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Anestesia para cesariana em paciente portadora de cardiomiopatia hipertrófica familiar: relato de caso

Anestesia para cesária en paciente portadora de cardiomiopatía hipertrófica familiar: relato de caso

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A cardiomiopatia hipertrófica familiar (CHF) é uma doença cardíaca rara, com transmissão hereditária, caracterizada por hipertrofia do septo ventricular e grau variável de estenose aórtica subvalvar. Nessa doença, o aumento da contratilidade do miocárdio e a diminuição da resistência vascular periférica podem agravar a obstrução da via de saída do VE, produzindo disritmia e isquemia cardíaca. Este relato objetivou discutir o manuseio anestésico para cesariana em paciente com CHF. RELATO DO CASO: Paciente com 33 semanas de gestação e diagnóstico prévio de CHF apresentou no holter de 24 horas 22 episódios de taquicardia ventricular não-sustentada (TVNS) e dois episódios de taquicardia ventricular sustentada (TVS). Referia episódios de palpitação, dispnéia e dor precordial de curta duração. A paciente foi medicada com atenolol e apresentou controle dos sintomas e das disritmias cardíacas. Com 38 semanas e 5 dias de gestação a paciente foi submetida à cesariana eletiva. Além do habitual a monitorização contou com análise de segmento ST e pressão arterial invasiva. Utilizou-se anestesia raquiperidural com injeção de 5 µg de sunfentanil na raqui seguida de administração de bupivacaína a 0,375% em doses de incremento até atingir altura de T6 (total de 16 mL). Utilizou-se metaraminol como vasopressor. Não houve hipotensão arterial materna ou outras complicações no perioperatório. CONCLUSÕES: A anestesia geral é freqüentemente utilizada para cesarianas de pacientes com CHF. A anestesia raquiperidural com instalação lenta do bloqueio foi uma alternativa segura. Nessas pacientes, o aumento da contratilidade miocárdica deve ser evitado, devendo-se, se necessário, utilizar-se um a-agonista para correção de hipotensão arterial materna.

CIRURGIA, Obstétrica; DOENÇAS, Cardíaca; TÉCNICAS ANESTÉSICAS, Regional


JUSTIFICATIVA Y OBJETIVOS: La cardiomiopatía hipertrófica familiar (CHF) es una enfermedad cardiaca rara con transmisión hereditaria caracterizada por hipertrofia del septo ventricular y grado variable de estenosis aórtica subvalvar. En esa enfermedad, el aumento de la contratilidad del miocardio y la disminución de la resistencia vascular periférica pueden agravar la obstrucción de la vía de salida del VE, produciendo arritmia e isquemia cardiaca. Este relato quiso discutir el manoseo anestésico para cesárea en paciente con CHF. RELATO DEL CASO: Paciente con 33 semanas de embarazo y diagnóstico previo de CHF presentó en el holter de 24 horas 22 episodios de taquicardia ventricular no sustentada (TVNS) y 2 episodios de taquicardia ventricular sustentada (TVS). Refería episodios de palpitación, disnea y dolor precordial de corta duración. La paciente fue medicada con atenolol y presentó control de los síntomas y de las arritmias cardiacas. Con 38 semanas y 5 días de embarazo la paciente fue sometida a la cesárea electiva. Además de la habitual monitorización contó con el análisis de segmento ST y presión arterial invasiva. Se utilizó anestesia intradural-epidural con inyección de 5 µg de sunfentanil en la raqui seguida de administración de bupivacaína a 0,375% en dosis de incremento hasta alcanzar una altura de T6 (total de 16 mL). Se usó metaraminol como vasopresor. No hubo hipotensión arterial materna u otras complicaciones en el perioperatorio. CONCLUSIONES: La anestesia general se usa con frecuencia para cesáreas de pacientes con CHF. La anestesia intradural-epidural con instalación lenta del bloqueo fue una alternativa segura. En esas pacientes, el aumento de la contratilidad miocárdica debe ser evitado, y si fuere necesario se debe utilizar un a-agonista para la corrección de hipotensión arterial materna.


