrico, peridural sacra.

RESUMEN

JUSTIFICATIVA Y OBJETIVOS: El dolor postoperatorio acarrea un aumento en los gastos y genera una insatisfacción de los padres en relación a la prescripción analgésica para sus hijos. La ropivacaína presenta un amplio margen de seguridad en anestesia regional en pediatría. El objetivo de este estudio fue el de comparar la anestesia peridural sacra (PS) con el bloqueo de los nervios ileoinguinal/ileohipogástrico (BIHII) y con la infiltración de la herida operatoria (IFO) utilizando la ropivacaína para la analgesia postoperatoria en niños.

MÉTODO: Se estudiaron 87 niños del sexo masculino, con edad entre 1 y 5 años, sometidos a herniorrafias inguinales electivas unilaterales. Los niños recibieron aleatoriamente la PS, el BIHII o la IFO. Se investigó la necesidad de analgésico en el postoperatorio, el tiempo necesario para su primera dosis, la intensidad de dolor y el grado de bloqueo motor.

RESULTADOS: En el grupo de la IFO se observó una mayor necesidad de analgésicos, y una mayor intensidad de dolor en las 1ª y 2ª horas, cuando se comparó con la PS y el BIHII. Apenas niños sometidos a PS presentaron bloqueo motor de grado moderado. El tiempo promedio de la necesidad de la primera dosis de analgésico fue similar entre los grupos.

CONCLUSIONES: El BIHII presentó una superioridad sobre la IFO, especialmente en las primeras dos horas del postoperatorio. As tres técnicas anestésicas pueden ser utilizadas con seguridad y eficacia en el control de dolor postoperatorio de herniorrafia inguinal en niños.

INTRODUÇÃO

O desenvolvimento das vias de condução do estímulo nociceptivo e a resposta ao estresse em fetos, recém-nascidos, lactentes e crianças foram bem elucidados recentemente e levaram à ampla aceitação de que, por razões morais, éticas, humanitárias e fisiológicas, a dor deve ser antecipada, prevenida de forma segura e efetiva e controlada em todos os grupos etários 1.

Nos últimos 15 anos tem havido importante crescimento no entendimento e no manuseio da dor pós-operatória do paciente pediátrico, resultando em grande disponibilidade de modalidades terapêuticas para preveni-la e tratá-la, bem como uma aceitação geral de que o controle da dor aguda pós-operatória é parte fundamental da boa prática da anestesia pediátrica 2.

A avaliação da dor no pós-operatório imediato de pacientes pediátricos é tarefa difícil, por causa das peculiaridades dessa população, e os profissionais de saúde devem habituar-se a realizá-la com freqüência, na busca de evidências que denunciem a presença de dor e assegurem a efetividade do tratamento realizado 3.

Essa dificuldade em aferir a dor de forma precisa e confiável facilitou a proliferação de múltiplas escalas para a população pediátrica. Para recém-nascidos, lactentes e crianças até 7 anos, as escalas de Children Hospital Eastern Ontario Pain Scale (CHEOPS) e a escala objetiva de dor Objective Pain Scale (OPS) podem ser utilizadas, e a primeira traz como desvantagem um complicado sistema de avaliação comportamental, enquanto a última apresenta mais facilidade para ser aplicada 4. A confiabilidade da OPS foi confirmada em um estudo, no qual três observadores diferentes avaliaram a dor pós-operatória de crianças com 8 meses a 13 anos, utilizando essa mesma escala 5,6.

A popularidade da anestesia regional como um complemento da anestesia geral em pediatria aumentou muito em consequência do reconhecimento das suas vantagens, que incluem a diminuição da necessidade de anestésicos no intra-operatório, a possibilidade de menor uso de opióides com conseqüente menor incidência de depressão respiratória e a limitação da resposta hormonal ao estresse 7-9. Desde que não exista contra-indicação específica, o uso rotineiro de anestesia local ou regional em todas as crianças é o fundamento da analgesia pós-operatória efetiva 10.

Tanto a anestesia peridural sacra, quanto o bloqueio dos nervos ileoinguinal/ileohipogástrico são técnicas bem estabelecidas para controlar a dor após intervenções cirúrgicas inguinais em crianças 11-16.

