Acessibilidade / Reportar erro

Espondilite anquilosante e anestesia

Espondilitis anquilosante y anestesia

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A espondilite anquilosante (EA) é uma doença inflamatória crônica das articulações, incluída no grupo das espondiloartropatias soronegativas. A característica principal dessa doença é a fusão óssea da coluna vertebral que leva à perda permanente da flexibilidade do dorso e do pescoço. Outras grandes articulações e tecidos conectivos poderão estar afetados pelo processo inflamatório. A EA acomete principalmente homens entre 20 e 40 anos; é rara após os 50 anos. As mulheres correspondem somente à minoria de pacientes. Há pouca informação sobre a EA na literatura anestésica. O objetivo deste artigo foi revisar aspectos da EA de interesse para o anestesiologista, permitindo um adequado manuseio perioperatório. CONTEÚDO: Estão definidas as características da espondilite anquilosante quanto à clínica e a conduta anestésica. CONCLUSÕES: Os pacientes com doenças crônicas da coluna vertebral apresentam desafios específicos para o anestesiologista. O manuseio da via aérea e o acesso ao neuroeixo poderão ser difíceis. Preferência tem sido dada à anestesia geral, mesmo com via aérea difícil reconhecida, evitando-se a anestesia no neuroeixo. O grau de envolvimento da coluna cervical determinará o quanto poderá ser difícil a intubação traqueal. Cuidado especial deve ser tomado para evitar a manipulação excessiva da coluna cervical, que poderia levar ao trauma da medula espinhal.

ANESTESIA, Geral; DOENÇAS


JUSTIFICATIVA Y OBJETIVOS: La espondilitis anquilosante (EA) es una enfermedad inflamatoria crónica de las articulaciones, incluida en el grupo de las espondiloartropatías soronegativas. La característica principal de esa enfermedad es la fusión ósea de la columna vertebral que conlleva a la pérdida permanente de la flexibilidad del dorso y del cuello. Otras grandes articulaciones y tejidos conectivos podrán estar afectados por el proceso inflamatorio. La EA acomete principalmente a hombres entre los 20 y 40 años; es rara después de los 50 años. Las mujeres corresponden solamente a la minoría de pacientes. Existe poca información sobre la EA en la literatura anestésica. El objetivo de este artículo fue revisar aspectos de la EA de interés para el anestesiólogo, permitiendo un adecuado manoseo perioperatorio. CONTENIDO: Están definidas las características de la espondilitis anquilosante en cuanto a la clínica y la conducta anestésica. CONCLUSIONES: Los pacientes con enfermedades crónicas de la columna vertebral presentan desafíos específicos para el anestesiólogo. El manoseo de la vía aérea y el acceso al neuro-eje podrán ser difíciles. La preferencia ha sido dada a la anestesia general, incluso con la vía aérea de difícil acceso, evitando la anestesia en el neuro-eje. El grado de involucración de la columna cervical determinará cuanto podrá ser difícil la intubación traqueal. Un cuidado especial debe tenerse para evitar la manipulación excesiva de la columna cervical, lo que podría conllevar al trauma de la médula espinal.


BACKGROUND AND OBJECTIVES: Ankylosing spondylitis (AS) is a chronic inflammatory disease of the joints, included in the group of seronegative spondyloarthropathies. Its main characteristic is the fusion of the bones in the spine, which causes loss of flexibility of the back and neck. Other large articulations and connective tissues can be affected by the inflammatory process. It affects mainly men between the ages of 20 and 40; it is rare after the age of 50. Women represent a minority of patients. There is little information about AS in the anesthetic literature. The objective of this article was to review the characteristics of AS pertaining anesthesiology for an adequate perioperative handling. CONTENTS: The clinical characteristics of ankylosing spondylitis pertaining to the anesthetic conduct are reviewed. CONCLUSIONS: Patients with chronic diseases of the spine represent specific challenges to the anesthesiologist. Handling of the airways and the access to the neuroaxis can be difficult. Most anesthesiologists prefer to use general anesthesia, avoiding the neuroaxis, in those patients, despite the presence of difficult airways. The degree of spine involvement will determine how difficult the tracheal intubation might be. Special care should be taken to avoid excessive manipulation of the neck, which could cause trauma to the spinal cord.

