Acessibilidade / Reportar erro

Anestesia combinada raqui-peridural em paciente portadora de esclerose lateral amiotrófica: relato de caso

Anestesia combinada raquiepidural en paciente portadora de esclerosis lateral amiotrófica: relato de caso

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A esclerose lateral amiotrófica é uma doença que se inicia entre a quinta e a sexta década de vida e provoca a degeneração e morte dos neurônios motores superiores e inferiores. Quando os músculos responsáveis pela ventilação são acometidos, o paciente evolui para o óbito em alguns anos em decorrência da insuficiência respiratória. RELATO DO CASO: Sexo feminino, 63 anos, esclerose lateral amiotrófica, submetida a tratamento cirúrgico de fratura transtrocantérica de fêmur. Quadro de fraqueza em membros superiores e inferiores, disartria, consciente e orientada. Aparelho respiratório: tosse ineficaz, diminuição da força dos músculos intercostais e diafragma e redução do murmúrio vesicular em bases pulmonares. Primeiramente, a punção peridural foi realizada em L3/L4, onde um cateter de silicone foi introduzido 5 cm. A seguir, a punção raquidiana foi feita em L4/L5 com administração de 7,5 mg de bupivacaína hiperbárica. Mais 37 mg de ropivacaína a 0,37% foram administrados pelo cateter peridural para que o bloqueio sensitivo alcançasse o dermátomo T10. O procedimento transcorreu sem complicações e a paciente recebeu alta hospitalar após três dias. CONCLUSÕES: As evidências têm demonstrado que a administração de bloqueios no neuroeixo parece ser segura em pacientes com esclerose lateral amiotrófica, pois evita a manipulação das vias aéreas e as complicações ventilatórias.

DOENÇAS, Muscular; TÉCNICAS ANESTÉSICAS, Regional


JUSTIFICATIVA Y OBJETIVOS: La esclerosis lateral amiotrófica es una enfermedad que empieza entre la quinta y la sexta década de vida y que provoca la degeneración y la muerte de las neuronas motoras superiores e inferiores. Cuando los músculos responsables de la ventilación son acometidos, el paciente evoluciona a óbito en algunos años debido a la insuficiencia respiratoria. RELATO DEL CASO: Sexo femenino, 63 años, esclerosis lateral amiotrófica, sometida a tratamiento quirúrgico de fractura transtrocantérica de fémur. Cuadro de debilidad en los miembros superiores e inferiores, disartria, consciente y orientada. Aparato respiratorio: tos ineficaz, reducción de la fuerza de los músculos intercostales y diafragma y reducción del murmurio vesicular en bases pulmonares. Primeramente, la punción epidural fue realizada en L3/L4, donde un catéter de silicona fue introducido 5 cm. A continuación, la punción raquídea se hizo en L4/L5 con administración de 7.5 mg de bupivacaína hiperbárica. Más 37 mg de ropivacaína a 0,37% se administraron por el catéter epidural para que el bloqueo sensitivo llegase al dermatomo T10. El procedimiento transcurrió sin complicaciones y la paciente recibió alta tres días después. CONCLUSIONES: Las evidencias han demostrado que la administración de bloqueos de neuro eje, parece ser segura en pacientes con esclerosis lateral amiotrófica, pues evita la manipulación de las vías aéreas y las complicaciones ventilatorias.


BACKGROUND AND OBJECTIVES: Amyotrophic lateral sclerosis starts between the fifth and sixth decades of life, causing degeneration and death of upper and lower motor neurons. When the muscles responsible for ventilation are affected, the patient dies of respiratory failure within a few years. CASE REPORT: This is a 63 years old female with amyotrophic lateral sclerosis who underwent surgical treatment of a transtrochanteric fracture of the femur. The patient presented weakness of upper and lower limbs and dysarthria, and she was awake and oriented. Respiratory function: ineffective cough, decreased strength of the intercostal muscles and diaphragm, and reduction of the breath sounds in both lung bases. Initially, the L3/L4 epidural space was punctured and a silicon catheter was introduced to 5 cm. This was followed by a spinal puncture in the L4/L5 space and the administration of 7.5 mg of hyperbaric bupivacaine. This was followed by the administration of 37 mg of 0.37% ropivacaine through the epidural catheter for a sensitive blockade up to T10. The procedure evolved without complications and the patient was discharged from the hospital after three days. CONCLUSIONS: The evidence has demonstrated that neuroaxis blocks can be safely performed in patients with amyotrophic lateral sclerosis since it avoids manipulation of the airways and respiratory complications.

