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Bupivacaína com excesso enantiomérico (S75-R25) a 0,5%, bupivacaína racêmica a 0,5% e lidocaína a 2% no bloqueio do nervo facial pela técnica de O'Brien: estudo comparativo

Bupivacaína con exceso enantiomérico (S75-R25) a 0,5%, bupivacaína racémica a 0,5% y lidocaína a 2% en el bloqueo del nervio facial por la técnica de O'Brien: estudio comparativo

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Mistura de enantiômeros da bupivacaína em diferentes formulações, S75-R25 ou S90-R10, foi proposta objetivando menor cardiotoxicidade e bloqueio motor satisfatório. O objetivo deste estudo foi comparar o tempo de instalação e o grau de bloqueio motor utilizando a bupivacaína com excesso enantiomérico de 50% (S75-R25) a 0,5%, a bupivacaína racêmica a 0,5% e a lidocaína a 2% no bloqueio do nervo facial pela técnica de O'Brien. MÉTODO: Participaram do estudo 45 pacientes, com idade acima de 60 anos, programados para tratamento cirúrgico de catarata sob bloqueio retrobulbar, precedido pela acinesia de O'Brien. Os pacientes foram divididos de forma aleatória em três grupos de 15, de acordo com a solução anestésica empregada para o bloqueio do nervo facial: Grupo L (Lidocaína), Grupo B (Bupivacaína) e Grupo M (S75-R25). Foram injetados 3 mL da solução. Foram verificados o tempo de instalação e o grau do bloqueio motor (Graus 1, 2 e 3) aos 15 segundos após a injeção e, sucessivamente, a cada 15 segundos até completar 180 segundos. RESULTADOS: As manifestações iniciais do bloqueio foram mais rápidas (15s) no Grupo L do que nos Grupos B e M. Não houve diferença entre os Grupos B e M. Todos os pacientes do Grupo L apresentaram bloqueio motor Grau 3 em até 60 segundos, tempo menor do que aqueles observados nos Grupos B e M (120 e 135, respectivamente). Os grupos B e M tiveram comportamento semelhante ao longo do estudo, não havendo diferença estatística entre eles. Aos 180 segundos o bloqueio motor Grau 3 foi semelhante nos três grupos. CONCLUSÕES: A instalação do bloqueio motor e o grau máximo de bloqueio foram obtidos com mais rapidez com a lidocaína a 2%. O mesmo grau foi atingido pela bupivacaína racêmica e pela S75-R25, porém em tempo maior. Esses dois anestésicos apresentaram o mesmo comportamento com relação à latência e ao grau máximo do bloqueio motor, e ao término de 180 segundos não havia mais diferença na intensidade deste entre as três soluções estudadas.

ANESTÉSICOS, Local; TÉCNICAS ANESTÉSICAS, Regional


BACKGROUND AND OBJECTIVES: Enantiomeric mixtures of bupivacaine in different formulations, S75-R25 or S90-R10, were proposed aiming at reducing the cardiotoxicity and with a satisfactory motor blockade. The aim of this study was to compare the length of time until the appearance of the motor blockade and its degree using 50% enantiomeric excess 0.5% bupivacaine (S75-R25), 0.5% racemic bupivacaine, and 2% lidocaine for facial nerve block by the O'Brien technique. METHODS: Forty-five patients, over 60 years old, scheduled for the surgical treatment of cataracts under retrobulbar block preceded by O'Brien paralysis participated in this study. Patients were randomly divided in three groups of 15 patients, according to the anesthetic used for the facial nerve block: Group L (Lidocaine), Group B (Bupivacaine), and Group M (S75-R25). Three milliliters of the solution were administered. The length of time for motor blockade to become apparent and the degree of the motor block (Grades 1, 2, and 3) were evaluated 15 seconds after the injection and every 15 seconds until it reached 180 seconds. RESULTS: The initial manifestations of the blockade were faster (15 s) in Group L. There were no differences between Groups B and M. Every patient in Group L showed Grade 3 motor block in up to 60 seconds, which was faster than Groups B and M (120 and 135 seconds, respectively). Groups B and M had similar behavior during the study, without any statistically significant difference. At 180 seconds, the incidence of Grade 3 motor block was similar in all three groups. CONCLUSIONS: The beginning of the motor blockade and its maximal degree were achieved faster with 2% lidocaine. The same degree was achieved by racemic bupivacaine and S75-R25, but it took longer. These two anesthetics showed the same behavior regarding the latency and the maximal degree of motor block, but at the end of 180 seconds there were no differences in the intensity of the blockade among the three groups.