ANESTHESIA, general; DISEASES


ARTIGO DE REVISÃO

Espondilite anquilosante e anestesia* * Recebido da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Santos, Santos, SP

Espondilitis anquilosante y anestesia

Carlos Rogério Degrandi Oliveira, TSA

Co-Responsável do CET em Anestesiologia da Santa Casa de Santos; Membro da Comissão Científica da Sociedade de Anestesiologia do Estado de São Paulo; Membro do Núcleo de Via Aérea Difícil da Sociedade de Anestesiologia do Estado de São Paulo; Membro da Comissão de Normas Técnicas e Segurança em Anestesia da Sociedade Brasileira de Anestesiologia

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dr. Carlos Rogério Degrandi Oliveira Praça Dr. Hipólito do Rego, 7/11 11045-310 Santos, SP E-mail: degrandi@bol.com.br

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A espondilite anquilosante (EA) é uma doença inflamatória crônica das articulações, incluída no grupo das espondiloartropatias soronegativas. A característica principal dessa doença é a fusão óssea da coluna vertebral que leva à perda permanente da flexibilidade do dorso e do pescoço. Outras grandes articulações e tecidos conectivos poderão estar afetados pelo processo inflamatório. A EA acomete principalmente homens entre 20 e 40 anos; é rara após os 50 anos. As mulheres correspondem somente à minoria de pacientes. Há pouca informação sobre a EA na literatura anestésica. O objetivo deste artigo foi revisar aspectos da EA de interesse para o anestesiologista, permitindo um adequado manuseio perioperatório.

CONTEÚDO: Estão definidas as características da espondilite anquilosante quanto à clínica e a conduta anestésica.

CONCLUSÕES: Os pacientes com doenças crônicas da coluna vertebral apresentam desafios específicos para o anestesiologista. O manuseio da via aérea e o acesso ao neuroeixo poderão ser difíceis. Preferência tem sido dada à anestesia geral, mesmo com via aérea difícil reconhecida, evitando-se a anestesia no neuroeixo. O grau de envolvimento da coluna cervical determinará o quanto poderá ser difícil a intubação traqueal. Cuidado especial deve ser tomado para evitar a manipulação excessiva da coluna cervical, que poderia levar ao trauma da medula espinhal.

Unitermos: ANESTESIA, Geral; DOENÇAS: espondilite anquilosante.

RESUMEN

JUSTIFICATIVA Y OBJETIVOS: La espondilitis anquilosante (EA) es una enfermedad inflamatoria crónica de las articulaciones, incluida en el grupo de las espondiloartropatías soronegativas. La característica principal de esa enfermedad es la fusión ósea de la columna vertebral que conlleva a la pérdida permanente de la flexibilidad del dorso y del cuello. Otras grandes articulaciones y tejidos conectivos podrán estar afectados por el proceso inflamatorio. La EA acomete principalmente a hombres entre los 20 y 40 años; es rara después de los 50 años. Las mujeres corresponden solamente a la minoría de pacientes. Existe poca información sobre la EA en la literatura anestésica. El objetivo de este artículo fue revisar aspectos de la EA de interés para el anestesiólogo, permitiendo un adecuado manoseo perioperatorio.

CONTENIDO: Están definidas las características de la espondilitis anquilosante en cuanto a la clínica y la conducta anestésica.

CONCLUSIONES: Los pacientes con enfermedades crónicas de la columna vertebral presentan desafíos específicos para el anestesiólogo. El manoseo de la vía aérea y el acceso al neuro-eje podrán ser difíciles. La preferencia ha sido dada a la anestesia general, incluso con la vía aérea de difícil acceso, evitando la anestesia en el neuro-eje. El grado de involucración de la columna cervical determinará cuanto podrá ser difícil la intubación traqueal. Un cuidado especial debe tenerse para evitar la manipulación excesiva de la columna cervical, lo que podría conllevar al trauma de la médula espinal.

INTRODUÇÃO

A espondilite anquilosante (EA) é uma doença inflamatória crônica do grupo das espondiloartropatias soronegativas, que acomete sobretudo a coluna vertebral, podendo evoluir com rigidez e limitação funcional progressiva do esqueleto axial. Em geral, tem início no adulto jovem, da 2ª a 4ª década da vida, principalmente no sexo masculino (na proporção de 5:1) e em indivíduos com o antígeno de histocompatibilidade HLA-B27 positivos 1.

Essa doença é mais comum em populações brancas, nas quais a prevalência do HLA-B27 é bem maior. Por sua vez, a positividade desse antígeno nos pacientes com EA pode variar em torno de 90%, sendo mais elevada em populações brancas não-miscigenadas do norte da Europa 2.