ANESTHETIC TECHNIQUES, Regional; DISEASES, Muscular


INFORMAÇÃO CLÍNICA

Anestesia combinada raqui-peridural em paciente portadora de esclerose lateral amiotrófica. Relato de caso* * Recebido do CET/SBA Santa Casa de Belo Horizonte, MG

Anestesia combinada raquiepidural en paciente portadora de esclerosis lateral amiotrófica. Relato de caso

Adriano Bechara de Souza Hobaika, TSAI; Bárbara Silva NevesII

IMestre em Medicina, Anestesiologista do Hospital Mater Dei

IIME3 do CET/SBA Santa Casa de Belo Horizonte

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dr. Adriano Bechara de Souza Hobaika Rua Desembargador Jorge Fontana, 214/1601 - Belvedere 30320-670 Belo Horizonte, MG E-mail: hobaika@globo.com

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A esclerose lateral amiotrófica é uma doença que se inicia entre a quinta e a sexta década de vida e provoca a degeneração e morte dos neurônios motores superiores e inferiores. Quando os músculos responsáveis pela ventilação são acometidos, o paciente evolui para o óbito em alguns anos em decorrência da insuficiência respiratória.

RELATO DO CASO: Sexo feminino, 63 anos, esclerose lateral amiotrófica, submetida a tratamento cirúrgico de fratura transtrocantérica de fêmur. Quadro de fraqueza em membros superiores e inferiores, disartria, consciente e orientada. Aparelho respiratório: tosse ineficaz, diminuição da força dos músculos intercostais e diafragma e redução do murmúrio vesicular em bases pulmonares. Primeiramente, a punção peridural foi realizada em L3/L4, onde um cateter de silicone foi introduzido 5 cm. A seguir, a punção raquidiana foi feita em L4/L5 com administração de 7,5 mg de bupivacaína hiperbárica. Mais 37 mg de ropivacaína a 0,37% foram administrados pelo cateter peridural para que o bloqueio sensitivo alcançasse o dermátomo T10. O procedimento transcorreu sem complicações e a paciente recebeu alta hospitalar após três dias.

CONCLUSÕES: As evidências têm demonstrado que a administração de bloqueios no neuroeixo parece ser segura em pacientes com esclerose lateral amiotrófica, pois evita a manipulação das vias aéreas e as complicações ventilatórias.

Unitermos: DOENÇAS, Muscular: esclerose lateral amiotrófica; TÉCNICAS ANESTÉSICAS, Regional: combinada peridural subaracnoidea.

RESUMEN

JUSTIFICATIVA Y OBJETIVOS: La esclerosis lateral amiotrófica es una enfermedad que empieza entre la quinta y la sexta década de vida y que provoca la degeneración y la muerte de las neuronas motoras superiores e inferiores. Cuando los músculos responsables de la ventilación son acometidos, el paciente evoluciona a óbito en algunos años debido a la insuficiencia respiratoria.

RELATO DEL CASO: Sexo femenino, 63 años, esclerosis lateral amiotrófica, sometida a tratamiento quirúrgico de fractura transtrocantérica de fémur. Cuadro de debilidad en los miembros superiores e inferiores, disartria, consciente y orientada. Aparato respiratorio: tos ineficaz, reducción de la fuerza de los músculos intercostales y diafragma y reducción del murmurio vesicular en bases pulmonares. Primeramente, la punción epidural fue realizada en L3/L4, donde un catéter de silicona fue introducido 5 cm. A continuación, la punción raquídea se hizo en L4/L5 con administración de 7.5 mg de bupivacaína hiperbárica. Más 37 mg de ropivacaína a 0,37% se administraron por el catéter epidural para que el bloqueo sensitivo llegase al dermatomo T10. El procedimiento transcurrió sin complicaciones y la paciente recibió alta tres días después.

CONCLUSIONES: Las evidencias han demostrado que la administración de bloqueos de neuro eje, parece ser segura en pacientes con esclerosis lateral amiotrófica, pues evita la manipulación de las vías aéreas y las complicaciones ventilatorias.