A anestesia local com infiltração da ferida operatória, o bloqueio dos nervos ileoinguinal/ileohipogástrico e outros bloqueios periféricos com bupivacaína ou outro anestésico local, são altamente recomendados e podem ser realizados em várias áreas do corpo. Essas técnicas proporcionam menores efeitos sistêmicos, menor bloqueio motor e maior aceitabilidade familiar, além de proporcionar analgesia de 4 a 12 horas 12,17.

Embora exista pequena experiência com a ropivacaína, quando comparada com a bupivacaína, aquela oferece larga margem de segurança na anestesia regional em pediatria 13.

O objetivo deste estudo foi comparar a anestesia peridural sacra com o bloqueio dos nervos ileoinguinal/ileohipogástrico e com a infiltração da ferida operatória, quanto a analgesia pós-operatória, ao bloqueio motor e às complicações relacionadas com as técnicas, em crianças submetidas a herniorrafias inguinais, utilizando a ropivacaína como anestésico local. Os parâmetros estudados relacionados com a analgesia foram a intensidade da dor, a duração da analgesia e a necessidade de analgésicos. O bloqueio motor foi comparado quanto à intensidade e ao tempo de duração.

MÉTODO

Após aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa do Instituto Materno Infantil Professor Fernando Figueira (IMIP) e consentimento livre e esclarecido dos responsáveis, foram estudadas 87 crianças, do sexo masculino, estado físico ASA I e II, com idade entre 1 e 5 anos, submetidas a herniorrafia inguinal unilateral eletiva. Os critérios de exclusão foram doença ou malformação que contra-indicasse a utilização de qualquer uma das técnicas, alergia aos fármacos utilizados e a não-permissão do responsável da inclusão da criança no estudo. As crianças foram divididas de forma aleatória, em três grupos de 29 pacientes cada, para receberem anestesia geral inalatória com halotano, associada à anestesia peridural sacra (PS), ou ao bloqueio dos nervos ileoinguinal/ileohipogástrico (BIHII), ou a infiltração da ferida operatória (IFO) feita pelo cirurgião ao final do procedimento. Em todas as técnicas utilizou-se a ropivacaína a 0,2% nos seguintes volumes: 1 mL.kg-1 na PS, 0,6 mL.kg-1 no BIHII e 0,5 mL.kg-1 na IFO 9. Ao final do procedimento as crianças foram transferidas para a sala de recuperação pós-anestésica (SRPA) e a seguir para a enfermaria.

Os parâmetros avaliados em todos os grupos foram idade, peso, altura, estado físico, duração da cirurgia e da internação hospitalar. Foram comparados entre os três grupos a analgesia pós-operatória, de acordo com a necessidade da 1ª e 2ª doses de analgésico e o tempo médio da necessidade da 1ª dose, a intensidade da dor e a freqüência de bloqueio motor.

Esses parâmetros foram avaliados e registrados por um examinador que não conhecia a técnica anestésica utilizada. A escala utilizada para a avaliação da dor foi a escala OPS 18,19. Essa escala consiste em cinco parâmetros: choro, movimento, agitação, postura e queixa verbal de dor, e para cada um deles são atribuídos valores de 0 a 2, com valores totais de zero a dez.

Se o resultado da avaliação fosse zero, este implicava ausência de dor. Valores entre 1 e 3 correspondiam à dor de leve intensidade e a criança não necessitava de tratamento analgésico. Valores entre 4 e 6 (inclusive estes) correspondiam à dor de intensidade moderada que deveria ser tratada com dipirona (1 gota.kg-1 = 25 mg.kg-1). Se a avaliação tivesse valores de 7 a 10 (inclusive estes) era classificada como dor intensa e também deveria ser tratada com dipirona na mesma dose.

Após 20 minutos do tratamento com dipirona a dor era reavaliada e, caso apresentasse valores iguais ou maiores que 4, a criança era medicada com codeína (1 mg.kg-1). Todos os escores de dor observados, bem como a necessidade de analgésicos, eram registrados pelo examinador mencionado.

A avaliação do bloqueio motor dos membros inferiores era feita utilizando a escala de Bromage modificada, que tem valores de 0 a 3, sendo o escore zero considerado ausência de bloqueio motor e o 3, bloqueio motor completo 20. Caso a criança não entendesse o comando verbal para levantar as pernas, o avaliador era orientado a estimular os pés da criança com um pequeno estímulo de pressão na planta dos pés, para verificar a sua movimentação.