Em virtude da extrema raridade da presença do HLA-B27 em populações negras africanas, a doença é pouco freqüente em negros; no Brasil, país de intensa miscigenação racial, a doença, bem como outras espondiloartropatias, costuma ser encontrada em mulatos, devido à influência da ascendência genética branca, mas é bastante rara em negros não-miscigenados 2.

A pesquisa do HLA-B27 tem interesse para predizer os riscos de transmissão da doença aos descendentes. Aumento na incidência do antígeno HLA-B27 tem sido relatado na síndrome de Reiter, uveíte anterior, artrite reativa e artrite psoriática. Esse antígeno não é indicador da doença, uma vez que está presente em cerca de 10% dos indivíduos normais. O resultado deve ser analisado em associação aos dados clínicos e radiológicos sugestivos dessas doenças 1.

O objetivo deste artigo foi revisar aspectos da EA de interesse para o anestesiologista, permitindo um adequado manuseio perioperatório.

QUADRO CLÍNICO

A EA de início no adulto costuma ter como sintoma inicial a lombalgia de ritmo inflamatório, com rigidez matinal prolongada e predomínio dos sintomas axiais durante a sua evolução.

A doença juvenil que se manifesta antes dos 16 anos de idade costuma ter início com artrite e entesopatias periféricas (inflamações nas inserções dos tendões e/ou ligamentos nos ossos), evoluindo, somente após alguns anos, para a característica lombalgia de ritmo inflamatório. A doença juvenil costuma ter diagnóstico mais tardio, e muitos desses pacientes podem ser diagnosticados como portadores de artrite reumatóide juvenil no início dos sintomas. O comprometimento do quadril é mais freqüente na criança do que no adulto, o que determina um pior prognóstico pela necessidade de próteses totais de quadril em muitos pacientes 3.

Para a confirmação do diagnóstico da EA, são utilizados os critérios de Nova York modificados, que combinam dados clínicos e radiográficos 4. Os critérios clínicos são: dor lombar com mais de três meses de duração que melhora com o exercício e não é aliviada pelo repouso; limitação da coluna lombar nos planos frontal e sagital; e expansibilidade torácica diminuída. Os critérios radiográficos são: sacroiliíte bilateral, grau 2, 3 ou 4; sacroiliíte unilateral, grau 3 ou 4. Para o diagnóstico de doença, é necessário a presença de um critério clínico e um radiográfico 4.

No início, o paciente com EA costuma queixar-se de dor lombar baixa, caracterizada por melhorar com o movimento e piorar com o repouso, apresentando rigidez matinal prolongada. A evolução costuma ser ascendente, acometendo progressivamente as colunas dorsal e cervical, contribuindo para o desenvolvimento da postura do "esquiador", caracterizada pela retificação da lordose lombar, acentuação da cifose dorsal e retificação da lordose cervical com projeção da cabeça para frente. O processo inflamatório pode ter início nas articulações sacroilíacas e se estender em sentido ascendente na coluna vertebral e articulações costovertebrais. Os ligamentos interespinhosos se ossificam e formam pontes ósseas entre as vértebras lombares, levando ao aspecto radiológico de coluna em "bambu" (Figura 1). O comprometimento cervical varia de uma pequena limitação do pescoço até a anquilose completa 3.


Os pacientes com a doença avançada têm maior risco de sofrer fraturas vertebrais. Os traumas leves, sobretudo do tipo extensão, podem provocar fraturas através dos espaços discais ossificados, seccionando diretamente a medula 5. Todo potencial movimento sobre a coluna fusionada é concentrado no local da fratura.

As hemorragias peridurais maciças são comuns e contribuem com uma alta incidência de déficits neurológico e mortalidade 6. Esses pacientes devem ser estabilizados em flexão, pois a imobilização neutra aumenta os sintomas e a lesão neurológica 5.

A coluna cervical flexionada e imóvel com sua predisposição a fraturas por traumas em extensões leves, e que muitas vezes se associa à limitação da abertura da boca por afetar a articulação temporomandibular, determina grande dificuldade para a intubação traqueal 7.

O acometimento articular periférico é caracterizado pela presença de oligoartrite e entesopatias. A oligoartrite predomina em grandes articulações dos membros inferiores, como tornozelos, joelhos e coxofemorais. As articulações dos membros superiores também podem ser acometidas, assim como as junções esternoclaviculares e costocondrais, causando dor e limitação da expansibilidade torácica. As entesopatias costumam ser manifestações iniciais na doença de início juvenil e acometem de preferência a inserção do tendão de Aquiles e a fáscia plantar 1.