BACKGROUND AND OBJECTIVES: Familiar Hypertrophic cardiomyopathy (FHC) is a rare hereditary cardiac disorder characterized by hypertrophy of the ventricular septum and variable degrees of subvalvular aortic stenosis. In this disease, the increase in myocardial contractility and reduction in peripheral vascular resistance can aggravate left ventricular outlet obstruction, leading to arrhythmias and cardiac ischemia. The objective of this report was to discuss the anesthetic management of cesarean section in a patient with FHC. CASE REPORT: A patient in the 33rd week of pregnancy and prior diagnosis of FHC presented, on the 24-hour Holter monitor, 22 episodes of non-sustained ventricular tachycardia (NSVT) and 2 episodes of sustained ventricular tachycardia (SVT). She complained of episodes of palpitation, dyspnea, and chest pain of short duration. The patient was medicated with atenolol, with control of symptoms and cardiac arrhythmias. Within 38 weeks and 5 days of gestation, the patient underwent elective cesarean section. Besides the usual monitoring, analysis of the ST segment and invasive blood pressure were also instituted. Anesthesia consisted of combined spinal-epidural technique with subarachnoidal administration of 5 µg of sufentanil followed by the administration of increasing doses of 0.375% bupivacaine until it reached the level of T6 (total of 16 mL). Metaraminol was used as a vasopressor. Perioperative maternal hypotension or other complications were not observed. CONCLUSIONS: General anesthesia is often used for cesarean sections in patients with FHC. Spinal-epidural anesthesia with slow installation of the blockade was a safe alternative. In those patients, one should avoid an increase in myocardial contractility and, if necessary, a a-agonist should be used to treat maternal hypotension.

ANESTHETIC TECHNIQUES, Regional; DISEASES, Cardiac; SURGERY, Obstetric


INFORMAÇÃO CLÍNICA

Anestesia para cesariana em paciente portadora de cardiomiopatia hipertrófica familiar. Relato de caso* * Recebido do Serviço de Anestesiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HC-FMRP) da Universidade de São Paulo (USP), Ribeirão Preto, SP

Anestesia para cesária en paciente portadora de cardiomiopatía hipertrófica familiar. Relato de caso

Renato Mestriner Stocche, TSAI; Luis Vicente Garcia, TSAII; Jyrson Guilherme Klamt, TSAII

IMédico Assistente do Serviço de Anestesiologia do HC/FMRP-USP; Doutor em Ciências Médicas pela FMRP-USP

IIProfessor-Assistente Doutor da Disciplina de Anestesiologia da FMRP-USP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dr. Renato Mestriner Stocche Rua Dr. João Gomes da Rocha, 835/181 – Irajá 14020-550 Ribeirão Preto, SP E-mail: rstocche@keynet.com.br

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A cardiomiopatia hipertrófica familiar (CHF) é uma doença cardíaca rara, com transmissão hereditária, caracterizada por hipertrofia do septo ventricular e grau variável de estenose aórtica subvalvar. Nessa doença, o aumento da contratilidade do miocárdio e a diminuição da resistência vascular periférica podem agravar a obstrução da via de saída do VE, produzindo disritmia e isquemia cardíaca. Este relato objetivou discutir o manuseio anestésico para cesariana em paciente com CHF.

RELATO DO CASO: Paciente com 33 semanas de gestação e diagnóstico prévio de CHF apresentou no holter de 24 horas 22 episódios de taquicardia ventricular não-sustentada (TVNS) e dois episódios de taquicardia ventricular sustentada (TVS). Referia episódios de palpitação, dispnéia e dor precordial de curta duração. A paciente foi medicada com atenolol e apresentou controle dos sintomas e das disritmias cardíacas. Com 38 semanas e 5 dias de gestação a paciente foi submetida à cesariana eletiva. Além do habitual a monitorização contou com análise de segmento ST e pressão arterial invasiva. Utilizou-se anestesia raquiperidural com injeção de 5 µg de sunfentanil na raqui seguida de administração de bupivacaína a 0,375% em doses de incremento até atingir altura de T6 (total de 16 mL). Utilizou-se metaraminol como vasopressor. Não houve hipotensão arterial materna ou outras complicações no perioperatório.