ANESTHETICS, Local; ANESTHETIC TECHNIQUES, Regional


ARTIGO CIENTÍFICO

Bupivacaína com excesso enantiomérico (S75-R25) a 0,5%, bupivacaína racêmica a 0,5% e lidocaína a 2% no bloqueio do nervo facial pela técnica de O'Brien: estudo comparativo* * Trabalho de Conclusão do Curso de Especialização em Anestesiologia realizado no CET/SBA do Instituto Penido Burnier e Centro Médico de Campinas, Campinas, SP

Bupivacaína con exceso enantiomérico (S75-R25) a 0,5%, bupivacaína racémica a 0,5% y lidocaína a 2% en el bloqueo del nervio facial por la técnica de O'Brien : estudio comparativo

Luis Henrique CangianiI; Luiz Marciano Cangiani, TSAII; Antônio Márcio de Safim Arantes Pereira, TSAII

IAnestesiologista do Instituto Penido Burnier e Centro Médico de Campinas

IICo-responsável pelo CET/SBA do Instituto Penido Burnier e Centro Médico de Campinas

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dr. Luiz Marciano Cangiani Av. Princesa D'Oeste, 1090/111 — Vila Paraíso 13100-040 Campinas, SP E-mail: cangiani@terra.com.br

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Mistura de enantiômeros da bupivacaína em diferentes formulações, S75-R25 ou S90-R10, foi proposta objetivando menor cardiotoxicidade e bloqueio motor satisfatório. O objetivo deste estudo foi comparar o tempo de instalação e o grau de bloqueio motor utilizando a bupivacaína com excesso enantiomérico de 50% (S75-R25) a 0,5%, a bupivacaína racêmica a 0,5% e a lidocaína a 2% no bloqueio do nervo facial pela técnica de O'Brien.

MÉTODO: Participaram do estudo 45 pacientes, com idade acima de 60 anos, programados para tratamento cirúrgico de catarata sob bloqueio retrobulbar, precedido pela acinesia de O'Brien. Os pacientes foram divididos de forma aleatória em três grupos de 15, de acordo com a solução anestésica empregada para o bloqueio do nervo facial: Grupo L (Lidocaína), Grupo B (Bupivacaína) e Grupo M (S75-R25). Foram injetados 3 mL da solução. Foram verificados o tempo de instalação e o grau do bloqueio motor (Graus 1, 2 e 3) aos 15 segundos após a injeção e, sucessivamente, a cada 15 segundos até completar 180 segundos.

RESULTADOS: As manifestações iniciais do bloqueio foram mais rápidas (15s) no Grupo L do que nos Grupos B e M. Não houve diferença entre os Grupos B e M. Todos os pacientes do Grupo L apresentaram bloqueio motor Grau 3 em até 60 segundos, tempo menor do que aqueles observados nos Grupos B e M (120 e 135, respectivamente). Os grupos B e M tiveram comportamento semelhante ao longo do estudo, não havendo diferença estatística entre eles. Aos 180 segundos o bloqueio motor Grau 3 foi semelhante nos três grupos.

CONCLUSÕES: A instalação do bloqueio motor e o grau máximo de bloqueio foram obtidos com mais rapidez com a lidocaína a 2%. O mesmo grau foi atingido pela bupivacaína racêmica e pela S75-R25, porém em tempo maior. Esses dois anestésicos apresentaram o mesmo comportamento com relação à latência e ao grau máximo do bloqueio motor, e ao término de 180 segundos não havia mais diferença na intensidade deste entre as três soluções estudadas.

Unitermos: ANESTÉSICOS, Local: bupivacaína, bupivacaína em excesso enantiomérico (S75-R25), lidocaína; TÉCNICAS ANESTÉSICAS, Regional: bloqueio do nervo facial, técnica de O'Brien.