Quanto às manifestações extra-articulares, a mais freqüente é a uveíte anterior, aguda, unilateral, recorrente; pode ser observada em até 40% dos pacientes em um seguimento prolongado, estando em geral associada ao HLA-B27 positivo e raramente evolui com seqüelas 1.

São comuns os sintomas gerais, como febre, fadiga, perda de peso e velocidade de hemossedimentação elevada. Pode existir anemia normocítica e normocrômica leve, e nos casos graves, elevação da fosfatase alcalina. É freqüente o aumento da imunoglobulina A 1.

As complicações cardiovasculares ocorrem em até 3,5% dos pacientes com clínica de 15 anos, chegando a 10% naqueles com 30 anos de evolução 8. A cicatrização da adventícia e a proliferação fibrosa da íntima da aorta e das valvas levam a uma aortite e insuficiência aórtica, e ocasionalmente poderá ocorrer valvopatia mitral. O comprometimento das fibras de Purkinje poderá dar lugar a defeitos da condução 8.

A complicação pulmonar mais prevalente é a fibrose do lobo superior, que em alguns casos simula a tuberculose. A gravidade da lesão pulmonar acentua-se por limitação da expansão torácica por comprometimento das articulações vertebrais torácicas e costovertebrais, que podem diminuir a complacência torácica e associar-se a uma capacidade vital diminuída.

Os aspectos neurológicos mais importantes são compressão da medula espinhal (sobretudo a coluna cervical por fraturas vertebrais), síndrome da cauda eqüina, epilepsia focal, insuficiência vertebrobasilar e lesões de nervos periféricos 8.

IMPLICAÇÕES ANESTÉSICAS DA ESPONDILITE ANQUILOSANTE

O anestesiologista deve orientar a conduta anestésica de acordo com o grau de comprometimento do paciente, previamente avaliado, e deve estar centrado em quatro aspectos principais: grau de comprometimento das vias aéreas superiores; presença de padrão restritivo pulmonar; grau de comprometimento cardíaco; e acesso ao neuroeixo.

Na avaliação dos pacientes com EA, atenção deve ser dirigida ao grau de mobilidade cervical residual. Os pacientes em estágios iniciais, ou com doença não-progressiva, podem conservar boa mobilidade.

O comprometimento cervical, com movimentos limitados e em flexão, dificulta as manobras de intubação traqueal. É preciso evitar os movimentos forçados do pescoço, mesmo com bloqueio neuromuscular, por causa do risco elevado de fraturas e da possibilidade de insuficiência vertebrobasilar 9.

É imprescindível a avaliação dos movimentos do pescoço no exame pré-operatório, incluindo estudo radiológico sistemático da coluna cervical, em perfil e em extensão máxima. Devem ser avaliados os critérios de previsibilidade de via aérea difícil, como o teste de Mallampati, o índice de Wilson, a distância tireo-mentoniana, a distância esterno-mentoniana, a extensão do movimento da cabeça e do pescoço e a abertura da boca 10.

Uma vez previstas as dificuldades de intubação traqueal deve-se optar por um método. O método de escolha nos pacientes com acentuada deformidade da coluna cervical é a intubação com fibrobroncoscópio com o paciente levemente sedado e com anestesia local das mucosas 10,11. Outras opções seguras são intubação acordado, com o paciente moderadamente sedado, com ajuda de anestésico local instilado na mucosa orofaríngea, infiltração dos nervos laríngeos superiores e instilação transcricotireóidea, se possível, utilizando-se laringoscopia direta 12,13; é possível optar também por intubação nasal ou oral às cegas, intubação com o auxílio de estilete luminoso e intubação retrógrada 14-18.

Tem sido relatado o uso da máscara laríngea com sucesso em pacientes com EA 19,20.

O comprometimento da articulação temporomandibular limita a abertura da boca em até 40% dos pacientes, podendo progredir para a anquilose completa 7.

Embora rara, pode ocorrer artrite cricoaritenoídea com dispnéia, estridor e fixação das cordas vocais 8.

Durante todo o procedimento anestésico-cirúrgico deve-se utilizar apoio cervical, sobretudo se tiverem sido detectados sintomas de insuficiência vertebrobasilar.