A avaliação da dor era feita a cada 30 minutos nas duas primeiras horas, e a cada hora a partir desta. A avaliação do grau de bloqueio motor era efetuada a cada hora.

As intercorrências ocorridas na sala cirúrgica, na SRPA ou na enfermaria, tais como alterações hemodinâmicas ou do ritmo cardíaco, reações alérgicas, náuseas, vômitos, irritação ou hematoma no local da punção e/ou outras, eram registradas em formulário próprio.

O banco de dados e a análise estatística foram feitos no programa Epi-Info 2002 de domínio público, sendo realizada análise bivariada para comparação dos três grupos (PS, BIHII e IFO) com relação a duração da analgesia, necessidade de doses complementares de analgésicos, intensidade da dor, bloqueio motor e intercorrências peri-operatórias. Associações entre variáveis categóricas foram avaliadas por meio dos testes estatísticos Qui-quadrado ou Exato de Fisher-Freeman-Halton. As comparações de médias entre os parâmetros quantitativos foram realizadas por meio do teste t de Student. Em todos os testes utilizou-se o nível significativo de 5%.

RESULTADOS

Não houve diferenças significativas entre os três grupos quanto a idade, peso, altura, duração do procedimento cirúrgico e da internação hospitalar (Tabela I).

O uso da 1ª dose de analgésico no pós-operatório foi maior entre as crianças que utilizaram a IFO (31%), e o grupo submetido ao BIHII necessitou com menor freqüência (3,4%) dessa 1ª dose (p = 0,020) (Tabela II).

Quando se comparou a necessidade da 2ª dose de analgésico no pós-operatório, evidenciou-se que apenas duas crianças do grupo da IFO (6,9%) fizeram uso desta, não havendo diferença entre os grupos (Tabela III).

Não houve diferença estatística significativa no tempo médio de necessidade da 1ª dose de dipirona entre as técnicas PS e IFO (324,2 ± 237,2 min e 190 ± 153,4 min, respectivamente). Apenas um participante do grupo do BIHII fez uso de dipirona (260 min) e codeína (300 min) após o final da intervenção cirúrgica.

A maioria das crianças teve a dor classificada como ausente ou leve na 1ª hora de pós-operatório. Entretanto, houve diferença significativa entre os grupos quanto à dor moderada, em que apenas crianças do grupo submetido a IFO (13,8%), tiveram a dor classificada nessa intensidade (p = 0,049) (Figura 1). Não se observou durante a primeira hora nenhuma criança com dor intensa.


Na segunda hora do pós-operatório, a maioria das crianças não apresentou dor, com freqüências 100%, 100% e 82,8% para as técnicas PS, BIHII e IFO, respectivamente. Apenas as crianças que receberam IFO apresentaram dor leve (13,8%) e moderada (3,4%), sendo essa diferença significativa (p = 0,010) (Figura 2).


A intensidade da dor nas terceira e quarta horas do pós-operatório foi semelhante entre os três grupos, e a maioria das crianças teve sua dor classificada como ausente ou leve.

Na quinta e sexta horas de avaliação da analgesia pós-operatória não houve diferença entre os grupos. Apenas duas crianças (8,3%) do grupo que recebeu IFO e uma criança (4,3%) que recebeu PS apresentaram dor de intensidade moderada na quinta hora.

Na sexta hora, apenas uma criança (4,5%) do grupo da PS teve sua dor classificada como moderada.

Na oitava e décima-segunda hora, também não se evidenciaram diferenças entre os grupos. Somente uma criança do grupo da IFO apresentou dor de intensidade moderada.

Após a décima-segunda hora de pós-operatório, a dor foi ausente para todos os participantes dos três grupos.

Quando se comparou o bloqueio motor no pós-operatório, não foi evidenciada diferença entre os três grupos. Apenas as crianças que receberam PS apresentaram bloqueio motor grau 1 da Escala de Bromage (6,9%, 10,3% e 3,4%) na primeira, segunda e terceira hora, respectivamente.

A partir da quarta hora, nenhuma criança do estudo apresentou bloqueio motor.