RESUMEN

JUSTIFICATIVA Y OBJETIVOS: Mezcla de enantiómeros de la bupivacaína en diferentes formulaciones, S75-R25 o S90-R10, fueron propuestos objetivando una menor cardiotoxicidad y bloqueo motor satisfactorio. El objetivo de este estudio fue comparar el tiempo de instalación y el grado de bloqueo motor utilizando la bupivacaína con exceso enantiomérico de 50% (S75-R25) a 0,5%, la bupivacaína racémica a 0,5% y la lidocaína a 2% en el bloqueo del nervio facial por la técnica de O'Brien.

MÉTODO: Participaron del estudio 45 pacientes, con edad por encima de los 60 años, programados para tratamiento quirúrgico de catarata bajo bloqueo retrobulbar, precedido por la acinesia de O'Brien. Los pacientes fueron divididos aleatoriamente en 3 grupos de 15, de acuerdo con la solución anestésica empleada para el bloqueo del nervio facial: Grupo L (Lidocaína), Grupo B (Bupivacaína) y Grupo M (S75-R25). Fueron inyectados 3 mL de la solución. Fueron verificados el tiempo de instalación y el grado del bloqueo motor (Grados 1, 2 y 3) a los 15 segundos después de la inyección y sucesivamente a cada 15 segundos hasta completar los 180 segundos.

RESULTADOS: Las manifestaciones iniciales del bloqueo fueron más rápidas (15 s) en el Grupo L que en los Grupos B y M. No hubo diferencia entre los Grupos B y M. Todos los pacientes del Grupo L presentaron bloqueo motor Grado 3 en hasta 60 segundos, tiempo menor que aquellos observados en los Grupos B y M (120 y 135, respectivamente). Los grupos B y M tuvieron un comportamiento semejante a lo largo del estudio, no habiendo diferencia estadística entre ellos. A los 180 segundos el bloqueo motor Grado 3 fue semejante en los 3 Grupos.

CONCLUSIONES: La instalación del bloqueo motor y el grado máximo de bloqueo se obtuvieron más rápidamente con la lidocaína a 2%. El mismo grado se alcanzó por la bupivacaína racémica y por la S75-R25, pero sin embargo en tiempo mayor. Esos de los anestésicos presentaron el mismo comportamiento en relación a la latencia y al grado máximo del bloqueo motor, siendo que al término de 180 segundos, no había más diferencia en la intensidad de este entre las tres soluciones estudiadas.

INTRODUÇÃO

A bupivacaína (1-butil-2;6'-pipecolidilxilidase) é muito empregada na anestesia infiltrativa, assim como em bloqueios regionais. No entanto, a cardiotoxidade e o seu potencial disritmogênico fazem com que ela apresente estreita margem de segurança 1,2.

A bupivacaína apresenta na sua estrutura química um carbono assimétrico, ou quiral, proporcionando a existência de dois isômeros ópticos, ou enantiômeros: a levobupivacaína (S(-) bupivacaína) e a dextrobupivacaína (R(+) bupivacaína), com comportamentos farmacológicos independentes em decorrência da estereosseletividade 3.

Estudos demonstraram que o componente dextrógiro da bupivacaína é o responsável pela cardiotoxicidade da bupivacaína racêmica (S50-R50) e pela sua refratariedade à reanimação cardiorrespiratória 2,4-8.

Em modelo experimental em nervo isquiático de ratos, a comparação entre os dois enantiômeros não mostrou diferenças quanto à atividade anestésica 3. No entanto, outro estudo comparativo entre a levobupivacaína e a bupivacaína, usando o mesmo modelo experimental, mostrou que a latência do bloqueio motor foi menor com levobupivacaína, mas a intensidade e a sua duração foram semelhantes para as duas formulações 9.