CONCLUSÕES: A anestesia geral é freqüentemente utilizada para cesarianas de pacientes com CHF. A anestesia raquiperidural com instalação lenta do bloqueio foi uma alternativa segura. Nessas pacientes, o aumento da contratilidade miocárdica deve ser evitado, devendo-se, se necessário, utilizar-se um a-agonista para correção de hipotensão arterial materna.

Unitermos: CIRURGIA, Obstétrica: cesariana; DOENÇAS, Cardíaca: cardiomiopatia hipertrófica familiar; TÉCNICAS ANESTÉSICAS, Regional: peridural, raquianestesia.

RESUMEN

JUSTIFICATIVA Y OBJETIVOS: La cardiomiopatía hipertrófica familiar (CHF) es una enfermedad cardiaca rara con transmisión hereditaria caracterizada por hipertrofia del septo ventricular y grado variable de estenosis aórtica subvalvar. En esa enfermedad, el aumento de la contratilidad del miocardio y la disminución de la resistencia vascular periférica pueden agravar la obstrucción de la vía de salida del VE, produciendo arritmia e isquemia cardiaca. Este relato quiso discutir el manoseo anestésico para cesárea en paciente con CHF.

RELATO DEL CASO: Paciente con 33 semanas de embarazo y diagnóstico previo de CHF presentó en el holter de 24 horas 22 episodios de taquicardia ventricular no sustentada (TVNS) y 2 episodios de taquicardia ventricular sustentada (TVS). Refería episodios de palpitación, disnea y dolor precordial de corta duración. La paciente fue medicada con atenolol y presentó control de los síntomas y de las arritmias cardiacas. Con 38 semanas y 5 días de embarazo la paciente fue sometida a la cesárea electiva. Además de la habitual monitorización contó con el análisis de segmento ST y presión arterial invasiva. Se utilizó anestesia intradural-epidural con inyección de 5 µg de sunfentanil en la raqui seguida de administración de bupivacaína a 0,375% en dosis de incremento hasta alcanzar una altura de T6 (total de 16 mL). Se usó metaraminol como vasopresor. No hubo hipotensión arterial materna u otras complicaciones en el perioperatorio.

CONCLUSIONES: La anestesia general se usa con frecuencia para cesáreas de pacientes con CHF. La anestesia intradural-epidural con instalación lenta del bloqueo fue una alternativa segura. En esas pacientes, el aumento de la contratilidad miocárdica debe ser evitado, y si fuere necesario se debe utilizar un a-agonista para la corrección de hipotensión arterial materna.

INTRODUÇÃO

A cardiomiopatia hipertrófica familiar (CHF), também conhecida como hipertrofia septal assimétrica, cardiomiopatia hipertrófica subaórtica idiopática, cardiomiopatia hipertrófica hereditária ou estenose subaórtica idiopática, é uma doença hereditária com características de transmissão autossômica. Conseqüente às alterações estruturais das células contráteis cardíacas, ocorre hipertrofia do ventrículo esquerdo, sobretudo na região septal. Alterações no sistema de condução cardíaco também podem estar presentes 1.

Os sintomas normalmente envolvem dispnéia, cansaço, fadiga, palpitações, angina e síncopes, iniciando-se após a adolescência. O quadro clínico pode variar de sintomas mínimos até infarto agudo do miocárdio ou morte súbita 2.

A fisiopatologia da CHF é complexa e as alterações fisiológicas da gravidez e a anestesia para cesariana ou analgesia de parto apresentam grande impacto no estado hemodinâmico dessas pacientes, podendo, inclusive, estar relacionados com a morte materna 3.

Este relato abordou o caso de uma paciente grávida portadora de CHF que foi submetida à cesariana. Discutiu-se a fisiopatologia da doença, as implicações na gravidez, bem como os objetivos e a condução anestésicos.

RELATO DO CASO

Paciente de 34 anos, secundigesta, com diagnóstico de CHF há 20 anos. Na história clínica referiu angina e palpitações esporádicas antes da gravidez e que não fazia uso de medicações. Na história anestésica pregressa, referiu que foi submetida à anestesia peridural simples para parto cesariana há três anos. Naquela ocasião apresentou dor precordial e disritmia cardíaca, que melhoraram após o término da anestesia, evoluindo sem outras intercorrências.