INTRODUÇÃO

A esclerose lateral amiotrófica (ELA) é uma doença que se inicia entre a quinta e a sexta década de vida e provoca a degeneração e morte dos neurônios motores superiores (córtex cerebral e troncoencefálico) e inferiores (medula espinhal). A desnervação progressiva afeta diversos músculos do corpo, provocando fraqueza e atrofia e a capacidade intelectual é preservada. Quando os músculos responsáveis pela ventilação são acometidos, o paciente evolui para o óbito em alguns anos em decorrência da insuficiência respiratória 1. A doença não tem tratamento específico no momento e o riluzole, fármaco recentemente aprovado pelo Food and Drug Administration, reduz a degeneração neuronal e prolonga a vida do paciente em alguns meses.

RELATO DO CASO

Paciente do sexo feminino, 63 anos, portadora de ELA e hipertensão arterial, candidata a tratamento cirúrgico de fratura transtrocantérica de fêmur. Medicações em uso: vimpocetina, riluzole, ácido acetilsalicílico e enalapril. Apresentava-se com quadro de fraqueza em membros superiores e inferiores, disartria, consciente e orientada. Exames pré-operatórios e coagulograma normais. Aparelho respiratório: tosse ineficaz, diminuição da força dos músculos intercostais e diafragma e redução do murmúrio vesicular em bases pulmonares.

A paciente foi sedada com midazolam (1 mg) e realizado bloqueio combinado no neuroeixo. Primeiramente, a punção peridural foi realizada em L3/L4, onde cateter de silicone foi introduzido 5 cm. A seguir, a punção raquidiana foi feita em L4/L5 com administração de 7,5 mg de bupivacaína hiperbárica. Mais 37 mg de ropivacaína a 0,37% foram administrados pelo cateter peridural para que o bloqueio sensitivo alcançasse aproximadamente o dermátomo T10. Medicações adicionais: dexametasona (10 mg), ondansetrona (4 mg) e cefazolina (2.000 mg). O procedimento transcorreu sem complicações e os dados vitais mantiveram-se estáveis. A paciente recebeu alta hospitalar após três dias.

DISCUSSÃO

A principal causa de óbito em pacientes portadores de ELA é a insuficiência ventilatória 2. Esta é a principal causa de risco em administrar anestesia geral e bloqueador neuromuscular a estes pacientes, por causa da possibilidade de agravar a fraqueza dos músculos ventilatórios 3. A paralisia prolongada e o bloqueio neuromuscular residual podem complicar a extubação traqueal 4. Nesse aspecto, pode se optar por intubação acordado e administrar pequenas doses de bloqueador neuromuscular ou mesmo omiti-los 5. De fato, esses pacientes podem apresentar sensibilidade aumentada a estes fármacos e a monitorização da função neuromuscular é obrigatória. Em pacientes com acometimento bulbar, pode ocorrer, ainda, apnéia prolongada após anestesia geral 6.

Apesar dos bloqueios de neuroeixo não serem contraindicados, há o receio de que a administração de anestésico local próximo ao nervo possa exacerbar os sintomas preexistentes da doença 7. Contudo, as evidências têm demonstrado que a administração desses bloqueios parece ser segura nesses pacientes, pois evita a manipulação das vias aéreas e as complicações ventilatórias. Na maioria dos casos, a anestesia peridural tem sido utilizada com sucesso e sem complicações 7-10. Em estudo inovador, Kitoh e col. administraram bloqueio peridural associado ao bloqueio de gânglios simpáticos lombares para o tratamento de ELA em um paciente e observaram melhora dos sintomas no membro inferior afetado 11.

O relato de anestesia subaracnóidea foi encontrado, na literatura pesquisada, apenas em duas ocasiões em pacientes com ELA: uma laparotomia exploradora 3 e uma cesariana 12, sem complicações.

Nesta paciente, optou-se por anestesia combinada. A anestesia subaracnoidea foi realizada com bupivacaína pesada em função do menor tempo de duração, quando comparada com a isobárica. A peridural foi realizada com ropivacaína na concentração de 0,37%, que fornece bloqueio sensitivo adequado e bloqueio motor reduzido 13. Com o uso da técnica combinada foi possível monitorar a função motora dos membros inferiores da paciente de forma precoce. A sedação administrada foi mínima, pois se recomenda que o uso de sedativos deva ser titulado e, se possível, evitado por causa do risco de agravamento da função ventilatória.