No período peri-operatório foi observada bradicardia em duas crianças do grupo BIHII (6,9%), taquicardia em cinco crianças do grupo IFO (17,2%) e em quatro do grupo PS (13,8%), e hipóxia em uma criança do grupo PS (3,4%). Não houve diferença significativa entre os grupos, apenas uma tendência a maior freqüência de taquicardia nas crianças do grupo da IFO.

Na enfermaria, as intercorrências observadas foram náuseas e vômitos, com freqüências de 6,9% no grupo PS, 6,9% no grupo IFO e 10,3% no grupo BIHII, sem diferença estatística significativa entre os grupos.

DISCUSSÃO

Na analgesia pós-operatória das herniorrafias inguinais em crianças, não se evidenciou superioridade da anestesia peridural sacra sobre o bloqueio ileoinguinal/ileohipogástrico com relação aos escores de dor. Houve, porém, superioridade dessas duas técnicas sobre a infiltração da ferida operatória, sobretudo nas duas primeiras horas de pós-operatório. Uma hipótese para justificar esses resultados é que pode ter ocorrido falha técnica na administração de algumas anestesias peridurais sacras, cuja freqüência esperada de falhas, de acordo com a literatura, é cerca de 4% 21-23.

O tempo médio para a necessidade da 1ª dose de analgésico coincide com os resultados de alguns trabalhos e sugere que a adição de anestésico local por meio de bloqueio central, periférico ou infiltração da ferida operatória, antes ou depois da operação, diminuem muito a intensidade da dor pós-operatória. Deve-se ressaltar que a infiltração da ferida operatória, quando efetuada pelo cirurgião, deve ser feita abaixo da fáscia muscular, pois quando a infiltração só acontece abaixo da pele torna-se menos efetiva 24-28. É possível que neste estudo algumas infiltrações da ferida operatória tenham sido feitas somente em planos superficiais, resultando em menor eficácia da técnica.

Vários estudos, comparando concentrações diferentes de ropivacaína e de bupivacaína em peridural sacral, obtiveram resultados semelhantes a este e sugerem que a ropivacaína. por via sacral em crianças é efetiva, com um bloqueio sensitivo de duração semelhante à da bupivacaína. Na concentração de 0,2%, a ropivacaína determina um bloqueio motor de duração menor, o que representa uma vantagem para o seu uso em crianças, que têm baixa tolerância à sensação de imobilização dos membros inferiores 29-33.

A freqüência de intercorrências observadas no intra-operatório não foi diferente entre as técnicas. Bradicardia, taquicardia e hipóxia devem ser consideradas como eventos peri-operatórios comuns durante anestesia pediátrica 34-37. Como houve maior tendência à taquicardia no grupo IFO, pode-se entender que isso aconteceu porque a infiltração foi efetuada somente ao final do procedimento cirúrgico e, portanto, o estímulo cirúrgico foi maior nesse grupo que não tinha acesso a analgesia antes do início do procedimento, como nas outras duas técnicas.

Na enfermaria, náuseas e vômitos foram os únicos eventos observados, sendo a média de freqüência entre as técnicas de 8%, o que é esperado para o número de anestesias praticadas, e não parece estar ligado a uma técnica anestésica específica 38-40. O bloqueio dos nervos ileoinguinal/ileohipogástrico parece ser uma opção segura e eficaz de técnica anestésica para promover controle da dor pós-operatória em crianças submetidas a herniorrafias inguinais, necessitando, entretanto, de outros estudos para que se estabeleça melhor a eficácia e a segurança da técnica.

Embora a intensidade da dor nas duas primeiras horas tenha apresentado maiores escores no grupo da infiltração da ferida operatória, os resultados deste estudo sugerem que as três técnicas utilizadas são efetivas em promover analgesia pós-operatória em crianças submetidas à herniorrafia inguinal. Todavia, o BIHII apresentou pequena superioridade sobre a PS e sensível superioridade sobre a IFO na promoção da analgesia pós-operatória, sobretudo nas primeiras duas horas, que é período de relevante importância para procedimentos ambulatoriais que necessitam de alta hospitalar precoce.

Não obstante os resultados obtidos neste estudo não tenham evidenciado grande superioridade do BIIH sobre a PS, é importante ressaltar que se trata de um bloqueio de fácil execução, não necessita de material especializado para a sua realização, não se associou à ocorrência de bloqueio motor e, ao contrário da anestesia peridural sacra, não é realizado dentro do sistema nervoso central, sendo portanto, menos invasivo.