A radiografia de tórax pode exibir alterações do tipo restritivo, sendo necessário na maioria das vezes solicitar provas de função respiratória. A insuficiência respiratória e a limitação da expansão da parede torácica aumentam a incidência de complicações pulmonares e a necessidade de ventilação pulmonar artificial pós-operatória em unidade de tratamento intensivo, sobretudo nas intervenções cirúrgicas de grande porte 3.

É imprescindível a avaliação cardiológica (eletrocardiograma e ecocardiografia) para determinar o risco cardiovascular. É possível a presença de valvopatias, principalmente aórticas e defeitos de condução associados. A variação súbita e intensa da resistência vascular sistêmica decorrente do bloqueio espinhal é mal tolerada em pacientes com valvopatia aórtica. A massagem cardíaca externa na presença de parede torácica rígida pode ser ineficaz 3.

A radiografia da coluna lombar pode ser útil para avaliar a possibilidade da realização de anestesia espinhal. No entanto, os bloqueios no neuroeixo são tecnicamente difíceis e muitas vezes impossíveis, devido à mobilidade articular limitada, e a obliteração dos espaços interespinhosos 21-23.

As dificuldades técnicas podem aumentar também o risco de complicações. São descritos casos de hematomas medulares após anestesia peridural 24-27, assim como um caso de convulsões após injeção intra-óssea acidental de bupivacaína em bloqueio caudal 28.

Os bloqueios periféricos também são de difícil execução, em decorrência da impossibilidade de posicionamento adequado do paciente 3.

É comum o paciente com EA relatar o uso de diversos fármacos, e por isso há maior risco de interações medicamentosas. Especial atenção deve ser dada à proteção gástrica, por causa do uso rotineiro de antiinflamatórios não-hormonais (AINH) 3.

Embora muitas gestantes com EA levem a gestação a termo e tenham parto natural, muitas manifestações dessa doença poderão interferir na gestação e no trabalho de parto. As alterações fisiológicas da gestação somadas às alterações dessa doença tornam o manuseio anestésico ainda mais difícil. Essas pacientes deverão ser encaminhadas para avaliação precoce para que o anestesiologista e o obstetra planejem a melhor conduta.

A EA é uma contra-indicação relativa para a técnica cirúrgica videolaparoscópica. Em relato recente, são descritas as dificuldades encontradas pela equipe anestésico-cirúrgica em um paciente com acentuada cifoescoliose e rigidez, submetido à colecistectomia por videolaparoscopia 31.

CONCLUSÕES

Tão importante quanto o aspecto anestésico-cirúrgico que a doença acarreta, uma vez que esses pacientes podem necessitar de intervenções cirúrgicas freqüentes, é o impacto psicossocial imposto ao paciente e aos seus familiares. A progressão da doença traz uma série de limitações às atividades diárias e exige de seus familiares um grau de atenção e de cuidados muito grande.

A intervenção cirúrgica mais comum em pacientes portadores de EA é a artroplastia total de quadril 32, seguida da prótese de joelho 33,34. No entanto, alguns pacientes podem necessitar de correção cirúrgica das deformidades da coluna (osteotomias vertebrais), que exigem um planejamento anestésico específico, pois apresentam detalhes muito importantes para o anestesiologista: o controle da via aérea difícil, monitorização da função neurológica mediante potenciais evocados, posicionamento e sangramento 35-39.

A fisioterapia, notadamente os programas de exercícios supervisionados, deve ser realizada de maneira sistemática em todos os estágios da doença 1.

Os AINH são utilizados desde o início do tratamento; não há trabalhos evidenciando que um determinado AINH é superior aos outros na comparação direta, embora na prática clínica exista o consenso de que a indometacina parece apresentar melhores resultados terapêuticos 40. O uso dos modernos antiinflamatórios inibidores específicos da COX-2, em pacientes com potencial risco de toxicidade gastrintestinal ou que não toleram os AINH convencionais, parece representar uma boa opção para casos em que o uso é prolongado 41.

O uso de corticosteróides é reservado a casos específicos. Em pacientes com artrites periféricas persistentes, o uso de prednisona ou de metilprednisolona pode ser intermitente, enquanto houver atividade da doença 42. O uso de corticosteróide por via intra-articular pode ser uma alternativa em casos de artrite persistente ou sacroiliíte refratária. Nesses casos, recomenda-se que a infiltração seja guiada por tomografia computadorizada ou ressonância magnética 43.