Apesar das evidências experimentais, na prática clínica a levobupivacaína a 0,5% não mostrou a mesma eficácia do que a bupivacaína a 0,5%, no que diz respeito ao bloqueio motor, sobretudo na anestesia peridural 10. Mais tarde, surgiu a idéia de se manipular a relação enantiomérica, que foi observada também no modelo experimental do nervo isquiático do rato mostrando bloqueio motor semelhante entre a forma racêmica (S50-R50) e a mistura com excesso enantiomérico levógiro em 50% (S75-R25) 11,12. Um estudo comparativo entre a levobupivacaína a 0,5% e a bupivacaína S75-R25 no bloqueio peridural mostrou que a segunda apresentou melhor desempenho com relação ao bloqueio motor 13.

O bloqueio do nervo facial pela técnica O'Brien é muito utilizado em intervenções cirúrgicas oftalmológicas, especialmente as intra-oculares. Nessa técnica, o nervo facial é bloqueado abaixo do côndilo da mandíbula. O bloqueio visa obter acinesia do músculo orbicular ocular e bloqueio da movimentação do supercílio. É de fácil realização e a eficácia é alta quando se utilizam 2 a 3 mL da solução anestésica, especialmente a lidocaína a 2% 14,15.

O objetivo deste estudo foi verificar o grau do bloqueio motor e o seu tempo de instalação, comparando a bupivacaína com excesso enantiomérico (S75-R25) a 0,5%, a bupivacaína racêmica a 0,5% e a lidocaína a 2% no bloqueio do nervo facial pela técnica de O'Brien.

MÉTODO

Após aprovação pela Comissão de Ética e consentimento formal, participaram do estudo 45 pacientes de ambos os sexos, acima de 60 anos, estado físico ASA I e II, programados para cirurgia de catarata sob bloqueio retrobulbar, precedido do bloqueio do nervo facial pela técnica de O'Brien. Foram excluídos do estudo pacientes obesos, diabéticos, com doenças neurológicas e com distúrbio da consciência. Os pacientes foram divididos de forma aleatória em três grupos de 15, de acordo com a solução anestésica empregada para o bloqueio do nervo facial: Grupo L (Lidocaína), Grupo B (Bupivacaína racêmica) e Grupo M (Mistura com excesso enantiomérico de 50%, S75-R25). A amostra foi calculada após estudo-piloto, no qual a constância dos resultados foi verificada nos pacientes acima de 60 anos e não-obesos, nos quais o ponto de injeção era facilmente identificado.

Nenhum paciente recebeu medicação pré-anestésica. Na sala cirúrgica foi feita monitorização com cardioscópio na derivação DII, oxímetro de pulso para medida da SpO2 e esfigmomanômetro para medida da pressão arterial pelo método auscultatório. A seguir, foi feita venóclise na veia da prega antecubital com cateter 22G, mantida com solução de Ringer com lactato (500 mL).

Todos os pacientes receberam sedação por via venosa, feita de forma titulada a partir de uma mistura contendo 5 mg de midazolam (1 mL) e 50 µg fentanil (1 mL) diluídos para 5 mL 16. A mistura foi injetada até a quantidade suficiente para se obter um paciente calmo e cooperativo e que pudesse responder ao comando para abrir e fechar (apertar) os olhos. Foi colocado cateter nasal para administração de oxigênio 2 L.min-1. Em seguida realizou-se o bloqueio do nervo facial pela técnica de O'Brien, com agulha 13 × 4,5, utilizando 3 mL da solução anestésica de acordo com cada grupo do estudo: Grupo L — lidocaína a 2%; Grupo B — bupivacaína a 0,5%; e Grupo M — bupivacaína com 50% de excesso enatiomérico S75-R25. Após a injeção, foi feita compressão digital do local da punção e em seguida foi solicitado ao paciente para que abrisse e fechasse os olhos com força (apertar os olhos) a cada 15 segundos, durante o período de 180 segundos. Foi observado o grau do bloqueio motor do lado bloqueado de acordo com o seguinte critério: Grau 0 — ausência de bloqueio motor; Grau 1 — incapacidade parcial de fechamento das pálpebras; Grau 2 — incapacidade total de fechar as pálpebras (acinesia do músculo orbicular ocular); Grau 3 — incapacidade de movimentação do supercílio.

A comparação com o olho adelfo permitiu a verificação do grau do bloqueio do lado correspondente à realização do bloqueio do nervo facial.