Nesta gravidez, com 30 semanas de idade gestacional, foi encaminhada ao serviço de pré-natal de alto risco do Hospital de Clínicas de Ribeirão Preto. Referiu que durante a presente gravidez apresentou vários episódios de palpitação, dispnéia e dor precordial de curta duração. Foi submetida à eletrocardiografia que demonstrou sobrecarga de átrio e ventrículo esquerdos. No exame de ecocardiograma observou-se padrão compatível com cardiomiopatia hipertrófica familiar sem obstrução da via de saída de ventrículo esquerdo em repouso. No exame de holter de 24 horas foram registrados 22 episódios de taquicardia ventricular não-sustentada (TVNS) com até seis batimentos consecutivos e dois episódios de taquicardia ventricular sustentada (TVS) com mais de 25 batimentos consecutivos.

A paciente foi medicada com atenolol na dose de 25 mg por dia para controle das disritmias cardíacas. Após a introdução da medicação, observou-se melhora nos sintomas de palpitação e de dor precordial. No exame de holter de 24 horas observou-se também controle das disritmias. Contudo, a dose teve de ser reajustada para 12,5 mg por dia por causa da hipotensão arterial sintomática (80 ´ 50 mmHg). O acompanhamento pré-natal foi realizado duas vezes por semana e o atenolol foi mantido até o parto.

A vitalidade e o desenvolvimento fetal foram regularmente avaliados com exames semanais de perfil biofísico fetal, exames quinzenais de ultra-som, além de ultra-som morfológico fetal. Não foi observada má-formação ou retardo no desenvolvimento fetal.

Após avaliação pré-anestésica inicial, reuniram-se as equipes de Ginecologia, Anestesiologia e Pediatria que decidiram realizar o parto por via cesariana em regime eletivo sob anestesia condutiva. Obteve-se o consentimento pós-informado da paciente e com 38 semanas e 5 dias de idade gestacional realizou-se a cesariana.

A paciente observou oito horas de jejum e recebeu duas horas antes do procedimento um comprimido de 10 mg de metroclopramida e 50 mg de ranitidina via oral com pouca água. Antes da admissão no centro obstétrico, disponibilizou-se na sala cirúrgica desfibrilador/cardioversor e monitor multiparâmetro com medida de pressão invasiva (Dixtal 2210).

Prepararam-se, também, medicações antidisrítimicas (lidocaína, esmolol e amiodarona) e medicações vasoativas (metaraminol, adrenalina e nitroglicerina). O metaraminol foi preparado para infusão contínua com 10 µg.mL-1 e para injeção em bolus de 250 µg.mL-1. Além das medicações e materiais para anestesia geral disponibilizou-se, na sala, material para reanimação cardiorrespiratória e cerebral.

Na sala cirúrgica foram realizadas venóclises com cateter 18G curto (30 mm) para infusão rápida de líquidos e 20G para infusão contínua de fármacos, seguidas de cateterização da artéria radial para monitorização contínua de pressão arterial. A monitorização contou também com cardioscópio nas derivações DII, AVF e V5 com análise de seguimento ST, análise de disritmias e oxímetro de pulso.

Infundiu-se 300 mL de solução de Ringer com lactato previamente à realização do bloqueio. Seguiu-se anestesia raquiperidural combinada, com a paciente em posição sentada com injeção de 5 µg de sufentanil por via subaracnóidea e introdução de cateter peridural. Já com a paciente em decúbito lateral esquerdo e recebendo oxigênio através de cateter nasal, iniciou-se a administração fracionada de bupivacaína a 0,375% pelo cateter peridural. Inicialmente, foram injetados 8 mL da solução de anestésico local, após cinco minutos mais 4 mL, seguida de duas doses consecutivas de 2 mL a cada cinco minutos, num total de 16 mL (60 mg) em 25 minutos.