Nos pacientes não-responsivos ao uso crônico de AINH devem ser utilizados fármacos de ação prolongada. O uso de sulfasalazina 44, de metotrexato 45, de talidomida 46 e do pamidronato 47 tem mostrado resultado inicial promissor.

Nos últimos anos, surgiu uma nova classe de fármacos, os agentes biológicos, que têm demonstrado uma ação bastante eficaz em pacientes refratários ao tratamento convencional. Especificamente, destacam-se o infliximabe e o etanercepte 48-51.

Apesar de inexistir, até o momento, um tratamento específico para a doença, deve-se ressaltar que os recursos terapêuticos disponíveis possibilitam, de modo geral, um adequado controle da doença. Quando necessário, o médico assistente deve indicar auxílio psicoterápico ou uso de fármacos antidepressivos.

Pacientes com doenças crônicas da coluna vertebral apresentam desafios específicos para o anestesiologista. O manuseio da via aérea e o acesso ao neuroeixo poderão ser difíceis. Preferência tem sido dada à anestesia geral, mesmo com via aérea difícil reconhecida, evitando-se a anestesia no neuroeixo. O grau de envolvimento da coluna cervical determinará quanto poderá ser difícil a intubação traqueal. Um cuidado especial deve ser tomado para evitar a manipulação excessiva da coluna cervical, que poderia levar ao trauma de medula 3.

Assim, torna-se de fundamental importância a avaliação pré-anestésica individualizada, bem como a correta indicação da técnica anestésica, visando minimizar a morbidade desses pacientes quando submetidos a procedimentos cirúrgicos ou diagnósticos.