Nas condições do estudo, as três técnicas realizadas com ropivacaína permitiram controle da dor pós-operatória com baixa incidência de efeitos colaterais em crianças submetidas a herniorrafia inguinal.

Apresentado em 07 de junho de 2005

Aceito para publicação em 22 de agosto de 2006

  • 01. Morton NS Prevention and control of pain in children. Br J Anaesth, 1999; 83:118-129.
  • 02. Hannallah RS Postoperative analgesia in the paediatric patient. Can J Anaesth, 1992;39:641.
  • 03. Sinatra RS Neural Blockade in Clinical Anesthesia and Management of Pain. Philadelphia, Lippincott Williams & Wilkins, 2001.
  • 04. Morton NS Pain assessment in children. Paediatr Anaesth, 1997;7:267-272.
  • 05. Norden J, Hannallah R, Getson P et al Concurrent validation of an objective pain scale for infants and children. Anesthesiology, 1991;75:A934.
  • 06. Norden J, Hannallah R, Getson P et al Reliability of an objective pain scale in children. Anesth Analg, 1991;72:S199.
  • 07. Yaster M, Maxwell LG Pediatric regional anesthesia. Anesthesiology, 1989;70:324-338.
  • 08. Kehlet H Epidural analgesia and the endocrine-metabolic response to surgery-updates and perspectives. Acta Anaesthesiol Scand, 1984;28:125-127.
  • 09. Bell C, Kain ZN, Hughes C Acute Pediatric Pain Management, em: The Pediatric Anesthesia Handbook, 2nd ed., St. Louis, Mosby, 1997;453-484.
  • 10. Berde CB, Kain ZN Pain Management in Infants and Children, em: Motoyama EK, Davis PJ Anesthesia for Infants and Children, 6th ed., St. Louis, Mosby, 1996;385-402.
  • 11. Cook B, Grubb DJ, Aldrige LA et al Comparison of the effects of adrenaline, clonidine and Ketamine on the duration of caudal anaesthesia produced by bupivacaine in children. Br J Anaesth, 1995;75:698-701.
  • 12. Wolf AR, Hobbs AJ, Wade A et al Postoperative analgesia after orchidopexy: evaluation of a bupivacaine/morphine mixture. Br J Anaesth, 1990;64:430-435.
  • 13. Wolf AR, Hughes D, Hobbs AJ Combined morphine/bupivacaine caudals for reconstructive penile surgery in children: systemic absorption of morphine and postoperative analgesia. Anaesth Intensive Care, 1991;19:17-21.
  • 14. Dalens B, Ecoffey C, Joly A et al Pharmacokinetics and analgesic effect of ropivacaine following-ilioinguinal/iliohypogastric nerve block in children. Paediatr Anaesth, 2001;11:415-420.
  • 15. Moiniche S, Mikkelsen S, Wetterslev J et al A qualitative systematic review of incisional local anaesthesia for postoperative pain relief after abdominal operations. Br J Anaesth, 1998;81:377-383.
  • 16. Suresh S Practical pediatric regional anesthesia. ASA Refresher Courses in Anesthesiology, 2003;31:177-188.
  • 17. Martin J Postoperative pain management in infants and children: new developments. Curr Opin Anesth, 2000;13:285-289.
  • 18. Wilson G, Doyle E Validation of three peadiatric pain scores for use by parents. Anaesthesia, 1996;51:1005-1007.
  • 19. Suraseranivongse S, Santawat U, Kraiprasit K et al Cross-validation of a composite pain scale for preschool children within 24 hours of surgery. Br J Anaesth, 2001;87:400-405.
  • 20. Turner G, Blake D, Buckland M Continuous extradural infusion of ropivacaine for prevention of postoperative pain after major orthopaedic surgery. Br J Anaesth, 1996;76:606-610.
  • 21. Hannallah RS, Broadman LM, Belman AB et al Comparison of caudal and ilioinguinal/iliohypogastric nerve blocks for control of post-orchiopexy pain in pediatric ambulatory surgery. Anesthesiology, 1987;66:832-834.
  • 22. Dalens B, Hasnaoui A Caudal anesthesia in pediatric surgery: success rate and adverse effects in 750 consecutive patients. Anesth Analg, 1989;68:654-672.