A anestesia ficou satisfatória com nível em T6. As alterações hemodinâmicas foram discretas e uma infusão de 5 mL por minuto da solução de metaraminol foi iniciada cinco minutos após a primeira dose de bupivacaína pelo cateter peridural. A infusão foi mantida até o nascimento da criança com taxa de infusão variável com o objetivo de manter a pressão arterial materna nos valores anteriores à instalação do bloqueio peridural. O recém-nato, na avaliação no primeiro e no quinto minuto de vida pelos critérios de Apgar, recebeu notas 9 e 10, respectivamente. A hidratação materna durante o procedimento foi de 1.350 mL. A diurese durante o procedimento foi de 60 mL e o sangramento não foi mensurado, porém foi considerado normal para uma cesariana eletiva. A hidratação pós-operatória de 2.000 mL nas primeiras 24 horas e a diurese nas primeiras 12 horas foi de 420 mL.

O procedimento transcorreu sem nenhuma intercorrência materna ou fetal e ambos foram encaminhados para unidades de cuidados intensivos onde permaneceram por 12 horas. Ambos receberam alta hospitalar no terceiro dia pós-operatório em boas condições.

DISCUSSÃO

Na cardiomiopatia hipertrófica familiar, durante a sístole, a cúspide anterior da valva mitral se aproxima da parede septal hipertrofiada, gerando obstrução na via de saída do ventrículo esquerdo (estenose subaórtica). A obstrução varia conforme o grau de hipertrofia do septo (alterações anatômicas), bem como é conseqüente a variações dinâmicas de cada ciclo cardíaco.

Três principais fatores promovem o aumento da obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo: 1) O aumento da força contrátil, 2) A diminuição do volume sistólico final do ventrículo esquerdo, que ocorre com o aumento da freqüência cardíaca ou diminuição do retorno venoso, 3) A diminuição da resistência vascular periférica. Além dessas alterações fisiopatológicas, deve-se considerar o elevado risco de isquemia subendocárdica conseqüente à hipertrofia ventricular, ao aumento do consumo de oxigênio e à diminuição da complacência ventricular. Esta última, também, diminui a capacidade de acomodar aumento significativo do volume circulante. Todas as alterações anteriores, associadas ou não à presença de via acessória no sistema de condução cardíaca, aumentam a possibilidade de disritmias 1,4.

As alterações fisiológicas da gravidez sobrecarregam o sistema cardiorrespiratório. Algumas dessas alterações, como o aumento do volume circulante, são favoráveis para as pacientes com CHF, pois diminuem o grau de obstrução. Contudo, outras alterações como o aumento do débito cardíaco, da freqüência cardíaca, dos níveis de catecolaminas e a diminuição da resistência vascular sistêmica normalmente resultam em piora dos sintomas e pelo menos dois casos de morte súbita na gravidez foram relatados 3,5.

Os beta-bloqueadores são os fármacos amplamente utilizados no controle dos sintomas, pois reduzem o grau de obstrução na via de saída do ventrículo esquerdo além de apresentarem características antidisrítmicas e antianginosas 1. Contudo, o uso de beta-bloqueadores durante a gravidez pode estar associado à diminuição no ritmo de crescimento e desenvolvimento fetais, o que justifica um acompanhamento estrito com perfil biofísico fetal e do desenvolvimento fetal com ultra-sonografias seriadas 6.

No final da gravidez, a compressão aortocava pode resultar em grandes variações hemodinâmicas e o decúbito dorsal horizontal deve ser evitado. A conduta em relação à via de parto deve ter como base a indicação obstétrica 7. Nesse caso, optou-se pela cesariana, pois a paciente desejava o parto por essa via e estava muito ansiosa, podendo não colaborar com o parto normal.