Apresentado em 29 de março de 2006

Aceito para publicação em 06 de dezembro de 2006

  • 01. Van der Linden S, Van der Heijde D Ankylosing spondylitis. Clinical features. Rheum Dis Clin North Am, 1998;24:663-676.
  • 02. Sampaio-Barros PD, Bertolo MB, Kraemer MH et al. Primary ankylosing spondylitis: patterns of disease in a Brazilian population of 147 patients. J Rheumatol, 2001;28:560-565.
  • 03. Popitz MD Anesthetic implications of chronic disease of the cervical spine. Anesth Analg, 1997;84:672-683.
  • 04. Van der Linden S, Valkenburg HA, Cats A Evaluation of diagnostic criteria for ankylosing spondylitis. A proposal for modification of the New York criteria. Arthritis Rheum, 1984; 27:361-368.
  • 05. Podolsky SM, Hoffman JR, Pietrafesa CA Neurological complications following immobilization of cervical spine fracture in a patient with ankylosing spondylitis. Ann Emerg Med, 1983; 12:578-580.
  • 06. Tetzlaff JE, Yoon HJ, Bell G Massive bleeding during spine surgery in a patient with ankylosing spondylitis. Can J Anaesth, 1998;45:903-906.
  • 07. Dave N, Sharma RK Temporomandibular joint ankylosis in a case of ankylosing spondylitis anaesthetic management. Indian J Anaesth, 2004;48:54-56.
  • 08. Reginster JY, Damas P, Franchimont P Anaesthetic risks in osteoarticular disorders. Clin Rheumatol, 1985;4:30-38.
  • 09. Ruf M, Rehm S, Poeckler-Schoeniger C et al. Iatrogenic fractures in ankylosing spondylitis a report of two cases. Eur Spine J, 2006;15:100-104.
  • 10. Ovassapian A, Land P, Schafer MF et al. Anesthetic management for surgical corrections of severe flexion deformity of the cervical spine. Anesthesiology, 1983;58:370-372.
  • 11. Broomhead CJ, Davies W, Higgins D Awake oral fibreoptic intubation for caesarean section. Int J Obstet Anesth, 1995; 4:172-174.
  • 12. Sinclair JR, Mason RA Ankylosing spondylitis. The case for awake intubation. Anaesthesia, 1984;39:3-11.
  • 13. MeIo MCBF, Charello RR Intubação traqueal em paciente acometido de espondilite anquilosante. São Paulo Med J, 2005; 123(Suppl):42.
  • 14. Kamarkar US, Chaudhari LS, Hosalkar H et al. Difficult intubation in a case of ankylosing spondylitis: a case report. J Postgrad Med, 1998;44:43-46.
  • 15. Ahmad N, Channa AB, Mansoor A et al. Management of difficult intubation in a patient with ankylosing spondylitis a case report. Middle East J Anesthesiol, 2005;18:379-384.
  • 16. Oliveira CRD, Sawada TC, Nogueira CS Intubação orotraqueal acordada com estilete luminoso em gestante com espondilite anquilosante. Relato de caso, em: Congresso Brasileiro de Anestesiologia, 52., 2005, Goiânia. Anais ...Goiânia, SAEGO, 2005;CBA106d.
  • 17. Moreira ES, Machado MR, Guanabarino MSF et al. Dificuldade no manuseio anestésico de paciente com espondilite anquilosante. Relato de caso. Rev Bras Anestesiol, 2003; 53(Suppl31):218B.
  • 18. Roberts KW, Solgonick RM A modification of retrograde wire-guided, fiberoptic-assisted endotracheal intubation in a patient with ankylosing spondilytis. Anesth Analg, 1996;82:1290-1291.
  • 19. Lu PP, Brimacombe J, Ho AC et al. The intubating laryngeal mask airway in severe ankylosing spondylitis. Can J Anaesth, 2001;48:1015-1019.
  • 20. Hsin ST, Chen CH, Juan CH et al. A modified method for intubation of a patient with ankylosing spondylitis using intubating laryngeal mask airway (LMA-Fastrach) a case report. Acta Anaesthesiol Sin, 2001;39:179-182.
  • 21. Schelew BL, Vaghadia H Ankylosing spondylitis and neuraxial anaesthesia a 10 year review. Can J Anaesth, 1996; 43:65-68.
  • 22. Kumar CM, Mehta M Ankylosing spondylitis: lateral approach to spinal anaesthesia for lower limb surgery. Can J Anaesth, 1995;42:73-76.
  • 23. DeBoard JW, Ghia JN, Guilford WB Caudal anesthesia in a patient with ankylosing spondylitis for hip surgery. Anesthesiology, 1981;54:164-166.
  • 24. Hyderally HA Epidural hematoma unrelated to combined spinal-epidural anesthesia in a patient with ankylosing spondylitis receiving aspirin after total hip replacement. Anesth Analg, 2005;100:882-883.
  • 25. Gustafsson H, Rutberg H, Bengtsson M Spinal haematoma following epidural analgesia. Report of a patient with ankylosing spondylitis and a bleeding diathesis. Anaesthesia, 1988;43:220-222.
  • 26. Wulf H Epidural anaesthesia and spinal haematoma. Can J Anaesth, 1996;43:1260-1271.
  • 27. Robins K, Saravanan S, Watkins EJ Ankylosing spondylitis and epidural haematoma. Anaesthesia, 2005;60:624-625.
  • 28. Weber S Caudal anesthesia complicated by intraosseous injection in a patient with ankylosing spondylitis. Anesthesiology, 1985;63:716-717.
  • 29. Bourlier RA, Birnbach DJ Anesthetic management of the parturient with ankylosing spondylitis. Int J Obstet Anesth, 1995;4:244-247.
  • 30. Hiruta A, Fukuda H, Hiruta M et al. Anesthetic management of caesarean section in a parturient with ankylosing spondylitis complicated with severe cervical myelitis. Masui, 2002; 51:759-761.