  • 23. Uguralp S, Mutus M, Koroglu A et al Regional anesthesia is a good alternative to general anesthesia in pediatric surgery: experience in 1554 children. J Pediatr Surg, 2002;37:610-613.
  • 24. Tverskoy M, Cozacov C, Ayache M et al Postoperative pain after inguinal herniorrhaphy with different types of anesthesia. Anesth Analg, 1990;70:29-35.
  • 25. Johansson B, Glise H, Hallerback B et al Preoperative local infiltration with ropivacaine for postoperative pain relief after cholecystectomy. Anesth Analg, 1994;78:210-214.
  • 26. Trotter C, Martin P, Youngson G et al A comparison between ilioinguinal-iliohypogastric nerve block performed by anaesthetist or surgeon for postoperative analgesia following groin surgery in children. Paediatr Anaesth, 1995;5:363-367.
  • 27. Dalens B, Ecoffey C Jol A et al Pharmacokinetics and analgesic effect of ropivacaine following ilioinguinal/iliohypogastric nerve block in children. Paediatr Anaesth, 2001;11:415-420.
  • 28. Rice LJ Practical postoperative pain management for children. ASA Refresher Courses in Anesthesiology, 2002;30:159-168.
  • 29. Conceição MJ, Coelho L Caudal anaesthesia with 0.375% ropivacaine or 0.375% bupivacaine in paediatric patients. Br J Anaesth, 1998;80:507-508.
  • 30. Conceição MJ, Coelho L, Khalil M Ropivacaine 0.25% compared with bupivacaine 0.25% by caudal route. Paediatr Anaesth, 1999;9:229-233.
  • 31. Ivani G, Mereto N, Lampugnani E et al Ropivacaine in paediatric surgery: preliminary results. Paediatr Anaesth, 1998; 8:127-129.
  • 32. Luz G, Innerhofer P, Haussler B et al Comparison of ropivacaine 0.1% and 0.2% with bupivacaine 0.2% for single-shot caudal anaesthesia in children. Paediatr Anaesth, 2000;10:499-504.
  • 33. Ivani G, Negri PD, Conio A et al Comparison of racemic bupivacaine, ropivacaine, and levobupivacaine for pediatric caudal anesthesia: effects on postoperative analgesia and motor block. Reg Anesth Pain Med, 2002;27:157-161.
  • 34. Keenan RL, Shapiro JH, Kane FR et al Bradycardia during anesthesia in infants: an epidemiologic study. Anesthesiology, 1994;80:976-982.
  • 35. Conceição MJ, Costa JSMB Incidência de complicações em anestesia pediátrica. Rev Bras Anestesiol, 1995;45:337-343.
  • 36. Meneghini L, Zadra N, Zanette G et al The usefulness of routine preoperative laboratory tests for one-day surgery in healthy children. Paediatr Anaesth, 1998;8:11-15.
  • 37. Armendi AJ, Todres D Postanesthesia Care Unit, em: Coté CJ, Todres ID, Goudsouzian NG, et al A Practice of Anesthesia for Infants and Children. 3rd ed., Philadelphia, WB Saunders, 2001; 704-708.
  • 38. Baines D Postoperative nausea and vomiting in children. Paediatr Anaesth, 1996;6:7-14.
  • 39. Conran AM, Hannallah RS Pediatric outpatient anesthesia and perioperative care. Curr Opin Anesthesiol, 1997;10:205-208.
  • 40. Brennan LJ Modern day-case anaesthesia for children. Br J Anaesth, 1999;83:91-103.
  • Endereço para correspondência:
    Dra. Ana Maria Menezes Caetano
    Rua Feliciano José de Farias, 160/1101
    Boa Viagem
    51030-450 Recife, PE
    E-mail:
  • *
    Recebido do Instituto Materno-Infantil Professor Fernando Figueira (IMIP), Recife, PE
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Nov 2006
    • Data do Fascículo
      Dez 2006

    Histórico

    • Aceito
      22 Ago 2006
    • Recebido
      07 Jun 2005
    Sociedade Brasileira de Anestesiologia R. Professor Alfredo Gomes, 36, 22251-080 Botafogo RJ Brasil, Tel: +55 21 2537-8100, Fax: +55 21 2537-8188 - Campinas - SP - Brazil
    E-mail: bjan@sbahq.org