Com base na fisiopatologia da doença, os objetivos anestésicos foram manter ou diminuir a contratilidade do miocárdio e a freqüência cardíaca, manter a pré-carga e a pós-carga e evitar hipotensão arterial conseqüente à vasodilatação periférica. Para o parto, por via cesariana, esses objetivos podem ser alcançados com anestesia geral balanceada que é freqüentemente utilizada. Contudo, a anestesia condutiva com instalação lenta do bloqueio é uma opção 8. Nesse caso, optou-se pela anestesia raquiperidural com a utilização de sufentanil em dose baixa (5 µg) por via subaracnóidea e bupivacaína diluída em doses fracionadas por via peridural contínua. Assim, a instalação do bloqueio simpático foi gradual e sem repercussões hemodinâmicas importantes. A pré-hidratação e a hidratação vigorosa até o nascimento da criança, no intuito de diminuir a incidência de hipotensão arterial, devem ser evitadas nessa situação. Se realizada uma hidratação vigorosa, mais de 2.000 mL de cristalóide, associada ao aumento do volume circulante resultado da involução uterina e descompressão da veia cava, pode haver sobrecarga de volume no pós-operatório imediato, o que pode resultar em descompensação cardíaca na paciente cardiopata. Nesse caso, a prevenção e correção de hipotensão arterial devem ser realizadas com fármacos predominantemente b-agonistas, no caso foi utilizado o metaraminol, visto que os fármacos b-agonistas estão contra-indicados por aumentar a contratilidade e a freqüência cardíaca e, conseqüentemente, o grau de obstrução na via de saída do ventrículo esquerdo 9. A preocupação em manter a pré-carga adequada sem infundir cristalóide rapidamente e, concomitantemente, evitar variações hemodinâmicas bruscas levou à utilização da infusão contínua do vasopressor. A infusão contínua de vasopressores, dentre eles o metaraminol, também pode ser utilizada com o objetivo de minimizar as alterações da pressão materna e conseqüente manutenção da perfusão placentária 10.

A monitoração focou as possibilidades de isquemia subendocárdica, de disritmias cardíacas e o diagnóstico precoce de hipotensão arterial materna. Nessas pacientes, a utilização de cateter de artéria pulmonar é controversa. Já a ecocardiografia transesofágica, por ser pouco invasiva e fornecer dados importantes a respeito do grau de obstrução da via de saída de ventrículo esquerdo, pode ser utilizada sempre que disponível quando a anestesia utilizada for geral 11. Durante partos por via vaginal a doppler ecocardiografia transtorácica também pode ser utilizada 12.

O estreito entendimento entre as equipes de anestesia, obstetrícia e neonatologia e o antecipado preparo da anestesia são de fundamental importância. Para isso, foi realizada reunião prévia entre as equipes e disponibilizados monitores, fármacos e desfibrilador-cardioversor para uso imediato, se necessário 13.

A monitoração intensiva e prolongada na recuperação anestésica é de fundamental importância, pois o ganho de volume circulante após o nascimento, associado à hidratação intra-operatória e ao término do bloqueio simpático, pode resultar em descompensação cardíaca e edema pulmonar nesse período 14,15. Nesse caso, a paciente foi mantida em regime de cuidado intensivo com a mesma monitorização do intra-operatório por 12 horas. Foi mantida, também, analgesia peridural com bupivacaína a 0,125% associada à morfina peridural com o objetivo de atenuar as respostas neuroendócrina e metabólica ao trauma cirúrgico. A monitoração intensiva do recém-nascido também foi importante, pois o uso materno de beta-bloqueador predispõe a criança à hipotonia, hipoglicemia, hipotensão arterial, bradicardia e depressão respiratória 16.

Concluindo, medidas simples como o planejamento anestésico de acordo com a fisiopatologia da doença, o preparo antecipado de fármacos, a monitorização intra- e pós-operatória intensiva e a cooperação entre equipes são determinantes no sucesso anestésico de pacientes grávidas cardiopatas.

Apresentado em 15 de dezembro de 2006

Aceito para publicação em 21 de agosto de 2007

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  • Endereço para correspondência:
    Dr. Renato Mestriner Stocche
    Rua Dr. João Gomes da Rocha, 835/181 – Irajá
    14020-550 Ribeirão Preto, SP
    E-mail:
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    Recebido do Serviço de Anestesiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HC-FMRP) da Universidade de São Paulo (USP), Ribeirão Preto, SP
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Nov 2007
    • Data do Fascículo
      Dez 2007

    Histórico

    • Aceito
      21 Ago 2007
    • Recebido
      15 Dez 2006
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