Em seguida, todos os pacientes foram submetidos ao bloqueio retrobulbar com uma mistura em partes iguais de lidocaína a 2%, bupivacaína a 0,75%, com adrenalina a 1:200.000 e 40 UI.mL-1 de hialuronidase. O volume da solução injetada seria determinado de acordo com a complacência da órbita. Após a fixação do bloqueio retrobulbar, todos os pacientes foram submetidos ao procedimento cirúrgico. A alta de cada paciente respeitou o protocolo para pacientes em regime ambulatorial.

Os grupos foram comparados quanto ao tempo necessário para as manifestações iniciais do bloqueio, o grau do bloqueio e o tempo para atingir o bloqueio motor Grau 3.

Verificou-se também se houve alguma lesão neurológica do nervo facial no primeiro dia (24 horas) e nos 7°, 30° e 60° dias do pós-operatório.

As variáveis foram comparadas pelo teste t de Student (idade, peso, altura), Qui-quadrado (sexo e estado físico) e Kruskal-Wallis com pós-teste de Connover (tempo para início do bloqueio — Grau 1 — e grau do bloqueio motor). Comparações intra-grupos foram realizadas pelo teste de Friedman para verificação do momento em que o bloqueio máximo foi atingido. Foi estabelecido valor de p < 0,05 como significativo.

RESULTADOS

Os grupos foram homogêneos quanto ao sexo, à idade, à altura, ao peso e ao estado físico (Tabela I).

No Grupo L (lidocaína) 11 pacientes apresentaram bloqueio motor grau 1, e quatro, bloqueio motor grau 2, já aos 15 segundos. No Grupo B (bupivacaína), nos mesmos 15 segundos, oito pacientes apresentaram bloqueio motor graus 1 e 7, grau 0. No Grupo M (bupivacaína S75-R25), nove pacientes apresentaram bloqueio motor grau 1, e seis, grau 0, também aos 15 segundos. Houve diferença significativa entre o Grupo L com relação aos Grupos B e M. A velocidade de instalação do bloqueio foi maior no Grupo L. Não houve diferença significativa na velocidade de instalação do bloqueio motor entre os Grupos B e M (Figuras 1, 2 e 3).




A análise intragrupos revelou que o grupo da lidocaína teve seu grau máximo de bloqueio atingido aos 60 segundos a partir de então, o teste de Friedman para medidas repetidas não revelou diferenças significativas quanto a este parâmetro (estatística de Friedman = 8,00 p = 0,435) (Figura 1).

O grupo da bupivacaína racêmica teve bloqueio máximo aos 135 segundos, com estatística de Friedman desse ponto em diante revelando diferenças também não significativas (estatística de Friedman = 3,00 p = 0,3916) (Figura 2).

Para o grupo da bupivacaína S75-R25, o bloqueio máximo aconteceu em 120 segundos, com diferenças sem significado estatístico daí em diante (estatística de Friedman = 8,00 p = 0,0916) (Figura 3).

Comparando-se a intensidade do bloqueio motor entre os três grupos momento a momento pelo teste de Kruskal-Wallis, verificou-se que houve diferenças significativas entre eles até os 105 segundos. Para se identificar entre quais grupos se estabeleceram essas diferenças, aplicou-se o pós-teste de Connover, que mostrou que o bloqueio motor da lidocaína foi mais intenso que o produzido pelos outros dois anestésicos até 90 segundos, e ainda mais intenso que o da bupivacaína aos 105 segundos. O mesmo teste demonstrou não ter havido diferenças significativas entre a bupivacaína racêmica e a bupivacaína S75-R25, em qualquer momento do estudo.

Aos 180 segundos os resultados foram semelhantes nos três grupos.

DISCUSSÃO

Desde os primeiros relatos da cardiotoxicidade da bupivacaína, especialmente na concentração a 0,75%, ficou a preocupação do seu emprego clínico 2-4. Estudos experimentais demonstraram que o componente dextrógiro é o responsável pela cardiotoxicidade da mesma e, assim sendo, o emprego do componente levógiro passou a ser investigado em modelos experimentais e posteriormente em humanos 2,4-8.