A paciente estava em uso de riluzole e vimpocetina. A vimpocetina possui ação vasodilatadora cerebral e neuroprotetora, atuando na inibição dos canais de sódio e cálcio voltagem-dependentes e na inibição da recaptação celular de adenosina. O fármaco está indicado para o tratamento dos sintomas de deterioração cognitiva relacionados às doenças vasculares encefálicas. O riluzole tem vários mecanismos de ação; bloqueio dos canais de sódio, bloqueio dos canais de cálcio de alta voltagem, antagonismo dos receptores NMDA/glutamato. O bloqueio é exercido principalmente sobre os canais de sódio tetrodotoxina sensíveis (TTX-S), que estão associados à lesão neuronal. Não há descrição de interação entre estes fármacos e anestésicos.

Relatou-se o caso de uma paciente portadora de esclerose lateral amiotrófica submetida ao tratamento cirúrgico de fratura de fêmur sob anestesia combinada raqui-peridural sem complicações.

Apresentado em 28 de maio de 2008

Aceito para publicação em 29 de dezembro de 2008

  • 01. Ferguson TA, Elman LB - Clinical presentation and diagnosis of amyotrophic lateral sclerosis. NeuroRehabilitation, 2007;22:409-416.
  • 02. Gregory SA - Evaluation and management of respiratory muscle dysfunction in ALS. NeuroRehabilitation, 2007;22:435-443.
  • 03. Nicolas F, Sollet JP, Mathé JF - Aggravation par l'anesthésie d'une sclérose latérale amyotrophique méconnue. Anesth Analg (Paris), 1979;36:235-238.
  • 04. Mashio H, Ito Y, Yanagita Y et al. - Anesthetic management of a patient with amyotrophic lateral sclerosis. Masui, 2000;49:191-194.
  • 05. Mishima Y, Katsuki S, Sawada M et al. - Anesthetic management of a patient with amyotrophic lateral sclerosis (ALS). Masui, 2002;51:762-764.
  • 06. Sánchez Castilla M, Rodríguez Tato P, García Escobar M et al. - Anesthesia in two patients with motor neuron disease. Rev Esp Anestesiol Reanim, 1990;37:297-299.
  • 07. Hara K, Sakura S, Saito Y et al. - Epidural anesthesia and pulmonary function in a patient with amyotrophic lateral sclerosis. Anesth Analg, 1996;83:878-879.
  • 08. Kochi T, Oka T, Mizuguchi T - Epidural anesthesia for patients with amyotrophic lateral sclerosis. Anesth Analg, 1989;68:410-412.
  • 09. Otsuka N, Igarashi M, Shimodate Y et al. - Anesthetic management of two patients with amyotrophic lateral sclerosis (ALS). Masui, 2004; 53:1279-1281.
  • 10. Chen LK, Chang Y, Liu CC et al. - Epidural anesthesia combined with propofol sedation for abdominal hysterectomy in a patient with amyotrophic lateral sclerosis - a case report. Acta Anaesthesiol Sing, 1998;36:103-106.
  • 11. Kitoh T, Kobayashi K, Ina H et al. - Effects of lumbar sympathetic ganglion block for a patient with amyotrophic lateral sclerosis (ALS). J Anesth, 2006;20:109-112.
  • 12. Moret JE, Di Gioia M, Montaruli V - Subarachnoid anesthesia in a case of cesarean section in a 27-year old patient with amyotrophic lateral sclerosis, in the 39th week of pregnancy. Minerva Anestesiol, 1991;57:747-748.
  • 13. Casati A, Santorsola R, Cerchierini E et al. - Ropivacaine. Minerva Anestesiol 2001;67(suppl 1):15-19.
  • Endereço para correspondência:
    Dr. Adriano Bechara de Souza Hobaika
    Rua Desembargador Jorge Fontana, 214/1601 - Belvedere
    30320-670 Belo Horizonte, MG
    E-mail:
  • *
    Recebido do CET/SBA Santa Casa de Belo Horizonte, MG
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Abr 2009
    • Data do Fascículo
      Abr 2009

    Histórico

    • Recebido
      28 Maio 2008
    • Aceito
      29 Dez 2008
    Sociedade Brasileira de Anestesiologia R. Professor Alfredo Gomes, 36, 22251-080 Botafogo RJ Brasil, Tel: +55 21 2537-8100, Fax: +55 21 2537-8188 - Campinas - SP - Brazil
    E-mail: bjan@sbahq.org