  • 31. Chowbey PK, Panse R, Khullar R et al. Laparoscopic cholecystectomy in a patient with ankylosing spondylitis with severe spinal deformity. Surg Laparosc Endosc Percutan Tech, 2005;15:234-237.
  • 32. Wittmann FW, Ring PA Anaesthesia for hip replacement in ankylosing spondylitis. J R Soc Med, 1986;79:457-459.
  • 33. Parvizi J, Duffy GP, Trousdale RT Total knee arthroplasty in patients with ankylosing spondylitis. J Bone Joint Surg Am, 2001;83:1312-1316.
  • 34. Lu H, Yuan Y, Kou B et al. Reconstruction of hip, knee, and ankle bony fused in non-functional position of ankylosing spondylitis patients. Zhonghua Wai Ke Za Zhi, 2000;38:749-751.
  • 35. Baeza C, Fornet I, Garces G Anestesia para la intervención de osteoclasia vertebral en un paciente con espondilitis anquilopoyética grave de predominio cervical. Rev Esp Anestesiol Reanim, 1993;40:365-367.
  • 36. Hamano N, Murao K, Sakamoto S et al. Anesthesia for a severe ankylosing spondylitis patient whose posture had been restricted to only sitting for over 20 years. Masui, 2002;51:1026-1028.
  • 37. McMaster MJ Osteotomy of the cervical spine in ankylosing spondylitis. J Bone Joint Surg Br, 1997;79:197-203.
  • 38. Lin BC, Chen IH Anesthesia for ankylosing spondylitis patients undergoing transpedicle vertebrectomy. Acta Anaesthesiol Sin, 1999;37:73-78.
  • 39. Shimizu K, Matsushita M, Fujibayashi S et al. Correction of kyphotic deformity of the cervical spine in ankylosing spondylitis using general anesthesia and internal fixation. J Spinal Disord, 1996;9:540-543.
  • 40. Calin A, Elswood J A prospective nationwide cross-sectional study of NSAID usage in 1331 patients with ankylosing spondylitis. J Rheumatol, 1990;17:801-803.
  • 41. Dougados M, Behier JM, Jolchine I et al. Efficacy of celecoxib, a cyclooxygenase 2-specific inhibitor, in the treatment of ankylosing spondylitis: a six-week controlled study with comparison against placebo and against a conventional nonsteroidal antiinflamatory drug. Arthritis Rheum, 2001;44:180-185.
  • 42. Peters ND, Ejstrup L Intravenous methylprednisolone pulse therapy in ankylosing spondylitis. Scand J Rheumatol, 1992; 21:134-138.
  • 43. Braun J, Bollow M, Seyrekbasan F et al. Computed tomography guided corticosteroid injection of the sacroiliac joint in patients with spondyloarthropathy with sacroiliitis: clinical outcome and follow-up by dynamic magnetic resonance imaging. J Rheumatol, 1996;23:659-664.
  • 44. Dougados M, Van der Linden S, Leirisalo-Repo M et al. Sulfasalazine in the treatment of spondylarthropathy: a randomized multicenter, double-blind, placebo-controlled study. Arthritis Rheum, 1995;38:618-627.
  • 45. Sampaio-Barros PD, Costallat LT, Bertolo MB et al. Methotrexate in the treatment of ankylosing spondylitis. Scand J Rheumatol, 2000;29:160-162.
  • 46. Huang F, Gu J, Zhao W et al. One-year open-label trial of thalidomide in ankylosing spondylitis. Arthritis Rheum, 2002; 47:249-254.
  • 47. Maksymowych WP, Jhangri GS, Fitzgerald AA et al. A six-month randomized, controlled, double-blind, dose-response comparison of intravenous pamidronate (60 mg versus 10 mg) in the treatment of nonsteroidal antiinflammatory drug-refractory ankylosing spondylitis. Arthritis Rheum, 2002;46:766-773.
  • 48. Van Den Bosch F, Kruithof, Baeten D et al. Randomized double-blind comparison of chimeric monoclonal antibody to tumor necrosis factor alpha (infliximab) versus placebo in active spondylarthropathy. Arthritis Rheum, 2002;46:755-765.
  • 49. Davis JC Jr, Van der Heijde D, Braun J et al. Recombinant human tumor necrosis factor receptor (etanercept) for treating ankylosing spondylitis: a randomized controlled trial. Arthritis Rheum, 2003;48:3230-3236.
  • 50. Maksymowych W, Inman RD, Gladman D et al. Canadian Rheumatology Association Consensus on the use of anti-tumor necrosis factor-alpha directed therapies in the treatment of spondyloarthritis. J Rheumatol, 2003;30:1356-1363.
  • 51. Baraliakos X, Brandt J, Listing J et al. Clinical response to discontinuation of anti-TNF therapy in patients with ankylosing spondylitis after 3 years of continuous treatment with infliximab. Arthritis Res Ther, 2005;7:439-444.
  • Endereço para correspondência:
    Dr. Carlos Rogério Degrandi Oliveira
    Praça Dr. Hipólito do Rego, 7/11
    11045-310 Santos, SP
    E-mail:
  • *
    Recebido da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Santos, Santos, SP
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Mar 2007
    • Data do Fascículo
      Abr 2007

    Histórico

    • Aceito
      06 Dez 2006
    • Recebido
      29 Mar 2006
    Sociedade Brasileira de Anestesiologia R. Professor Alfredo Gomes, 36, 22251-080 Botafogo RJ Brasil, Tel: +55 21 2537-8100, Fax: +55 21 2537-8188 - Campinas - SP - Brazil
    E-mail: bjan@sbahq.org