O modelo experimental em que se utiliza o nervo isquiático do rato é considerado o ponto de partida para o estudo dos anestésicos locais em animal intacto, que com as investigações in vitro compõem a fase pré-clínica, antes da investigação em humanos 9. Esse modelo fornece condições para avaliação do tempo de instalação e duração do bloqueio motor 17, para quantificação do bloqueio sensitivo 18 e para detecção da neurotoxicidade de anestésicos locais 17. Estudo experimental com a levobupivacaína demonstrou sua eficácia tanto no bloqueio motor, quanto na analgesia 9. Mostrou, inclusive, que houve redução do tempo de aparecimento do bloqueio motor com a levobupivacaína com relação à forma racêmica 9. A explicação desse fato está embasada na enantiosseletividade. Estudo em animais com enantiômeros de anestésicos locais mostrou diferença quanto à duração do bloqueio, atribuída à estereosseletividade da forma levógira para os vasos, causando vasoconstrição e prolongando o efeito anestésico 3. Esse fato foi também confirmado na anestesia infiltrativa no homem 19. A vasoconstrição também foi observada com a ropivacaína, na mesma intensidade daquela causada pela epinefrina 20,24.

Na anestesia peridural, no entanto, o bloqueio motor da bupivacaína mostrou-se superior àquele observado pelo enantiômero levógiro e, assim sendo, surgiu a idéia de se manipular a relação enantiomérica da levobupivacaína e da dextrobupivacaína (S75R25 e S90R10) com o propósito de produzir bloqueio motor com baixa cardiotoxicidade 11-13. A mistura com excesso enantiomérico de 50% de bupivacaína (S75-R25) mostrou, no modelo experimental do nervo isquiático do rato, bom bloqueio motor e ausência de neurotoxicidade 11-13. Na anestesia peridural ela promoveu maior bloqueio motor do que aquele causado pela levobupivacaína 14.

Considerando que a mistura com excesso enantiomérico de 50% (S75-R25) já foi verificada em modelo experimental e na anestesia peridural, não causando neurotoxicidade, resolveu-se estudá-la no bloqueio do nervo facial pela técnica de O'Brien.

O bloqueio do nervo facial, sobretudo do ramo temporofacial é muito utilizado em intervenções cirúrgicas oculares com o objetivo de prover acinesia do músculo orbicular ocular e do supercílio, evitando que o paciente aperte o olho durante o ato cirúrgico, especialmente quando está sob sedação consciente 16.

O bloqueio do nervo facial pela técnica de O'Brien é de simples realização e apresenta alto índice de sucesso. A solução de anestésico local é depositada logo abaixo do côndilo da mandíbula, que é facilmente palpável quando o paciente abre e fecha a boca 21. O ponto de injeção é próximo ao nervo facial, porém a uma distância suficiente para evitar sua punção. A compressão da pele logo após a injeção facilita a dispersão do anestésico local e a difusão em direção ao nervo.

Para o estudo foram comparadas a lidocaína, a bupivacaína racêmica e a mistura com excesso enatiomérico levógiro de 50% (S75-R25), estabelecendo-se como padrão a lidocaína a 2% devido a sua alta eficácia. A escolha de intervalos de 15 segundos para a aferição do grau do bloqueio motor baseou-se na observação de que a lidocaína apresenta, na maioria das vezes, início da instalação do bloqueio em 15 segundos. Da amostra foram excluídos pacientes com idade inferior a 60 anos e os obesos, para que a variabilidade biológica não influísse nos resultados.

