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É possível usar a hidrocortisona no tratamento da cefaléia após raquianestesia?

CARTA AO EDITOR

É possível usar a hidrocortisona no tratamento da cefaléia após raquianestesia?

Prezada Editora,

A cefaléia postural após punção de dura-máter (CPPD) é complicação esperada, porém rara nos dias atuais em virtude do menor calibre das agulhas em relação às utilizadas no passado 1. A incidência atual dessa cefaléia está estimada entre 2,4% com agulha Whitacre 25G e 0,4% com a mesma agulha calibre 27G 2. Quando a mesma agulha é reprocessada a incidência de CPPD aumenta 2.

A fisiopatologia que esclarece o quadro doloroso não está completamente definida 1, porém a explicação mais aceita não difere muito daquela postulada por Bier, com base na perda de líquor (LCR). A diminuição da pressão no LCR com tração das estruturas dolorosas quando o paciente assume a posição ortostática parece ser o principal responsável pela cefaléia 1,3,4. A pressão liquórica normal na posição horizontal varia de 5 a 15 cm H2O 1,3, porém após a punção dural essa pressão fica reduzida a valores inferiores a 4 cm H2O 3. A vasodilatação reflexa na tentativa de corrigir a diminuição da pressão intracraniana é outro fator que contribui para o aparecimento do quadro 1,3.

A incidência de CPPD diminui com o aumento da idade e com o uso de agulhas de pequeno diâmetro 1,3,4. Quando as diferenças de idade são levadas em consideração nos estudos, não parece haver diferença na incidência entre os sexos 4. A inserção de agulhas com bisel alinhado paralelo ao eixo longitudinal das meninges diminui a incidência de cefaléia, apesar de se saber que as fibras colágenas da dura-máter são dispostas de modo aleatório 1,3,4.

O tratamento deve ser individualizado e depende da intensidade da dor, podendo ser clínico ou através do tampão sangüíneo peridural. O tratamento clínico consiste em repouso para alívio dos sintomas, hidratação venosa 4-7 e uso de algumas medicações, como: cafeína 1,3,4,6,7, sumatriptan 1,3, tiaprida 3,6 e os analgésicos antiinflamatórios não-hormonais 1,3,4,6,7.

Foi postulado que a CPPD poderia ocorrer em um grupo específico de pacientes que seriam mais propensos ao estresse fisiológico e mostrariam marcado hipercortisolismo com uma resposta diferente ao trauma e a outros tipos de estresse 8,9. O aumento do cortisol exerce efeito negativo na secreção do hormônio adrenocorticotrófico (ACTH) e anula os seus efeitos benéficos 9.

O ACTH tem sido utilizado nos casos de falha do tampão e nos pacientes refratários às medidas conservadoras 3,7. Ele possui uma efetividade de 70% 7-10 e pode ser usado por via venosa ou intramuscular 8. Após administração seu efeito de pico ocorre entre seis e oito horas 11.

Os mecanismos de ação propostos para o ACTH incluem: aumento na produção de líquor e das beta-endorfinas 9,10,12, e liberação de esteróides pela supra-renal 9,11,12. O ACTH e as beta-endorfinas provêm da mesma molécula precursora, proopiomelanocortina, e quando o ACTH é clivado enzimaticamente gera metabólitos que servem de suporte na produção das beta-endorfinas 9. O efeito antiinflamatório do ACTH pode ser decorrente da liberação do cortisol e da corticosterona pela supra-renal 9.

Levando-se em consideração que o ACTH poderia agir por meio da liberação de glicocorticóides endógenos e também pela inacessibilidade a essa droga em alguns países a literatura passou a relatar o uso da hidrocortisona em substituição ao ACTH para o tratamento da CPPD com relativo sucesso 6,7,12,13. A hidrocortisona possui ação antiinflamatória e pode agir no nível da bomba de Na/K ATPase com aumento na produção do LCR 6,7,13. Por outro lado, vale lembrar que o quadro doloroso pode ser resolvido de maneira espontânea e independentemente do uso da hidrocortisona e isso nos leva a pensar em seu uso com ressalvas e até mesmo a duvidar da sua eficácia analgésica. Mais estudos com maior qualidade metodológica são necessários para definir o real papel desse fármaco no tratamento da CPPD assim como a dose ideal para a prática cotidiana.

Atenciosamente,

Fabiano Timbó Barbosa, TSA

Rafael Martins da Cunha

REFERÊNCIAS

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05. Stanicia S – Bloqueio Subaracnóideo e Epidural, em: Yamashita AM, Takaoka F, Auler Junior JOC et al. – Anestesiologia. 5ª Ed. São Paulo, Atheneu, 2001;597-612.

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13. Moral Turiel M, Rodrigues Simon MO, Sahagun de la Lastra J et al. – Tratamiento de la cefalea postpunción dural con hidrocortisona intravenosa. Rev Esp Anestesiol Reanim, 2002; 49:101-104.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Jul 2007
  • Data do Fascículo
    Ago 2007
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