Neste estudo, os grupos foram homogêneos quanto a idade, altura, peso, sexo e estado físico (Tabela I). Quanto ao bloqueio motor, quatro aspectos devem ser considerados. Em primeiro lugar, a lidocaína mostrou-se muito eficaz. Aos 15 segundos, 11 pacientes apresentaram bloqueio motor grau 1 e 4 já apresentaram grau 2. Aos 60 segundos já foi possível considerar estatisticamente que o motor grau 3 se instalou. Apenas um caso levou 75 segundos. Esse resultado, quando comparado aos obtidos pela bupivacaína racêmica e pela S75-R25, mostra superioridade da lidocaína a 2%. O segundo aspecto a se considerar, é que a bupivacaína e a S75-R25 levaram mais tempo para que todos os casos atingissem o grau 1 do bloqueio motor mas que ambas tiveram comportamento semelhante quanto a este parâmetro. No entanto, aos 15 segundos, em 40% dos casos não se observou instalação inicial do bloqueio (grau 1), só ocorrendo após 30 segundos e completando-se aos 75 segundos, quando a comparação não mostrou diferença estatística significativa. Outro ponto a se observar é que o bloqueio motor grau 3 foi atingido de forma gradativa nos grupos B e M, e aos 120 segundos não existia mais diferença estatística significativa entre a bupivacaína e a S75-R25. Os resultados mostraram comportamento semelhante entre as duas drogas. Por último os resultados aos 180 segundos demonstraram não haver mais diferença estatística significativa quanto ao grau do bloqueio motor obtido com os três fármacos estudados.

Os resultados mostraram que é possível obter grau máximo do bloqueio motor tanto com a bupivacaína racêmica quanto com a bupivacaína em excesso enantiomérico de 50% (S75-R25) a 0,5%, comparáveis com os obtidos com a lidocaína a 2%. No entanto, o tempo de instalação é maior.

Esses resultados quando comparados com o modelo experimental revelaram que o tempo para instalação do bloqueio motor é menor. Isso pode dever-se ao fato que no modelo experimental utiliza-se 0,2 mL da solução anestésica na região peri-articular do membro posterior, no espaço poplíteo do rato, pela técnica de Truant 22, e no bloqueio do nervo facial pela técnica de O'Brien, 3 mL da solução anestésica foram injetados. Além do mais, a compressão digital feita por cinco segundos, logo após a injeção, facilita a difusão do anestésico e, em conseqüência, diminui o tempo de instalação do bloqueio.

Com relação ao bloqueio peridural 13, o tempo de instalação do bloqueio motor no presente estudo também foi muito menor para os três fármacos. O fato é esperado, haja vista que no bloqueio peridural devem ser atingidos vários nervos, com distâncias e calibres diferentes. Assim, no bloqueio peridural a variabilidade de resultados esperados é maior, ou seja, as técnicas não são comparáveis, assim como elas também não são comparáveis com o modelo experimental.

Não foi possível estudar o tempo de duração do bloqueio porque, após a intervenção cirúrgica, os pacientes ficaram com o olho operado ocluído, e esta oclusão só foi retirada 24 horas após, por ocasião do primeiro exame pós-operatório. No entanto, em nenhum paciente foi observada lesão neurológica do nervo facial no primeiro dia do pós-operatório e nos retornos subseqüentes aos 7, 30 e 60 dias.

Pelo exposto, e nas condições deste estudo, pode-se concluir que a instalação, grau 1, e o grau 3 do bloqueio motor ocorreram com mais rapidez com a lidocaína a 2%. O mesmo grau foi atingido pela bupivacaína e pela bupivacaína com excesso enantiomérico de 50%, porém em tempo maior. Não houve diferença quanto ao tempo de instalação e o grau de bloqueio motor entre a bupivacaína racêmica e aquela com excesso enantiomérico. Ao final de 180 segundos, não houve diferença quanto ao grau de bloqueio motor entre os três fármacos estudados. Assim, tanto a bupivacaína quanto a bupivacaína em excesso enantiomérico de 50% (S75-R25) constituem boas opções para se obter acinesia das pálpebras e supercílio por meio do bloqueio do nervo facial pela técnica de O'Brien.

Apresentado em 20 de setembro de 2005

Aceito para publicação em 27 de dezembro de 2006

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  • Endereço para correspondência:
    Dr. Luiz Marciano Cangiani
    Av. Princesa D'Oeste, 1090/111 — Vila Paraíso
    13100-040 Campinas, SP
    E-mail:
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    Trabalho de Conclusão do Curso de Especialização em Anestesiologia realizado no CET/SBA do Instituto Penido Burnier e Centro Médico de Campinas, Campinas, SP
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Mar 2007
    • Data do Fascículo
      Abr 2007

    Histórico

    • Aceito
      27 Dez 2006
    • Recebido
      20 Set 2005
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